terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Investimento estrangeiro em Portugal - Entre o mito e a propaganda (2ª parte)

Na primeira parte deste texto[1] abordou-se a evolução, a dimensão e a distribuição dos consolidados do IDE (investimento direto no estrangeiro) nos países da UE, com relevo para Portugal, para o qual se procedeu a uma avaliação do perfil setorial do IDE instalado no país.


Sumário

Conclusões
1 - Origens geográficas do IDE em Portugal
1.1 – Visão global
1.2 – IDE com origem na UE
1.3 – IDE com outras origens
2 - Investimento e desinvestimento em Portugal
3 - O IDE e a época da crise (2008/2013)
4 – Notas finais



Conclusões

  • O crescimento do IDE consolidado em Portugal deve-se essencialmente a capitais provenientes da UE e, até 2011, também dos off-shores;
  • O que é considerado IDE não é o investimento pensado e maturado para uma longa duração dado que o capitalismo financeiro prefere muitas aplicações de curta duração e rápida rendabilidade, não ter capital empatado durante longos períodos;
  • Para combater essa volatilidade os Estados desdobram-se em isenções fiscais e outras facilidades à custa do erário público para atrair e fixar os chamados investidores;
  • Os países da UE apresentam uma grande parcela no valor consolidado do IDE em Portugal e que atinge a maior expressão em 2012. Entre aqueles, 68.7% provêm da Holanda, de Espanha e da Bélgica-Luxemburgo, sublinhando-se a representatividade secundária do IDE alemão;
  • Grande parte da relevância da Holanda e Bélgica-Luxemburgo não é um verdadeiro investimento estrangeiro pois corresponde à fuga fiscal de grandes empresas portuguesas;
  • O IDE em Portugal tende a basear-se numa natural complementaridade face à Espanha, principal preferência das multinacionais na Península;
  • Entre as proveniências não comunitárias avulta a relevância da Suiça e o curioso caso do IDE proveniente de Angola por se enquadrar na harmonia mafiosa existente entre a nomenklatura angolana e os cleptocratas lusos do PSD/PS;
  • O IDE vindo de off-shores não tem tido um peso muito grande no total e decresce em 2012, porventura devido a alterações estratégicas protagonizadas por grandes capitalistas portugueses. Sublinhe-se que a passagem por off-shores é uma forma de branqueamento de capitais obtidos através do crime, no mínimo, de caráter fiscal;
  • A maior relevância dos fluxos de investimento/desinvestimento, comparados com as variáveis da balança corrente e com o PIB revelam uma maior integração da economia portuguesa na esfera do capital global e no acentuar da sua subalternidade;
  • A crise da dívida actual mais não é que parte do processo de subalternidade da periferia sul da Europa dentro da matriz de desigualdades europeias, típicas de qualquer desenvolvimento capitalista.
  • O maior crescimento das exportações e rendimentos obtidos no exterior a partir de 2001 não conduzem a um impacto significativo no PIB, ao contrário da propaganda do regime. Por outro lado, a redução dos rendimentos e da atividade económica reduz as importações;
  • A brusca e substancial redução do deficit da balança corrente no último período é conseguida através de uma brutal recessão económica e de custos sociais imensos;
  • Não se considera ser possível um fluxo de capitais decididos a investir no consumo de um povo em empobrecimento acelerado e com empresas altamente endividadas, como em Portugal;

1 - Origens geográficas do IDE em Portugal


1.1 – Visão global

O IDE acumulado em Portugal, na sua totalidade, viu-se atrás, cresceu 5.5 vezes entre 1996 e 2012. Porém, segmentando essa totalidade em grandes áreas geográficas observa-se que no caso da UE aumentou 6.2 vezes mas, apenas 2 e 2.4 vezes, respetivamente, para os Outros países europeus e para o conjunto dos países fora da Europa.

O stock de IDE mostra um crescimento impressivo até 2011 para o conjunto dos off-shores, cujo nome mais benévolo usado nas instituições é “centros financeiros internacionais”. Porém, dada a grande quebra observada em 2012, esse crescimento fixa-se apenas em 4.9 vezes para todo o período. O crescimento do IDE proveniente de off-shores apresenta dois períodos de evolução relativamente regular – 1996/2003 e 2004/2011 – separados por um ano especial (2003) que parece ter uma contrapartida, simétrica, em 2012, retomando aos níveis observados no início do século, o consolidado de IDE.


A evolução observada para o conjunto dos países da UE determina a evolução da totalidade. Há vários momentos de crescimento da relevância dos países da UE; um, entre 1999 e 2001, interrompido até 2004, no rescaldo da adopção do euro e retomado até 2007; e outro, em 2008 com a bem visível quebra relacionada com a turbulência financeira global, voltando a crescer posteriormente.

Estas flutuações revelam que o IDE, normalmente associado a projetos que se julgam consolidados e pensados a médio ou longo prazo, engloba lógicas bastante volúveis às variações conjunturais. Na lógica do capitalismo de hoje, neoliberal e financeiro, há uma tendência para a liquidez que permite a mobilidade e o desvio fácil dos capitais, em termos geográficos e setoriais, em busca do lucro a curto prazo. Para segurar os investimentos mais relevantes ou estruturais, os Estados ficam na contingência de proceder a cargas fiscais nulas ou aligeiradas, subsídios, ofertas de terrenos e outras vantagens, associados a períodos mínimos de permanência. Estamos longe da mitologia do capitalista poupado, trabalhador dedicado – pelo menos a extrair o fruto do trabalho alheio – com objetivos de longo prazo, consciente das dificuldades das fases de arranque e preparado para extrair lucros após algum tempo a conviver com a sua ausência.

