Sumário:
1
– A disputa da Ucrânia
2
– No quadro da Jugoslávia
3
– O cenário palestiniano
4
– A partição do Sudão
5
– Aventuras e desventuras do amigo Saddam
6
- O porta-aviões do Barhein
+++ x +++
A
“comunidade internacional” faz-nos lembrar a bela ária de Verdi “la donna è
mobile qual piuma al vento, muta d’accento e di pensiero”; só que esta “donna”
não é uma mulher mas, a expressão dos volúveis interesses que espalham
sofrimentos pelo planeta. E, por isso mesmo, se mantém com um contorno variável
e impreciso.
A
pluma agora está centrada nas planícies da Ucrânia e convém recordar a
propósito, algumas das suas recentes mudanças ou duradouras atitudes.
1
– A disputa da Ucrânia
Parece
claro que a Ucrânia vai mudar de configuração geográfica, pelo menos no que se
refere à Crimeia, cuja secessão se concretizará muito em breve, mesmo que a “comunidade
internacional” grite a várias e desafinadas vozes – Kerry, Ashton, Hollande e
outras de menor audiência como o nosso Chancerelle. Algumas dessas vozes
fazem-se ouvir só para cumprir calendário, pois a Crimeia não vale os negócios
das cerca de 6000 grandes empresas com investimentos e bons negócios na Rússia.
Certamente no jogo atual que se desenrola no cenário ucraniano vale muito mais
o papel de Gerhard Schroeder, antigo chanceler alemão e atual executivo da
Gazprom, do que todos os papagaios acima referidos.
Mais
complicada será a situação no atual Leste ucraniano, em perfeita contiguidade
geográfica com o Oeste, com populações de falas, crenças e estruturas distintas.
Recordemos a propósito que a Ucrânia é uma construção estatal com apenas 23
anos e que a sua consolidação nunca passou da primeira infância. A Escócia tem
previsto para setembro deste ano um referendo sobre a independência face ao
reino dos Windsor e a bela “comunidade internacional” ainda não se indispôs com
os escoceses.
Para
além do foguetório diplomático e do alarmismo dos media que vêm a guerra como
inevitável, resta o congelamento dos teres e haveres de 18 corruptos ucranianos
próximos do Yanukovitch (incluindo o próprio) e o azedume revelado pela “comunidade
internacional” quando enviou para o Mar Negro uma poderosa armada constituída
por um destroyer para se juntar às
temíveis (?) marinhas romena e búlgara, para além de dez aviões que remeteu para
a Lituânia. Por comparação, recorde-se que, seis anos atrás os russos
subtrairam a Abcásia e a Ossétia do Sul à Geórgia de Saakashvili que queria o
seu país na NATO; e o célebre e ardente George W. Bush reconheceu que estava na
área de influência da Rússia e meteu a viola no saco.
Em
Kiev um governo recheado de fascistas, dirigido pelo banqueiro Yatseniuk,
procurará garantir a integração na UE e na NATO, tentando convencer os
ucranianos que os fundos comunitários não trazem, no final do processo a
garantida inclusão numa já existente periferia leste, certamente pobre,
desestruturada, não “competitiva” apesar dos baixos salários. Presume-se que o
investimento estrangeiro terá alguma concentração nas boas terras negras onde a
Monsanto e quejandas planeiam plantar os seus transgénicos, desalojando
camponeses pobres. Esse processo está em curso na Roménia e a patente será
também válida para a Ucrânia.
Aguardemos.
Para quem não tem intervenção no terreno mais não é possível que analisar esses
projetos de domínio e as suas consequências já observáveis noutras latitudes e
tempos históricos, tendo em conta a hierarquia capitalista existente, as suas
mutações e que os EUA são a única potência com capacidade e veleidades de
intervenção a nível planetário. A Rússia é uma potência que também se procura
impor nas suas imediações mas, que tem um caráter regional, distante do papel
de superpotência que a antiga URSS detinha. Por outro lado, para os EUA, o
principal adversário é a China que, convém seja dito, constitui com a Rússia a
coluna vertebral da OCX – Organização de Cooperação de Xangai.
