domingo, 2 de março de 2014

Porque não é pagável a dívida pública portuguesa

                                                     Não há “uma única circunstância histórica" em que as políticas de                                                     austeridade tenham conduzido ao fim do pesado fardo de dívida
                Ashoka Mody, ex- chefe de missão do FMI na Irlanda
  
Sumário

Conclusões
1 - A dívida é um instrumento de domínio.
2 – A geminação entre os Estados e os capitalistas
3 - Portugal – Cenários de continuidade no pagamento da dívida
3.1 – A continuidade pró-ativa e radical (Hipótese I)
            3.2 – A continuidade pró-ativa amortecida (Hipótese II)
            3.3 – A continuidade prolongada (Hipótese III)
4 – Avaliação das parcelas da dívida a não pagar
5 - Como sair disto?


Conclusões

  • A dívida é um modo de domínio que incute no devedor a submissão através da culpa;
  • O predomínio financeiro no capitalismo de hoje exige um ciclo infernal de geração artificial de dinheiro e crédito, com a subsequente captura incessante e permanente de devedores;
  • A austeridade, o empobrecimento, a perda de direitos, a precariedade da vida constituem os efeitos dramáticos dos mecanismos financeiros e são apresentados – por banqueiros e políticos – simultaneamente, como as vias para uma redenção sempre adiada;
  • Os mecanismos da dívida e a austeridade têm como actores essenciais o alto poder do sistema financeiro e as classes políticas, acotovelando-se nestas, os servis domésticos do primeiro;
  • O aparelho de Estado, além do já conhecido papel de capitalista coletivo, é um departamento do sistema financeiro, cujos diretores se designam por ministros. A incorporação formal não existe porque convém manter a ilusão da separação face ao grande capital e com isso garantir a aceitação pela multidão, da legitimidade da punção fiscal e da autoridade;
  • O sistema financeiro e os seus Estados dedicam-se à reprodução desmedida de capital-dinheiro, afogando a “economia real” em dívidas, fomentando o consumismo e a dívida nas pessoas numa fórmula demente que torna o planeta insuficiente para as suas ambições;
  • As limitações deste modelo gera dificuldades nas estirpes mais frágeis do próprio sistema financeiro, como no caso dos bancos portugueses, cuja existência se tem mantido porque o BCE os vem financiando para se engolfarem na especulação e na compra de dívida portuguesa, recusando aceitar as perdas de quase de duas décadas de distorção da economia portuguesa;
  • O capitalismo, na sua configuração atual, transfere os seus problemas para os Estados que, obedientemente assumem dívidas, reduzem mais e mais as suas funções sociais, colocando mais do que nunca a questão da utilidade do Estado se a sua atividade se reduz a ajudar os capitalistas e criar dificuldades para a multidão;
  • Não se espera nada de virtuoso, de alterações estruturais provenientes das instituições comunitárias ou nacionais; a continuidade está garantida e só a mobilização da multidão pode criar um novo sistema económico e de expressão democrática, sem capitalistas nem classes políticas;
  • Qualquer solução de continuidade no pagamento do serviço de dívida corresponde a um pesadíssimo fardo financeiro na vida de quantos vivem em Portugal, mormente trabalhadores e pobres: 
       Parcela do encargo com a dívida no rendimento bruto 2014/21
                            Hipótese   I – 8.8 a 12.4%
                            Hipótese  II - 6.6 a 8.5%
                            Hipótese III – 5.8 a 6.6%

  • Para além de não ser economicamente possível pagar em prazos normais uma dívida que brevemente será computada em € 242000 M[1] há várias questões de legitimidade. Uma das razões é que muito pouco daquele montante se prende com a satisfação das necessidades dos portugueses; depois, os objetivos da constituição da dívida – absorver os efeitos da política de crédito vigente desde os anos 90, bem como a dificuldades do euro - não têm que ser suportados pela população; e, finalmente, porque os gangs no governo atuaram em medidas de impactos tão desastrosos ao arrepio e ultrapassando largamente as prerrogativas que podem ser imputadas à chamada democracia representativa;
  • Por seu turno, as instituições financiadoras, globais ou privadas, não ignoravam essa ilegitimidade decorrente do divórcio entre os beneficiários do crédito e os seus reais pagadores; nem ignoravam o rápido crescimento da dívida, em paralelo com o definhamento da economia portuguesa, a desestruturação social ou o caráter degenerado das instituições políticas em Portugal;
  • Um volume de abates na divida que a conduzam a uns 60% do PIB, o máximo admitido pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação será da ordem dos 143000 M e, mesmo assim, o crescimento económico ficará refém do pagamento da dívida, deixando o nível de vida das pessoas estagnado durante muitos anos:
Parcela do encargo com a dívida no rendimento bruto 2015/21
Variante A – 2.7 a 3.1 %
Variante B – 2.4 a 2.6%
Variante C – 1.8 a 2%

  • Qualquer solução definitiva para a questão da dívida e que permita a geração de bem estar em Portugal exigirá:
    • Um imediato novo quadro, democrático, de organização política;
    • Mobilização social para o confronto com o capital financeiro e suas instituições;
    • Enquadramento num contexto de contestação, ao nível das periferias Sul e Leste da UE, com relevo para a Espanha;
    • A radical alteração das desigualdades existentes, para ser consolidada, exige nova organização política e novo modelo de representação, com ausência de classe política;
    • E ainda a construção de uma sociedade sem capitalismo, sem apropriação privada do produto do trabalho, auto-gestionada e orientada para a satisfação das necessidades da população.

1 - A dívida é um instrumento de domínio

A dívida é um instrumento de domínio. Em certas culturas, um insolvente terá mesmo de se apresentar como escravo com a sua família, penhorando-se a si próprio, junto do credor.

Essa desonra e humilhação tem também reminiscências em certas culturas do norte da Europa. Em alemão, a palavra culpa traduz-se por schuld e numa frase tão corrente em qualquer língua, no momento de uma transação vulgar, como “quanto devo?”,  em alemão diz-se Was schulde Ich?, sendo a mesma conexão débito-culpa semelhante em outras línguas germânicas. Nessa cultura, a dívida estará associada a algo de ilícito (pecaminoso na lógica cristã) ou pouco recomendável, pois em nada ilustra o devedor.

O capital financeiro é o verdadeiro arquiteto da insana espiral do crédito a que se assiste, da criação artificial de capital-dinheiro, desligada da criação de valor – que só o trabalho gera – ou de qualquer poupança acumulada. Para a conservação dessa situação, procura, naturalmente, dividir os povos entre devedores e credores, entre gente de boas e más contas. E daí, que os mandarins e os plumitivos dos grandes media acusem os países devedores do sul da Europa como habitados por esbanjadores e mandriões, pois despreocupadamente terão gerado uma dívida que agora lhes dói pagar ou a cujo pagamento se querem eximir.

Não é incomum, gente modesta, com dificuldades na vida resultantes da estratégia de fomento do endividamento por parte do sistema financeiro, assumir a sua culpa, como “tendo vivido acima das suas possibilidades”, acarretando com o ónus moral, a auto-flagelação tão inerente às religiões, submetendo-se a assumir o pecado e a expiar com as prestações de uma dívida impagável e que se pretende eterna.

