Sumário:
1 - Portas é um power-point em 3D
2 – Um fascismo periférico
2.1 – O adulador de empresários
2.2 – A veneração das sotainas
2.3 – O patriotismo como manto de cinismo
e mentira
2.4 – A “operação Barbarrossa” do pequeno
fuhrer
2.5 – O
pequeno fuhrer interpreta o sentido
da tradição pátria
Conclusões
A condução política do governo passou para as mãos de
Portas. É o mais dotado para representar o que Nietzsche define como político:
aquele que divide as pessoas entre instrumentos e inimigos;
O mais interessante nos versículos contidos no Guião é
a proposta de mercantilização total da sociedade portuguesa, esvaziada dos
direitos que não possam ser objeto de compra e venda;
Portas repete a adulação dos chamados empresários,
muitos deles gerados pelo financiamento público e estigmatiza os que o não são
nem serão, apontados como párias. Essa adulação é uma prestação de serviços com
óbvias contrapartidas financeiras;
A lógica da habitual privatização tende a ser
ultrapassada pela contratualização com privados, num género de concessão, com
garantias de rendabilidade dadas pelo financiamento público;
A criação de um empresariato dependente do Estado é
tão artificial como a tentativa de engrossar uma falsa classe média com
trabalhadores independentes, travestidos de empresários em nome individual ou
empresas unipessoais;
Portas coloca-se no pedestal do mais genuino
patriotismo ocultando as muitas demonstrações de ausência de soberania expostos,
tanto nos tratados europeus, como na realidade financeira que vem justificando
os cortes. E que são imensas;
Traça o destino dos portugueses com um “não há
qualquer possibilidade de superar a emergência financeira sem reduzir a despesa
pública; e não há qualquer possibilidade de reduzir a despesa pública sem ter
impacto nos salários das Administrações Públicas e nas aposentações do Estado”;
Qual inquisidor moderno, Portas apresenta os
condenados ao sacrifício para que a soberania regresse – aposentados e
funcionários públicos – eleitos como os novos judeus, os novos herejes,
apontados como inimigos dos “mercados”. Esses, são escolhidos para a primeira
linha das vítimas do genocídio em curso e, outros se seguirão, certamente;
Portas adopta relativamente ao Tribunal Constitucional
uma “pose de estado”; deixa as ameaças para os trauliteiros de serviço como o
Vítor Bento ou o António Barreto ou, para a inimputabilidade dos cargos de
suserania – Durão ou Lagarde;
Defende o modelo económico tradicional em Portugal,
baseado em baixos salários, pobreza, punção fiscal elevada mas, aligeirada para
as camadas possidentes que, insatisfeitas na sua subalternidade no contexto do
capital global, canibalizam o seu Estado.
O Guião de um pequeno fuhrer
1 - Portas é um power-point em 3D
Alguns anos atrás, em Istambul, vendedores de
pêssegos impediam os clientes de tocar nos frutos. Estes eram organizados de
modo habilidoso para que se não visse terem as partes bichosas sido subtraídas,
ficando os buracos cuidadosamente fora das vistas dos prováveis compradores.
Portas não é tão habilidoso quanto os vendedores de
pêssegos de Istambul; Portas é, ele mesmo, o verme que é preciso extrair do
pêssego para o tornar comestível.
Na sua cabeça e nas dos seus assessores de imagem
entende-se que a forma do discurso, com a bandeira por detrás e o ar
institucional do personagem, afastam do Guião, as atenções para as grosseiras
falsidades, as ideias enviezadas, as tiradas ideológicas sem concretização, as
frases que não passam de agregados ocos de palavras. Chamar Guião para a
reforma do Estado ao acumular de frases feitas que enformam o texto do pequeno fuhrer é trágico, ridículo e falso.
Portas ocupou, de facto, o lugar da pileca política
que formalmente é o primeiro-ministro. Cavaco, logo no início deste governo
marcou um dia por semana para se encontrar com Portas, sabendo-se da pouca
consideração que tinha para com o antigo chefe jotinha. E, quando este se viu amputado do seu
principal apoio (Gaspar) e obrigado a colocar nas finanças uma secretária
daquele, a condução política do governo passou para as mãos do
vice-primeiro-ministro, mesmo sem conhecimentos na área económica.