Resta
saber se os 46 milhões de ucranianos de oeste e de leste, da Galícia, da
Crimeia, ou do Donbass conseguem impor os seus interesses aos da hierarquia
capitalista e dos estados que lhe dão forma; ou, se se deixam envolver em
narrativas identitárias, de exclusão do “outro” perante o sorriso deliciado dos
capitalistas e da CDU alemã cuja Fundação Konrad Adenauer financia o ex-boxer
Klitschko. Essas narrativas já têm no terreno os seus cães de fila do Svoboda e
do Sector Privado, abertamente nazis.
2
– No quadro da Jugoslávia
A
Jugoslávia foi uma construção estatal que durou mais de 80 anos e nela se
juntaram várias línguas, grafias, religiões, o que não impediu que se
misturassem no território e na cama uns com os outros. Desavindos por causa de
um ditadorzeco de meia tijela – Milosevic – a intervenção da “comunidade
internacional” foi, de facto, decisiva. Não para aplacar os ânimos mas, para
regar o terreno com ódios, separatismos, êxodos, limpezas étnicas, sangue e
bombas de urânio empobrecido, que lá continuarão enterradas durante uns 10000
anos para recordar esses tempos às próximas 400 gerações.
Das
seis repúblicas então federadas saíram sete mais as duas sub-repúblicas
bósnias, todas pobres, endividadas, dependentes, ainda que duas delas tenham
vindo matar saudades da sua velha inclusão no espaço do defunto império dos
Habsburgos (Eslovénia a Croácia), sob o alto patrocínio da Alemanha e do
Wojtyla. Não se sabe se o papa Francisco alguma vez virá a pedir desculpas
formais aos jugoslavos que foram vítimas do bispo Ante Pavelic e dos seus ustachas cujas sevícias aos prisioneiros
arrepiavam os SS nazis, que não eram exatamente meninos de coro.
A
Sérvia caminha atrás da UE e dos seus fundos, qual burro atrás da cenoura,
enquanto não reconhecer a existência do Kosovo, filho legítimo da “comunidade
internacional”. Para ajudar esse benevolente dador de euros chamado UE, o Kosovo
trabalha arduamente no tráfego de droga e de órgãos humanos; com um filho de
saúde tão problemática, sua mãe, zela pela arrumação da casa com as tropas da
KFOR e a base americana de Bondsteel, conhecida por pequena Guantanamo, o
guardião da lei e da ordem de que a “comunidade internacional” tanto aprecia,
em todo o cenário balcânico.
A
Bósnia com uma burocracia estatal diversificada, por “etnia”[1],
corrupta até ao tutano como é apanágio das burocracias, apresenta uma
repartição territorial entre as duas repúblicas absolutamente disparatada. As
dificuldades económicas mostram como é possível mandar às urtigas as taras
nacionalistas, étnicas e religiosas e combater lado a lado, como se tem visto
ultimamente.
Também
a “comunidade internacional” acolheu com carinho a independência do Montenegro
que tem apenas 620000 pessoas apenas porque a separação da Sérvia cortava a
esta uma ligação direta ao Adriático.
Finalmente,
surgiu uma Macedónia que só pode ser reconhecida como FYROM – Former
Yugoslavian Republic of Macedonia, porque a Grécia considera ter direitos
históricos sobre o nome de Macedónia, embora tenha sido esta a conquistar a
terra grega e não o contrário.
Em
suma, no espaço da ex-Jugoslávia sobra desintegração espacial, nacionalismos
exacerbados, pobreza, desemprego, privatizações, emigração, tudo no quadro do
modelo neoliberal com instituições “democráticas” que integram gangs mafiosos intitulados partidos políticos.
3
– O cenário palestiniano
Mesmo
para quem defenda a existência da entidade israelita (não é o nosso caso) os atropelos
das decisões da ONU ou dos acordos bilaterais e os crimes contra a Humanidade
são tantos que nada justifica a infinita tolerância da “comunidade
internacional” perante as punições militares sobre a população palestiniana e
que nunca conduziu políticos e generais israelitas ao banco dos réus no
Tribunal de Haia. A justiça da “comunidade internacional” observou-se com o já
referido Milosevic e outros patifes jugoslavos, tal com o liberiano Taylor mas,
já não com israelitas porque estes têm um seguro junto dos Rotschild e afins.