“Não queremos ser caloteiros” diz-se na assunção imbecil da dívida de um Estado que nada tem a ver com as pessoas e que se coloca sempre de fora da resolução dos problemas criados junto da maioria da população. Se alguém tem dificuldades em pagar a prestação da casa, em alimentar a família, porque caiu no desemprego ou na indigência, o Estado ou se alheia ou toma mesmo atitudes que só pioram a situação, com a redução dos subsídios de desemprego, das condições para o desembolso do RSI, de acesso à saúde, etc. Inversamente, o mesmo totalitário Estado, para arcar com o pagamento das suas dívidas, que contraiu para servir o sistema financeiro, os grandes empreiteiros de obras públicas ou capitalistas em geral, reduz tudo o que pode nas despesas de caráter social e aumenta a carga fiscal a pagar pelos trabalhadores, pelos reformados e consumidores, ao mesmo tempo que desonera os empresários e os bancos, de encargos fiscais.


2 – A geminação entre os Estados e os capitalistas

Nunca é demais recordar que o Estado sempre foi o capitalista coletivo[2] e que atualmente é apenas um departamento do sistema financeiro e cujos diretores se designam por ministros. O Estado vai estando em processo de privatização direta ou de concessão de rendas ou benfeitorias de bens e serviços públicos a favor de capitalistas. As funções diretamente exercidas pelo Estado tenderão a restringir-se ao exercício da punção fiscal e da autoridade – emissão de leis, aplicação da “justiça” e da repressão necessária à manutenção do statu quo - não sendo de espantar que algumas dessas funções já não estejam ou venham a ser exercidas por privados – cobrança de impostos, prisões, elaboração de leis, sob formas jurídicas elaboradas como contratos, parcerias, ajustes, cedência de espaços, etc

Convém ter em conta que o Estado, como entidade, nunca será diluído num qualquer grupo financeiro. Os capitalistas sabem bem a importância de um aparelho coletivo, que exerça funções úteis a todos, embora tendo em conta a hierarquia entre os vários capitalistas, grupos e empresas. Por outro lado, é do seu interesse manter um aspecto de aparelho “acima” da sociedade, “neutro” face a empresas e indivíduos, para que estes aceitem a sua autoridade para a cobrança de impostos, a emanação de leis, as decisões dos tribunais e da legitimidade da atuação da polícia, mesmo quando bestial.

Voltando à dívida, é evidente que os bancos não vão aceitar que os insolventes se ofereçam como escravos tal como vão adiando os despejos de casas, porque isso lhes traria mais custos. Como conhecem a fábula da galinha dos ovos de ouro, preferem mantê-las, famintas, a esgravatar num solo próximo da esterilidade, enquanto houver ovos para pôr. Exigindo, naturalmente, que as galinhas se mantenham de cabeça baixa, sem pensar no cutelo que lhes cortará o pescoço, entretidas com os comentadores televisivos.

De facto, a relação entre o sistema financeiro e os devedores pouco tem de equiparado com as vigentes em ambientes sociais pré-capitalistas, onde o devedor arrisca a escravidão em caso de insolvência. Atualmente, o sistema financeiro precisa de multiplicar e aplicar capital a todo o momento e minimizar o capital não comprometido numa relação creditícia; numa sociedade pré-capitalista, o crédito é, essencialmente baseado numa cedência temporária de poupanças, pois os credores não têm disponíveis as variadas ferramentas e artifícios de criação de capital que o sistema financeiro, hoje, tem e em situação de monopólio.

Nesse contexto, o sistema financeiro precisa desesperadamente de colocar capital, de o reproduzir, mesmo que com isso descure, desestruture e destrua parte do aparelho produtivo de bens e serviços, a chamada “economia real”, aquela que de facto, satisfaz as necessidades das pessoas. O sistema financeiro orquestra o empresariato e o mandarinato na geração de uma psicologia social assente num consumo inveterado e irracional, num apelo constante ao crescimento a que, por vezes, se acrescenta piamente o adjetivo de sustentável, para alegrar os ecologistas. Essa adjetivação revela precisamente a omissão de que os recursos, o ambiente, são finitos e não admitem um crescimento adequado aos desejos do insaciável sistema financeiro.

Essa pulsão consumidora conduz as pessoas ao endividamento, ao comprometimento de rendimentos futuros, que se estão a revelar muito pouco seguros, como pareceria anos atrás; e, para corresponder a essa gula, as empresas produzem com o que têm e o que lhes é propiciado pelo sistema financeiro para que as pessoas comprem, consumam, o que precisam e o que julgam precisar, por indução da publicidade e da injeção de conceitos de promoção social em que o consumo e a modernidade dele resultante enformem a subjetividade dos indivíduos[3].

Como já em tempos assinalámos[4], o crédito acumulado pelas famílias e pelas empresas não está a permitir a rotação nem a liquidez de que os bancos gostariam; antes pelo contrário, os incumprimentos e as dilações de prazos de pagamento vão crescendo, tal como crescem as insolvências, com o fecho de empresas e a ruina de pessoas. Assim, o sistema financeiro tem dificuldades em continuar a manter a volúpia da concessão de crédito dado que os indivíduos se retraem no consumo e na assunção de acrescidas responsabilidades e as empresas, não tendo garantido o escoamento dos seus bens e serviços, não adquirem matérias-primas, nem equipamentos. Os crescentes rendimentos dos ricos[5] não compensam, obviamente, a retração na satisfação das necessidades das pessoas; já não as relativas ao exibicionismo social mas, no capítulo das necessidades elementares.

A incapacidade do sistema financeiro em manter a volúpia do crédito promove uma reação em cadeia, que se repercute a montante, uma vez que o sistema gera redes de interdependência, de relações devedor/credor que o equipara a um castelo de cartas, em articulação e fragilidade. Como qualquer devedor que não consegue satisfazer os seus compromissos com os credores, os bancos mais débeis ficam bloqueados – não conseguem manter o ritmo da entrada de fundos e por isso, também não conseguem reembolsar os seus refinanciadores de dinheiro, os seus colegas mais abonados. Naturalmente que isso tem um impacto evidente nos indicadores de solvabilidade e rendabilidade dos bancos fragilizados, com manifestações nas cotações das ações que tendem a afugentar “investidores” e bloquear a sua atividade, tornando-os abertos a operações hostis de compra, provenientes de fundos de investimento ou de pensões, predadores, ávidos de lucros a curto prazo, na base de reestruturações, fusões, downsizings e despedimentos massivos.

Esta situação, para mais, generalizada, conduziu a várias falências de bancos, entre os quais se destaca o Lehmans; intervenções de fundos estatais como nos casos do Dexia ou em Portugal, do Banif; assunção dos “tóxicos” existentes nos bancos espanhóis, no Anglo-Irish ou no célebre BPN. Estas atitudes representam atitudes de amortecimento dos desmandos do sistema financeiro para o salvar, para evitar o desmantelamento do referido castelo de cartas.

Mas isso demonstrou ser insuficiente. Foi necessário introduzir mais dinheiro no sistema para o rendabilizar e disso, na Europa, se encarregou o BCE, ao fornecer meios aos bancos para que estes o aplicassem em apostas de elevada remuneração. O BCE fornece liquidez aos bancos[6] a 0.25% e estes, dada a anemia das economias, dos riscos associados a famílias empobrecidas e empresas, sem perspetivas de crescimento, inventaram os Estados como grandes devedores, em muito poucos anos. A propagada fobia do BCE à inflação induzida pelo trauma alemão com a hiper-inflação dos anos vinte é uma mentira; é importante não haver inflação pois esta tende a reduzir o valor real da enorme liquidez detida pelo sistema financeiro global.

No quadro seguinte, pode observar-se que, excepto para o caso da Alemanha, há um acréscimo da representação dos bancos domésticos no total da dívida soberana dos seus respetivos Estados, constituída junto do sistema bancário e que na maioria dos países selecionados ultrapassa os 70% do total em 2013. No caso de Portugal, a estabilidade da dívida detida pelo sistema bancário entre os dois momentos revela contudo um reforço do papel dos bancos portugueses. Por seu turno, é bem evidente a fuga dos bancos não gregos dos títulos soberanos do país, contrariando promessas feitas para conseguir o apoio do FMI ao empréstimo de 2010 [7], contribuindo para a fragilidade posterior do país.