Portas, perante o vazio de competências políticas no
PSD até gostará da purga anunciada dos críticos da direção do PSD que os acusa
do desaire eleitoral; e já não dos incêncios florestais porque outubro já
estava à espreita. Quanto mais invertebrado estiver o PSD mais Portas sonhará
com uma fusão das duas castas, sob a sua tutela. Aliás, o que os divide de
substantivo olhando para o cardápio fascizante e genocida dos neoliberais ?
Recorde-se que Portas até já foi da casa, do PSD… como foi acerbo crítico de
Cavaco, com o seu “Independente” enquanto o impedido Manuel Monteiro cumpria
ordens no CDS, numa delegação que acabou por correr mal para o Monteiro.
Portas parece ser o único no governo com pretensões à
filosofia política. Ninguém imagina os Macedos nessa função. Um, portador
daquela voz de locutor de rádio e ar de alucinado era trucidado por Sócrates,
quando tenro chefe da claque PSD na AR; e o outro, está mais empenhado no seu
trabalho de cabouqueiro dos interesses do sistema financeiro na cadeira da
Saúde. Por seu turno. o Aguiar-Branco estará mais dedicado a alargar os seus
contactos para futuras contratações à sua sociedade de advogados. O Pires de
Lima, falhada a redução do IVA para a restauração, acaba por se contentar com a
pequena redução do IVA, entre discursos sobre a retoma e tiradas ao heroísmo
dos empresários… financiados através do não pagamento de impostos ou
contribuições para a Segurança Social; como ele próprio diz, não passa de um
soldado. Temos o loquaz Maduro, introdutor em Portugal da moda dos “briefings”,
aquela partner de uma sociedade de
advogados (a Cristas) representante das empresas da celulose e que assistiu
deliciada pela televisão ao festival dos fogos florestais. Dos restantes,
nenhum tem o gabarito do Portas para cumprir o que Nietzsche define como
político: aquele que divide as pessoas entre instrumentos e inimigos.
Discordamos dos que criticam Portas por se atrasar
alguns meses na montagem do Guião. Yourcenar demorou vinte anos a escrever “As
Memórias de Adriano” e nunca alcançou o brilho de Portas como empecilho social.
Na realidade, a Portas faltou o merecido tempo de prisão que Adolfo, o
pinta-monos de Braunau-am-Inn teve para escrever o Mein Kampf original, depois
do Putsch da Cervejaria. Para aprimorar a sua mais recente obra, falta a Portas
a tranquilidade do cárcere, por conta da burla dos submarinos.
Foi referido nos media que o Guião tem 112 páginas
como que a sugerir a capacidade analítica, a sábia cópia dos argumentos, sem se
referir que o texto, com letra em formato menos garrafal ficaria reduzido a
umas 33 páginas; e expurgado do palavreado necessário para aumentar o tempo de
exposição mediática do autor quase nada restaria. A prosa extensa é apenas um
instrumento de prolongamento da presença do indivíduo e do seu tempo de antena,
para impressionar o telespectador; um tempo de ludíbrio, de estacionamento no
palco do pequeno fuhrer, da sua
postura de “estado”, daquele ar sisudo que distrai a atenção das palavras, as
quais denotam a gelatina que se acha sob o seu cocuruto.
A voz agreste e a dicção pausada, estudada ao segundo
e nos decíbeis, conjuga-se com aquele olhar metálico copiado das pinturas
daqueles bispos que estão expostas no Museu da Arte Antiga, ferozes atiçadores
das fogueiras da Inquisição. Portas
assume a conduta de Torquemada tomando como judeus e herejes os funcionários
públicos e os pensionistas, acossando-os com cortes e empobrecimento.
Como fuhrer
sem Rommel nem Graf Spee, só com um Afeganistão para enviar uns pelotões de
subalternos, o Portas ministro da guerra, à falta de melhor, avançou em 2005 com
uma canhoneira contra o “barco do amor” onde navegavam defensores da
descriminalização do aborto.
Mais ousado, mandou em 2012 homens e cangalhada
guerreira para invadir a Guiné-Bissau, não sabendo nós, se por impulso
evangelizador contra Mafoma ou por sonhar com um Anschluss, um retorno daquele país à tutela lusitana concebida por
Salazar. Embora não detivesse a pasta da defesa, o pequeno fuhrer assumiu a operação – que só não deu em desastre por pouco –
perante o provável alívio do titular daquela pasta, Aguiar-Branco.