A
construção do muro de separação entre o território palestiniano ocupado e o que
vai sobrando como integrando a Autoridade Palestiniana é condenado em todas as
instâncias sem que a “comunidade internacional” se digne ao mais ligeiro
boicote, à mais leve das sanções sobre os genocidas israelitas. Prosseguem
actos de desestruturação do território palestiniano, de apropriação da água, de
policiamento sistemático e armado daquele território teoricamente sob os
auspícios da tal Autoridade, que torna esta um simples ornamento político. A
recusa dos direitos de pesca nas águas de Gaza, o controlo das fronteiras
palestinianas, são outras tantas atitudes que mereceriam atitudes firmes da
“comunidade internacional”.
A
autoridade israelita detém – sem subscrever os termos do Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares – umas 150 bombas atómicas, num cenário
regional onde nenhum estado as têm. E nem se compreendem os receios da entidade
israelita, quando se sabe os seus mísseis Jericó terem um alcance de 15000 km…
o que permitirá aos sionistas atingir, por exemplo, o Rio de Janeiro. Este
arsenal atómico inicialmente construído com apoio francês não é objeto de
contestação nem sanções por parte da “comunidade internacional”; porém, o Irão não
se demonstrando que possua armas atómicas, tem sido vítima de pesadas sanções
decretadas pela “comunidade internacional” à qual convém manter a ilusão da sua
existência, para criar dificuldades ao país tendencialmente pivot na área do
Golfo Pérsico.
A
“comunidade internacional” revela-se na sua forma mais esquelética e ridícula
quando, nas votações condenatórias da entidade israelita na ONU, os sionistas
só têm o apoio dos EUA e das Ilhas Marshall.
A
UE, tropa indisciplinada que incorpora a “comunidade internacional” sem
determinar as suas decisões, assume também a sua benevolência para com a
entidade israelita quando limpa a sua consciência entregando uns milhões de
euros à Autoridade Palestiniana para a recuperação dos estragos provocados
pelos bombardeamentos sionistas, sem os incriminar e mantendo as relações
diplomáticas, económicas e desportivas com aquele quisto genocida.
4
– A partição do Sudão
Há
muitos anos que o tutor da “comunidade internacional”, os EUA, não gostam do
regime sudanês, embora este em nada se distinga de outros no cenário africano
ou asiático, no capítulo da democracia e dos direitos. Nos anos noventa, Clinton ordenou a heróica acção de
bombardear uma fábrica de medicamentos no Sudão.
Com
a descoberta de petróleo – explorado por várias companhias, mormente asiáticas
– avivou-se no sul uma pulsão separatista e a “comunidade internacional” logo
se apressou a criar um novo estado em 2011 – o Sudão do Sul - com uma população
muito pobre e sem estruturas políticas ou sociais. A “comunidade internacional”
ajudou a separação entre os sudaneses do sul (pretos bons) e os do norte
(árabes maus). Entretanto, a guerra civil diversificou-se; no Sudão, há dois
movimentos de guerrilha contra o governo de Cartum, perto da fronteira sul, nas
regiões de Kordofan e Nilo Azul enquanto no Sudão do Sul se digladiam duas
facções, em luta pelo poder.
Na
separação ficou por definir a jurisdição da zona de Abyei, rica em petróleo e as refinarias ficam no Sudão (norte) tal como o terminal de Port Sudan, no mar
Vermelho, pelo qual se escoam forçosamente as exportações do Sudão do Sul.
5
– Aventuras e desventuras do amigo Saddam
A
tutoria da “comunidade internacional” forneceu armamento ao Iraque de Saddam
para que este favorecesse a derrota da nova governação iraniana, condenada por
ter eliminado a monarquia que funcionava como o gendarme dos EUA na área do
Golfo Pérsico.
Após
oito anos de sangrenta guerra e de massiva e comprovada utilização de armas
químicas por Saddam, este não conseguiu derrotar o Irão, ficou endividado e,
claro, a “comunidade internacional”, não se preocupou com os crimes de guerra
do ditador.
Num
tremendo erro estratégico, Saddam invadiu em 1991 o Kuwait, antiga parcela de
território iraquiana, desanexada pelos ingleses por razões estratégicas no
século XIX, precisamente para equilibrar as suas depauperadas finanças após
tantos anos de guerra. Numa breve guerra levada a cabo pela “comunidade
internacional”, esta derrotou Saddam, reentregou o Kuwait à família al-Sabah e
o Iraque foi submetido a um plano de sanções e controlo financeiro e comercial
que provocou centenas de milhar de mortos na população, dada a subnutrição e a falta
de medicamentos.