Os ditos investidores de hoje são volúveis, prontos para compras ou vendas instantâneas para ganhar pequenas margens muitas vezes e menos dispostos a esperar pacientemente que a árvore plantada dê finalmente os seus próprios frutos. Para lhes garantir essas vantagens a todo o momento, as empresas e os seus gestores têm de estar prontos para as segmentações de algumas atividades, para os despedimentos, para os outsourcings, para negócios corruptos desde que daí resulte a valorização dos títulos em bolsa e um acrescido valor para os acionistas. Assemelham-se aos “empreendedores” que, antigamente compravam um burro numa feira para o venderem mais caro, depois de escovado e limpo, noutra feira, numa lógica inserida no mais acabado parasitismo.

O IDE resulta de uma concertação entre os interesses dos “investidores” e os ganhos de quem os autoriza e viabiliza a nível nacional. Os critérios para essa viabilização só secundariamente terão em conta o acréscimo de racionalidade para a estrutura produtiva nacional, a salvaguarda do ambiente, o ordenamento do território ou os interesses da população em geral. Uma das partes desse negócio são os investidores estrangeiros apostados na rendabilidade dos seus capitais; e a outra, é constituída pela panóplia de intermediários nacionais onde avultam sociedades de advogados e outra gente pertencente ou bem relacionada com o partido-estado PSD/PS. Acertados os apoios públicos e as comissões que escorrerão para os cofres do partido (a nível nacional e autárquico) formula-se o “projeto de investimento” para dar um ar de seriedade e capear tecnicamente a decisão dos mandarins. O caso Freeport ofereceu um exemplo típico do modo como ocorre o IDE em Portugal e não só.

O neoliberalismo acentua o caráter parasitário do empresário[2] quando o isenta de riscos e da necessidade de capitais próprios. O capitalismo sempre gerou em seu torno um nutrido parasitismo. Com o neoliberalismo, o Estado, oleado por uma pesada punção fiscal, é o campeão do parasitismo que se dedica a gerir um género de capitalismo de estufa com empresários nascidos em proveta. Este tipo de criação de negócios e aquele outro teorizado por Adam Smith para elevar o capitalista aos níveis da virtude e da santidade nada têm em comum que não a apropriação da riqueza criada por mãos alheias.

Como se observa no quadro seguinte, a UE acentua o seu peso no IDE registado em Portugal, como resultado da dinâmica própria do investimento com essa proveniência mas também do caráter temporário, irregular do IDE com origem fora da Europa ou nos offs-shores. Isto significa que a proximidade geográfica determina uma matriz consolidada de relações comerciais, financeiras e políticas e, naturalmente, constitui também o alicerce do IDE, revelando que não têm tido impactos reais os esforços para a atração de investimento estrangeiro proveniente de outras áreas, tal como têm sido infrutíferas as caravanas que acompanham as tristes figuras governamentais a essas paragens.

                                Posição do IDE em Portugal - Origem geográfica  (%)

1996
2001
2006
2012
Valor (€ Milhões)
16473
40875
67169
88799
UE
80,1
83,9
73,6
90.3
Outros Europa
6,5
2,9
1,7
2,3
Fora Europa
10,1
5,2
16,8
4.5
Off-shores
3,3
8,0
7,9
2.9
                                                                        Fonte primária: Banco de Portugal

Denota-se nesse afunilamento do IDE no seio da UE a evidência de que Portugal só tem significado como região europeia e que pouco conta no cenário global. Para quem está fora da Europa, Portugal é uma região ultra-periférica, pobre e que só é conhecido por razões muito marginais (Ronaldo…); e, mesmo no contexto da Ibéria, Portugal é, também excêntrico ao triângulo Catalunha-Madrid-Euskadi. Paul Kennedy[3] refere, que numa perspetiva histórica global, Portugal só é relevante pela chegada de Gama à Índia e pelo tráfego de escravos no Atlântico. Só os portugueses parece desconhecerem esta realidade…


1.2 – IDE com origem na UE

No quadro da UE, entre os maiores investidores em Portugal, destaca-se o grande crescimento da posição assumida pela  Holanda e pela Itália, esta última a partir de 2005, seguidos pela Bélgica-Luxemburgo (com grande realce do último), depois de 2007 e, mais atrás, pela Espanha, todos com um dinamismo superior ao registado para o conjunto da UE.

São conhecidas as condições oferecidas na Holanda e no Luxemburgo para a atração de capitais de grandes empresas e multinacionais, incluindo-se entre aquelas, as empresas portuguesas cotadas na bolsa de valores que, formalmente, dirigem a partir de domicílios fiscais ali situados, os seus negócios em outros países. Assim, uma parte substancial do que é considerado em termos estatísticos como investimento estrangeiro não o é realmente, constituindo essa consideração uma máscara de capitalistas portugueses para se furtarem ao pagamento de impostos em Portugal. Em rigor, o IDE em Portugal é, de facto, muito inferior ao que é contabilizado na balança de pagamentos, em virtude de artifícios institucionais para favorecer as grandes empresas. Talvez esses gloriosos capitães da fuga fiscal se tornem sensíveis à redução do IRC…

No que se refere à Espanha regista-se uma estagnação da sua posição no contexto do IDE em Portugal, certamente como consequência da crise que assola aquele país mas, com alguma recuperação em 2012. Note-se que a Espanha, no seio da UE, detinha a maior parcela de IDE em 2003/2005.