Dez-10
Jun-13
Total sistema bancário (M€)
Bancos domésticos (%)
Total sistema bancário (M€)
Bancos domésticos (%)
Alemanha
406077
76
399128
72
Chipre
2105
59
2852
84
Espanha
177568
78
199076
89
França
163044
61
149992
67
Grécia
80957
67
23061
99
Inglaterra
109523
83
127472
89
Irlanda
15512
66
21716
84
Itália
262185
59
274212
76
Portugal
34792
54
34238
71
                      (Bancosdos nos testes de Fonte primária: Agência Bancária Europeia stress da Agência

Este reforço do financiamento dos bancos domésticos aos seus Estados revela a procura de aplicações financeiras rentáveis e onde seja possível um controlo direto sobre o devedor, sobre os mandarins. No caso português, em 2013, apesar dessa almofada. a banca doméstica não evitou os enormes prejuízos registados no último ano[8].

Há muito boas razões para esse compromisso dos bancos. De facto, mesmo para iguais taxas de juro, um dado valor de empréstimo concedido pelo sistema financeiro a famílias e empresas terá sempre um grau de risco superior para o banco credor e reparte-se por milhões de mutuários, exigindo custos mais elevados de acompanhamento e gestão. Por outro lado, como se viu no caso dos swaps ou, na constante mutação das mesmas pessoas entre cargos políticos e na direção de bancos, há uma relação promíscua entre o sistema financeiro e o Estado, sendo os mandarins, por corrupção, conivência ou ignorância, muito abertos às sugestões dos vendedores de “produtos” bancários.

O sistema financeiro tem também outras vantagens em ser um grande detentor de dívida pública, sobretudo em época de retração económica em que os negócios promissores, a financiar, não abundam. Uma empresa comum ou uma família têm patrimónios e fluxos de receitas e gastos limitados e contingentes; numa empresa, o recurso ao crédito depende das capacidades de gestão e do “mercado” enquanto nas famílias quase tudo fica dependente da saúde dos seus membros e dos rendimentos do trabalho, daí resultando sempre um risco para os prestamistas.

Os Estados não apresentam um balanço, uma avaliação do património, porque é escusado. Os Estados têm um privilégio especial, a coercividade na obtenção de receitas (impostos, taxas, preços administrativos) sem contrapartidas diretas e o próprio poder de expropriação, a arbitrariedade e a essencial perenidade na determinação das receitas; assim, quando devedores, apresentam uma capacidade infinita de pagamento. As chamadas bancarrotas, mesmo não sendo raras na História, jamais colocam em causa a existência dos Estados devedores, sempre associados a uma soberania sobre um território, um povo, a uma capacidade de extorsão de rendimentos do trabalho ou de bens privados. Um Estado que determine o não pagamento de dívida pública, pode arrostar com as manobras e a solidariedade da comunidade capitalista e das suas instituições políticas; mas, se for determinado terá bons resultados, como no caso do Equador ou da Islândia enquanto em outros casos, é o próprio sistema financeiro que procede ao hair-cut (corte de cabelo) para evitar males piores, mormente de caráter sistémico (Grécia, 2012).

Uma aceite ausência de risco de não pagamento associada a dívida pública traz vantagens importantes para os indicadores saídos dos balanços bancários. No capítulo de uma dívida privada, os bancos consideram nos seus custos uma parcela de provisões, para futuramente poderem compensar casos de não pagamento; e, a constituição de provisões implica um nível mais baixo de lucros, de capitais próprios, o que pode obrigar os acionistas a proceder a aumentos de capital. No caso de títulos de dívida pública considera-se-lhes associada uma segurança absoluta de reembolso e ficam os bancos exonerados de proceder a provisões relativas aqueles títulos, aumentando assim a sua rendabilidade. Como se vê, o que não será contemplado em leis e regulamentos para ajudar o sistema financeiro? Quem manda escolhe as regras da casa.

No cenário do sistema financeiro global, as agências de rating sabem como influenciar a percepção dos “investidores” quanto ao risco associado a uma dívida; como sabem corresponder aos interesses que as controlam. Numa atividade em que a informação é volátil e a decisão se pretende rápida, não é praticável a utilização de milhares de operadores, sendo estes substituídos por sistemas informáticos poderosos incorporando programas com algoritmos sofisticados. Requere-se uma confiança e uma credibilidade quase cega nos oráculos das agências de rating; o mercado é um deus e exige fé.

Se um país apresenta dificuldades sociais, económicas ou financeiras, nada melhor do que um rating menos favorável para que aumentem os juros exigidos pelos futuros compradores dos títulos da sua dívida soberana. Para um banco haverá melhor cliente do que aquele que não irá à falência, que paga elevados juros e cuja casa se frequenta, como se fosse sua?

No cenário europeu, na zona euro, o BCE não deixaria nunca de intervir para evitar a contaminação sistémica de um incumprimento declarado por um estado-membro, tendo mesmo feito algum bluff para pressionar os gregos, mais precisamente. Recordamos nesse aspeto que Draghi anunciou comprar “sem limites” dívida soberana dos países intervencionados para salvar o euro[9] o que anda a causar uma querela constitucional na Alemanha[10]. Por outro lado, tendo em conta o caráter subalterno dos mandarins em funções governamentais nos países em dificuldades, não é compaginável que Passos, Rajoys ou Samaras decretem unilateralmente um não pagamento de dívida, para defender os respetivos povos.

Assim, os Estados enchem-se de dívida a juros elevados inerentes a um elevado risco que os bancos não refletem nos seus balanços. Estranha contabilidade…

Essa situação é sabiamente aproveitada pelos bancos, particularmente domésticos, para obterem boas taxas de rendabilidade, inalcançáveis com outros potenciais devedores. Recentemente, foi divulgado que as remunerações conseguidas pelos detentores de dívida pública portuguesa foram de 9.62% em 2013 mas, ainda mais elevadas no caso de Espanha (11.41%), Irlanda (12.21%) e da Grécia, com uns espantosos 47.72%[11]; aliás já havia sido referido em finais de 2012, no relatório anual da CMVM referente a 2011 que “a dívida pública foi o investimento mais rentável dos últimos 10 anos”[12]. Finalmente, também o Banco de Portugal - cujos governadores são sempre muito (?) independentes - revelou em novembro último no seu Relatório de Estabilidade Financeira que "uma parte significativa das carteiras de títulos das instituições financeiras é composta por activos nacionais, designadamente de dívida soberana, que continua a proporcionar níveis de rendibilidade relativamente altos."[13]

Que daí advenham dificuldades na gestão das contas públicas, trata-se de matéria de segunda linha de grandezas. É para gerir essas dificuldades que existem as classes políticas, os mandarins, as “concertações sociais” e os media; e é da sua harmonia que resultam privatizações, despedimentos, alterações nas leis laborais, cortes brutais nos deveres sociais dos Estados, redução de pensões, atrasos na idade da reforma… As troikas funcionam como os auditores designados pelos altos representantes do poder financeiro global para a supervisão dos governos nacionais em dificuldades. Também neste caso, se considera mais ajustado manter um governo indígena de mainatos para desarmar os orgulhos patrióticos da plebe do que nomear um governador-geral tipo Beresford, um procônsul como o Bremer que Bush colocou no Iraque ou, um qualquer gauleiter para o Lusitanienbezirk.

