Não há “uma única circunstância histórica" em
que as políticas de austeridade tenham conduzido ao fim do pesado fardo de dívida
Ashoka Mody, ex- chefe de missão do FMI na Irlanda
Sumário
Conclusões
1 - A dívida é um
instrumento de domínio.
2 – A geminação
entre os Estados e os capitalistas
3 - Portugal –
Cenários de continuidade no pagamento da dívida
3.1 – A
continuidade pró-ativa e radical (Hipótese I)
3.2
– A continuidade pró-ativa amortecida (Hipótese II)
3.3 – A continuidade prolongada
(Hipótese III)
4 – Avaliação das
parcelas da dívida a não pagar
5 - Como sair disto?
Conclusões
- A dívida é um modo de domínio que incute no devedor a submissão através da culpa;
- O predomínio financeiro no capitalismo de hoje exige um ciclo infernal de geração artificial de dinheiro e crédito, com a subsequente captura incessante e permanente de devedores;
- A austeridade, o empobrecimento, a perda de direitos, a precariedade da vida constituem os efeitos dramáticos dos mecanismos financeiros e são apresentados – por banqueiros e políticos – simultaneamente, como as vias para uma redenção sempre adiada;
- Os mecanismos da dívida e a austeridade têm como actores essenciais o alto poder do sistema financeiro e as classes políticas, acotovelando-se nestas, os servis domésticos do primeiro;
- O aparelho de Estado, além do já conhecido papel de capitalista coletivo, é um departamento do sistema financeiro, cujos diretores se designam por ministros. A incorporação formal não existe porque convém manter a ilusão da separação face ao grande capital e com isso garantir a aceitação pela multidão, da legitimidade da punção fiscal e da autoridade;
- O sistema financeiro e os seus Estados dedicam-se à reprodução desmedida de capital-dinheiro, afogando a “economia real” em dívidas, fomentando o consumismo e a dívida nas pessoas numa fórmula demente que torna o planeta insuficiente para as suas ambições;
- As limitações deste modelo gera dificuldades nas estirpes mais frágeis do próprio sistema financeiro, como no caso dos bancos portugueses, cuja existência se tem mantido porque o BCE os vem financiando para se engolfarem na especulação e na compra de dívida portuguesa, recusando aceitar as perdas de quase de duas décadas de distorção da economia portuguesa;
- O capitalismo, na sua configuração atual, transfere os seus problemas para os Estados que, obedientemente assumem dívidas, reduzem mais e mais as suas funções sociais, colocando mais do que nunca a questão da utilidade do Estado se a sua atividade se reduz a ajudar os capitalistas e criar dificuldades para a multidão;
- Não se espera nada de virtuoso, de alterações estruturais provenientes das instituições comunitárias ou nacionais; a continuidade está garantida e só a mobilização da multidão pode criar um novo sistema económico e de expressão democrática, sem capitalistas nem classes políticas;
- Qualquer solução de continuidade no pagamento do serviço de dívida corresponde a um pesadíssimo fardo financeiro na vida de quantos vivem em Portugal, mormente trabalhadores e pobres:
Parcela do encargo com a dívida no
rendimento bruto 2014/21
Hipótese I – 8.8 a 12.4%
Hipótese II - 6.6 a 8.5%
Hipótese III – 5.8 a 6.6%
- Para além de não ser economicamente possível pagar em prazos normais uma dívida que brevemente será computada em € 242000 M[1] há várias questões de legitimidade. Uma das razões é que muito pouco daquele montante se prende com a satisfação das necessidades dos portugueses; depois, os objetivos da constituição da dívida – absorver os efeitos da política de crédito vigente desde os anos 90, bem como a dificuldades do euro - não têm que ser suportados pela população; e, finalmente, porque os gangs no governo atuaram em medidas de impactos tão desastrosos ao arrepio e ultrapassando largamente as prerrogativas que podem ser imputadas à chamada democracia representativa;
- Por seu turno, as instituições financiadoras, globais ou privadas, não ignoravam essa ilegitimidade decorrente do divórcio entre os beneficiários do crédito e os seus reais pagadores; nem ignoravam o rápido crescimento da dívida, em paralelo com o definhamento da economia portuguesa, a desestruturação social ou o caráter degenerado das instituições políticas em Portugal;
- Um volume de abates na divida que a conduzam a uns 60% do PIB, o máximo admitido pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação será da ordem dos 143000 M e, mesmo assim, o crescimento económico ficará refém do pagamento da dívida, deixando o nível de vida das pessoas estagnado durante muitos anos:
Parcela do encargo com a dívida no
rendimento bruto 2015/21
Variante A – 2.7 a 3.1 %
Variante B – 2.4 a 2.6%
Variante C – 1.8 a 2%
- Qualquer solução definitiva para a questão da dívida e que permita a geração de bem estar em Portugal exigirá:
- Um imediato novo quadro, democrático, de organização política;
- Mobilização social para o confronto com o capital financeiro e suas instituições;
- Enquadramento num contexto de contestação, ao nível das periferias Sul e Leste da UE, com relevo para a Espanha;
- A radical alteração das desigualdades existentes, para ser consolidada, exige nova organização política e novo modelo de representação, com ausência de classe política;
- E ainda a construção de uma sociedade sem capitalismo, sem apropriação privada do produto do trabalho, auto-gestionada e orientada para a satisfação das necessidades da população.
1 - A
dívida é um instrumento de domínio
A dívida é um instrumento de domínio. Em certas culturas, um
insolvente terá mesmo de se apresentar como escravo com a sua família,
penhorando-se a si próprio, junto do credor.
Essa desonra e humilhação tem também reminiscências em certas
culturas do norte da Europa. Em alemão, a palavra culpa traduz-se por schuld e numa frase tão corrente em
qualquer língua, no momento de uma transação vulgar, como “quanto devo?”, em alemão diz-se Was schulde Ich?, sendo a mesma conexão débito-culpa semelhante em
outras línguas germânicas. Nessa cultura, a dívida estará associada a algo de
ilícito (pecaminoso na lógica cristã) ou pouco recomendável, pois em nada
ilustra o devedor.
O capital financeiro é o verdadeiro arquiteto da insana
espiral do crédito a que se assiste, da criação artificial de capital-dinheiro,
desligada da criação de valor – que só o trabalho gera – ou de qualquer
poupança acumulada. Para a conservação dessa situação, procura, naturalmente,
dividir os povos entre devedores e credores, entre gente de boas e más contas.
E daí, que os mandarins e os plumitivos dos grandes media acusem os países
devedores do sul da Europa como habitados por esbanjadores e mandriões, pois
despreocupadamente terão gerado uma dívida que agora lhes dói pagar ou a cujo
pagamento se querem eximir.
Não é incomum, gente modesta, com dificuldades na vida resultantes
da estratégia de fomento do endividamento por parte do sistema financeiro,
assumir a sua culpa, como “tendo vivido acima das suas possibilidades”, acarretando
com o ónus moral, a auto-flagelação tão inerente às religiões, submetendo-se a
assumir o pecado e a expiar com as prestações de uma dívida impagável e que se
pretende eterna.
“Não queremos ser caloteiros” diz-se na assunção imbecil da
dívida de um Estado que nada tem a ver com as pessoas e que se coloca sempre de
fora da resolução dos problemas criados junto da maioria da população. Se
alguém tem dificuldades em pagar a prestação da casa, em alimentar a família,
porque caiu no desemprego ou na indigência, o Estado ou se alheia ou toma mesmo
atitudes que só pioram a situação, com a redução dos subsídios de desemprego,
das condições para o desembolso do RSI, de acesso à saúde, etc. Inversamente, o
mesmo totalitário Estado, para arcar com o pagamento das suas dívidas, que
contraiu para servir o sistema financeiro, os grandes empreiteiros de obras
públicas ou capitalistas em geral, reduz tudo o que pode nas despesas de caráter
social e aumenta a carga fiscal a pagar pelos trabalhadores, pelos reformados e
consumidores, ao mesmo tempo que desonera os empresários e os bancos, de
encargos fiscais.
