sábado, 14 de dezembro de 2013

Convergências, pensões e os golpes dos ladrõe


Sumário

Conclusões
1 - Um princípio elementar de solidariedade
2 – O saque de fundos e direitos dos trabalhadores
3 – Como garantir a sustentabilidade? Um exercício
4 -  O Estado como gestor da Segurança Social é garantia de roubo institucional
5 – Com a destruição da Segurança Social constrói-se a miséria


Conclusões

  • Só há sociedades equilibradas e pessoas felizes quando a satisfação das suas necessidades é o seu principal objetivo coletivo, do qual todos os outros decorrem;
  • O aumento da longevidade humana, como elemento culminante de uma vida saudável é um bem a generalizar e não a sacrificar;
  • A sustentabilidade do financiamento de quantos já não podem ou devem trabalhar, depois de contributos de dezenas de anos, é um imperativo ético e civilizacional inquestionável sem qualquer direito a devaneios políticos e financeiros em seu torno;
  • É variado o arsenal que o partido-estado PSD/PS e o gang Portas utiliza para roubar a Segurança Social e os trabalhadores portugueses – o factor de sustentabilidade, a sobrecarga de pensões com cortes e responsabilidades familiares, o laxismo para com empresários em dívida e a sub-declaração de salários, o desvio de fundos para cobertura de gastos públicos, a alternância entre precariedade e desemprego, a sabotagem da solidariedade inter-geracional, o sub-financiamento da CGA e, recentemente, o famigerado Gaspar decidiu desvalorizar o FEFSS, trocando lebre (ações de multinacionais) por gato (títulos de dívida pública portuguesa);
  • A acumulação de riqueza efetuada desde a II Guerra, saída do esforço laboral, do enorme aumento da produtividade do trabalho, não se refletiu tanto no bem estar das pessoas, como na dimensão dos meios de produção, da propriedade capitalista em geral, da concentração de riqueza num escasso número de indivíduos e empresas e nas desigualdades daí resultantes;
  • Numa sociedade onde a atividade laboral se desenvolve  em função da satisfação das necessidades das pessoas, o excedente bruto de produção terá de fazer face ao valor do desgaste do equipamento, considerar as necessidades de novo investimento e fazer reverter o restante para o bem estar social, no âmbito da saúde, como na educação, nos cuidados dirigidos a crianças ou idosos, etc.
  • A atividade produtiva das populações gera os meios suficientes para a reprodução da força de trabalho, como ainda para a manutenção num plano de decência de ex-trabalhadores (idosos), futuros trabalhadores (crianças e jovens) e outros (deficientes), numa lógica de solidariedade coletiva. O elemento estranho e nefasto incrustrado nas sociedades é constituido pelos capitalistas em geral e pelas classes políticas que deles emanam e que os servem;
  • No actual modelo social e político e em caso de necessidade, é possível recorrer a outras fontes que não as remunerações para o reforço dos meios disponíveis pela Segurança Social – o IVA, como aliás vem sendo feito desde meados dos anos 90, a tributação do excedente líquido de exploração, o volume de vendas de empresas quase sem pessoal ou ainda de empresas sem pessoal mas elevado valor em ativos imobiliários ou gestoras de carteiras de títulos;
  • As classes possidentes e os mandarins sempre tentaram criar e aperfeiçoar os modos de incutir nos “de baixo” uma cultura de aceitação da necessidade do Estado. Porém, à medida que o neoliberalismo vem acentuando a punção fiscal paga pela multidão, com contrapartidas cada vez menores, os “de baixo” vão-se apercebendo do logro;
  • Os media foram promovendo mandarins e “empresários” defensores de privatizações, da excelência do serviço privado, da maior eficiência da gestão privada, incutindo na multidão uma concordância ou uma relativa indiferença perante o tema, atitudes inerentes à grande despolitização reinante;
  • Com a solidariedade inter-geracional inerente à sociabilidade humana nas mãos do Estado, esse gestor coletivo dos interesses do capital, só há a esperar maus resultados, sobretudo num país subalterno, desestruturado e minado por endémica corrupção;
  • Na classe política, actualmente, não se levanta a questão da independência real da Segurança Social face ao aparelho de estado, não sendo também contestada a mistura das funções sociais do Estado com a gestão do fundo coletivo dos trabalhadores portugueses;
  • O financiamento do Estado, é basicamente assente em impostos, por definição, sem uma contrapartida específica que possa ser exigida na sequência do seu pagamento e envolve todos os residentes. As quotizações e contribuições para a Segurança Social destinam-se exclusivamente às despesas com reformas e subsídios de doença ou desemprego dos trabalhadores que descontam ou descontaram para o sistema e não de toda a população;
  • Há que saber distinguir o que são, por um lado, as funções sociais do Estado, com direito a cobertura orçamental e por outro, as funções da Segurança Social, constituida como fundo coletivo dos trabalhadores, com receitas próprias de aplicação muito bem delimitada;
  • Não temos uma solução acabada para a questão da gestão da Segurança Social mas, temos a certeza que aquela é demasiado importante para trabalhadores no activo ou na reforma, para ser gerida por mandarins em nome do Estado ou por inclusão em lógicas privadas imanentes a fundos de pensões e seguradoras.