2 – Um fascista periférico
Como pretenso grande estratega, Portas preencheu o
Guião com ideias anti-sociais com aplicação até 2019, envolvendo revisão
constitucional e a mercantilização total da sociedade portuguesa, esvaziada dos
direitos que não possam ser objeto de compra e venda. O interessante no Guião
não são as propostas mas, o pensamento anti-social do autor e é esse que
tentaremos explicitar adiante.
2.1 – O adulador de empresários
Nesse projeto entra a campanha ideológica, sempre
presente nas suas palavras, de deificação da figura do empreendedor, do
empresário, do “empregador”, com a promoção de cursos de empreendorismo aos
desempregados através do seu amanuense Mota Soares.
Nessa estratégia está implícito o maniqueísmo que
coloca no lado errado da vida, os trabalhadores que, por falta de vocação ou,
sobretudo, de capital, não podem criar empresas e aqueles que têm profissões
inadequadas para um funcionamento mercantil. Ao diminuir os não-empresários
como incapazes ou madraços, estabelece uma hierarquia social para além da tradicional,
que resulta da riqueza e, ostraciza quem, eventualmente, possa necessitar de
apoios sociais, com o anátema do recurso à caridade, próprio para indignos de
caber dentro da lógica do mercado. A eliminar, portanto.
O neoliberalismo acentuou o pendor para direcionar e
concentrar o produto da punção fiscal no bornal dos capitalistas. Para as
funções que tipicamente cabiam aos poderes públicos apresentam-se agora duas
soluções: as funções privatizáveis para cabal integração em lógica mercantil,
como os transportes ou os correios, a eletricidade ou a água e, os que não
podendo ter essa solução, são objeto de contratualização com privados, num
género de concessão, com garantias de rendabilidade dadas pelo financiamento
público. Neste último caso, trata-se de mandarins partidários elevados ao
empresariato através do alvará, do contrato com financiamento estatal, figura
que Adam Smith não imaginaria, no seu romantismo.
A lógica da privatização, ainda que não esgotada
depois de duas décadas de sistemática aplicação, está a ser ultrapassada pela
concessão e a contratualização da exploração privada de funções ou bens
públicos, com garantias e generosos financiamentos públicos[1], de
favor para com os seus beneficiários e que são claramente contratos nulos,
susceptíveis da criminalização de quem os assinou, comprometendo o erário
público por décadas.
O constante adulação dos empresários por parte do
homem tem vários objetivos. Um é apresentar-se como o lídimo defensor daqueles
que criam riqueza e emprego, para o que é importante a tradicional e solene
pose “de estado”. Outro, é convencê-los disso para que lhe cheguem as
encomendas legislativas para embaratecer o preço do trabalho, precarizar o
desempenho dos trabalhadores, promover apoios sob a forma de incentivos, benefícios
e contratos, a introduzir nos interstícios dos decretos da troika. E, como
Portas não se enquadra no papel do bom samaritano, espera que os ditos
empresários procedam aos conhecidos depósitos de € 10000 em contas bancárias à
disposição do CDS e dos homens de mão do seu caudilho.
Nem só de vil metal vive o nosso klein fuhrer. Com a
deificação do empresário e da livre iniciativa procura-se ampliar uma classe
média de empresários ou falsos empresários, trabalhadores independentes
travestidos de empresários em nome individual ou empresas unipessoais. Essas
camadas estão longe de estar em crescimento mas, o importante é que se gere a
ideia de que essa promoção ao empresariato é possível; o importante é criar em
cada precário, em cada desempregado a ideia de pertença a uma classe média só
porque vendem o seu trabalho contra recibo assinado e estão inscritos na AT
como empresários em nome individual ou
sociedade unipessoal, aproveitando a modernidade criada por Sócrates, da
“empresa na hora”.
A lisonja, a elevação, artificial que sejam, são
formas de mascarar a precariedade, desligando o trabalhador do enquadramento
social; constituem odes de retorno ao séc XVIII, ao heroísmo do empresário
individual, do trabalho duro mas, agora, dissociado da ética luterana. Para
quem a honestidade não circule nas veias há sempre o recurso à corrupção, essa
sim, um recurso abundante em Portugal, o terceiro produtor europeu desses
serviços.