2 – A geminação entre os Estados e os capitalistas
Nunca é demais recordar que o Estado sempre foi o
capitalista coletivo[2] e que
atualmente é apenas um departamento do sistema financeiro e cujos diretores se designam
por ministros. O Estado vai estando em processo de privatização direta ou de
concessão de rendas ou benfeitorias de bens e serviços públicos a favor de
capitalistas. As funções diretamente exercidas pelo Estado tenderão a
restringir-se ao exercício da punção fiscal e da autoridade – emissão de leis, aplicação
da “justiça” e da repressão necessária à manutenção do statu quo - não sendo de espantar que algumas dessas funções já não
estejam ou venham a ser exercidas por privados – cobrança de impostos, prisões,
elaboração de leis, sob formas jurídicas elaboradas como contratos, parcerias,
ajustes, cedência de espaços, etc
Convém ter em conta que o Estado, como entidade, nunca será
diluído num qualquer grupo financeiro. Os capitalistas sabem bem a importância
de um aparelho coletivo, que exerça funções úteis a todos, embora tendo em
conta a hierarquia entre os vários capitalistas, grupos e empresas. Por outro
lado, é do seu interesse manter um aspecto de aparelho “acima” da sociedade, “neutro”
face a empresas e indivíduos, para que estes aceitem a sua autoridade para a
cobrança de impostos, a emanação de leis, as decisões dos tribunais e da legitimidade
da atuação da polícia, mesmo quando bestial.
Voltando à dívida, é evidente que os bancos não vão aceitar que
os insolventes se ofereçam como escravos tal como vão adiando os despejos de
casas, porque isso lhes traria mais custos. Como conhecem a fábula da galinha
dos ovos de ouro, preferem mantê-las, famintas, a esgravatar num solo próximo
da esterilidade, enquanto houver ovos para pôr. Exigindo, naturalmente, que as
galinhas se mantenham de cabeça baixa, sem pensar no cutelo que lhes cortará o
pescoço, entretidas com os comentadores televisivos.
De facto, a relação entre o sistema financeiro e os
devedores pouco tem de equiparado com as vigentes em ambientes sociais pré-capitalistas,
onde o devedor arrisca a escravidão em caso de insolvência. Atualmente, o
sistema financeiro precisa de multiplicar e aplicar capital a todo o momento e
minimizar o capital não comprometido numa relação creditícia; numa sociedade
pré-capitalista, o crédito é, essencialmente baseado numa cedência temporária
de poupanças, pois os credores não têm disponíveis as variadas ferramentas e
artifícios de criação de capital que o sistema financeiro, hoje, tem e em
situação de monopólio.
Nesse contexto, o sistema financeiro precisa
desesperadamente de colocar capital, de o reproduzir, mesmo que com isso descure,
desestruture e destrua parte do aparelho produtivo de bens e serviços, a
chamada “economia real”, aquela que de facto, satisfaz as necessidades das
pessoas. O sistema financeiro orquestra o empresariato e o mandarinato na
geração de uma psicologia social assente num consumo inveterado e irracional, num
apelo constante ao crescimento a que, por vezes, se acrescenta piamente o
adjetivo de sustentável, para alegrar os ecologistas. Essa adjetivação revela
precisamente a omissão de que os recursos, o ambiente, são finitos e não
admitem um crescimento adequado aos desejos do insaciável sistema financeiro.
Essa pulsão consumidora conduz as pessoas ao endividamento, ao
comprometimento de rendimentos futuros, que se estão a revelar muito pouco
seguros, como pareceria anos atrás; e, para corresponder a essa gula, as
empresas produzem com o que têm e o que lhes é propiciado pelo sistema
financeiro para que as pessoas comprem, consumam, o que precisam e o que julgam
precisar, por indução da publicidade e da injeção de conceitos de promoção
social em que o consumo e a modernidade dele resultante enformem a
subjetividade dos indivíduos[3].
Como já em tempos assinalámos[4], o
crédito acumulado pelas famílias e pelas empresas não está a permitir a rotação
nem a liquidez de que os bancos gostariam; antes pelo contrário, os
incumprimentos e as dilações de prazos de pagamento vão crescendo, tal como
crescem as insolvências, com o fecho de empresas e a ruina de pessoas. Assim, o
sistema financeiro tem dificuldades em continuar a manter a volúpia da
concessão de crédito dado que os indivíduos se retraem no consumo e na assunção
de acrescidas responsabilidades e as empresas, não tendo garantido o escoamento
dos seus bens e serviços, não adquirem matérias-primas, nem equipamentos. Os
crescentes rendimentos dos ricos[5] não
compensam, obviamente, a retração na satisfação das necessidades das pessoas;
já não as relativas ao exibicionismo social mas, no capítulo das necessidades
elementares.
A incapacidade do sistema financeiro em manter a volúpia do
crédito promove uma reação em cadeia, que se repercute a montante, uma vez que
o sistema gera redes de interdependência, de relações devedor/credor que o
equipara a um castelo de cartas, em articulação e fragilidade. Como qualquer
devedor que não consegue satisfazer os seus compromissos com os credores, os
bancos mais débeis ficam bloqueados – não conseguem manter o ritmo da entrada
de fundos e por isso, também não conseguem reembolsar os seus refinanciadores
de dinheiro, os seus colegas mais abonados. Naturalmente que isso tem um
impacto evidente nos indicadores de solvabilidade e rendabilidade dos bancos
fragilizados, com manifestações nas cotações das ações que tendem a afugentar
“investidores” e bloquear a sua atividade, tornando-os abertos a operações
hostis de compra, provenientes de fundos de investimento ou de pensões,
predadores, ávidos de lucros a curto prazo, na base de reestruturações, fusões,
downsizings e despedimentos massivos.
Esta situação, para mais, generalizada, conduziu a várias
falências de bancos, entre os quais se destaca o Lehmans; intervenções de
fundos estatais como nos casos do Dexia ou em Portugal, do Banif; assunção dos
“tóxicos” existentes nos bancos espanhóis, no Anglo-Irish ou no célebre BPN.
Estas atitudes representam atitudes de amortecimento dos desmandos do sistema
financeiro para o salvar, para evitar o desmantelamento do referido castelo de
cartas.
Mas isso demonstrou ser insuficiente. Foi necessário introduzir
mais dinheiro no sistema para o rendabilizar e disso, na Europa, se encarregou
o BCE, ao fornecer meios aos bancos para que estes o aplicassem em apostas de
elevada remuneração. O BCE fornece liquidez aos bancos[6] a
0.25% e estes, dada a anemia das economias, dos riscos associados a famílias
empobrecidas e empresas, sem perspetivas de crescimento, inventaram os Estados
como grandes devedores, em muito poucos anos. A propagada fobia do BCE à
inflação induzida pelo trauma alemão com a hiper-inflação dos anos vinte é uma
mentira; é importante não haver inflação pois esta tende a reduzir o valor real
da enorme liquidez detida pelo sistema financeiro global.
No quadro seguinte, pode observar-se que, excepto para o
caso da Alemanha, há um acréscimo da representação dos bancos domésticos no
total da dívida soberana dos seus respetivos Estados, constituída junto do
sistema bancário e que na maioria dos países selecionados ultrapassa os 70% do
total em 2013. No caso de Portugal, a estabilidade da dívida detida pelo
sistema bancário entre os dois momentos revela contudo um reforço do papel dos
bancos portugueses. Por seu turno, é bem evidente a fuga dos bancos não gregos
dos títulos soberanos do país, contrariando promessas feitas para conseguir o
apoio do FMI ao empréstimo de 2010 [7],
contribuindo para a fragilidade posterior do país.