Convergências, pensões e os golpes dos ladrões


1 - Um princípio elementar de solidariedade

Qualquer sociedade deve basear a sua constante reprodução enquanto tal, na satisfação das suas necessidades. Só há sociedades equilibradas e pessoas felizes quando a satisfação das suas necessidades é o seu principal objetivo coletivo, do qual todos os outros decorrem. Qualquer outra base - crescimento económico, competitividade, concorrência, integração no mercado global, etc. -  constituem formas de efabulação ou expressam encapotadamente interesses de grupos sociais específicos, poderosos e, em regra, muito minoritários.

Qualquer sistema social construido para a satisfação de grupos sociais específicos e muito minoritários conduz a entorses na produção social, na formação e na distribuição dos rendimentos, não é democrático e portanto, deve ser objeto de liminar recusa e decidido combate.

O aumento da longevidade humana, como elemento culminante de uma vida saudável é um bem a generalizar e a sua consideração como um problema a sanar ou mesmo, como algo de perigoso que exige a repressão dos mais velhos, é um anti-humanismo, um fascismo. No contexto atual de desenvolvimento económico, de articulação na produção, de imensas trocas culturais, esse fascismo propõe um retorno às cavernas, quando os grupos humanos perante as dificuldades em obter sustento, não desperdiçavam as proteínas contidas nos corpos dos seus mortos.

Assim sendo, a sustentabilidade do financiamento de quantos já não podem ou devem trabalhar, depois de contributos de dezenas de anos, é um imperativo ético e civilizacional inquestionável sem qualquer direito a devaneios políticos e financeiros em seu torno. Sobretudo quando, hoje, as bases materiais e tecnológicas para essa sustentabilidade admitem uma população humana de 12000 M de pessoas, muito para além dos actuais 7000 M.


2 – O saque de fundos e direitos dos trabalhadores

A integração dos meios de sustentação de parte substancial da população nas lógicas financeiras articuladas entre o sistema financeiro e o mandarinato ancorado no partido-estado PSD/PS, acolitado pelo gang Portas, materializa-se em várias formas de saque dos tais meios, por “poupanças” nas despesas ou por desvio de receitas:

a.      O factor de sustentabilidade  - adaptação da idade da reforma ao aumento da longevidade - foi introduzido pelo PS e materializado por um tal Pedro Marques que agora se pretende na primeira linha da luta contra os seus dignos sucessores no assalto à Segurança Social; estes últimos agudizaram a questão pretendendo passar para os 66 anos a idade mínima para a reforma, com o selo do carocho Mota Soares. Em resumo, o referido factor representa a imposição de mais tempo de trabalho e de descontos e menos tempo com direito a pensão e a um final de vida em sossego. E representa um obstáculo para a chegada ao trabalho de uma geração mais nova, massacrada pelo desemprego ou obrigada a emigrar;

b.   Quando o desemprego dispara e se reduzem os inerentes subsídios, as solidariedades familiares[1] são o último reduto de subsistência para muitos desempregados e seus dependentes. As pensões tornaram-se assim, um recurso ínvio e supletivo, um conjunto de rendimentos particulares, de que o poder político em Portugal se apropria, de facto, para subsidiar desempregados;

c.    Em finais de 2012, a dívida das empresas por contribuições não entregues à Segurança Social era de uns € 9000 M – e cresceu € 2428 por minuto - na sequência de uma velha política do partido-estado PSD/PS, de subsidiar empresários descapitalizados e endividados perante a banca, à custa da descapitalização da Segurança Social[2];

d.   Em 1984/95, a governação de Cavaco subsidiou a ação social - que compete ao Estado pagar com verbas dos impostos -  com o desvio de receitas da Segurança Social a qual, nesse contexto, foi objeto de uma burla de € 6017M, mantendo-se impunes, os seus protagonistas, como é timbre nesta cleptocracia das bananas;