No que se refere à França ou à Inglaterra, evidencia-se uma estabilidade do IDE consolidado, porventura devido a um papel pioneiro do IDE em Portugal, como antigas potências dominantes na Europa.

Do que acima se expôs, resulta que o ligeiro dinamismo da posição do IDE oriundo da UE resulta exclusivamente dos registos procedentes de Itália e do Benelux e, em menor escala, do conjunto dos “outros” países da UE.

No gráfico acima identificámos os países com uma posição no IDE registado em Portugal superior a € 4000 M (pouco mais de 4% do total em 2012) e nesse conjunto não se encontra a Alemanha, como se poderia imaginar, dado o seu poderio económico e financeiro e a tutela política que exerce em Portugal por intermédio da Comissão Europeia, do BCE e dos seus mainatos no governo.

Em todo o período considerado (1996/2012) o valor da posição alemã no IDE em Portugal duplica, enquanto que para o conjunto dos países da UE o aumento é de 521%. Esta realidade mostra que a potência alemã pouco relevo dá à parcela da periferia Sul chamada Portugal, sem recursos naturais impressivos ou únicos, desindustrializado, com um poder de compra baixo e em regressão, com níveis médios de qualificação aquém da média europeia, marcado pela burocracia, a corrupção e pouco estimado pelos “mercados”. Esta situação ilustra a pouca consideração do poder político alemão pelas dificuldades portuguesas em cumprir os objetivos da troika (onde a sua influência é marcante) apenas se preocupando com a estabilidade dos mercados financeiros e desse neo-marco que se designa por euro ou, com a segurança do retorno do crédito concedido pelos seus bancos. O novo Banco de Fomento anunciado para breve com forte empenho de KfW estatal alemão ilustra essa última opção[4].

No contexto da UE e no período considerado, há alterações significativas na distribuição da origem geográfica do IDE consolidado em Portugal.

A Alemanha que se situava em 1996 num conjunto de países que concentravam o IDE proveniente da UE vem reduzindo substancialmente o seu peso específico tornando-se marginal a sua relevância, contrariamente ao que vulgarmente se entende. A França e a Inglaterra também acompanham a Alemanha na redução da sua representação no IDE instalado em Portugal.

A Espanha assumiu desde cedo uma posição de liderança por razões que se prendem com a contiguidade geográfica, que torna Portugal como um lugar privilegiado e, mesmo de ensaio para os capitalistas espanhóis; por outro lado, uma vez que Espanha oferece uma apetência superior a Portugal no contexto do investimento internacional, as multinacionais tendem a criar uma filial em Portugal, a partir de território espanhol.

                                               Posição do IDE em Portugal - Origem na UE  (%)

1996
2001
2006
2012
Alemanha
12,9
8,2
6,4
4,2
Belg-Lux
8,7
10,2
9,2
14,9
Espanha
19,8
22,1
29,5
24.9
França
18,6
8,8
9,6
6.8
Holanda
14,6
24,4
23,9
28.9
Inglaterra
15,3
17,6
12,3
7.8
Italia
3,0
2,9
5,5
4.3
Restantes
7,1
5,8
3,6
8.2
                                                                Fonte primária: Banco de Portugal

A Holanda tem estado na disputa da liderança com a Espanha, por razões já expendidas, surgindo a Bélgica-Luxemburgo no terceiro lugar. Em 1996, os três principais países assumiam 53.7% do IDE total, proporção que em 2012 corresponde apenas à soma da Espanha e da Holanda, revelando-se assim uma maior polarização das origens do IDE proveniente da UE. Sublinhe-se o crescimento do IDE proveniente dos “restantes” países da UE, nos últimos anos.

Do atrás exposto conclui-se que:

·        O IDE em Portugal tende a basear-se numa natural  complementaridade face à Espanha, há muito considerada pela UE e pelos “mercados”. Recordamos nesse âmbito,  a indexação do escudo à peseta antes da integração no euro; a espera de Portugal pela finalização das negociações CEE/Espanha para uma entrada conjunta, apesar dos esforços portugueses para uma adesão individualizada e anterior à de Espanha; o papel do capital espanhol no sistema financeiro em Portugal; a importância dos turistas espanhóis em Portugal; o facto de a Espanha ser o principal parceiro comercial, etc;

·   A relevância recente dos países do velho Benelux terá certamente algo a ver com a deslocalização das sedes de grandes empresas de capitais portuguesas para a Holanda e o Luxemburgo, podendo dizer-se que se trata do IDE proveniente de uma “diáspora” capitalista de raiz portuguesa que se acolheu àqueles países e aos off-shores por razões fiscais;

·     A Espanha e os países do Benelux detêm, em 2012, a titularidade de mais de 2/3 do IDE consolidado em Portugal proveniente da UE (68.7%), contra 43% em 1996, configurando assim a marginalidade portuguesa no contexto do investimento estrangeiro global, apesar das viagens de Cavaco e do seu séquito de empresários, que mais parecem cópias da majestática passagem de fidalgos em torno de um elefante nas ruas de Roma, no âmbito da embaixada para impressionar o papa, no século XVI;

·         É neste contexto que nos parecem verdadeiras palhaçadas os apelos à soberania vindos da direita (por exemplo, Portas) e da chamada esquerda (o PC e a sua política patriótica de esquerda) que ecoam junto das almas dos simplórios, ainda doutrinados nas grandezas pátrias do século XVI. Faz lembrar a serôdia tentativa de Salazar em disfarçar a realidade colonial com um “império pluricontinental e pluri-racial” ao mesmo tempo que se vivia na ilusão de uma soberania que se finou, de facto, em 1580. Parece esquecida a singularidade portuguesa que, foi durante quatro séculos, uma potência simultaneamente colonizada e colonizadora.