Dez-10
|
Jun-13
|
|||
Total sistema bancário
(M€)
|
Bancos domésticos (%)
|
Total sistema bancário
(M€)
|
Bancos domésticos (%)
|
|
Alemanha
|
406077
|
76
|
399128
|
72
|
Chipre
|
2105
|
59
|
2852
|
84
|
Espanha
|
177568
|
78
|
199076
|
89
|
França
|
163044
|
61
|
149992
|
67
|
Grécia
|
80957
|
67
|
23061
|
99
|
Inglaterra
|
109523
|
83
|
127472
|
89
|
Irlanda
|
15512
|
66
|
21716
|
84
|
Itália
|
262185
|
59
|
274212
|
76
|
Portugal
|
34792
|
54
|
34238
|
71
|
(Bancosdos nos testes de Fonte primária: Agência Bancária
Europeia stress da Agência
Este reforço do financiamento dos bancos domésticos aos seus
Estados revela a procura de aplicações financeiras rentáveis e onde seja
possível um controlo direto sobre o devedor, sobre os mandarins. No caso
português, em 2013, apesar dessa almofada. a banca doméstica não evitou os
enormes prejuízos registados no último ano[8].
Há muito boas razões para esse compromisso dos bancos. De
facto, mesmo para iguais taxas de juro, um dado valor de empréstimo concedido
pelo sistema financeiro a famílias e empresas terá sempre um grau de risco
superior para o banco credor e reparte-se por milhões de mutuários, exigindo
custos mais elevados de acompanhamento e gestão. Por outro lado, como se viu no
caso dos swaps ou, na constante mutação
das mesmas pessoas entre cargos políticos e na direção de bancos, há uma
relação promíscua entre o sistema financeiro e o Estado, sendo os mandarins,
por corrupção, conivência ou ignorância, muito abertos às sugestões dos
vendedores de “produtos” bancários.
O sistema financeiro tem também outras vantagens em ser um
grande detentor de dívida pública, sobretudo em época de retração económica em
que os negócios promissores, a financiar, não abundam. Uma empresa comum ou uma
família têm patrimónios e fluxos de receitas e gastos limitados e contingentes;
numa empresa, o recurso ao crédito depende das capacidades de gestão e do
“mercado” enquanto nas famílias quase tudo fica dependente da saúde dos seus
membros e dos rendimentos do trabalho, daí resultando sempre um risco para os
prestamistas.
Os Estados não apresentam um balanço, uma avaliação do
património, porque é escusado. Os Estados têm um privilégio especial, a
coercividade na obtenção de receitas (impostos, taxas, preços administrativos) sem
contrapartidas diretas e o próprio poder de expropriação, a arbitrariedade e a essencial
perenidade na determinação das receitas; assim, quando devedores, apresentam uma
capacidade infinita de pagamento. As chamadas bancarrotas, mesmo não sendo
raras na História, jamais colocam em causa a existência dos Estados devedores, sempre
associados a uma soberania sobre um território, um povo, a uma capacidade de
extorsão de rendimentos do trabalho ou de bens privados. Um Estado que
determine o não pagamento de dívida pública, pode arrostar com as manobras e a
solidariedade da comunidade capitalista e das suas instituições políticas; mas,
se for determinado terá bons resultados, como no caso do Equador ou da Islândia
enquanto em outros casos, é o próprio sistema financeiro que procede ao hair-cut (corte de cabelo) para evitar
males piores, mormente de caráter sistémico (Grécia, 2012).
Uma aceite ausência de risco de não pagamento associada a
dívida pública traz vantagens importantes para os indicadores saídos dos
balanços bancários. No capítulo de uma dívida privada, os bancos consideram nos
seus custos uma parcela de provisões, para futuramente poderem compensar casos
de não pagamento; e, a constituição de provisões implica um nível mais baixo de
lucros, de capitais próprios, o que pode obrigar os acionistas a proceder a
aumentos de capital. No caso de títulos de dívida pública considera-se-lhes
associada uma segurança absoluta de reembolso e ficam os bancos exonerados de
proceder a provisões relativas aqueles títulos, aumentando assim a sua
rendabilidade. Como se vê, o que não será contemplado em leis e regulamentos
para ajudar o sistema financeiro? Quem manda escolhe as regras da casa.
No cenário do sistema financeiro global, as agências de rating sabem como influenciar a
percepção dos “investidores” quanto ao risco associado a uma dívida; como sabem
corresponder aos interesses que as controlam. Numa atividade em que a
informação é volátil e a decisão se pretende rápida, não é praticável a
utilização de milhares de operadores, sendo estes substituídos por sistemas
informáticos poderosos incorporando programas com algoritmos sofisticados.
Requere-se uma confiança e uma credibilidade quase cega nos oráculos das
agências de rating; o mercado é um
deus e exige fé.
Se um país apresenta dificuldades sociais, económicas ou
financeiras, nada melhor do que um rating
menos favorável para que aumentem os juros exigidos pelos futuros compradores
dos títulos da sua dívida soberana. Para um banco haverá melhor cliente do que
aquele que não irá à falência, que paga elevados juros e cuja casa se
frequenta, como se fosse sua?
No cenário europeu, na zona euro, o BCE não deixaria nunca
de intervir para evitar a contaminação sistémica de um incumprimento declarado
por um estado-membro, tendo mesmo feito algum bluff para pressionar os gregos, mais precisamente. Recordamos
nesse aspeto que Draghi anunciou comprar “sem limites” dívida soberana dos
países intervencionados para salvar o euro[9] o que
anda a causar uma querela constitucional na Alemanha[10]. Por
outro lado, tendo em conta o caráter subalterno dos mandarins em funções governamentais
nos países em dificuldades, não é compaginável que Passos, Rajoys ou Samaras
decretem unilateralmente um não pagamento de dívida, para defender os
respetivos povos.
Assim, os Estados enchem-se de dívida a juros elevados
inerentes a um elevado risco que os bancos não refletem nos seus balanços.
Estranha contabilidade…
Essa situação é sabiamente aproveitada pelos bancos,
particularmente domésticos, para obterem boas taxas de rendabilidade,
inalcançáveis com outros potenciais devedores. Recentemente, foi divulgado que
as remunerações conseguidas pelos detentores de dívida pública portuguesa foram
de 9.62% em 2013 mas, ainda mais elevadas no caso de Espanha (11.41%), Irlanda
(12.21%) e da Grécia, com uns espantosos 47.72%[11]; aliás
já havia sido referido em finais de 2012, no relatório anual da CMVM referente
a 2011 que “a dívida pública foi o investimento mais rentável dos últimos 10
anos”[12].
Finalmente, também o Banco de Portugal - cujos governadores são sempre muito
(?) independentes - revelou em novembro último no seu Relatório de Estabilidade
Financeira que "uma parte significativa das carteiras de títulos das
instituições financeiras é composta por activos nacionais, designadamente de
dívida soberana, que continua a proporcionar níveis de rendibilidade
relativamente altos."[13]
Que daí advenham dificuldades na gestão das contas públicas,
trata-se de matéria de segunda linha de grandezas. É para gerir essas dificuldades
que existem as classes políticas, os mandarins, as “concertações sociais” e os
media; e é da sua harmonia que resultam privatizações, despedimentos,
alterações nas leis laborais, cortes brutais nos deveres sociais dos Estados,
redução de pensões, atrasos na idade da reforma… As troikas funcionam como os auditores designados pelos altos representantes
do poder financeiro global para a supervisão dos governos nacionais em
dificuldades. Também neste caso, se considera mais ajustado manter um governo
indígena de mainatos para desarmar os orgulhos patrióticos da plebe do que
nomear um governador-geral tipo Beresford, um procônsul como o Bremer que Bush
colocou no Iraque ou, um qualquer gauleiter
para o Lusitanienbezirk.
No entanto, vão-se avolumando notícias que apontam para um
redimensionamento e aumento do controlo sobre a banca europeia depois de um
longo período de apoios públicos, como quantificado num estudo[14] recente
coordenado por um eurodeputado belga. Revela esse estudo que os apoios públicos
ao sistema financeiro (assunção de tóxicos, nacionalizações, financiamentos)
orçaram os 1.33 biliões de euros, isto é, mais de oito vezes o PIB português ou
10% do da UE. Há contudo, muitas dúvidas que os mandarins comunitários
procedam, de facto, a alterações profundas no sistema.