Apesar
dessa situação calamitosa, em 2003 o Iraque foi acusado por George W. Bush de
conluio com a al-Qaeda - que na realidade se tem demonstrado um auxiliar
estratégico dos EUA – e de ter escondidas armas de destruição massiva. As tais
armas serviram apenas como argumento de intoxicação mediática.
Na
guerra lançada em 2003, todo o território iraquiano foi ocupado pela
“comunidade internacional” que, para além de uma redistribuição das fontes
petrolíferas – como anos depois aconteceria na Líbia – pensou dividir o país em
três, no âmbito de disparatada e criminosa tese do Pentágono, o nation-building. Propunha-se então, uma
separação entre o sul iraquiano de maioria xiita, o centro onde predominam
sunitas e o norte, maioritariamente ocupado por curdos. Na realidade, só na
área curda se gerou alguma autonomia, na sequência do estabelecimento de zonas
excluídas da autoridade de Saddam, depois da primeira guerra, em 1991; e o
Iraque a despeito das suas muitas dificuldades, continua a ser um só país.
A
“comunidade internacional” cria independências e separatismos ou força unidades
de acordo com as conveniências do momento ou, melhor, em função dos interesses
das multinacionais, do capital financeiro ou das conveniências estratégicas das
potências que dirigem e treinam a “comunidade internacional”.
6
- O porta-aviões do Barhein
Em
2011 a população do Bahrein manifestou-se contra o poder absoluto da família
reinante dos al-Khalifa. Porém, contra o povo, estava garantida a hostilidade
da “comunidade internacional”, neste caso restrita ao CCG – Conselho de Cooperação
do Golfo, que une todas as monarquias, sultanatos e emiratos do Golfo Pérsico. E
isso, por duas razões. Uma, porque as camadas mais exploradas e reprimidas do
povo barheini são xiitas, ao contrário dos al-Khalifa que são sunitas; e o
outro motivo é que no Bahrein se situa o quartel-general da Quinta Armada dos
EUA, cuja função é o controlo do tráfego no Golfo Pérsico e do estreito de
Ormuz. Aos povos nem sempre é atribuído o direito a ter a sua própria posição
geográfica, sem interferências alheias.
Como
as forças repressivas do monarca local estavam com dificuldade em conter os
protestos, a referida sentinela local da “comunidade internacional” avançou com
tropas para o Bahrein, não fossem os barheinis imitar os tunisinos ou os
egípcios. Importava acima de tudo garantir a tranquilidade da presença
norte-americana na região, evitar que a revolta se propagasse e fizesse tremer
os sultões e emires das imediações e ainda garantir o devido respeito por parte
do inimigo iraniano e xiita, logo ali em frente.
Na
mesma época, iniciou-se também a revolta na Síria, exigindo democracia e o fim
da dinastia dos al-Assad; o governo reagiu como reagem todos os poderes – com a
brutalidade necessária e conveniente. Sabe-se que a “comunidade internacional” logo
começou a apoiar com dinheiro e armas os rebeldes, entre eles fanáticos
integristas que acabaram por estar ao nível da brutalidade do regime. Sabe-se
do envolvimento dos países da região que integram a “comunidade internacional”
no combate a al-Assad, incluindo com ameaças de ações de guerra.
No
Bahrein o regime é virtuoso e os protestos porque ilegítimos são reprimidos por
forças importadas da vizinhança. Na Síria a virtude de Allah está com os
rebeldes, a merecer todo o apoio dos estados da vizinhança, da tutela
norte-americana e do desdentado Hollande enquanto al-Assad é objeto de toda a
oposição e de ameaças.
A
“comunidade internacional” relembra-nos que “la donna è mobile qual piuma al
vento, muta d’accento e di pensiero”.
Este
e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] Não sabemos se uma pessoa de origem sérvia e
muçulmana é uma ou outra coisa na classificação da “comunidade internacional”, o
mesmo sucedendo a um croata igualmente islâmico. E se alguém tem pai sérvio e
mãe croata, o que será? Poderá ser muçulmano? Recordamos a tara da importância
da raça para a classificação de gente nos EUA, o que permite as mais ridículas
opções, como resposta à natural misceginação que as migrações vêm aumentando.
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