e.    Toda a gente conhece que há salários pagos em espécie – utilização de veículos, viagens, despesas pagas – ou “por fora”, a trabalhadores para assim se reduzir o encargo financeiro com as contribuições por parte das empresas; e os trabalhadores que são coniventes com isso, julgando ser uma benesse, verão como tal se refletirá nocivamente nas suas futuras pensões. Tudo isto resulta em prejuizo das receitas da Segurança Social;

f.    O pendor regressivo dos salários e a sua alternância com o desemprego configuram o regime de precariedade laboral vigente e, mesmo quando esses salários são objeto dos pagamentos legais à Segurança Social, o modelo reduz a base de incidência das contribuições. Por outro lado, as gerações produtivas de hoje, resultantes das baixíssimas taxas de natalidade e, para mais, marginalizadas no acesso ao trabalho poderão não ter a dimensão adequada para fazer face à entrada na reforma de uma geração que teve uma taxa de atividade efetiva muito elevada. Sabota-se assim a ossatura da coesão social no que se refere à solidariedade inter-geracional, elemento sociológico cuja origem se perde nas profundezas da História;

g.      O Estado, a quem compete a execução de uma política de emprego terá de a cumprir com o produto dos impostos e não com uma redução dos montantes que devem ser canalizados para a constituição do fundo de pensões dos trabalhadores portugueses. Quando os capitalistas precisam de ser incentivados pelo seu governo, para contratarem jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração[3] isso revela uma prática estranha ao modelo clássico do capitalismo e ainda que o tão cantado empreendorismo só existe se levado ao colo do Estado. Mesmo nesse modelo distorcido de capitalismo esses apoios não deverão provir da isenção do pagamento de contribuições para a Segurança Social, tomados como equiparados a receitas públicas, como o não são as receitas das seguradoras com planos de reforma privados; 

h.   Nos finais do século passado, tornou-se norma qualquer trabalhador contratado para a função pública descontar para a Segurança Social e já não para a CGA; assim, à medida que se têm reformado trabalhadores sob o regime da CGA, o fluxo financeiro que deveria propiciar o pagamento dessas pensões reduziu-se e obriga à transferência crescente de verbas do OE. As espertezas do PSD/PS…

i.    O sistema da CGA deixou de ser auto-sustentável porque o PSD/PS decidiu “secar” o sistema e, naturalmente terá de o financiar para honrar os seus compromissos assumidos durante décadas, com algumas centenas de milhar de pessoas; e certamente com mais zelo do que o aplicado no cumprimento dos criminosos contratos com as PPP. Não pode é empurrar para os reformados de hoje (462 mil em fim de 2012) os custos dessa incúria;

j.       Acrescente-se ainda a utilização do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social pelo governo, naquilo que terá sido o derradeiro despacho do ministro Gaspar. Segundo este, o FEFSS deverá vender ações de empresas multinacionais, que têm uma cotação certa nos “mercados” para comprar títulos da dívida pública portuguesa, tomados como lixo pelos mesmos “mercados”[4]. Quem venderia a sua casa por troca com uma barraca de praia?

Procedem os actuais agentes políticos, ao abrigo dos memorandos da troika, a cortes nas pensões, promovendo divisões (temporárias) no mundo do trabalho, entre trabalhadores do sector público e do sector privado ou, entre trabalhadores ativos e reformados, como formas de corrigir falsos privilégios. Se, pela sua composição socio-profissional, os trabalhadores da função pública – onde preponderam professsores, pessoal da saúde, quadros técnicos, militares e juizes – têm pensões mais elevadas do que no setor privado – onde têm sido comuns práticas de sub-declaração de remunerações – isso nada tem de estranho, nem de injusto. Injusto é mesmo a consideração dos pensionistas do Estado como criminosos a perseguir; a tal convergência é, na realidade, um roubo.

Mais complacente é o poder relativamente às benesses oferecidas aos capitalistas de maior gabarito. Na sua propaganda, a redução em 2% do IRC é virtuosa porque irá aumentar (?) o investimento e a exportação; fora da sua propaganda, discretamente, reduz em 90% o imposto de selo sobre as operações financeiras que alegrará os bancos com um bolo de € 400/500 M anuais[5];

Neste contexto global de submissão à troika e ao capital financeiro, o poder político, mantendo o habitual carinho para com os capitalistas lusos[6] cultiva a incúria e a visão de curto prazo; e daí, que não seja estranho que haja anualmente vultuosas transferências de meios financeiros a favor daqueles. Inversamente, por razões de comodidade que se prendem com a sua dependência financeira e com o escasso poder reivindicativo, os antigos trabalhadores do Estado estão na primeira linha da sanha genocida do governo.