2.2 – A veneração das sotainas
O ministério entregue a Mota Soares, discípulo do
pequeno fuhrer, expande a lógica da entrega de instalações de caráter
social a instituições – muitas delas ligadas à Igreja Católica – que assim, com
dinheiros públicos, mostra a sua vocação caritativa, a secular lógica da mercê,
concedida benevolamente pelos ricos aos pobres, neste caso, doadores formais e
beneficiários, todos pagos pelo erário público. Caridade com dinheiro alheio
não será o aviltamento de um preceito cristão?
Nesta regressão na forma como se encara a satisfação
de dificuldades de parte da população, o Estado terá interesse na redução da
pobreza ou das dificuldades sociais no mínimo, por razões orçamentais. O mesmo
não sucede com a Igreja Católica uma vez que essa rede financiada pelo Estado
tem todo o interesse na sua perpetuidade. De facto, o Estado e as receitas dos
jogos explorados pela Misericórdia de Lisboa são os reais pagantes de vasto corpo de auxiliares e funcionários
muito mal pagos - e com a genuina
dedicação de muitos – em contraste com o luxo que rodeia emplumados bispos.
Essa fonte de financiamento ajuda a Igreja Católica a
exercer uma influência ideológica permanente em parcela significativa da
população, fulcral em época de forte descristianização e indiferença religiosa.
Num país onde não existe um partido democrata-cristão, Portas coloca-se, como
elo de ligação entre a cruz e o orçamento, sem concorrência do PSD/PS, recheado
de aventais.
A contrapartida para o poder em geral é a garantia do
apoio político dos dignitários da Igreja, como o atual cardeal de Lisboa e o
seu antecessor; o primeiro, ao permitir o aproveitamento político da sua
entronização nos Jerónimos e o segundo, na defesa da austeridade, com arrotos
moralistas saidos do seu retiro dourado. Com a reforma do Torgal Ferreira deixa
de haver sobressaltos contestatários provenientes do clero católico.
2.3 – O patriotismo como manto de cinismo e
mentira
Para comover os corações patriotas Portas refere a
urgência da recuperação da soberania perdida com a troika. Seria demorada a
explicação de como Portugal não tem soberania desde 1580, quando passou para um
patamar inferior dos jogos imperiais a que se entregava a Europa; e como a
mesma dita soberania se reduziu gradualmente até atingir a bancarrota atual.
Como seria extensa a consideração das diferenças entre a soberania das pessoas
e a desse ente abstrato denominado estado-nação, com vocação para uma simples
autarquia, em época de globalização.
Portas considera que na UE há uma soberania
partilhada (pag. 43) para disfarçar que a UE não passa de uma hierarquia de
Estados, de governos, de profundas desigualdades, com a formação de duas
periferias criadas para servir as multinacionais e o sistema financeiro -
estes, ancorados num Centro[2] - e
gerida por um diretório de cinzentos funcionários, alheios a qualquer
escrutínio, mesmo no contexto da chamada democracia representativa.