1.3 – IDE com outras origens

Observou-se atrás a ausência de qualquer variação significativa no valor do IDE proveniente de outros países da Europa que não os integrantes da UE, com um salto quantitativo em 2011, protagonizado pela Suiça que se mantém como o principal país incluído na heterogeneidade contida na designação “Outros Europa”.
                                         Posição do IDE em Portugal - Origem em “Outros Europa” (%)

1996
2001
2006
2011
Suiça
81,8
63,6
66,9
67.9
Outros
18,2
36,4
33,1
32.1

Separámos, ao considerar o IDE proveniente de “Fora da Europa”, o volume considerado sob o título de “off-shores” embora os dados divulgados pelo Banco de Portugal nada mais discriminem; não se sabe a grande região onde esses registos são efetuados e, menos ainda, a localização precisa dos mesmos, como as Ilhas Cayman, por exemplo. No que se refere à América do Norte ou do Sul, como o total regional é muito próximo da soma dos seus países componentes – aliás poucos, dado o grau de concentração  – o problema não se coloca. Não acontece o mesmo quando se pretende discriminar os países da América Central e, em menor escala, os asiáticos.

A evolução do IDE consolidado e originário de países fora da Europa tem um comportamento atípico. Depois de um período inicial de relativa estagnação até 2002 há um salto no ano seguinte quando mais que triplica o IDE proveniente daquele conjunto de países. Segue-se um outro período de crescimento assinalável até 2008 caindo depois, abruptamente, para valores inferiores a metade do observado em 2003. Esta situação deve-se essencialmente ao Canadá que em 2003 surgem inesperadamente, no terceiro lugar dos países com investimento em Portugal, só ultrapassado pela Espanha e pela Inglaterra, chegando mesmo à segunda posição em 2008. Em 2011 o Canadá voltou à sua habitual situação de pouca relevância no IDE em Portugal.

Para os principais países com presença mais regular no âmbito do IDE com proveniência fora da Europa, os EUA apresentam-se como o grande investidor tradicional pese embora a instabilidade dos valores consolidados. Porém e apesar da fase ascendente que o investimento norte-americano revela depois de 2008, é ultrapassado pelo Brasil em 2010/11, como resultado da ascensão que o investimento brasileiro consolidado tem apresentado desde 2006. Em 2012 observa-se uma notória quebra dos valores do IDE destes dois países em Portugal.


Angola começa a aumentar substancialmente a sua presença a partir de 2007, ultrapassando claramente o Japão, cujos capitalistas revelam um estável investimento global em Portugal.

O investimento angolano em Portugal é o que mais desperta a curiosidade pública em Portugal e as razões são conhecidas. Por um lado, os investidores pertencem à estreita nomenklatura que constitui o poder angolano, de estranhos pergaminhos democráticos apesar… da integração do MPLA na Internacional Socialista; a riqueza dessa nomenklatura contrasta brutalmente com as carências de que sofre a esmagadora maioria dos angolanos; é patente a conivência e adulação no PSD/PS para com o poder angolano e das ligações deste a alguns dos empresários do regime português (Amorim, Belmiro, Joaquim Oliveira, Balsemão); e é conhecida a fraternidade que liga o MPLA e o PCP.

Os investimentos angolanos em Portugal inserem-se na tradição portuguesa de abrir portas a ditadores e aos seus investimentos. Salazar cortejou Patiño, o rei do estanho boliviano[5]; o atual regime cleptocrático, em 12/12/1984 agraciou com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, o confrade Mobutu, sanguinário ditador do antigo Zaire que tinha em Portugal alguns “investimentos”[6]. Dentro dessa tradição está o enlevo com que o mafioso Portas encara a entrega de “vistos gold” para investidores chineses, russos ou brasileiros[7], objetos de propaganda nas suas viagens a Macau ou à Rússia.

Conhecedores profundos da discreta hospitalidade promovida em Portugal pelo PSD/PS a corruptos e investidores[8], os membros da nomenklatura angolana tratam de apostar no “mercado” luso pois alguma dia o povo angolano pode preparar-lhes uma surpresa desagradável e nada melhor do que ter umas economias a salvo.

No caso do IDE vindo de off-shores[9], o seu crescimento, a partir de 1998, apesar de assinalável, não é suficiente para alterar o peso relativo em Portugal, até 2011. Em 2012 há uma quebra significativa, porventura devido a transferências para dentro da UE – Holanda e Luxemburgo, nomeadamente, protagonizadas por capitalistas lusos.

                                           Posição do IDE em Portugal - Origem em “Off-shores”  (%)

1996
2001
2006
2012
Off-shores
3.3
8.0
7,9
2.9

Uma vez que o sistema financeiro determina a legislação com incidência económica a nível global, a utilização de um off-shore não coloca problemas de legalidade – são os bancos e as sociedades de advogados que manuseiam essas transferências – mas, de legitimidade. Mesmo no caso de dinheiro obtido através da corrupção ou dos vários tráficos mafiosos - 10-15% do PIB mundial - aquelas entidades tratam de proceder à devida lavagem para que aquele dinheiro se apresente à luz do dia como de uma licitude incontestável, oculto por detrás de investimentos, em regra, no imobiliário ou no turismo e hotelaria, para além da especulação financeira, em títulos, mercadorias, taxas de câmbio, credit default swaps (CDS)[10]. Mesmo quando a evidência revela contornos criminosos – submarinos, Dias Loureiro, Oliveira e Costa, BPN/Galilei, Freeport, Portucale, etc – a proteção política e a inércia judicial (forçosa ou forçada) encarrega-se do seu branqueamento.