No entanto, vão-se avolumando notícias que apontam para um redimensionamento e aumento do controlo sobre a banca europeia depois de um longo período de apoios públicos, como quantificado num estudo[14] recente coordenado por um eurodeputado belga. Revela esse estudo que os apoios públicos ao sistema financeiro (assunção de tóxicos, nacionalizações, financiamentos) orçaram os 1.33 biliões de euros, isto é, mais de oito vezes o PIB português ou 10% do da UE. Há contudo, muitas dúvidas que os mandarins comunitários procedam, de facto, a alterações profundas no sistema.

Por seu turno, a EBA – Autoridade Bancária Europeia selecionou para supervisão (os chamados testes de stress) os 124 bancos europeus que abarcam mais de 50% dos sectores bancários domésticos. Os resultados deverão ser apresentados em outubro e a responsável pela supervisão bancária europeia avança com a ideia de que virá a haver falências de bancos muito em breve[15]. Do outro lado do Atlântico, nos EUA o governo federal poderá a ficar sem margem para obter mais crédito[16] e a ter de deixar de proceder aos quantitative easings com o qual se tem financiado há vários anos.

Uma crise dentro da crise, anuncia-se e adensa-se[17].


3 - Portugal – Cenários de continuidade no pagamento da dívida


3.1 – A continuidade pró-ativa e radical (Hipótese I)

Nesta hipótese contempla-se o fiel cumprimento do plano de amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP (ver o anexo), para o período 2014/21, sem reescalonamentos ou o recurso a novos débitos de médio ou longo prazo, que tenham impactos no volume dos reembolsos previstos. Isso será de todo muito pouco provável dado o grau de esforço imanente àquele plano para a depauperada economia portuguesa e para o conjunto da população, mormente trabalhadores, desempregados, reformados e pobres em geral.

Por outro lado, foi realizada recentemente uma operação de emissão de dívida, pagável em 2024 mas, para fazer face à satisfação de compromissos deste ano, com uma taxa pouco aliciante de 5.112%, durante dez anos, o que provocou festejos na área governamental, porque o “mercado” se mostrara receptivo (!), dado que a retoma estará visível, que haverá reconhecimento perante o esforço dos  portugueses (todos?), etc. De facto, com taxas daquelas e o BCE como garante último, o negócio não é mau para os credores; note-se que a taxa de juro implícita no total da dívida (todos os prazos) foi da ordem de 3.7% no ano passado contra 4.4% em 2012.

O gráfico que se segue contempla o peso no PIB das amortizações de dívida, de médio ou longo prazo, bem como dos juros de toda a dívida e ainda o esforço exigido,  correspondente à soma do capital emprestado e dos juros vencidos (o serviço de dívida) que representa o rendimento que é preciso desviar para a satisfação dos credores. A coisa pode ser minorada se forem afetados para a amortização da dívida, reservas de dinheiro pré-existentes – e que neste momento garantem um ano de pagamentos do plano do IGCP - ou o produto de privatizações, como a da TAP, se bem que a longo prazo, haja muitas dúvidas sobre as vantagens da alienação da companhia. Fora essas situações ocasionais, o pagamento do serviço de dívida exigirá um superavit externo dessa dimensão; caso contrário é o rendimento global que tem de encolher, sabendo-se de antemão quem serão os sacrificados pelos governos.

          gráfico 1
Excluindo as ressalvas anteriores, esse esforço de pagamento do serviço de dívida (amortização de capital e juros) varia entre 12.4% do PIB em 2016 e 8.8% em 2021, cifrando-se o valor em dívida em cerca de € 105000 M em 2021, contra os € 205252 M no final de 2013, nas contas do IGCP. Tendo em conta o montante em dívida calculado para 2021, isso significaria o cumprimento das exigências do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação (dívida pública ao nível de 60% do PIB). Assim, o rendimento nacional previsto (PIB), deduzido o serviço de dívida ficaria estagnado durante a maioria dos anos vindouros, mesmo admitindo algum crescimento económico, como indicado no anexo:
             Rendimento disponível cumprido o serviço de dívida, por habitante (€)

2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Disponível após serviço de dívida
14546
14746
14748
14685
14859
15366
15465
15796
Serviço de dívida
1828
1758
1888
2084
2044
1673
1710
1516
          % do rendimento bruto
11,2
10,7
11,3
12,4
12,1
9,8
10,0
8,8

Neste contexto, cabe fazer várias perguntas. Qual a margem para proceder à melhoria da vida das pessoas? Como se espera proceder a um alívio sequer da lógica da austeridade? A manter-se esta situação haverá esperança de acabar com a austeridade e os cortes? A sua continuidade não inviabilizaria ainda mais, nos próximos anos a existência de grande parte dos residentes em Portugal? E se assim fosse, continuaria toda a dívida a ser tomada como legítima? Em que sistema de valores, que não os da barbárie e do genocídio isso se enquadraria?

A adopção, em setembro, de novas regras de contabilização europeia conduzirá à inclusão na dívida pública[18] da Parpública e das suas próximas – com destaque para a célebre Parvalorem – bem como das EPE e alguns dos preciosos reguladores, cuja atuação consiste em ajudar os grandes grupos económicos.  O aumento daí resultante  colocará a dívida nuns € 242000 M (cerca de 147% do PIB). Assim, as responsabilidades financeiras daquelas entidades já hoje contidas na esfera estatal, ao serem consideradas no âmbito do escrutínio da dívida pela UE, irão acrescer a pressão sobre as finanças públicas e, como é habitual, aumentar a pressão governamental, da Comissão Europeia e do BCE (a troika fechará a loja em maio) para novos cortes e impostos sobre trabalhadores, reformados e funcionários públicos. Esse reajuste contabilístico irá, portanto, piorar os indicadores da dívida pública e incentivar ao reajustamento em baixa, dos salários e demais rendimentos da maioria da população. A austeridade futura será certamente mais pungente do que a recente e, até ver, encontrará a mesma raiva resignada entre os portugueses, sem expressão política.

Para que o cumprimento desta hipótese se verificasse, a taxa de crescimento da economia portuguesa teria de superar a parcela do PIB associada à punção do serviço de dívida. Isso significa que até 2021 o PIB teria de crescer acima da taxa de esforço inserta no gráfico 1 e que só a partir de 2019 poderia ser inferior a 10%. Estas taxas são excepcionais, mesmo no contexto chinês, onde o PIB consegue subir desse modo devido à construção de cidades que ninguém habita (em Espanha também se observou isso mesmo, em menor escala) e uma pulsão exportadora só possível com baixos salários, jornadas de trabalho extensivas, curtos períodos de férias, deficientes condições de trabalho e habitação, trabalho clandestino e desprezo pela qualidade do ambiente. É pouco provável que Portugal se transforme numa região especial chinesa mas, é claro que está em curso a sua transformação numa área periférica de baixos salários, vocacionada para exportações de menor valia para o Centro da UE[19].

Nem Passos, com o seu habitual misto de desplante e ignorância será capaz de afirmar que algo semelhante será possível.