Por seu turno, a EBA – Autoridade Bancária Europeia
selecionou para supervisão (os chamados testes de stress) os 124 bancos europeus que abarcam mais de 50% dos sectores
bancários domésticos. Os resultados deverão ser apresentados em outubro e a
responsável pela supervisão bancária europeia avança com a ideia de que virá a
haver falências de bancos muito em breve[15]. Do
outro lado do Atlântico, nos EUA o governo federal poderá a ficar sem margem
para obter mais crédito[16] e a
ter de deixar de proceder aos quantitative
easings com o qual se tem financiado há vários anos.
Uma crise dentro da crise, anuncia-se e adensa-se[17].
3 - Portugal – Cenários de continuidade no pagamento da
dívida
3.1 – A
continuidade pró-ativa e radical (Hipótese I)
Nesta hipótese contempla-se o fiel cumprimento do plano de
amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP (ver o
anexo), para o período 2014/21, sem reescalonamentos ou o recurso a novos
débitos de médio ou longo prazo, que tenham impactos no volume dos reembolsos
previstos. Isso será de todo muito pouco provável dado o grau de esforço
imanente àquele plano para a depauperada economia portuguesa e para o conjunto
da população, mormente trabalhadores, desempregados, reformados e pobres em
geral.
Por outro lado, foi realizada recentemente uma operação de
emissão de dívida, pagável em 2024 mas, para fazer face à satisfação de
compromissos deste ano, com uma taxa pouco aliciante de 5.112%, durante dez
anos, o que provocou festejos na área governamental, porque o “mercado” se
mostrara receptivo (!), dado que a retoma estará visível, que haverá
reconhecimento perante o esforço dos
portugueses (todos?), etc. De facto, com taxas daquelas e o BCE como
garante último, o negócio não é mau para os credores; note-se que a taxa de
juro implícita no total da dívida (todos os prazos) foi da ordem de 3.7% no ano
passado contra 4.4% em 2012.
O gráfico que se segue contempla o peso no PIB das
amortizações de dívida, de médio ou longo prazo, bem como dos juros de toda a
dívida e ainda o esforço exigido, correspondente à soma do capital emprestado e
dos juros vencidos (o serviço de dívida) que representa o rendimento que é
preciso desviar para a satisfação dos credores. A coisa pode ser minorada se
forem afetados para a amortização da dívida, reservas de dinheiro pré-existentes
– e que neste momento garantem um ano de pagamentos do plano do IGCP - ou o
produto de privatizações, como a da TAP, se bem que a longo prazo, haja muitas
dúvidas sobre as vantagens da alienação da companhia. Fora essas situações
ocasionais, o pagamento do serviço de dívida exigirá um superavit externo dessa
dimensão; caso contrário é o rendimento global que tem de encolher, sabendo-se
de antemão quem serão os sacrificados pelos governos.
gráfico 1
Excluindo as ressalvas anteriores, esse esforço de pagamento
do serviço de dívida (amortização de capital e juros) varia entre 12.4% do PIB
em 2016 e 8.8% em 2021, cifrando-se o valor em dívida em cerca de € 105000 M em
2021, contra os € 205252 M no final de 2013, nas contas do IGCP. Tendo em conta
o montante em dívida calculado para 2021, isso significaria o cumprimento das
exigências do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação (dívida
pública ao nível de 60% do PIB). Assim, o rendimento nacional previsto (PIB),
deduzido o serviço de dívida ficaria estagnado durante a maioria dos anos
vindouros, mesmo admitindo algum crescimento económico, como indicado no anexo:
Rendimento disponível cumprido o
serviço de dívida, por habitante (€)
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
2021
|
|
Disponível
após serviço de dívida
|
14546
|
14746
|
14748
|
14685
|
14859
|
15366
|
15465
|
15796
|
Serviço
de dívida
|
1828
|
1758
|
1888
|
2084
|
2044
|
1673
|
1710
|
1516
|
% do rendimento bruto
|
11,2
|
10,7
|
11,3
|
12,4
|
12,1
|
9,8
|
10,0
|
8,8
|
Neste contexto, cabe fazer várias perguntas. Qual a margem
para proceder à melhoria da vida das pessoas? Como se espera proceder a um
alívio sequer da lógica da austeridade? A manter-se esta situação haverá
esperança de acabar com a austeridade e os cortes? A sua continuidade não
inviabilizaria ainda mais, nos próximos anos a existência de grande parte dos
residentes em Portugal? E se assim fosse, continuaria toda a dívida a ser
tomada como legítima? Em que sistema de valores, que não os da barbárie e do
genocídio isso se enquadraria?
A adopção, em setembro, de novas regras de contabilização
europeia conduzirá à inclusão na dívida pública[18] da
Parpública e das suas próximas – com destaque para a célebre Parvalorem – bem
como das EPE e alguns dos preciosos reguladores, cuja atuação consiste em ajudar
os grandes grupos económicos. O aumento
daí resultante colocará a dívida nuns €
242000 M (cerca de 147% do PIB). Assim, as responsabilidades financeiras
daquelas entidades já hoje contidas na esfera estatal, ao serem consideradas no
âmbito do escrutínio da dívida pela UE, irão acrescer a pressão sobre as
finanças públicas e, como é habitual, aumentar a pressão governamental, da
Comissão Europeia e do BCE (a troika fechará a loja em maio) para novos cortes
e impostos sobre trabalhadores, reformados e funcionários públicos. Esse
reajuste contabilístico irá, portanto, piorar os indicadores da dívida pública
e incentivar ao reajustamento em baixa, dos salários e demais rendimentos da
maioria da população. A austeridade futura será certamente mais pungente do que
a recente e, até ver, encontrará a mesma raiva resignada entre os portugueses,
sem expressão política.
Para que o cumprimento desta hipótese se verificasse, a taxa
de crescimento da economia portuguesa teria de superar a parcela do PIB
associada à punção do serviço de dívida. Isso significa que até 2021 o PIB
teria de crescer acima da taxa de esforço inserta no gráfico 1 e que só a
partir de 2019 poderia ser inferior a 10%. Estas taxas são excepcionais, mesmo
no contexto chinês, onde o PIB consegue subir desse modo devido à construção de
cidades que ninguém habita (em Espanha também se observou isso mesmo, em menor
escala) e uma pulsão exportadora só possível com baixos salários, jornadas de
trabalho extensivas, curtos períodos de férias, deficientes condições de
trabalho e habitação, trabalho clandestino e
desprezo pela qualidade do ambiente. É pouco provável que Portugal se
transforme numa região especial chinesa mas, é claro
que está em curso a sua transformação numa área periférica de baixos salários,
vocacionada para exportações de menor valia para o Centro da UE[19].
Nem Passos, com o seu habitual misto de desplante e
ignorância será capaz de afirmar que algo semelhante será possível.
3.2 – A
continuidade pró-ativa amortecida (Hipótese II)
Neste cenário considera-se o fiel cumprimento do plano de
amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP (ver o
anexo) para o período 2014/21, com recurso parcial a nova dívida, no valor
equivalente a metade dos montantes de amortização
É comum os Estados procederem a operações de obtenção de
crédito para pagamento de outros créditos com vencimento breve ou condições mais
onerosas, com o eventual pagamento de comissões, lateralmente. Na operação de
troca de dívida realizada em dezembro último, o governo, para adiar pagamentos a
efetuar em 2014/15 (anos de eleições…) para 2017/18 pagou € 134 M de incentivos
aos titulares dos créditos[20]
Para além das vantagens que estas operações possam ter do
ponto de vista da gestão da tesouraria, qualquer alongamento de prazos, mesmo
sem alteração na taxa de juros e outros encargos a pagar, envolve aumento no
serviço de dívida acumulado[21]
A realidade no período de três anos - 2011/13 - considerados
no gráfico 2, evidencia que as novas dívidas preponderaram sobre as
amortizações de outras, mais antigas, não sendo muito visíveis os benefícios da
omnipotente troika e do indigente governo
Passos/Portas, superiormente assessorado e tutelado pelo “sábio” Cavaco.
gráfico 2
Do ponto de vista de quem “não quer ser caloteiro” é uma má
opção porque vai alargar o período de dívida e de juros a pagar e manter
intacta a subordinação aos credores. Do ponto de vista de quem nada tem a ver
com a dívida e que é coagido a pagá-la à custa do sacrifício da sua qualidade
de vida, poderá constituir um alívio momentâneo na degradação daquela[22],
embora de facto, vá incorrer num aumento dos juros a pagar e um alargamento
indefinido do tempo de sacrifícios.