Essas práticas colocam enormes desigualdades entre as imposições fiscais que se colocam aos rendimentos do trabalho e às incidentes sobre movimentações de capital. A esmagadora maioria da população tem a sua vida económica totalmente escrutinada pela relação existente entre os bancos e o Fisco, para além de que as suas poupanças, certamente, não justificam uma conta num off-shore. Por outro lado, um capitalista português com sede num off-shore regista aí os seus lucros com carga fiscal nula ou reduzida e depois envia-os para inclusão nos seus negócios em Portugal, sob o nome virtuoso de “investimento estrangeiro” merecendo todos os elogios da classe política. Veja-se, por exemplo, a publicidade enganosa do Pires de Lima, gestor do arriscado (?) negócio das cervejas na pele de ministro da economia, na sua recente visita aos EUA; os norte-americanos não têm a fama de cultos mas, em negócios, não são certamente parvos[11].

Observe-se, finalmente, a importância dos off-shores nos investimentos chineses em Portugal. O Banco de Portugal revela que a posição do investimento chinês em Portugal é de € 3M e € 4M, respetivamente, em 2011 e 2012. Porém, em 2011 a Three Gorges comprou 21.35% da EDP por € 2693 M valor que, naturalmente, estará registado como proveniente de um off-shore e não considerado como investimento chinês. Em 2012, ano em que os investimentos de empresas chinesas terão ultrapassado uns € 750 M, somente são identificados nas estatísticas, os referidos € 4 M[12]


2 - Investimento e desinvestimento em Portugal

A posição do investimento direto estrangeiro em cada ano é um elemento dinâmico que resulta da soma dos volumes transitados do ano anterior com o novo investimento, subtraídos os desinvestimentos. A mobilidade mundial dos capitais, a concorrência dos Estados e regiões para atraírem os capitais externos é muito acentuada e portanto, há muito frequentes entradas e saídas de capitais, como aliás também se observa na criação ou dissolução das empresas registadas num país.

As variações no IDE consolidado não são muito referidas pelo mandarinato ou pelos comentadores televisivos que dali emanam; e quando as referem é quando há algum projeto vistoso, para anunciarem a criação de postos de trabalho, qual cereja no topo da brilhante actuação de um governo. Preferem sempre anunciar os investimentos vultuosos prometidos e esquecer quando eles acabam por não se realizar; as minas de ouro no Alentejo são um exemplo recente e as de ferro em Torre de Moncorvo, parecem estar agora em fase exploratória, sendo referidas periodicamente desde os anos 70, quando se equacionava poderem fornecer de minério a extinta Siderurgia Nacional, no Seixal, por via ferroviária. O desinvestimento, a saída de capitais estrangeiros previamente instalados em Portugal, tornam-se conhecidos quando se sabe de algum encerramento de empresa com um lastro importante de desemprego, como a Qimonda[13], a Lear ou a Delphi[14]. Os mandarins que se aglomeram sob as câmaras da tv nos dias de inauguração, escondem-se perante o desencanto na hora da despedida dos “investidores”.

Mesmo quando um investimento estrangeiro se concretiza, raramente se conhecem as contrapartidas oferecidas para o cativar – isenções fiscais, apoios em termos de formação, canalização de fundos comunitários, terrenos e licenças, duração da presença em Portugal, etc. Deverão constituir assuntos de “Estado” nos quais os pagantes de impostos não têm o direito de colocar o nariz.

O volume manifestado pela posição do IDE em Portugal é afetado pela entrada de novas empresas ou filiais, das variações dos seus capitais, nomeadamente por incorporação de lucros, como pelas empresas que reduzem o seu investimento ou simplesmente abandonam o país. É ainda afetado pelas variações dos valores de mercado atribuídos pelos detentores dessas empresas, considerado anualmente nos inquéritos de avaliação levados a cabo pelo Banco de Portugal. Portanto, convém ter em conta que uma variação do valor da posição do IDE tem causas múltiplas, não totalmente discerníveis; por exemplo, uma subida da posição resulta de um predomínio de novos investimentos ou de valorizações atribuídas pelos seus detentores, sobre as saídas ou desvalorizações.

Veja-se uma aplicação prática, a partir de empresas bem conhecidas, sobre a fantasia que enforma os “mercados”:

1.      A Mota-Engil cresceu em termos de valorização bolsista, 178% em 2013[15] e, alguém que num país estrangeiro tenha na empresa um pacote de ações no valor de € 100000 em janeiro de 2013, passou no final do ano a ter um investimento de € 278000, mesmo sem mexer um dedo. Naquele país, admitindo que esse seja o único investimento em Portugal, é possível que algum jornal económico adiante que o IDE daquele país em terras lusas aumentou 178%, convencendo algum distraído de que Portugal oferece excelentes oportunidades para investimento.