A convergência das pensões é uma burla, um crime de abuso de confiança pois consubstancia-se num roubo das contribuições efetuadas pelos atuais pensionistas, obrigados durante décadas a confiar o pecúlio para as suas futuras pensões ao Estado, confiantes de que não viria a ser ocupado por um gangs mafiosos. Observa-se, hoje, que teria sido mais avisado os trabalhadores terem colocado as suas poupanças debaixo do colchão do que ao alcance da mafia.


3 – Como garantir a sustentabilidade? Um exercício

A instituição dos sistemas de segurança social efetuou-se numa época em que a grande maioria das empresas e atividades se alicerçavam no recrutamento massivo de trabalhadores; e daí que aqueles sistemas se tenham construído com base em deduções nas retribuições dos trabalhadores (salários diretos) ou no trabalho não pago (salário indireto) e que os capitalistas entregam diretamente ao fundo coletivo dos trabalhadores, isto é à Segurança Social.

Os enormes rendimentos produzidos pelos aumentos da produtividade do trabalho, nas últimas seis décadas - resultantes de avanços tecnológicos e do maior investimento pessoal dos trabalhadores em qualificação - não foram minimamente acompanhados, nem pelos aumentos dos salários reais, nem pelo aumento do quinhão do salário indireto transferido como contribuição para a Segurança Social nem, como seria imperativo civilizacional, com reduções dos tempos de trabalho. E isso, pesem embora as benfeitorias inerentes ao pacto social europeu e ao modelo keynesiano do capitalismo, estabelecidos após a guerra de 1939/45 e que foram gradualmente demolidos desde o início da década de 70 do século passado[7].

Toda a acumulação de riqueza efetuada neste longo periodo, saída do esforço laboral, desse enorme aumento da produtividade do trabalho, não se refletiu tanto no bem estar das pessoas, como na dimensão dos meios de produção, da propriedade capitalista em geral, da concentração de riqueza num escasso número de indivíduos e empresas e nas desigualdades daí resultantes. E, como se vai observando, na fase actual do capitalismo, com o neoliberalismo genocida, a boa vontade face ao mundo do trabalho e a multidão em geral, encontra poucas simpatias junto de patrões e mandarins.

Nesta sequência, a utilização de equipamentos que multiplicam a produtividade dos trabalhadores e que nada mais são do que trabalho não pago a quem o produz – só o trabalho produz valor – gera um processo de acumulação de valor à disposição dos capitalistas porque, segundo as leis do capitalismo, são sua propriedade. Essa é mesmo uma lei fundacional a revogar.

Procede-se, em seguida, a um exercício com dados do INE, no que concerne às empresas não financeiras portuguesas.
                                                                                                                         € milhões

2010
2011
2012
VABpm
88245
82242
75515
Excedente bruto de exploração
36313
31646
31117
             Resultados
20083
5387
nd
Gastos com pessoal
52212
50856
47381
             Remunerações
40544
39403
36632
        VABpm – Valor acrescentado bruto a preços correntes, corresponde à riqueza criada num determinado período,                avaliada a preços correntes

A parcela da riqueza gerada (excedente bruto de produção) em cada ano e disponível para os capitalistas decidirem como lhes aprouver ultrapassa sempre os € 30000 M, aproximadamente 40% do VAB; corresponde, naturalmente a uma avaliação aproximada do salário indireto, trabalho não pago realizado nesse ano.

Deve referir-se que nas remunerações está incluido rendimento de trabalho executado por capitalistas ou outra gente com um comportamento anti-social. São bons exemplos, os pornográficos € 3 M pagos a um Mexia, dois anos atrás ou, o recebido pelos sacrificados banqueiros que em 2012 receberam, cada um, mais de um milhão de euros.

Esclareça-se ainda que a diferença entre o total dos gastos empresariais com o pessoal e as remunerações corresponderá grosso modo às contribuições “patronais” para a Segurança Social.

Numa sociedade organizada, isto é, onde a atividade laboral se desenvolve  em função da satisfação das necessidades das pessoas, aquele excedente terá de fazer face ao valor do desgaste do equipamento imputável ao processo produtivo do ano em causa (amortizações) e considerar as necessidades de novo investimento produtivo, revertendo o restante para o bem estar social. Esse bem estar social tanto poderá ser no âmbito da saúde, como na educação, nos cuidados dirigidos a crianças ou idosos, etc.