O cinismo não está somente na ocultação daquela
realidade. Está na forma como esconde a aceitação submissa do elenco de
elementos definidores da ausência actual da soberania, para fins ínvios como
adiante se decifrará:
· o Tratado de
Estabilidade, Coordenação e Governança de março de 2012, foi subscrito e aceite
por Portas e pelo governo que integra, sem um leve sobressalto;
·
o Tratado e
Portas apontam para o cumprimento da “regra de ouro”, do deficit público a
médio prazo equilibrado ou com excedente, admitindo-se apenas um valor anual,
excepcional de deficit, inferior a 0.5% e que a dívida pública não superará…
60% do PIB (artº 3º);
·
obedientemente,
Portas defende a inclusão da “regra de ouro”, na Constituição, sabendo que isso
constitui um espartilho para a aplicação de qualquer política económica
autónoma, tornando qualquer governo pouco mais que um conjunto de funcionários
teleguiados de Bruxelas e Frankfurt;
·
o pequeno fuhrer parece desconhecer que os
programas para o reequilíbrio são definidos pela UE, de acordo com o Pacto de
Estabilidade e Crescimento e monitorados pela Comissão e pelo Conselho Europeu
(arº 5º);
·
esqueceu que há
uma comunicação nacional dos planos de emissão de dívidas (art 6º) para não
afetar a estabilidade dos “mercados” e do euro - o que os bancos fazem alegre e
impunemente quando o entendem – ou… para que o BCE intervenha para garantir, no
caso português, a subscrição dos títulos;
·
finge ignorar
que os Estados assumem o compromisso de apoiar as propostas ou recomendações
apresentadas pela Comissão Europeia (artº 7º) o que é uma forma de falsa
mutualização da decisão, não extensível à responsabilização pelo pagamento
dessa dívida, como sonha o PS e a esquerda do sistema. Nem sequer internamente
o pagamento é mutualizado, pois os capitalistas são, em grande parte, isentos
dos sacrifícios e cortes, tal como os bancos;
·
oculta que o
Tribunal de Justiça pode condenar o país incumpridor ao pagamento de uma
quantia fixa ou de uma sanção pecuniária compulsória, adequada às
circunstâncias, não superior a 0,1 % do seu PIB (art 8º), o que no caso
português pode ascender a € 165 M;
·
o vice, até
podia ter feito um parêntesis no seu vício da aldrabice, referindo a
benevolência da UE quando define que os países, contudo, “… estão disponíveis
para recorrer mais ativamente… à cooperação reforçada … nas matérias essenciais
para o bom funcionamento da área do euro, sem prejudicar o mercado interno” (artº
10º). Ora todos sabemos como o mercado interno dos países intervencionados tem
sido… acarinhado pelos programas de resgate;
·
Portas não citou
a soberania presente no preceito que assinou e em que os países terão uma
supervisão pós-programa de resgate até que tenham sido reembolsados, no mínimo,
75% da assistência financeira recebida de um ou vários outros Estados-Membros,
do MEEF, do FEEF ou do MEE. (artº 14 do Regulamento nº 472/2013 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 21 de maio último). Essa supervisão, se tudo correr
bem – o que é altamente improvável – ocorrerá até 2021;
·
não referiu que a
partir de 2014, os subsídios da UE no âmbito do novo Quadro Financeiro
Plurianual (2014-2020), os fundos estruturais e regionais serão condicionados à
situação macroeconómica e ao cumprimento das regras da ortodoxia neoliberal;
·
e para terminar,
a Assembleia da República que constitucionalmente aprova o orçamento assume um
papel delegado e subalterno pois os Estados-membros têm de apresentar o seu
projeto de plano orçamental para o ano seguinte à Comissão e ao Eurogrupo antes
de 15 de outubro, conjuntamente com as previsões macroeconómicas em que se
baseiam. “Caso a Comissão considere que o projeto de plano orçamental mostra
não cumprir as regras acima mencionadas, a Comissão pode exigir a revisão do
projeto de plano orçamental". À AR não cabe decidir, apenas aceitar;
Por além das limitações impostas pela suserania da UE
e do capital financeiro que a orienta, o nosso pequeno fuhrer como vice do gang governamental, com altas responsabilidades
na área económica, não explica:
· como se pagam
anualmente € 6000 M de juros (3.6% do PIB) relativos a uma dívida pública de €
203800 M em setembro último;
·
como se reduz a
dívida quando parte substancial dela – a de médio/longo prazo (€ 125900 M) -
tem uma amortização média anual de 14000 M (8.5% do PIB) entre 2014/2021?
A sua substituição por outros
empréstimos representa a manutenção de fatura elevada de juros a pagar; e isso
aumenta a soberania ?
· qual o nível de
crescimento da economia que permitirá pagar os juros e ainda dinamizar o
mercado interno, o emprego, etc – e que terá certamente de ser superior aos
referidos 3.6%? Qual o grau de políticas redistributivas do rendimento que
Portas admite para impulsionar o poder de compra interno?
·
em que calendas
- não diremos gregas porque essas porventura já foram vendidas a um consórcio
internacional - haverá crescimento para que termine o sacrifício de
trabalhadores da função pública e pensionistas, como solenemente garantido pelo
pequeno fuhrer no seu Guião?