2.      O famoso BCP que em 2013[16] terá tido um prejuízo de € 488 M e uma redução de uns 35% no produto bancário, viu aumentar a sua valorização bolsista 133% que poderá ter algures, um impacto semelhante ao referido para a Mota-Engil! Entretanto, desde 2007 o banco já reduziu em 11000 o seu número de trabalhadores, entre despedidos e reformados, sendo muito duvidoso que lhes tenha sido atribuída uma valorização aproximada.

Tendo presentes as considerações anteriores, os acréscimos de investimento num dado ano, em comparação com o stock em finais do ano anterior, revelam a taxa de investimento, sendo paralelo o modo de calcular a taxa de desinvestimento. A diferença, sendo positiva, revela uma taxa de crescimento líquido da posição do IDE em Portugal.

Observa-se um paralelismo entre as taxas de investimento e desinvestimento em todo o período e que tendem para uma relativa estabilização após as bruscas variações observadas em 1999/2004 as quais se prenderão com perspetivas e efeitos da adopção do euro.

Em 2000 observa-se um momento de grande reconfiguração do IDE em Portugal. Os registos anuais dos capitais entrados revelam um aumento de 120% para o conjunto dos países da UE, o que não foi minimamente acompanhado pelo espaço fora da UE, cujas entradas naquele ano se reduziram 31% face ao ano anterior. Em 2003 o elevado valor observado resulta, em exclusivo de um grande investimento com origem no Canadá.

Nesse mesmo ano de 2000, observa-se também um elevado desinvestimento; a saída de capitais alemães aumentou cinco vezes e a dos holandeses duas vezes, numa evolução acompanhada pela maioria dos países da UE. Em 2003, há uma saída menos pronunciada e que cabe a capitais espanhóis – 3.5 vezes os desinvestimentos de 2002 – e também holandeses, ingleses e norte-americanos.

Nos últimos anos, as taxas de investimento e desinvestimento tornaram-se mais próximas e regulares, num patamar entre os 40/50 % do IDE do ano anterior; daí que os indicadores de crescimento líquido reflitam também essas caraterísticas, subindo um pouco nos dois últimos anos.

Expressam-se a seguir vários indicadores que proporcionem uma relação entre o IDE entrado ou em retirada para vários anos do período considerado. Um, compara esses fluxos anuais relativos ao IDE com a formação de riqueza em Portugal (PIB). Outros, comparam grandezas relativas à balança corrente (mercadorias, serviços, rendimentos e transferências) com o PIB e assim, aferem o grau de inserção da economia portuguesa nos circuitos internacionais ou, da relevância dessa inserção no contexto da formação de rendimento em Portugal.
Por outro lado, os fluxos anuais relativos ao IDE, embora pertencentes à balança financeira, podem comparar-se com os fluxos da balança corrente uma vez que, em regra, contribuem para colmatar os crónicos deficits da última. Finalmente, exprime-se a relação direta entre os dois fluxos de capitais relativos ao IDE, um de entrada e outro de retirada.

M euros

1996
2001
2006
2012
PIB
93217
134471
160855
165409
Balança corrente - crédito
34091
51033
67738
79795
     % PIB
36,6
38,0
42,1
48,2
Balança corrente - débito
37874
64911
84924
83126
     % PIB
40,6
48,3
52,8
50,3
Balança corrente - saldo
-3783
-13878
-17186
-3331
     % PIB
-4,1
-10,3
-10,7
-2.0
IDE - Crédito
4630
27866
32820
47656
     % Bal. Corr. - crédito
13,6
54,6
48,5
59.7
IDE - Débito
3596
20904
24125
40655
     % Bal. Corr. - débito
9,5
32,2
28,4
48.9
IDE - Líquido
1034
6962
8695
7001
     % Bal. Corr. - saldo
27,3
50,2
50,6
210.2
IDE - Débito/Credito (%)
77,7
75,0
73,5
85,3
                                                                     Fonte primária: Banco de Portugal

Em qualquer dos fluxos da balança corrente se observa um aumento de relevância comparativamente ao PIB reveladora da maior densidade das relações económicas com o exterior verificada no período. A subida dos registos a crédito, constante na comparação entre os quatro momentos, acentua-se em 2012, uma vez que as exportações ou entradas de rendimentos são pouco sensíveis à anemia económica ou à crise, que se manifestam mais através dos níveis de rendimento ou do consumo da população. O mesmo não sucede no capítulo dos registos a débito – importações e saídas de rendimentos – que até se reduziram entre 2006 e 2012.

Essas diferenças de comportamento refletem-se na grande redução do valor absoluto do deficit corrente, bem como do seu peso no PIB, em 2012, inferior ao observado dezasseis anos antes.

A relevância do IDE, entrado ou saído, quando comparado com os registos a crédito da balança corrente aumenta substancialmente no período em observação, revelando a já referida maior inserção na matriz do capital global.

A variação por períodos revela um primeiro lapso de tempo de grande dinamismo que se esbate em 2001/2006 quando se começa a observar a anemia económica. O último período, marcado pela profunda crise económica e da dívida revela um crescimento insignificante do produto, uma quebra do ritmo de crescimento das exportações, tendo em conta as dificuldades dos países de destino, com relevo para Espanha, uma redução em valor absoluto das importações e – o único aspeto virtuoso neste contexto – uma forte redução do deficit externo.