3.2 – A continuidade pró-ativa amortecida (Hipótese II)

Neste cenário considera-se o fiel cumprimento do plano de amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP (ver o anexo) para o período 2014/21, com recurso parcial a nova dívida, no valor equivalente a metade dos montantes de amortização

É comum os Estados procederem a operações de obtenção de crédito para pagamento de outros créditos com vencimento breve ou condições mais onerosas, com o eventual pagamento de comissões, lateralmente. Na operação de troca de dívida realizada em dezembro último, o governo, para adiar pagamentos a efetuar em 2014/15 (anos de eleições…) para 2017/18 pagou € 134 M de incentivos aos titulares dos créditos[20]

Para além das vantagens que estas operações possam ter do ponto de vista da gestão da tesouraria, qualquer alongamento de prazos, mesmo sem alteração na taxa de juros e outros encargos a pagar, envolve aumento no serviço de dívida acumulado[21]

A realidade no período de três anos - 2011/13 - considerados no gráfico 2, evidencia que as novas dívidas preponderaram sobre as amortizações de outras, mais antigas, não sendo muito visíveis os benefícios da omnipotente troika e do indigente governo Passos/Portas, superiormente assessorado e tutelado pelo “sábio” Cavaco.

      gráfico 2
          
 Fonte primária: IGCP        

Do ponto de vista de quem “não quer ser caloteiro” é uma má opção porque vai alargar o período de dívida e de juros a pagar e manter intacta a subordinação aos credores. Do ponto de vista de quem nada tem a ver com a dívida e que é coagido a pagá-la à custa do sacrifício da sua qualidade de vida, poderá constituir um alívio momentâneo na degradação daquela[22], embora de facto, vá incorrer num aumento dos juros a pagar e um alargamento indefinido do tempo de sacrifícios.

Mesmo com um esforço financeiro muito menor do que a opção contemplada na Hipótese I, o crescimento anual exigido para o PIB, para o cumprimento desse plano (gráfico 3) continuaria a ser muito elevado (entre 6.6 e 8.5%), quedando-se a dívida contabilizada pelo IGCP no final do período, em cerca de € 155000 M. A redução da amortização de capital, com transferências para depois de 2021 – como ensaiado pelo governo em 11 de fevereiro -  constitui um alívio mas, é parcialmente compensado pelo aumento dos juros a pagar. Como se observa (gráfico 3), mesmo no quadro de uma dilação de pagamento de dívida para 2022 em diante (cerca de € 50000 M, próximo de ¼ da dívida atual) não é realista que se consigam taxas de crescimento como as aqui obtidas; continuaríamos supondo um cenário de economias como a chinesa ou de alguns países africanos. Esse crescimento é irrealista para mais com uma população em envelhecimento rápido devido ao volume dos chamados “baby boomers” e ao enorme fluxo de saída de jovens, sem oportunidades de trabalho decente em Portugal, onde prepondera um empresariato descapitalizado, viciado em apoios estatais e tão incapaz quanto cúpido e historicamente gerador de subdesenvolvimento[23].
         
           gráfico 3



Um exemplo como este, moderado quanto a exigências efetivas de amortização de dívida, admite uma descida do valor global da dívida o que não tem sido conseguido, mesmo com as rédeas da governação seguras pela troika, com a execução de um extenso plano de cortes e com o rebaixamento dos padrões de vida para a esmagadora maioria da população. Como se observa no gráfico, na ausência de um elevado crescimento do PIB, uma redução da dívida só existirá com um mais acentuado empobrecimento relativo. Os cálculos para esta hipótese que envolvem um alívio nos pagamentos da dívida, comparativamente à Hipótese I, de pagamento acelerado, evidenciam também a estagnação do rendimento médio previsível para os residentes em Portugal; e convém não esquecer que nisto de médias, há sempre quem coma uma galinha inteira a ver alguém de barriga vazia para que, em média, haja uma capitação de meia galinha. E evidencia-se ainda que uma reestruturação da dívida, como uma renegociação entre cavalheiros com o sistema financeiro – a existir - não traz resultados para a vida de cada um de nós.
             Rendimento disponível cumprido o serviço de dívida, por habitante (€)

2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Disponível após serviço de dívida
15077
15243
15311
15346
15501
15823
15941
16176
Serviço de dívida
1296
1261
1326
1423
1402
1216
1234
1136
          % do rendimento bruto
7,9
7,6
8,0
8,5
8,3
7,1
7,2
6,6

Este caso mostra, com uma quantificação meramente exemplificativa, uma continuidade do que o governo tem feito na prática, que é uma reestruturação da dívida, no âmbito do “mercado” sem qualquer renegociação formal com os credores. Joga com prazos de pagamento, substituição de títulos, nem sempre com resultados interessantes em termos de taxas de juro; é o que se chama empurrar o problema com a barriga ou, em termos futebolísticos, o alivio da pressão do adversário, chutando para fora.


3.3 – A continuidade pró-ativa prolongada (Hipótese III)

Esta terceira hipótese configura-se pela reformulação do plano de amortizações da dívida de médio ou longo prazo divulgado pelo IGCP (ver o anexo) para o período 2014/21, para um período de 30 anos (até 2044).

Esta é mais uma saída que nada altera a correlação de forças entre a multidão e o capital; é uma saída que não golpeia o capital, que mantém a renda do sistema financeiro, constituída pelos juros e que mantém o torniquete da austeridade sobre a população. É mais uma forma de pacífica rendição aos ditames do capital que benevolamente aceitaria a dilatação do prazo de pagamento que, eventualmente, arrostaria com maiores taxas de juro, dada a incerteza dos “mercados de capitais”, a menor disponibilidade dos capitais mutuados e loas semelhantes. Aliás, Passos já admitiu que a dívida irá durar 20/30 anos a pagar[24], pelo que nesta hipótese simulamos uma versão incluída na franqueza da repelente figura.

Presumimos neste caso que a economia portuguesa continuará a estar polarizada no cumprimento do serviço de dívida e que não precisará do recurso a nova dívida durante os próximos 30 anos; embora seja de todo inverosímil, ajuda à compreensão dos custos financeiros e sociais da dívida atual. Nesse reescalonamento inclui-se apenas o montante dos atuais compromissos para 2014/21 dividindo o seu montante global por 30 anos, dando-nos o IGCP a informação sobre a dívida a liquidar depois daquele período.

Esta distribuição da dívida de longo prazo por um prazo de 30 anos reduz o esforço a exigir para a sua liquidação, em 2014/21, uma vez que se reduz a amortização ficando os juros com uma pequena variação face à Hipótese II. No entanto, esta terceira simulação, exigiria um crescimento do PIB acima dos 6%, sendo de recordar o seu prolongamento até 2044!

          gráfico 4



Não é de todo plausível um crescimento económico tão elevado por um período tão longo, pelo que mesmo esta hipótese de reescalonamento, com alguma admissibilidade na ala esquerda do sistema político português, não é viável do ponto de vista económico, é desastroso socialmente e, politicamente, é indefensável. A visão do rendimento disponível após o cumprimento do serviço de dívida condena os residentes em Portugal à estagnação económica, o que tem impactos ainda mais gravosos para a população trabalhadora, vítima da atuação do sistema político que induz à manutenção ou agravamento das desigualdades e à acumulação de riqueza em torno dos segmentos mais elevados do capital.

              Rendimento disponível cumprido o serviço de dívida, por habitante (€)

2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Disponível após serviço de dívida
15289
15433
15577
15722
15868
16016
16164
16314
Serviço de dívida
1084
1072
1059
1047
1035
1023
1011
998
           % do rendimento bruto
6,6
6,5
6,4
6,2
6,1
6,0
5,9
5,8

Se os rendimentos gerados por uma economia, no mínimo, em estagnação são desviados para pagar aos credores, mormente às instituições financeiras, o que sobrar evitará ou reduzirá a destruição de muitas empresas ou o desemprego? Estancará as reduções de salários e direitos, como projetados em permanência pelo governo?


4 – Avaliação das parcelas da dívida a não pagar

Nas hipóteses anteriores, de continuidade à situação atual, considerou-se que a prioridade do desempenho da economia é o pagamento aos “nossos credores”, para um conveniente presença nos “mercados”; e verificou-se que em nenhuma se divisa qualquer possibilidade de atingir esse “patriótico” desiderato. A ansiedade nas hostes governamentais é tanta que caem na mais infantil propaganda quanto ao estado da economia; é o desemprego que se reduz, o emprego que aumenta, o PIB que cresce, a exportação que dispara… O delírio até pode surgir de um ministro que, bebidas umas boas canecas, fala de milagre económico, tal como Nero cantava os seus poemas perante uma Roma em chamas.