Neste contexto, a parte do excedente bruto de produção que não constitui resultados (lucros, nos anos referidos) reparte-se entre valores imputáveis a amortizações, rendas ou juros. Se as amortizações constituem um elemento técnico da produção de bens e serviços, já as rendas, os juros e os lucros correspondem a valor criado pelo trabalho e ilegitimamente apropriado pelos capitalistas (acionistas, sócios), numa primeira instância. Numa segunda instância, existe uma redistribuição operada a favor de outros naipes de capitalistas - as rendas são cobradas por senhorios do imobiliário alugado e os encargos financeiros pagos pelo crédito obtido destinam-se ao sistema bancário.

Não se conhecem valores separados e conjugáveis com os apresentados, para rendas, juros e amortizações. Por outro lado, observa-se no quadro uma substancial redução dos resultados entre 2010 e 2011 para o conjunto das empresas não financeiras, como produto da crise que reduziu o volume de vendas e as dificuldades financeiras que, por sua vez, terão aumentado a parcela de encargos de financiamento, reduzindo, consequentemente os resultados a dispor por acionistas e sócios deste conjunto de empresas, destinados a um reforço ou manutenção da solidez revelada nos balanços ou para distribuição de lucros. Os juros e similares registados e consolidados como receitas do sistema bancário português revelam um aumento de € 20042M em 2010 para € 22493 M no ano seguinte; isto, no que concerne não apenas às empresas não financeiras mas, também ao setor público, indivíduos e famílias.

Voltando ao assunto central deste texto, a atividade produtiva das populações gera os meios suficientes para a reprodução da força de trabalho, como ainda para a manutenção num plano de decência de ex-trabalhadores (idosos), futuros trabalhadores (crianças e jovens) e outros (deficientes), numa lógica de solidariedade coletiva. O elemento estranho, anómalo e nefasto incrustrado nas sociedades é constituido pelos capitalistas em geral e pelas classes políticas que deles emanam e que os servem.

Mesmo sem a abordagem anterior que toca o cerne do modo de produção capitalista, a sustentabilidade de um sistema adequado de segurança social pode ser facilmente garantida.

a.   Em meados dos anos 90 o governo de Cavaco decidiu reduzir em 1% a contribuição “patronal” para a Segurança Social no sentido habitual de aumentar a competitividade das empresas e outras prerrogativas virtuosas no quadro do capitalismo. Em contrapartida, houve um aumento do IVA de 16% para 17% cujo produto reverteu futuramente para a Segurança Social;

b.   Sendo o IVA um imposto muito abrangente, que todas as pessoas pagam, tratou-se na realidade de uma transferência indireta de rendimento das pessoas para os ditos empresários, muitos dos quais eméritos utilizadores de carros topo de gama com custos incorporados nas empresas ou de bravos municiadores de contas em off-shores. Do ponto de vista estritamente financeiro, para a Segurança Social, o negócio até trazia menos encargos de cobrança e de burocracia;

c.       Esta operação contudo abriu um precedente com um significado particular. Ao se admitir o financiamento fiscal do fundo coletivo dos trabalhadores portugueses abre-se o caminho à utilização de outras fontes de financiamento para além das tradicionais quotizações e contribuições, baseadas na prestação e na remuneração do trabalho. O regime cleptocrático assumiu, através do seu mais ínclito símbolo – Cavaco – que a Segurança Social pode ser financiada diretamente, a partir da riqueza social global criada e não somente tendo como base a massa salarial;

d.     Assim sendo, tendo em consideração o desemprego, a precariedade e a redução de salários que a deriva neoliberal vem impondo – e cuja responsabilidade não cabe a trabalhadores nem a reformados - maior justificação terá a canalização de uma parcela do excedente líquido de exploração (excluídas, portanto, as amortizações) para efeitos da solidariedade inter-geracional, uma vez que aquele excedente é um produto direto do trabalho de uma população determinada num dado período;

e.      Outra questão prende-se com a existência de muitas empresas que não têm trabalhadores registados ou têm-no num número reduzido mas, apresentam valores elevados de vendas. Neste caso poderá encarar-se a aplicação sobre o volume de vendas de uma taxa consignada ao fundo coletivo dos trabalhadores, de modo equiparado a uma taxa Tobin, à taxa sobre as transações financeiras já anunciada pela UE e, conceptualmente semelhante à taxa de IVA;

f.     Há ainda empresas que servem apenas de repositório de elevados valores, sejam eles títulos ou imobiliário, verdadeiros parques de capital especulativo, com nula ou parca utilização de trabalho. Os fundos imobiliários são um caso típico desse tipo de parques, hoje, objeto de escandalosos tratamentos fiscais de excepção. Conceptualmente, o IMI que lhes deveria ser aplicado é um imposto sobre o capital[8] como o aqui proposto pelo que nada há de inovador neste conceito.