Variação por períodos (%)

2001/1996
2006/2001
2012/2006
PIB
44,3
19,6
2,8
Bal. corrente - crédito
49,7
32,7
17.8
Bal. corrente - débito
71,4
30,8
-2,1
Bal. corrente - saldo
266,9
23,8
-80.6
IDE - Crédito
501,9
17,8
45,2
IDE - Débito
481,3
15,4
68,5
IDE - Líquido
573,3
24,9
-19,5
                                                     Fonte primária: Banco de Portugal

As variáveis relativas ao IDE crescem substancialmente nos finais do século passado e antes da adopção do euro, muito acima dos indicadores relativos à balança corrente. Isto significa que a movimentação de capitais se processou a um ritmo muito superior ao das transações comerciais, estas por seu turno, já com uma evolução muito acima do ritmo de geração de rendimento, no caso das importações (débito). A redistribuição dos capitais, a fixação de atividades em território português foi mais intensa do que as transações comerciais de bens e serviços, contribuindo, para uma maior integração da economia portuguesa na esfera do capital global e no acentuar da sua subalternidade. A crise da dívida actual mais não é que parte do processo de subalternidade da periferia sul da Europa dentro da matriz de desigualdades europeias, típicas de qualquer desenvolvimento capitalista.

Depois dessa explosão, no final do último século, observa-se uma queda acentuada no período seguinte, com as entradas e retiradas de IDE a crescerem menos que as outras variáveis relativas às transações externas e, até mesmo que o PIB, embora o saldo favorável do IDE acompanhe a evolução do saldo da balança corrente. No último dos períodos, as entradas e saídas de IDE têm uma evolução muito acima das variáveis da balança corrente, por efeito e por exemplo, das privatizações levadas a cabo, do aproveitamento por parte de capitais estrangeiros para a aquisição de empresas/imobiliário de empresas em dificuldades, em paralelo com a retirada de investidores perante a redução do poder de compra e a quebra do investimento em geral. Finalmente, note-se que o saldo do IDE em 2012 se mostra inferior ao observado no conjunto dos cinco anos anteriores.

Conclui-se, neste contexto, que:

·      O maior crescimento das exportações e rendimentos obtidos no exterior a partir de 2001 (crédito da balança corrente) não induzem um impacto significativo no PIB. As elasticidades calculadas para essa relação são muito baixas (0.6 em 2001/2006 e 0.16 em 2006/2012);

·      Torna-se pois questionável a mitologia dos efeitos salvadores através da exportação, para os portugueses, sendo interessante uma abordagem (que não faremos aqui) sobre a componente importada dessas exportações, o efeito viabilizador de fundos comunitários, de benefícios fiscais, entre outros factores.

·   As variações da importação induzidas de um acréscimo do PIB são claras (elasticidade elevada no período 2001/2006 – 1.6 – mas, menos marcada  após a estagnação do PIB observada no último período (-0.7); isto é, a estagnação de rendimentos encolhe os gastos e o fecho de empresas reduz a aquisição de matérias-primas, equipamentos… Nada que se não saiba;

·     Assim, a brusca e substancial redução do deficit da balança corrente no último período é conseguida através de uma brutal recessão económica e de custos sociais imensos; isso pode alegrar a troika, os “mercados” mas, é calamitoso para a população, muito mais reativa através da redução importação, resultante da estagnação do PIB, do que a benefícios induzidos por uma subida das exportações;


3 - O IDE e a época da crise (2008/2013)

Entende-se útil a análise mais detalhada (evolução mensal) dos créditos (entradas) e débitos (saídas) de investimento estrangeiro em Portugal, após 2008, quando deflagrou a crise e se acentuou o processo de empobrecimento associado à deriva neoliberal.


Como se pode observar, a natural irregularidade das duas grandezas apresenta um período – dez/2009 a dez/2012 - em que as entradas de IDE tendem a mostrar-se acima dos € 3000 M mensais, acima do registado no período anterior e, dos valores que se vieram a observar em 2013.

As entradas e as saídas de fundos, em regra não se afastam particularmente, evoluindo ambas com um relativo paralelismo. São momentos altos de entrada de IDE, dezembro de 2008, 2011 e 2012 e ainda maio de 2012 e o último outubro. Os momentos de maior desinvestimento observam-se em dezembro de 2010 e 2012.

Em todo o período se observam meses em que a entrada de IDE é inferior à saída. Sublinhe-se que em julho/outubro de 2012 se regista o primeiro período de quatro meses com saldo negativo ainda que de pouca monta; essa situação torna a acontecer– maio/agosto de 2013 - mas com maior amplitude, o que é revelador das apetências dos investidores estrangeiros

A comparação dos saldos mensais de IDE com os saldos da balança corrente nos últimos cinco anos permite observar que há uma maior frequência de situações em que o fluxo líquido de IDE, sendo positivo, contribui para a redução do deficit externo, traduzido pelo saldo da balança corrente.
  

Até meados de 2012 somente se verificam nove situações (num total de cinquenta meses) em que o saldo de IDE é negativo, o que sucede oito vezes a partir de julho de 2012, num total de dezasseis meses. Isso poderá constituir, por um lado, uma tendência em consolidação de desinteresse dos investidores estrangeiros e, por outro, do interesse dos investidores lusos em emigrarem os seus capitais.

Essa quebra do contributo do saldo do IDE para o equilíbrio das contas externas não tem tido a atenção devida pois o tradicional saldo negativo da balança corrente tem-se vindo a reduzir a partir do verão de 2012 por ação dos mandatários da troika em Portugal, cujo conjunto, habitualmente se designa por governo.