A satisfação das imposições dos credores não tem de ser, de modo algum, a prioridade. A aceitação do Memorando de Entendimento ou das suas várias revisões pelos governos, foi efetuada por gente submissa, domesticada pelo sistema financeiro, através de um pacto leonino, onde subjaz uma evidente chantagem. Quem assinou esses textos, não obteve um prévia aceitação por parte da população, que deveria ter sido consultada dado o seu enorme e desastroso impacto sobre a sociedade. As imposições da troika tornaram-se um guia de desconstrução social regressiva que, de facto, substituiu a Constituição. E, nem sequer, esses signatários partidários incluíram esses enormes sacrifícios nas suas agendas eleitorais, em 2011, pelo que os seus actos se podem considerar de flagrante ilegitimidade, confirmando assim que vivemos num estado de paródia democrática.

Em condições de normalidade ninguém aceita ser devedor de um empréstimo do qual não recolhe qualquer benefício, se, pelo contrário o onera e empobrece. Num contrato de mútuo, o credor tem direito a juros mas, não o de interferir em toda a vida própria do devedor, de lhe demarcar os lugares onde pode colocar os pés; a não ser que o devedor se assuma como insolvente e se prontifique a uma situação de escravidão.

artigo 55º da Carta das Nações Unidas[25] estatui que «com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão: a) A elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento económico e social; b) A solução dos problemas internacionais económicos, sociais, de saúde e conexos, bem como a cooperação internacional, de carácter cultural e educacional.». Sendo o FMI uma agência da ONU e não cumprindo este preceito, age de forma ilegítima. Por outro lado, pelo disposto no artigo 56º do mesmo diploma, «para a realização dos objectivos enumerados no artigo 55º, todos os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.» A questão neste ponto é saber qual o poder efetivo da ONU, face ao FMI.

O artigo 103º da mesma Carta estatui que «no caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta». Daqui se deduz que “os actos de submissão à troika assinados por governos e oposições são ilegais”, bem como os resultantes do  caráter submisso dos mandarins portugueses para com o sistema financeiro global.
Um outro diploma, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), determina no seu artigo 1º que «todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude deste direito estabelecem livremente a sua condição política e, desse modo, providenciam o seu desenvolvimento económico, social e cultural.» Como se tem visto, não há e nem vai haver qualquer soberania portuguesa na área financeira, que passará a ser determinada pela Comissão Europeia e pelos seus executantes lusos.
Finalmente, o artigo 1º do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais dispõe que «todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito, eles determinam livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural.”
Considera-se que a satisfação das necessidades dos povos, mormente da sua população trabalhadora, constitui o elemento supremo na definição dos objetivos de uma comunidade. A existência de um Estado, de uma classe política e de capitalistas é sempre um estorvo e isso é bem evidente em todos os processos de empobrecimento coletivo a que se assiste nos últimos anos, bem como à ausência de escrúpulos dos que se dizem representantes empenhados na defesa de milhões de pessoas.

Qualquer solução que contemple prioritariamente a satisfação das necessidades dos residentes em Portugal, passa por uma declaração de não pagamento da dívida atual – e à qual se estará para se lhe somar uma fatia substancial – a que se lhe seguirá uma avaliação daquela que se considera detentora de legitimidade e socialmente sustentável.

Convirá ter presente que a defesa da anulação de parte da dívida exige uma posição negocial forte, que contemple as reivindicações necessárias para uma digna sobrevivência das pessoas que residem em Portugal. Essa posição nunca sairá do atual governo ou de um seu alter ego encabeçado pelo PS; nem de qualquer atitude protagonizada pela faixa esquerda do pentapartido, mesmo engrossada com os estéreis grupos que se perfilam na conquista de lugares em Estrasburgo.

A contestação exige um ordenamento político muito distinto do atual em Portugal, bem como uma mobilização social muito grande, para além de uma conveniente concertação com os outros países acossados pela intervenção da troika; que nunca existiu até agora, a despeito da grande proximidade ideológica entre os gangs no poder em Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Chipre e Irlanda.

Uma avaliação realista e atualizada (com a inclusão de dívida relativa a empresas públicas, responsabilidades no âmbito de PPP e outros[26]) da dívida pública e da sua composição[27] é a que consta no gráfico seguinte.

                gráfico 5

Dessa dívida (cerca de €242000 M):

·         29.3% do total (€ 72051 M) é detida pelo FMI, pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e pelo Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF)

O peso do reembolso desta dívida só se fará sentir com mais dor a partir de 2016. A experiência internacional mostra que o FMI só em casos especiais concede perdão de dívidas – Haiti e Libéria, como resultado do terramoto e da guerra, respetivamente – embora tenha chegado a propor à UE um perdão de dívida grega[28], numa rara expressão pública da gravidade da situação. No âmbito das instituições europeias um perdão de dívida não terá acolhimento junto dos governos e mesmo das populações dos países do Centro comunitário, com relevo para a Alemanha.

Não é de excluir a redução das taxas de juro, embora o FMI e a UE logo viessem a sentir uma pressão para que o benefício atingisse todos os países intervencionados.  Em junho de 2011 os FEEF/MEEF reduziram os juros para o equivalente aos seus custos de financiamento (eram inicialmente 2% acima), tendo ficado em 2.4% (FEEF) e 3% (MEEF). No contexto de um hair-cut de um país em francos apuros, uma redução na taxa de juro teria efeitos também no custo de refinanciamento dos bancos portugueses e do crédito obtido pelas empresas (6.2% de taxa de juro, contra 3.8% na média da zona euro) para mais, tradicionalmente com elevado peso da função financeira no valor acrescentado. Seria até interessante e eventualmente cairia bem nas instâncias credoras que o valor correspondente ao perdão de juros ficasse afeto a investimentos de caráter social e não à disposição do capital financeiro ou de gangs partidários.

Numa visão de longo prazo, poderá obter-se um reescalonamento da amortização da dívida, aliviando a sua relevância no total dos reembolsos no período 2016/21. Em junho de 2013 o binómio FEEF/MEEF estendeu o prazo de pagamento, de 12.5 para 19.5 anos, com início dos reembolsos a partir de 2025. No que respeita à dívida para com o FMI (€23873 M), cujo reembolso se concentra entre 2015 e 2023, pode encarar-se um reescalonamento, por exemplo para 20 anos (€ 1194 M por ano).

Poderá contudo, defender-se que as contrapartidas para este empréstimo não se cingiram ao pagamento de juros mas que incluíram medidas desastrosas e desastradas em função dos objetivos declarados no âmbito do Memorando, incluindo uma parcela de € 12000 M para a recapitalização dos bancos lusos, cuja responsabilidade deveria caber aos seus acionistas e não ao Estado; e menos ainda à imputação dessas responsabilidades à população. Os custos sociais e económicos da desestruturação motivada pela troika, bem evidentes que não para os seus mandatários locais, deverão ser imputados ao FMI e à UE, como outorgantes do tal Memorando.

·      9.5% da dívida resulta das compras efetuadas pelo BCE (€ 23100M) no mercado secundário para garantir que as emissões de dívida tivessem sucesso; um género de “mão de deus” para os ministros das finanças em Portugal.