4 -  O Estado como gestor da Segurança Social é garantia de roubo institucional

"O Estado Moderno, não importa qual a forma que tenha, é uma máquina essencialmente capitalista, o Estado dos capitalistas, o capitalista colectivo em ideias"
                                                                           Friederich Engels - Anti During

Não se conhecem mandarins ou capitalistas que dispensem a figura do Estado; podem dividir-se entre partidários do Estado mínimo ou do Estado máximo mas, não prescindem da sua existência, por troca com regras sociais igualitárias, democráticas, de propriedade coletiva ou ausência de propriedade, com auto-gestão e auto-organização para a satisfação das necessidades comuns.

Para o efeito e através da História todas as formas sociais de coletivismo ou auto-organização sem Estado – sejam alicerçadas em séculos de prática ou experimentais - têm sido combatidas pelos Estados e pelos poderes económicos, com particular zelo; no fim de contas, percebe-se que mandarins e capitalistas, donos da terra e afins não apreciem quem não aceite a utilidade da sua existência[9].

As classes possidentes e os mandarins sempre tentaram criar e aperfeiçoar os modos de incutir nos “de baixo” uma cultura de aceitação da necessidade do Estado. Se este se tivesse sempre restingido às funções repressivas e militares há muito, a multidão já o teria dispensado. Os capitalistas, hoje, interessam-se muito mais pela capa que o Estado oferece para incorporar em lei os seus interesses e privilégios. Por seu turno, as pessoas interessam-se particularmente pelas funções sociais desempenhadas pelo Estado e é esse desempenho que justifica a seus olhos a permanência de um aparelho tão caro, distante e opaco.

Essa cultura inculcada pelos “de cima” faz com que seja aceite pelos “de baixo”, como parte da natureza das coisas, a intervenção do Estado nessas funções sociais. Essa cultura incorpora um comodismo que sai caro, particularmente em tempos de crise económica e numa época em que o capitalismo neoliberal pretende segmentar a multidão mundial entre submissos escravos e inúteis factores de custo, a eliminar.

Mesmo para quem aceite a necessidade da existência de Estado é-lhe, perfeitamente transparente que este deve cumprir escrupulosamente o papel que lhe é imputado, de garante do conveniente funcionamento de uma vasta área de fornecimento de bens e serviços. Se o não fizer, não serve para nada, perde toda a legitimidade; e com ele toda a classe política que se lhe acopla como carraça.

A já longa duração da versão neoliberal do capitalismo em Portugal foi amenizada durante algumas décadas devido às transformações havidas na sequência do 25 de Abril e, porque não tem sido fácil a aplicação da agenda neoliberal no seio das rivalidades partidárias. Os mandarins no poder, querem aplicar essa agenda e os outros, os da oposição, não pretendem acarretar com o ónus dessa aplicação uma vez que as penalizações eleitorais podem prejudicar a dimensão do quinhão no pote.

Lentamente, os media foram promovendo mandarins e “empresários” defensores de privatizações, da excelência do serviço privado, das vantagens da concorrência, da maior eficiência da gestão privada, incutindo na multidão uma concordância ou uma relativa indiferença perante o tema, atitudes proporcionais à iliteracia de um povo que pouco lê e que adormece ao colo dos zappings televisivos. Assim, a despolitazação[10] decapitou a multidão em termos de reação, organização e desobediência.

Assim, só a crise económica e financeira, a austeridade e a troika é que vieram colocar na praça pública a privatização, de facto, dos cuidados médicos, por delegação de instituições como o SNS, a ADSE e outras fórmulas de benefício, primeiro do baronato médico e depois do sistema financeiro, consoante os manuais do “project finance” ou das parcerias público-privadas. Na educação o processo parece só recentemente estar a avançar mais rapidamente, com a criação do cheque-ensino. A habitação foi entregue ao livre arbítrio dos bancos, da construção/imobiliário e à corrupção autárquica, com o bendito Estado a ajudar inicialmente com bonificações de juro e deduções em IRS, para que a máquina da especulação funcionasse.