Mesmo com um esforço financeiro muito menor do que a opção
contemplada na Hipótese I, o crescimento anual exigido para o PIB, para o
cumprimento desse plano (gráfico 3) continuaria a ser muito elevado (entre 6.6
e 8.5%), quedando-se a dívida contabilizada pelo IGCP no final do período, em
cerca de € 155000 M. A redução da amortização de capital, com transferências
para depois de 2021 – como ensaiado pelo governo em 11 de fevereiro - constitui um alívio mas, é parcialmente compensado
pelo aumento dos juros a pagar. Como se observa (gráfico 3), mesmo no quadro de
uma dilação de pagamento de dívida para 2022 em diante (cerca de € 50000 M,
próximo de ¼ da dívida atual) não é realista que se consigam taxas de
crescimento como as aqui obtidas; continuaríamos supondo um cenário de
economias como a chinesa ou de alguns países africanos. Esse crescimento é
irrealista para mais com uma população em envelhecimento rápido devido ao
volume dos chamados “baby boomers” e ao enorme fluxo de saída de jovens, sem
oportunidades de trabalho decente em Portugal, onde prepondera um empresariato
descapitalizado, viciado em apoios estatais e tão incapaz quanto cúpido e
historicamente gerador de subdesenvolvimento[23].
gráfico 3
Um exemplo como este, moderado quanto a exigências efetivas
de amortização de dívida, admite uma descida do valor global da dívida o que
não tem sido conseguido, mesmo com as rédeas da governação seguras pela troika, com a execução de um extenso
plano de cortes e com o rebaixamento dos padrões de vida para a esmagadora
maioria da população. Como se observa no gráfico, na ausência de um elevado
crescimento do PIB, uma redução da dívida só existirá com um mais acentuado
empobrecimento relativo. Os cálculos para esta hipótese que envolvem um alívio
nos pagamentos da dívida, comparativamente à Hipótese I, de pagamento
acelerado, evidenciam também a estagnação do rendimento médio previsível para
os residentes em Portugal; e convém não esquecer que nisto de médias, há sempre
quem coma uma galinha inteira a ver alguém de barriga vazia para que, em média,
haja uma capitação de meia galinha. E evidencia-se ainda que uma reestruturação
da dívida, como uma renegociação entre cavalheiros com o sistema financeiro – a
existir - não traz resultados para a vida de cada um de nós.
Rendimento disponível cumprido o
serviço de dívida, por habitante (€)
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
2021
|
|
Disponível
após serviço de dívida
|
15077
|
15243
|
15311
|
15346
|
15501
|
15823
|
15941
|
16176
|
Serviço
de dívida
|
1296
|
1261
|
1326
|
1423
|
1402
|
1216
|
1234
|
1136
|
% do rendimento bruto
|
7,9
|
7,6
|
8,0
|
8,5
|
8,3
|
7,1
|
7,2
|
6,6
|
Este caso mostra, com uma quantificação meramente
exemplificativa, uma continuidade do que o governo tem feito na prática, que é
uma reestruturação da dívida, no âmbito do “mercado” sem qualquer renegociação
formal com os credores. Joga com prazos de pagamento, substituição de títulos,
nem sempre com resultados interessantes em termos de taxas de juro; é o que se
chama empurrar o problema com a barriga ou, em termos futebolísticos, o alivio
da pressão do adversário, chutando para fora.
3.3 – A continuidade pró-ativa prolongada (Hipótese III)
Esta terceira hipótese configura-se pela reformulação do
plano de amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP
(ver o anexo) para o período 2014/21, para um período de 30 anos (até 2044).
Esta é mais uma saída que nada altera a correlação de forças
entre a multidão e o capital; é uma saída que não golpeia o capital, que mantém
a renda do sistema financeiro, constituída pelos juros e que mantém o
torniquete da austeridade sobre a população. É mais uma forma de pacífica
rendição aos ditames do capital que benevolamente aceitaria a dilatação do
prazo de pagamento que, eventualmente, arrostaria com maiores taxas de juro,
dada a incerteza dos “mercados de capitais”, a menor disponibilidade dos
capitais mutuados e loas semelhantes. Aliás, Passos já admitiu que a dívida irá
durar 20/30 anos a pagar[24],
pelo que nesta hipótese simulamos uma versão incluída na franqueza da repelente
figura.
Presumimos neste caso que a economia portuguesa continuará a
estar polarizada no cumprimento do serviço de dívida e que não precisará do
recurso a nova dívida durante os próximos 30 anos; embora seja de todo
inverosímil, ajuda à compreensão dos custos financeiros e sociais da dívida
atual. Nesse reescalonamento inclui-se apenas o montante dos atuais compromissos
para 2014/21 dividindo o seu montante global por 30 anos, dando-nos o IGCP a
informação sobre a dívida a liquidar depois daquele período.
Esta distribuição da dívida de longo prazo por um prazo de
30 anos reduz o esforço a exigir para a sua liquidação, em 2014/21, uma vez que
se reduz a amortização ficando os juros com uma pequena variação face à
Hipótese II. No entanto, esta terceira simulação, exigiria um crescimento do
PIB acima dos 6%, sendo de recordar o seu prolongamento até 2044!
gráfico 4
Não é de todo plausível um crescimento económico tão elevado
por um período tão longo, pelo que mesmo esta hipótese de reescalonamento, com
alguma admissibilidade na ala esquerda do sistema político português, não é
viável do ponto de vista económico, é desastroso socialmente e, politicamente,
é indefensável. A visão do rendimento disponível após o cumprimento do serviço
de dívida condena os residentes em Portugal à estagnação económica, o que tem
impactos ainda mais gravosos para a população trabalhadora, vítima da atuação
do sistema político que induz à manutenção ou agravamento das desigualdades e à
acumulação de riqueza em torno dos segmentos mais elevados do capital.
Rendimento disponível cumprido o
serviço de dívida, por habitante (€)
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
2021
|
|
Disponível
após serviço de dívida
|
15289
|
15433
|
15577
|
15722
|
15868
|
16016
|
16164
|
16314
|
Serviço
de dívida
|
1084
|
1072
|
1059
|
1047
|
1035
|
1023
|
1011
|
998
|
% do rendimento bruto
|
6,6
|
6,5
|
6,4
|
6,2
|
6,1
|
6,0
|
5,9
|
5,8
|
Se os rendimentos gerados por uma economia, no mínimo, em
estagnação são desviados para pagar aos credores, mormente às instituições
financeiras, o que sobrar evitará ou reduzirá a destruição de muitas empresas ou
o desemprego? Estancará as reduções de salários e direitos, como projetados em
permanência pelo governo?
4 – Avaliação das parcelas da dívida a não pagar
Nas hipóteses anteriores, de continuidade à situação atual,
considerou-se que a prioridade do desempenho da economia é o pagamento aos
“nossos credores”, para um conveniente presença nos “mercados”; e verificou-se
que em nenhuma se divisa qualquer possibilidade de atingir esse “patriótico”
desiderato. A ansiedade nas hostes governamentais é tanta que caem na mais
infantil propaganda quanto ao estado da economia; é o desemprego que se reduz,
o emprego que aumenta, o PIB que cresce, a exportação que dispara… O delírio
até pode surgir de um ministro que, bebidas umas boas canecas, fala de milagre
económico, tal como Nero cantava os seus poemas perante uma Roma em chamas.
A satisfação das imposições dos credores não tem de ser, de
modo algum, a prioridade. A aceitação do Memorando de Entendimento ou das suas
várias revisões pelos governos, foi efetuada por gente submissa, domesticada
pelo sistema financeiro, através de um pacto leonino, onde subjaz uma evidente chantagem.