· como atrai novo
investimento estrangeiro ou mantém os níveis do já existente em Portugal[3],
oferecendo apenas um mercado interno reduzido, salários baixos, reduções de
IRC, afogamento em impostos de uma população empobrecida e com os jovens mais
qualificados em fuga para o exterior, com uma Europa em estagnação económica,
um orçamento monitorado do exterior que limitará também as benesses aos
empresários e que obrigará a uma seleção mais cuidadosa dos actos corruptos que
têm permitido a subsistência de muitos dos grandes e médios empresários?
· sem ter uma
Krupp ou uma IG Farben, como o seu defunto inspirador alemão, o pequeno fuhrer só poderá tentar “Il ritorno de
Belmiro in patria” trauteando Verdi e orar ajoelhado perante o cardeal Clemente
que a Isabel dos Santos e o papá não desviem os seus fundos para outras
paragens. É obra!
Como pode, uma pessoa que aceita estas limitações
inerentes a uma tutela externa, ter o cinismo suficiente para se arvorar no
mais arraigado patriota das terras lusas. Portas mente com todos os seus
branqueados dentes.
Como se observa, a soberania não existe mas, o
argumento da soberania permite a aplicação de um plano macabro de liquidação de
qualquer réstea de bem-estar para os portugueses, com a criação de uma
sociedade onde não há direitos mas, bens ou serviços que se compram e se vendem.
Como na actual configuração do enquadramento
geopolítico não há soberania alguma para povos pobres e periféricos como os
português; como o paradigma económico de produção para o mercado não tem em
conta as necessidades dos residentes em Portugal; como estes últimos não
dispõem de um sistema político democrático no âmbito do qual possam colocar no
topo da agenda a satisfação dessas necessidades; e porque lhes tem sido negado
um modelo de representação que obvie ao domínio de uma classe política subserviente
e conivente com esta subordinação, a questão da soberania é uma meta
inalcançável, um conto do vigário permanente que dá todo o tempo para que os
interesses políticos e económicos procedam aos experimentalismos exigidos para
a garantia da sua angustiada mas doce existência.
2.4 – A “operação Barbarrossa” do pequeno fuhrer
Para desenrolar o novelo citemos o digno autor do
Guião; “a situação de emergência financeira levou a um conjunto de efeitos
políticos, económicos e sociais que, legitimamente, a sociedade portuguesa não
deseja repetir” (pag 10). Esta frase é tão tautológica que se torna imbecil.
O caminho é traçado
com clareza, “não há qualquer possibilidade de superar a emergência financeira
sem reduzir a despesa pública; e não há qualquer possibilidade de reduzir a
despesa pública sem ter impacto nos salários das Administrações Públicas e nas
aposentações do Estado” (pag 11).
Assim, recai sobre uma faixa restrita da população a
responsabilidade do retorno a uma imaginária soberania que reconstrói o orgulho
pátrio de gente deslocada no tempo como Portas. Nessas pessoas é delegada a
responsabilidade do pagamento dos desvarios financeiros que a classe política
protagonizou ao serviço do capital financeiro indígena, desestruturando
totalmente a economia portuguesa, endividando famílias e empresas com dinheiro
fácil, empurrando para o Estado os impactos dos reduzidos capitais próprios de
bancos e empresas e das impunes burlas do gang BPN ou dos arquitetos das
parcerias público-privadas. São culpados do crime de trabalhar ou ter
trabalhado em serviços públicos.
Nessas pessoas recai o anátema de viverem almofadados
em mordomias e regalias enquanto se tornam secretas aquelas, reais e ilegítimas
que a classe política decretou para benefício próprio. Procura-se assim
segmentar a população trabalhadora apontando para uns que terão vivido, mais do que os outros, acima das suas (parcas)
possibilidades.
Estão eleitos os
herejes e os judeus deste Torquemada v.2 que, tal como Hitler, se prepara para
a locupletação com os bens das vítimas, antes de concretizar o genocídio; não
em caras câmaras de gás mas, através de forçadas reduções em gastos de
alimentação, saúde, energia. Estão em causa as poupanças que os trabalhadores,
agora na reforma, confiaram à ladroagem pós-salazarista do partido-estado
PSD/PS - tendo como gestor da sacristia o partido do Portas - para se valerem
na velhice, saqueadas retroativamente com os cortes e que, conjugados com o
aumento da carga fiscal em IRS, IVA e IMI, colocam em risco a posse das suas
casas, adquiridas num processo da agiotagem montado pelos bancos e pelos
beneficiários da volúpia imobiliária, amparados por um Estado cuja política de
habitação foi o recurso ao “mercado”.