O BCE poderá anular esta dívida uma vez que a sua intervenção se enquadrou, essencialmente na defesa da estabilidade do euro e não especificamente para ajudar a vida aos portugueses. Como banco central, essa anulação não teria efeitos que não os escriturais no balanço do BCE e deveria ser extensível aos outros países intervencionados, no seio de uma conveniente concertação dos interessados. A defesa do não pagamento desta fatia insere-se, neste momento, na contestação da justiça alemã, à afirmação de Draghi, sobre o apoio sem limites aos países endividados, para salvar o euro.

Note-se que é relativo a Portugal que o BCE detém a maior fatia de dívida pública, ligeiramente acima da Grécia.

·         8.9% (€ 21450M) estão titulados por bilhetes do Tesouro português

São títulos de curto prazo com taxas de juro baixas[29] subscritos por entidades sem outro fito que não a do jogo especulativo, sem quaisquer contrapartidas a exigir ao Estado português. Os bancos portugueses detêm perto de metade deste tipo de dívida (€11700 M). Tratando-se de dívida de curto prazo, não é objeto de reescalonamentos

·    8.9% (€ 21450M) inclui dívida não consolidada de empresas públicas ou que nem tem estado contemplada pelo IGCP no montante oficial da dívida. A sua inclusão a partir de setembro resultará de novas regras contabilísticas que obviarão a manobras de desorçamentação[30].

Nos processos de recuperação de empresas, as instituições devedoras, são habitualmente chamadas a reduzir substancialmente os seus créditos. Já que está tão na moda a equiparação entre Estado e empresas, no contexto da gestão neoliberal, a solidariedade destes credores é mesmo de considerar no contexto de um hair-cut da dívida soberana.

Neste volume estão incluídas empresas de transportes e, particularmente, a famosa Parpública que tem uma dívida de uns € 5100 M, as suas afiliadas, Sogestamo e Estamo, produto da chamada “empresarialização” de funções do Estado, a qual permite a obscuridade da desorçamentação, a “agilização dos processos” na gestão e a colocação de mandarins como gestores bem pagos, fora dos quadros da administração pública comum.

Estarão aqui englobadas também as PAR’s (Parvalorem, Parups e Parparticipadas) todas pertencentes ao Estado e que funcionam como bad banks onde repousam os restos do BPN; os quadros de Miró, por exemplo mas também, muitos incobráveis. Neste âmbito e numa operação de reparação tardia da burla que foi a nacionalização do BPN pelo governo Sócrates (que não englobou a SLN) há toda a legitimidade na expropriação do grupo Galilei, cirurgia plástica da SLN, para colmatar o peso dos tóxicos herdados do BPN e armazenados nas referidas PAR’s.

·       14.3% da dívida total (€ 34650 M) correspondentes a títulos, valores em atraso, responsabilidades no âmbito das PPP e dívida não transacionável

Também aqui o hair-cut se pode fazer sentir de modo extensivo. No caso dos beneficiários de PPP, a dívida é da ordem dos € 16000 M (€ 11000 a pagar até 2021) mas, a sua situação é bastante frágil pois os contratos de concessão configuram situações de verdadeiras fraudes, no âmbito das quais cabem responsabilidades criminais e financeiras de quem os assinou por parte dos governos. Nada deve obstar a que sejam anulados ou que as empresas concessionárias sejam objeto de expropriação, se em Portugal existirem instituições verdadeiramente democráticas, emanadas do povo.

No capítulo dos certificados de aforro (€10000 M em finais de 2013), a grande maioria dos seus subscritores são pessoas que confiaram ao Estado as suas pequenas poupanças e não capitalistas, gananciosos e especuladores; a não ser em casos em que os subscritores tenham enormes fortunas em certificados de aforro, o que é pouco provável, nada justifica a penalização destas pessoas.

·         29.3% da dívida (€ 70950 M) tem entidades privadas como credores

A parcela correspondente a bancos não domésticos era em junho de 2013 de € 9800 M e a dos bancos domésticos é da ordem dos € 15600M.

Os bancos portuguesas têm as maiores responsabilidades, quer na desestruturação da economia portuguesa, quer no desenvolvimento da corrupção sistémica[31] – financiando um imobiliário muito acima das capacidades de absorção por uma população relativamente estável, pela especulação dos preços da habitação[32], pelo aproveitamento dos baixas taxas de juro desde meados dos anos 90, sem aplicação produtiva[33], pelo modo como monitoraram a classe política (juntamente com as empresas do regime da área da construção) para a concretização de obras públicas excessivas ou inúteis, na concessão de benefícios fiscais para o efeito e uma fiscalidade socialmente tão distorcida quanto permissiva de fraude e evasão[34].

Por outro lado e para além deste consolidado cadastro, os bancos portugueses, depois do processo de empobrecimento em curso, pouco alteraram o seu nocivo comportamento. O BCE contribuiu com financiamentos de longo prazo no equivalente a cerca de 9% das ativos dos bancos portugueses; porém, eles aplicaram, obviamente, esses meios na especulação (incluindo sobre a dívida soberana portuguesa) e não na chamada economia real. Seria, aliás, candura esperar que os bancos viessem ajudar empresas cujo excessivo endividamento promoveram nas últimas décadas, num contexto de regressão económica e de encolhimento do poder de compra.

Em finais de 2012, o total das provisões constituídas pelo sistema bancário português era de € 9657 M e os seus capitais próprios correspondiam apenas a 6.2% do ativo, situação que em qualquer outro setor de atividade é impensável mas, que na banca não é tomado como um indicador alarmante. Isto significa que a banca pode contribuir para um hair-cut no equivalente ao seu total de provisões; a partir daí ou os acionistas procederiam a entradas para colmatar o diferencial ou, haveria uma expropriação, com gestão coletiva do sistema bancário, o que certamente, teria de ser precedida de uma grande transformação política e económica em Portugal e na Europa; ou, pelo menos na Ibéria, uma vez que uma saída nacionalista ou isolacionista para a crise é pouco viável e mesmo inconveniente porque traria no seu bojo um retorno a um novo fascismo.

O cumprimento dos critérios de Maastricht permitia uma dívida pública não superior a 60% do PIB[35] e isso, foi incorporado na al. d) do artº 3º do Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação.

Nesse contexto, os € 242000 M de dívida que se têm vindo a considerar neste ponto, para o ano corrente, terão de se comprimir para atingirem uns € 100000 M apenas; isto é, há pelo menos uns € 142000 M a anular para terminar a supervisão financeira da Comissão Europeia, estabelecida no Tratado acima referido e que atualmente se antevê durar décadas.

Um ensaio para um hair-cut exemplificativo de cerca de € 142000 M para uma dívida pública inferior a 60% do PIB, poderá ter o seguinte contorno:

Tipo de credores
Nível de “hair-cut” (%)
Valor a anular (milhões €)
FEFF,  MEEF e FMI        
50
36000
BCE
100
23000
Credores de empresas públicas *
50
11000
PPP
100
16000
Outros, incluindo valores em atraso
50
4000
Bancos portugueses
75
11700
Bancos estrangeiros / outros especuladores
75
41500
Total

143200
        * incluindo expropriação do grupo Galilei

Para a restante dívida podem considerar-se três variantes, tomando-se para todas elas que 2014 não tem grandes alterações face às hipóteses de continuidade:

A - Amortização da dívida de € 100000 M em 30 anos com uma taxa de juros média semelhante à registada para o ano em curso (3.69%);
B - Amortização da dívida de € 100000 M em 30 anos com uma taxa de juros média reduzida a 2.5%;
C - Amortização da dívida de € 100000 M em 50 anos com uma taxa de juros média reduzida a 2.5%,

assumindo-se, como nos casos anteriores, que não há recursos a créditos de médio ou longo prazo que conduzam a aumentos líquidos da dívida ou a redução do ritmo do seu abate.

gráfico 6
       Rendimento disponível cumprido o serviço de dívida, por habitante (€)

2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Variante A
Disponível após serviço de dívida
14517
15999
16136
16274
16413
16553
16695
16837
Serviço de dívida
1856
505
500
495
490
485
480
475
       % do rendimento bruto
11,34
3,06
3,01
2,95
2,90
2,85
2,80
2,74
Variante B
Disponível após serviço de dívida
14517
16071
16208
16345
16483
16622
16763
16904
Serviço de dívida
1856
433
429
424
420
416
412
408
       % do rendimento bruto
11,34
2,62
2,58
2,53
2,49
2,44
2,40
2,36
Variante C
Disponível após serviço de dívida
14517
16174
16308
16443
16580
16717
16855
16995
Serviço de dívida
1856
330
328
326
324
322
320
318
       % do rendimento bruto
11,34
2,00
1,97
1,94
1,92
1,89
1,86
1,84

5 - Como sair disto?