Quem assinou esses textos, não obteve um prévia aceitação por parte da
população, que deveria ter sido consultada dado o seu enorme e desastroso impacto
sobre a sociedade. As imposições da troika
tornaram-se um guia de desconstrução social regressiva que, de facto,
substituiu a Constituição. E, nem sequer, esses signatários partidários incluíram
esses enormes sacrifícios nas suas agendas eleitorais, em 2011, pelo que os
seus actos se podem considerar de flagrante ilegitimidade, confirmando assim
que vivemos num estado de paródia democrática.
Em condições de normalidade ninguém aceita ser devedor de um
empréstimo do qual não recolhe qualquer benefício, se, pelo contrário o onera e
empobrece. Num contrato de mútuo, o credor tem direito a juros mas, não o de
interferir em toda a vida própria do devedor, de lhe demarcar os lugares onde
pode colocar os pés; a não ser que o devedor se assuma como insolvente e se
prontifique a uma situação de escravidão.
O artigo 55º da Carta das Nações Unidas[25] estatui
que «com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias
às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do
princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações
Unidas promoverão: a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e
condições de progresso e desenvolvimento económico e social; b) A solução dos
problemas internacionais económicos, sociais, de saúde e conexos, bem como a
cooperação internacional, de carácter cultural e educacional.». Sendo o FMI uma agência da ONU e não
cumprindo este preceito, age de forma ilegítima. Por outro lado, pelo disposto
no artigo 56º do mesmo diploma, «para a realização dos objectivos enumerados no artigo
55º, todos os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com
esta, em conjunto ou separadamente.»
A questão neste
ponto é saber qual o poder efetivo da ONU, face ao FMI.
O artigo 103º da mesma Carta estatui que «no caso de conflito entre as
obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as
obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as
obrigações assumidas em virtude da presente Carta». Daqui se deduz que “os actos de submissão à troika assinados por governos e
oposições são ilegais”, bem como os resultantes do caráter submisso dos mandarins portugueses
para com o sistema financeiro global.
Um outro diploma, o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (PIDCP), determina no seu artigo 1º que «todos os povos têm o direito à
autodeterminação. Em virtude deste direito estabelecem livremente a sua
condição política e, desse modo, providenciam o seu desenvolvimento económico,
social e cultural.»
Como se tem visto, não há e nem vai haver qualquer soberania portuguesa na área
financeira, que passará a ser determinada pela Comissão Europeia e pelos seus
executantes lusos.
Finalmente, o artigo 1º do Pacto Internacional dos Direitos
Económicos, Sociais e Culturais dispõe que «todos os povos têm o direito a dispor deles
mesmos. Em virtude deste direito, eles determinam livremente o seu estatuto
político e asseguram livremente o seu desenvolvimento económico, social e
cultural.”
Considera-se que a
satisfação das necessidades dos povos, mormente da sua população trabalhadora,
constitui o elemento supremo na definição dos objetivos de uma comunidade. A
existência de um Estado, de uma classe política e de capitalistas é sempre um
estorvo e isso é bem evidente em todos os processos de empobrecimento coletivo
a que se assiste nos últimos anos, bem como à ausência de escrúpulos dos que se
dizem representantes empenhados na defesa de milhões de pessoas.
Qualquer solução que
contemple prioritariamente a satisfação das necessidades dos residentes em
Portugal, passa por uma declaração de não pagamento da dívida atual – e à qual
se estará para se lhe somar uma fatia substancial – a que se lhe seguirá uma
avaliação daquela que se considera detentora de legitimidade e socialmente
sustentável.
Convirá ter presente
que a defesa da anulação de parte da dívida exige uma posição negocial forte,
que contemple as reivindicações necessárias para uma digna sobrevivência das
pessoas que residem em Portugal. Essa posição nunca sairá do atual governo ou
de um seu alter ego encabeçado pelo PS; nem de qualquer atitude protagonizada
pela faixa esquerda do pentapartido, mesmo engrossada com os estéreis grupos
que se perfilam na conquista de lugares em Estrasburgo.
A contestação exige
um ordenamento político muito distinto do atual em Portugal, bem como uma
mobilização social muito grande, para além de uma conveniente concertação com
os outros países acossados pela intervenção da troika; que nunca existiu até agora, a despeito da grande
proximidade ideológica entre os gangs no poder em Portugal, Espanha, Itália,
Grécia, Chipre e Irlanda.
Uma avaliação
realista e atualizada (com a inclusão de dívida relativa a empresas públicas,
responsabilidades no âmbito de PPP e outros[26]) da
dívida pública e da sua composição[27] é a
que consta no gráfico seguinte.
gráfico 5
Dessa
dívida (cerca de €242000 M):
·
29.3%
do total (€ 72051 M) é detida pelo FMI, pelo Fundo Europeu de Estabilidade
Financeira (FEEF) e pelo Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF)
O peso do reembolso
desta dívida só se fará sentir com mais dor a partir de 2016. A experiência
internacional mostra que o FMI só em casos especiais concede perdão de dívidas
– Haiti e Libéria, como resultado do terramoto e da guerra, respetivamente –
embora tenha chegado a propor à UE um perdão de dívida grega[28], numa
rara expressão pública da gravidade da situação. No âmbito das instituições
europeias um perdão de dívida não terá acolhimento junto dos governos e mesmo
das populações dos países do Centro comunitário, com relevo para a Alemanha.
Não é de excluir a redução
das taxas de juro, embora o FMI e a UE logo viessem a sentir uma pressão para
que o benefício atingisse todos os países intervencionados. Em junho de 2011 os FEEF/MEEF reduziram os
juros para o equivalente aos seus custos de financiamento (eram inicialmente 2%
acima), tendo ficado em 2.4% (FEEF) e 3% (MEEF). No contexto de um hair-cut de um país em francos apuros,
uma redução na taxa de juro teria efeitos também no custo de refinanciamento
dos bancos portugueses e do crédito obtido pelas empresas (6.2% de taxa de
juro, contra 3.8% na média da zona euro) para mais, tradicionalmente com
elevado peso da função financeira no valor acrescentado. Seria até interessante
e eventualmente cairia bem nas instâncias credoras que o valor correspondente
ao perdão de juros ficasse afeto a investimentos de caráter social e não à
disposição do capital financeiro ou de gangs partidários.
Numa visão de longo
prazo, poderá obter-se um reescalonamento da amortização da dívida, aliviando a
sua relevância no total dos reembolsos no período 2016/21. Em junho de 2013 o
binómio FEEF/MEEF estendeu o prazo de pagamento, de 12.5 para 19.5 anos, com
início dos reembolsos a partir de 2025. No que respeita à dívida para com o FMI
(€23873 M), cujo reembolso se concentra entre 2015 e 2023, pode encarar-se um
reescalonamento, por exemplo para 20 anos (€ 1194 M por ano).
Poderá contudo,
defender-se que as contrapartidas para este empréstimo não se cingiram ao
pagamento de juros mas que incluíram medidas desastrosas e desastradas em função
dos objetivos declarados no âmbito do Memorando, incluindo uma parcela de €
12000 M para a recapitalização dos bancos lusos, cuja responsabilidade deveria
caber aos seus acionistas e não ao Estado; e menos ainda à imputação dessas
responsabilidades à população. Os custos sociais e económicos da
desestruturação motivada pela troika, bem evidentes que não para os seus
mandatários locais, deverão ser imputados ao FMI e à UE, como outorgantes do
tal Memorando.
· 9.5%
da dívida resulta das compras efetuadas pelo BCE (€ 23100M) no mercado
secundário para garantir que as emissões de dívida tivessem sucesso; um género
de “mão de deus” para os ministros das finanças em Portugal.
O BCE poderá anular
esta dívida uma vez que a sua intervenção se enquadrou, essencialmente na
defesa da estabilidade do euro e não especificamente para ajudar a vida aos
portugueses. Como banco central, essa anulação não teria efeitos que não os
escriturais no balanço do BCE e deveria ser extensível aos outros países
intervencionados, no seio de uma conveniente concertação dos interessados. A
defesa do não pagamento desta fatia insere-se, neste momento, na contestação da
justiça alemã, à afirmação de Draghi, sobre o apoio sem limites aos países
endividados, para salvar o euro.