Há uma questão central na problemática da solidariedade inter-geracional inerente à sociabilidade humana; é a questão dessa solidariedade ser gerida, tendencialmente, pelo Estado, esse gestor coletivo dos interesses do capital.

Nesse contexto, há um plano inclinado que conduz a políticas de desvio dos verdadeiros objetivos do fundo coletivo dos trabalhadores e a consequente apropriação dos seus recursos pelos capitalistas, como aliás se exemplificou acima (2 – O saque de fundos e direitos dos trabalhadores).

O problema assume maior acuidade quando se trata de um país como Portugal, onde o frágil capitalismo autóctone depende sobremaneira dos apoios públicos de toda a espécie, incluindo a generalizada corrupção, para sobreviver. Por consequência, o funcionamento das instituições enquadra-se nessa fragilidade e gera  um sistema muito deficiente de instituições públicas no que se refere à satisfação das necessidades da população, embora bem mais eficaz no saque do orçamento e no apoio a manhosos empresários de várias estirpes. Para controlar o aparelho do Estado, a estirpe dominante - o capital financeiro - mantém contratada uma classe política, culturalmente indigente, constituída por obedientes mainatos.

Do lado esquerdo da classe política, flutuam formações políticas empenhadas no controlo social e, porque bem na esteira totalitária e autoritária típica do trotsko-estalinismo, colocam o Estado como ente virtuoso e insubstituível para a decisão e gestão das necessidades coletivas[11].


5 – Com a destruição da Segurança Social constrói-se a miséria

Pelas razões expostas, entre outras, no pentapartido não se levanta a questão da independência real da Segurança Social face ao aparelho de estado, não sendo também contestada a mistura das funções sociais do Estado com a gestão do fundo coletivo dos trabalhadores portugueses, no seio de instituições comuns geridas pelos mandarins de serviço. E, permite-se que o habitual superavit da Segurança Social seja incluido nas contas consolidadas do Estado (central, serviços autónomos, regional e local), mascarando os tradicionais deficits destes últimos.

Para estas considerações não contam apenas factores de ordem organizativa como atrás referido mas, sobretudo, um elemento de abrangência e um elemento relativo aos direitos.

Os direitos e as obrigações face ao Estado e aos serviços públicos abrangem todas as pessoas uma vez que o Estado se pretende universal e generalista; por outro lado, a financiamento do Estado, é basicamente assente em impostos, por definição, sem uma contrapartida específica que possa ser exigida na sequência do seu pagamento. Pagar IRS ou IVA, por exemplo, nada tem a ver com a afetação desses meios financeiros, seja na manutenção do SNS ou num voo militar. Nesse campo, os governos não têm constrangimentos porque não é regra a consignação de receitas fiscais.

O mesmo não sucede com as quotizações e contribuições destinadas à Segurança Social que se destinam exclusivamente às despesas com reformas e subsídios de doença ou desemprego (neste caso, não em todas as suas formas) dos trabalhadores que descontam ou descontaram para o sistema. Dito de outro modo, as receitas são consignadas a fins específicos e só é beneficiário quem contribui ou contribuiu para o espólio comum, excluindo-se todas as outras pessoas.

Ouve-se, por vezes, gente a protestar contra quem recebe pensões no âmbito do regime não-contributivo pois com isso estarão a sobrecarregar a Segurança Social. Na realidade, isso não é assim, pois essas pensões são pagas com verbas consideradas no OE e não através dos descontos para a Segurança Social cuja intervenção, neste particular, se resume à administração desse regime.

A relação das pessoas com o Estado é uma inerência do que se designa cidadania. A relação de pessoas com a Segurança Social insere-se numa esfera muito mais circunscrita. Esta última relação não exclui ninguém de uma inclusão nas várias esferas de atuação do Estado; por seu turno, a comum relação com o Estado não obriga a um vínculo com a Segurança Social.

O vício ideológico da consideração do Estado como ente virtuoso é algo que resulta do contágio da lógica do capital e dos capitalistas como grupo social dominante e contempla a incapacidade de entendimento da diferença existente entre a Segurança Social e as funções sociais próprias do Estado. Para além da educação, da saúde, da habitação, há a considerar, no âmbito deste texto, regimes da área social que estão cometidos à responsabilidade administrativa e financeira do Estado – a ação social enquanto enquadramento do bem estar de crianças, deficientes, idosos em situação de dependência física ou económica, a aplicação do RSI, o abono de família, os subsídios de desemprego complementar e social, etc. Todas essas funções constituem direitos das pessoas, em complemento ou à margem de qualquer relação com a Segurança Social e, the last but not the least, com financiamentos públicos, contemplados no orçamento do Estado e não financiados pelas receitas próprias da Segurança Social.