Essa redução que apresenta até alguns saldos mensais positivos é absolutamente precária, não consolidada, não merecendo o foguetório dos cadetes governamentais. O aumento da exportação, mesmo baseado no rebaixamento dos custos salariais irá encontrar as limitações decorrentes da estagnação/decrescimento da procura interna dos países compradores. A drástica redução da importação também deverá ser mitigada e temporária pois, sobretudo nos sectores exportadores, será necessário proceder a importações de equipamento, congeladas nos últimos tempos. E, qualquer pequena recuperação do poder de compra que venha a acontecer irá conduzir a um aumento de importações, uma vez que se chegará a um ponto em que o poder de compra global atingirá um limite mínimo.


4 – Notas finais

A real importância do investimento estrangeiro surge embrulhada num pacote no qual aquele é apresentado como a chave do crescimento económico quando na realidade promove essencialmente a integração espacial do domínio capitalista. Desse mesmo processo faz parte a crescente subalternidade da periferia sul da Europa dentro da matriz de desigualdades europeias, típicas de qualquer desenvolvimento capitalista.
         
Outra das fábulas contadas ao telejornal é a da inovação e da tecnologia que entra em Portugal, atrelada ao investimento estrangeiro o que não transparece quando se observa a evolução da composição sectorial do IDE acumulado em Portugal, nos últimos dezasseis anos (ver perfil sectorial[17]) e se conhece o processo de acelerada desindustrialização em curso.

Nesse contexto da tecnologia há duas situações emblemáticas que se podem referir. “Até ao final do mês de agosto, o Governo concedeu 145 Golden Visa, isto é, vistos a estrangeiros que façam investimentos imobiliários a partir de 500 mil euros, que renderam 90 milhões de euros, essencialmente vindos do bolso de cidadãos chineses, russos e angolanos.”[18] E os investimentos efetuados em Portugal por Isabel dos Santos - figura de proa da mafia governamental angolana - não têm, certamente, como objetivo a lavagem e inserção de capitais na economia formal mas… a aplicação da tecnologia para o desenvolvimento da Galp, do BCP, da Zon ou do ex-BPN, trazida no porão do seu luxuoso navio, tal como cheques para financiar o partido-estado (PSD/PS) ou o do já experiente navegador Portas.

Uma vez que o poder de compra em Portugal é baixo e tende a reduzir-se substancialmente para a esmagadora maioria da população, não se considera ser possível um fluxo de capitais decididos a investir no consumo de um povo em empobrecimento acelerado e com empresas altamente endividadas.

O IDE só se concretizará, na lógica do poder, se o “custo” do trabalho for baixo; isto significa, redução do salário direto e da parcela efetivamente paga pelos patrões (segurança social, por exemplo), aumento do tempo de trabalho, fácil despedimento tendencialmente sem justa causa e por pouco dinheiro, precariedade, ausência de direitos (de parentalidade, ausências por parto, por doença…).

Na estupidez estratégica típica da classe política e do empresariato luso, não cabe a ideia banal de que essas formas de tornar o trabalho barato estão muito vulgarizadas em outros países e outras culturas, pelo que só marginalmente serão decisivos factores de competitividade junto dos investidores externos. Por outro lado, se as empresas estão laborando algo abaixo das suas capacidades físicas, para além de limitações financeiras, não terão grande incentivo para investir, para aumentar a produtividade, num contexto global de menor procura; e assim, um menor volume dos salários terá efeitos na estrutura de custos mas, porque se trata de uma crise generalizada, a quebra de rendimentos dos potenciais consumidores promove quebras nas compras às empresas alimentando a espiral recessionista.

Por outro lado, os benefícios fiscais concedidos aos investidores, como por exemplo, os que fixaram a AutoEuropa em Portugal, não são facilmente repetíveis porque na Periferia Leste há razões geográficas, salariais e de qualificação que favorece a região face à periferia portuguesa. Recentemente, a Lear um projeto muito saudado no virar do século, desarmou a tenda e foi montá-la em Marrocos, deixando centenas de trabalhadores no desemprego. O aperto financeiro orientado pela troika, embora incida preferencialmente sobre trabalhadores e reformados, não permite margem para vultuosos desvios de dinheiro público para a captação de investidores estrangeiros; há dezenas de países com maior folga financeira para proceder a essas benesses.

Acresce ainda que o êxodo de pessoas qualificadas para o exterior - certamente não por aquiescência ao incentivo dado pela pileca Passos - revela que a procura de trabalhadores qualificados em Portugal, por parte dos investidores estrangeiros é marginal e, mesmo nesses casos, com a prática de salários locais e jornadas de trabalho extensas, como convém na lógica demente da competitividade. 

  

Documentos e textos em:    






[1]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/10/investimento-estrangeiro-em-portugal.html
[2]  http://www.scribd.com/doc/5570973/Afinal-qual-a-funcao-social-do-capitalista
[3]  Paul Kennedy, “The rise and fall of the great powers”
[4]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/06/apoio-alemao-empresas-portuguesas.html
[6]   Em Portugal, Mobutu tinha uma casa de 12 quartos no Algarve, cuja garrafeira armazenava também a sua coleção de 14 mil garrafas de vinho.
[8]  Essa hospitalidade abrange também investimentos pouco considerados pela Interpol
http://www.ionline.pt/artigos/121145-europol-portugal-um-dos-centros-da-criminalidade-organizada-na-europa
[9]   A portaria 292/2011 de 8/11 enuncia 81 registos off-shores
[13]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2011/12/normal-0-21-false-false-false_9596.html
[15]   Expresso 28/12/2013
[16]   idem
[17]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/10/investimento-estrangeiro-em-portugal.html

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