Como se pode verificar com este exercício, mesmo com o cumprimento das regras comunitárias após um extenso hair-cut da dívida, torna-se exigível um crescimento sustentado da formação de rendimento, durante décadas e apenas para o pagamento da dívida sobrante, o que contrastará com o anémico ritmo de criação de riqueza a nível europeu e as desigualdades que o acompanham. Mesmo neste contexto otimista em termos de finanças públicas, esse crescimento do PIB não permite ilusões sobre uma saída do empobrecimento ou a geração de algum bem estar para os residentes em Portugal, como se evidencia acima, para os níveis estimados da capitação do rendimento disponível.

É preciso ir muito mais além:

·        A própria concretização de um plano extenso de hair-cut não é fácil de ser conseguido, sobretudo com governos de base PSD/PS, com ou sem o adereço Portas e os seus ajudantes de campo. Essa concretização exigirá a sua desaparição de cena e um novo quadro de organização política democrático onde a população possa intervir e ser sujeito ativo na definição dos seus interesses;

·      Esse extenso plano de duro confronto com o capital financeiro e as suas instituições – FMI, BCE, Comissão Europeia… - tem menores possibilidades de êxito se restrito a um pequeno e periférico país, empobrecido e subalterno, por muito que isso excite nacionalistas saudosos de Aljubarrota, fronteiras e hinos patrióticos. É determinante que haja mudanças substantivas, no mesmo sentido democrático e de repúdio pelo sistema financeiro e suas instituições, no seio de vários países, mormente nas periferias Sul e Leste da UE; para Portugal será essencial a conexão com Espanha;

·      A consolidação dessas alterações no ordenamento político interno e sua integração num quadro internacional regional de solidariedades na satisfação das necessidades dos povos, será insuficiente sem mudanças profundas na estrutura e na organização dos recursos materiais, naturais e do trabalho;

·      Uma profunda alteração das desigualdades[36] tem de ser radical para ser coerente, duradoura e imune a golpes de uma classe política que se pretende ficar apenas nos livros de História, como fruto das mudanças na organização política e do sistema de representação;

·    Essa radicalidade deve corresponder a um claro repúdio do capitalismo e portanto, extinguir a especulação financeira e a apropriação privada do produto do trabalho, centrando a atividade humana na satisfação das necessidades de todos e de cada um, de forma auto-gestionada, retirando partido das imensas capacidades que as tecnologias e o trabalho coletivo em rede, permitem no capítulo da produtividade. Se os conhecimentos científicos e técnicos admitem que o planeta possa suportar a vida de 12000 M de seres humanos de modo equilibrado em termos de sustentabilidade ambiental, é possível reduzir substancialmente o tempo de trabalho de todos para todos.


Anexo

De acordo com os dados do IGCP publicados em 20 de janeiro último, o plano de amortização da dívida pública de médio e longo prazo apresentava o seguinte perfil:


Os exercícios que efetuámos baseiam-se nos seguintes pressupostos simplificadores:

  • Considera-se apenas o período 2014/2021 que, como se vê, se encontra particularmente sobrecarregado nas previsões do governo;
  • O PIB em 2012 foi da ordem dos € 165409 M e o orçamento aprovado para 2014 considera para 2013 uma quebra de 1.8% mas, já um optimista crescimento de 0.8% para o ano em curso. Vamos aceitar, para efeitos do exercício, essas previsões e admitir que o crescimento do PIB para o ano corrente se vai repetir até… 2021.
         Neste contexto, o PIB português apresentará os seguintes valores
                                                                                                                   Milhões €
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
162432
163731
165041
166361
167692
169034
170386
171749
173123

É de todo duvidoso que assim venha a ser, dado o habitual optimismo enganador do governo e da troika, onde ressalta mais a manipulação política do que o rigor técnico. Por outro lado, a previsão económica, sobretudo dada a preponderância atual dos mercados financeiros, tornou-se um verdadeiro exercício de futurologia, para mais quando incide sobre um prazo de sete anos; e isso, quando se sabe que instituições especializadas como o FMI, o Eurostat ou a OCDE, raras vezes não procedem a regulares correções das suas previsões, mesmo as de curto prazo. A previsão económica objetiva, misturada com a manipulação política para enganar eleitores e a população em geral, para fomentar a “confiança” dos investidores e empresários ou ainda para beneficiar os resultados das “goldman sachs”, instala-se bastante nos domínios de monsieur de Nostradamus ou no determinismo saído de um baralho de tarot;

  • Os juros e encargos com a dívida previstos no orçamento para este ano são de € 7239 M, contra os efetivos € 7486.1M e € 8189.4M, em 2013 ou 2012, respetivamente.  Admite-se neste exercício que os juros e encargos para os anos que se seguem incidirão, de modo proporcional ao previsto para o ano em curso sobre a dívida remanescente, após os pagamentos que incorporam as hipóteses consideradas. Isso significa que se toma como constante a dívida de curto prazo, não considerada no plano governamental de amortizações mas, cujos juros estão, naturalmente incluídos nos números acima referidos.
          De qualquer dos modos colocamos em seguida uma estimativa independente sobre as                       necessidades de financiamento de curto prazo

                             Rehabilitating Portugal – Tortus Capital



Documentos e textos em:    


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[2]  http://www.slideshare.net/durgarrai/capitalistas-e-estado-a-mesma-luta
[3]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/02/o-homem-ser-social-e-fragmentado.html
[4]   A dívida de pessoas e empresas – a dependência eterna    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html
[6]  O crédito concedido pelo BCE aos bancos portugueses corresponde a cerca de 25% do PIB 
[15]   http://economico.sapo.pt/noticias/temos-de-aceitar-que-alguns-bancos-nao-tem-futuro_186840.html
[21]     http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/12/reestruturacao-da-divida-ou-trafulhice.html
[22]   Se, pelo contrário, qualquer governo vigente não continuar a aplicar as mesmas doses de austeridade para apoiar o empresariato luso, sedento de trabalho mal pago e benefícios fiscais; que será o mais provável
[23]  http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
[25]  Todas as referências que se seguem a dispositivos legais contidos em instituições internacionais foram organizadas por Rui Viana Pereira,  http://cadpp.org/node/144
[27]  http://rehabilitatingportugal.com/rehabilitating_portugal.pdf  de onde se extrairam alguns dados dispersos pelo texto, mais adiante
[31]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/09/porque-corrupcao-porque-em-portugal.html
     http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
[33] http://www.slideshare.net/durgarrai/a-dvida-dvida-de-pessoas-e-empresasa-dvida-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna-a-dependncia-eternaa-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna
[34]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
[35]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/02/soberania-soberania-nacional-e.html

3 comentários:

  1. Grande documento! Denso, mas extraordinário. Estás sempre de parabéns pela forma como o fazes. Um abraço.

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  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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