Note-se que é relativo
a Portugal que o BCE detém a maior fatia de dívida pública, ligeiramente acima
da Grécia.
·
8.9%
(€ 21450M) estão titulados por bilhetes do Tesouro português
São títulos de curto
prazo com taxas de juro baixas[29]
subscritos por entidades sem outro fito que não a do jogo especulativo, sem
quaisquer contrapartidas a exigir ao Estado português. Os bancos portugueses detêm
perto de metade deste tipo de dívida (€11700 M). Tratando-se de dívida de curto
prazo, não é objeto de reescalonamentos
· 8.9%
(€ 21450M) inclui dívida não consolidada de empresas públicas ou que nem tem
estado contemplada pelo IGCP no montante oficial da dívida. A sua inclusão a
partir de setembro resultará de novas regras contabilísticas que obviarão a
manobras de desorçamentação[30].
Nos processos de
recuperação de empresas, as instituições devedoras, são habitualmente chamadas
a reduzir substancialmente os seus créditos. Já que está tão na moda a
equiparação entre Estado e empresas, no contexto da gestão neoliberal, a
solidariedade destes credores é mesmo de considerar no contexto de um hair-cut da dívida soberana.
Neste volume estão
incluídas empresas de transportes e, particularmente, a famosa Parpública que
tem uma dívida de uns € 5100 M, as suas afiliadas, Sogestamo e Estamo, produto
da chamada “empresarialização” de funções do Estado, a qual permite a
obscuridade da desorçamentação, a “agilização dos processos” na gestão e a
colocação de mandarins como gestores bem pagos, fora dos quadros da
administração pública comum.
Estarão aqui englobadas
também as PAR’s (Parvalorem, Parups e Parparticipadas) todas pertencentes ao
Estado e que funcionam como bad banks
onde repousam os restos do BPN; os quadros de Miró, por exemplo mas também,
muitos incobráveis. Neste âmbito e numa operação de reparação tardia da burla
que foi a nacionalização do BPN pelo governo Sócrates (que não englobou a SLN)
há toda a legitimidade na expropriação do grupo Galilei, cirurgia plástica da
SLN, para colmatar o peso dos tóxicos herdados do BPN e armazenados nas referidas
PAR’s.
· 14.3%
da dívida total (€ 34650 M) correspondentes a títulos, valores em atraso,
responsabilidades no âmbito das PPP e dívida não transacionável
Também aqui o hair-cut se pode fazer sentir de modo
extensivo. No caso dos beneficiários de PPP, a dívida é da ordem dos € 16000 M (€
11000 a pagar até 2021) mas, a sua situação é bastante frágil pois os contratos
de concessão configuram situações de verdadeiras fraudes, no âmbito das quais
cabem responsabilidades criminais e financeiras de quem os assinou por parte
dos governos. Nada deve obstar a que sejam anulados ou que as empresas
concessionárias sejam objeto de expropriação, se em Portugal existirem
instituições verdadeiramente democráticas, emanadas do povo.
No capítulo dos
certificados de aforro (€10000 M em finais de 2013), a grande maioria dos seus
subscritores são pessoas que confiaram ao Estado as suas pequenas poupanças e
não capitalistas, gananciosos e especuladores; a não ser em casos em que os
subscritores tenham enormes fortunas em certificados de aforro, o que é pouco
provável, nada justifica a penalização destas pessoas.
·
29.3%
da dívida (€ 70950 M) tem entidades privadas como credores
A
parcela correspondente a bancos não domésticos era em junho de 2013 de € 9800 M
e a dos bancos domésticos é da ordem dos € 15600M.
Os bancos portuguesas
têm as maiores responsabilidades, quer na desestruturação da economia
portuguesa, quer no desenvolvimento da corrupção sistémica[31] –
financiando um imobiliário muito acima das capacidades de absorção por uma
população relativamente estável, pela especulação dos preços da habitação[32],
pelo aproveitamento dos baixas taxas de juro desde meados dos anos 90, sem
aplicação produtiva[33],
pelo modo como monitoraram a classe política (juntamente com as empresas do
regime da área da construção) para a concretização de obras públicas excessivas
ou inúteis, na concessão de benefícios fiscais para o efeito e uma fiscalidade
socialmente tão distorcida quanto permissiva de fraude e evasão[34].
Por outro lado e
para além deste consolidado cadastro, os bancos portugueses, depois do processo
de empobrecimento em curso, pouco alteraram o seu nocivo comportamento. O BCE
contribuiu com financiamentos de longo prazo no equivalente a cerca de 9% das
ativos dos bancos portugueses; porém, eles aplicaram, obviamente, esses meios
na especulação (incluindo sobre a dívida soberana portuguesa) e não na chamada
economia real. Seria, aliás, candura esperar que os bancos viessem ajudar empresas
cujo excessivo endividamento promoveram nas últimas décadas, num contexto de
regressão económica e de encolhimento do poder de compra.
Em finais de 2012, o
total das provisões constituídas pelo sistema bancário português era de € 9657
M e os seus capitais próprios correspondiam apenas a 6.2% do ativo, situação
que em qualquer outro setor de atividade é impensável mas, que na banca não é
tomado como um indicador alarmante. Isto significa que a banca pode contribuir
para um hair-cut no equivalente ao
seu total de provisões; a partir daí ou os acionistas procederiam a entradas
para colmatar o diferencial ou, haveria uma expropriação, com gestão coletiva
do sistema bancário, o que certamente, teria de ser precedida de uma grande
transformação política e económica em Portugal e na Europa; ou, pelo menos na
Ibéria, uma vez que uma saída nacionalista ou isolacionista para a crise é
pouco viável e mesmo inconveniente porque traria no seu bojo um retorno a um
novo fascismo.
O
cumprimento dos critérios de Maastricht permitia uma dívida pública não
superior a 60% do PIB[35] e isso,
foi incorporado na al. d) do artº 3º do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação
e Governação.
Nesse
contexto, os € 242000 M de dívida que se têm vindo a considerar neste ponto, para
o ano corrente, terão de se comprimir para atingirem uns € 100000 M apenas;
isto é, há pelo menos uns € 142000 M a anular para terminar a supervisão
financeira da Comissão Europeia, estabelecida no Tratado acima referido e que
atualmente se antevê durar décadas.
Um ensaio
para um hair-cut exemplificativo de cerca
de € 142000 M para uma dívida pública inferior a 60% do PIB, poderá ter o
seguinte contorno:
Tipo
de credores
|
Nível
de “hair-cut” (%)
|
Valor
a anular (milhões €)
|
FEFF, MEEF e FMI
|
50
|
36000
|
BCE
|
100
|
23000
|
Credores
de empresas públicas *
|
50
|
11000
|
PPP
|
100
|
16000
|
Outros,
incluindo valores em atraso
|
50
|
4000
|
Bancos
portugueses
|
75
|
11700
|
Bancos
estrangeiros / outros especuladores
|
75
|
41500
|
Total
|
143200
|
* incluindo expropriação do grupo
Galilei
Para a restante
dívida podem considerar-se três variantes, tomando-se para todas elas que 2014
não tem grandes alterações face às hipóteses de continuidade:
A - Amortização da dívida de € 100000 M em 30 anos
com uma taxa de juros média semelhante à registada para o ano em curso (3.69%);
B - Amortização da dívida de € 100000 M em 30 anos
com uma taxa de juros média reduzida a 2.5%;
C - Amortização da dívida de € 100000 M em 50 anos
com uma taxa de juros média reduzida a 2.5%,
assumindo-se,
como nos casos anteriores, que não há recursos a créditos de médio ou longo
prazo que conduzam a aumentos líquidos da dívida ou a redução do ritmo do seu
abate.