A confusão junto dos mais desatentos resulta de o Estado incorporar numa mesma estrutura – ministério – a Segurança Social e as funções sociais que lhe competem incluir no OE e cobrir com receitas fiscais. A incorporação das contas da Segurança Social a par com as dos órgãos do Estado, sob a designação de “Administrações Públicas”, é a fonte de todos os abusos.

O modo como o Estado vem actuando na Segurança Social em particular, é o de um auto-imposto delegado dos trabalhadores portugueses, o de um gestor de negócios corrupto que burla o delegante. Trata-se de um delegado que incorre no crime de abuso de confiança pois se apoderou do cofre onde os trabalhadores portugueses têm acumulado poupanças para fazer face às contingências da vida biológica e laboral.

A ilusão na multidão face à natureza do Estado faz com que se aceite com tristeza, espanto ou indignação a forma como os governos gerem a Segurança Social e as novelas que tecem para justificar o desvio de fundos ou das condições para os trabalhadores usufruirem das suas poupanças, acumuladas em dezenas de anos de trabalho.

Certamente que a atitude das pessoas face às empresas detentoras de fundos de pensões não deve ser mais tolerante pelo facto de serem privadas pois os riscos de descalabro são também elevados uma vez que as reservas das seguradoras e dos seus fundos de pensões assentam em valorações especulativas ou nas cadeias de activos voláteis, típicas dos mercados financeiros. O caso recente da gigantesca AIG[12] evidencia-o e, não fora a intervenção do governo norte-americano com um apoio de $ 85000 M… Contrariamente ao referido pelos meios afetos às seguradoras[13] não são as empresas de seguros que acodem aos sistemas públicos de pensões mas, o Estado que socorre as empresas da “indústria”, para evitar a sua falência.

Cabe, finalmente, a questão de se saber o que poderá, alternativamente, ser feito para que o fundo coletivo dos trabalhadores portugueses não seja pasto das manobras fraudulentas dos gangs governamentais.

Não temos uma solução acabada para o problema e consideramos que tal deverá ser o resultado de uma discussão profunda e alargada entre trabalhadores no ativo e na reforma, dada a sua complexidade. Mas, damos como certo que aquela é demasiado importante para trabalhadores no activo ou na reforma, para ser gerida por mandarins em nome do Estado ou por inclusão em lógicas privadas imanentes a fundos de pensões e seguradoras;

Assim como entendemos que os organismos da administração pública devem funcionar com quadros próprios, escolhidos em concursos transparentes e sem a interferência dos governos - estes, sem poder para procederem a nomeações ou exonerações - entendemos que o aparelho da Segurança Social poderá funcionar do mesmo modo.

No âmbito de uma visão naif poderiamos pensar que uma confederação sindical seria o órgão indicado para gerir a Segurança Social. Porém, em Portugal, é baixa a taxa de sindicalização e portant, dificilmente as existentes se poderiam assumir como representantes da grande massa dos trablhadores. Por outro lado, os sindicatos são pouco participados pelos trabalhadores, estão muito descredibilizados e são partidarizados ou dirigidos por grupos de indivíduos desempenhando funções dirigentes por longos anos, construtores de estatutos bloqueados para evitar que se perca o controlo partidário. Na sua ampla concertação com o aparelho político-partidário e com o alto patronato, os sindicatos comportam-se como verdadeiras direções-gerais vocacionadas para o controlo social dos trabalhadores, não sendo, portanto, instituições democráticas. Finalmente, perante a precariedade do trabalho e as caraterísticas técnicas do mesmo – segmentação, encadeamento em redes de decisão – cabe perguntar se os sindicatos atuais terão ainda alguma viabilidade de agregação e libertação dos trabalhadores face ao capital.




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[2]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/07/a-divida-seguranca-social-o-longo.html
[4]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/seguranca-social-compra-titulos-da.html
[7]   http://www.slideshare.net/durgarrai/estratgia-para-um-sistema-de-segurana-social-favorvel-multido-de-trabalhadores-e-ex-trabalhadores
   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
[9]    http://www.scribd.com/doc/5570973/Afinal-qual-a-funcao-social-do-capitalista
[10]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/10/a-despolitizacao-o-controlo-social-e-as.html
  http://www.slideshare.net/durgarrai/capitalistas-e-estado-a-mesma-luta

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