Rendimento disponível cumprido o serviço de
dívida, por habitante (€)
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
2021
|
|
Variante A
|
||||||||
Disponível
após serviço de dívida
|
14517
|
15999
|
16136
|
16274
|
16413
|
16553
|
16695
|
16837
|
Serviço
de dívida
|
1856
|
505
|
500
|
495
|
490
|
485
|
480
|
475
|
% do rendimento bruto
|
11,34
|
3,06
|
3,01
|
2,95
|
2,90
|
2,85
|
2,80
|
2,74
|
Variante B
|
||||||||
Disponível
após serviço de dívida
|
14517
|
16071
|
16208
|
16345
|
16483
|
16622
|
16763
|
16904
|
Serviço
de dívida
|
1856
|
433
|
429
|
424
|
420
|
416
|
412
|
408
|
% do rendimento bruto
|
11,34
|
2,62
|
2,58
|
2,53
|
2,49
|
2,44
|
2,40
|
2,36
|
Variante C
|
||||||||
Disponível
após serviço de dívida
|
14517
|
16174
|
16308
|
16443
|
16580
|
16717
|
16855
|
16995
|
Serviço
de dívida
|
1856
|
330
|
328
|
326
|
324
|
322
|
320
|
318
|
% do rendimento bruto
|
11,34
|
2,00
|
1,97
|
1,94
|
1,92
|
1,89
|
1,86
|
1,84
|
5 - Como sair disto?
Como se
pode verificar com este exercício, mesmo com o cumprimento das regras
comunitárias após um extenso hair-cut da
dívida, torna-se exigível um crescimento sustentado da formação de rendimento,
durante décadas e apenas para o pagamento da dívida sobrante, o que contrastará
com o anémico ritmo de criação de riqueza a nível europeu e as desigualdades
que o acompanham. Mesmo neste contexto otimista em termos de finanças públicas,
esse crescimento do PIB não permite ilusões sobre uma saída do empobrecimento ou
a geração de algum bem estar para os residentes em Portugal, como se evidencia acima,
para os níveis estimados da capitação do rendimento disponível.
É preciso
ir muito mais além:
· A
própria concretização de um plano extenso de hair-cut não é fácil de ser conseguido, sobretudo com governos de
base PSD/PS, com ou sem o adereço Portas e os seus ajudantes de campo. Essa
concretização exigirá a sua desaparição de cena e um novo quadro de organização
política democrático onde a população possa intervir e ser sujeito ativo na
definição dos seus interesses;
· Esse
extenso plano de duro confronto com o capital financeiro e as suas instituições
– FMI, BCE, Comissão Europeia… - tem menores possibilidades de êxito se
restrito a um pequeno e periférico país, empobrecido e subalterno, por muito
que isso excite nacionalistas saudosos de Aljubarrota, fronteiras e hinos
patrióticos. É determinante que haja mudanças substantivas, no mesmo sentido
democrático e de repúdio pelo sistema financeiro e suas instituições, no seio
de vários países, mormente nas periferias Sul e Leste da UE; para Portugal será
essencial a conexão com Espanha;
· A
consolidação dessas alterações no ordenamento político interno e sua integração
num quadro internacional regional de solidariedades na satisfação das
necessidades dos povos, será insuficiente sem mudanças profundas na estrutura e
na organização dos recursos materiais, naturais e do trabalho;
· Uma
profunda alteração das desigualdades[36] tem
de ser radical para ser coerente, duradoura e imune a golpes de uma classe
política que se pretende ficar apenas nos livros de História, como fruto das
mudanças na organização política e do sistema de representação;
· Essa
radicalidade deve corresponder a um claro repúdio do capitalismo e portanto,
extinguir a especulação financeira e a apropriação privada do produto do
trabalho, centrando a atividade humana na satisfação das necessidades de todos
e de cada um, de forma auto-gestionada, retirando partido das imensas
capacidades que as tecnologias e o trabalho coletivo em rede, permitem no
capítulo da produtividade. Se os conhecimentos científicos e técnicos admitem que
o planeta possa suportar a vida de 12000 M de seres humanos de modo equilibrado
em termos de sustentabilidade ambiental, é possível reduzir substancialmente o
tempo de trabalho de todos para todos.
Anexo
De acordo com os dados do IGCP publicados em 20 de janeiro
último, o plano de amortização da dívida pública de médio e longo prazo
apresentava o seguinte perfil:
Os exercícios que efetuámos baseiam-se nos seguintes
pressupostos simplificadores:
- Considera-se apenas o período 2014/2021 que, como se vê, se encontra particularmente sobrecarregado nas previsões do governo;
- O PIB em 2012 foi da ordem dos € 165409 M e o orçamento aprovado para 2014 considera para 2013 uma quebra de 1.8% mas, já um optimista crescimento de 0.8% para o ano em curso. Vamos aceitar, para efeitos do exercício, essas previsões e admitir que o crescimento do PIB para o ano corrente se vai repetir até… 2021.
Milhões €
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
2021
|
162432
|
163731
|
165041
|
166361
|
167692
|
169034
|
170386
|
171749
|
173123
|
É de todo duvidoso que assim venha a
ser, dado o habitual optimismo enganador do governo e da troika, onde ressalta mais a manipulação política do que o rigor
técnico. Por outro lado, a previsão económica, sobretudo dada a preponderância
atual dos mercados financeiros, tornou-se um verdadeiro exercício de
futurologia, para mais quando incide sobre um prazo de sete anos; e isso,
quando se sabe que instituições especializadas como o FMI, o Eurostat ou a
OCDE, raras vezes não procedem a regulares correções das suas previsões, mesmo
as de curto prazo. A previsão económica objetiva, misturada com a manipulação política
para enganar eleitores e a população em geral, para fomentar a “confiança” dos
investidores e empresários ou ainda para beneficiar os resultados das “goldman sachs”,
instala-se bastante nos domínios de monsieur de Nostradamus ou no determinismo
saído de um baralho de tarot;
- Os juros e encargos com a dívida previstos no orçamento para este ano são de € 7239 M, contra os efetivos € 7486.1M e € 8189.4M, em 2013 ou 2012, respetivamente. Admite-se neste exercício que os juros e encargos para os anos que se seguem incidirão, de modo proporcional ao previsto para o ano em curso sobre a dívida remanescente, após os pagamentos que incorporam as hipóteses consideradas. Isso significa que se toma como constante a dívida de curto prazo, não considerada no plano governamental de amortizações mas, cujos juros estão, naturalmente incluídos nos números acima referidos.
Rehabilitating Portugal – Tortus Capital
Documentos e textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
GRAZIA TANTA – NEWS, notícias e comentários sobre o que acontece
[2] http://www.slideshare.net/durgarrai/capitalistas-e-estado-a-mesma-luta
[3] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/02/o-homem-ser-social-e-fragmentado.html
[4] A dívida de pessoas e empresas
– a dependência eterna http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html
[6] O crédito concedido pelo BCE
aos bancos portugueses corresponde a cerca de 25% do PIB
[15] http://economico.sapo.pt/noticias/temos-de-aceitar-que-alguns-bancos-nao-tem-futuro_186840.html
[21] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/12/reestruturacao-da-divida-ou-trafulhice.html
[22] Se, pelo contrário, qualquer governo vigente não continuar a aplicar as
mesmas doses de austeridade para apoiar o empresariato luso, sedento de
trabalho mal pago e benefícios fiscais; que será o mais provável
[23] http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
[25] Todas as referências que se seguem a
dispositivos legais contidos em instituições internacionais foram organizadas
por Rui Viana Pereira, http://cadpp.org/node/144
[27] http://rehabilitatingportugal.com/rehabilitating_portugal.pdf de onde se extrairam alguns dados dispersos pelo texto, mais
adiante
[31] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/09/porque-corrupcao-porque-em-portugal.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
[33]
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-dvida-dvida-de-pessoas-e-empresasa-dvida-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna-a-dependncia-eternaa-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna
[34]
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
[35] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/02/soberania-soberania-nacional-e.html
Grande documento! Denso, mas extraordinário. Estás sempre de parabéns pela forma como o fazes. Um abraço.
ResponderEliminarMuito obrigado por este grande trabalho!
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
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