Quanto aos
funcionários públicos pretende-se a sua saída seja seguida da contratação de
gente precarizada – que até poderão ser os antes despedidos - para o exercício
de funções públicas, com salários miseráveis, sem direitos e contratados
através das prestimosas empresas de trabalho temporário. É esse o modelo
apontado com a “entrega das escolas aos professores” em que aquelas deixam de
ter uma gestão pública para serem pertença de grupos privados, financiados
pelos impostos – como os hospitais privados de hoje – sem riscos e
rendabilidade garantida; e que agradecidos acabam por acolher, reconhecidos,
ex-mandarins reciclados como reputados gestores.
O
pequeno fuhrer com este modelo
polariza as responsabilidades da dívida para cerca de 10% da população; de
permeio utiliza a desvalorização dos salários e das condições de trabalho no
Estado, como exemplo incentivador dos capitalistas sem capitais e culturalmente
indigentes[4]; a
carga fiscal recai sobre a população trabalhadora e os reformados para não
afetar empresários, historicamente avessos ao investimento criador de riqueza;
tenta manter falsos empresários – sociedades unipessoais e empresários em nome
pessoal para gerar uma ficção de classe média.
O nosso pequeno fuhrer é matreiro e ancorou-se na
opinião da OCDE e do FMI. Este último, em janeiro emitia esta fatwa; "A massa salarial e as
despesas com pensões representam 24% do PIB e 58% das despesas públicas
antes de juros. Seria impossível alcançar as metas de redução de despesa sem
alterações nestas duas áreas, devendo assim ser dada prioridade a reformas relevantes
com elas relacionadas"[5]. Portas traduziu para português e incorporou a ideia no seu Guião para
dar a entender que é criativo e que Portugal até tem soberania. Como foi
denunciado mas, com fraco interesse por parte da imprensa, até as atualizações
do Memorando são cozinhadas nos computadores da troika, para assinatura pelo
governo, numa clara manifestação de submissão e até de falta de dignidade
pessoal.
Algo pode correr mal
nesta operação, sobretudo na parte respeitante ao Tribunal Constitucional,
incapaz de se adaptar “aos tempos que correm”, como sugere o burro economicista
Vítor Bento que disserta[6] sobre
a alteração “do rácio entre o número de beneficiários do direito (de pensão) e
o número de sujeitos à correspondente obrigação (de contribuição social)” sem
atender à alteração do grau de capitalização das empresas ou da composição
orgânica do capital, à existência de empresas sem trabalhadores mas, com
formação de elevadas receitas e resultados e, sobretudo, à imensa sonegação de
rendimentos produzidos pelo trabalho através de aumentos de produtividade que
em nada beneficiam o trabalhador, quer no salário direto, quer no indireto. Mas
essa temática é demasiado para ele entender pois… não é por acaso que se tornou
conselheiro da bafienta figura acampada em Belém.
Nesta linha se
posiciona também Portas com “as medidas previstas no Memorando de Entendimento
numa leitura dinâmica da lei fundamental, levando em conta a excepcionalidade
do resgate” (pag 22) tal como esse vulto da vacuidade chamado Durão Barroso e o
Ângelo Correia defraudado mentor do Passos, que defende um “estado de
emergência nacional determinado por razões económico-financeiras” ou a Ferreira
Leite, com a célebre proposta de “suspensão da democracia”. Na nossa opinião,
pouco há que se possa suspender mas, percebe-se a intenção: o total domínio dos
“mercados”, sem máscaras, nem floclore. Mais recentemente o ministro
Aguiar-Branco e o intelectual orgânico do sistema, António Barreto referiram o
“estado totalitário” sem terem percebido que o estavam a ver a imagem do seu
próprio projeto político
2.5 – O pequeno fuhrer interpreta o sentido da tradição
pátria
O indómito estratega, na sua peça, apenas replica,
pretendendo aperfeiçoar o modelo económico tradicional do capitalismo português,
enterrando as sequelas e até a memória do 25 de Abril, para assegurar a
continuidade dos “bons velhos tempos” de ditadura, os privilégios do clero e da
nobreza capitalista[7].
Essa continuidade, sinteticamente carateriza-se assim:
· a burguesia
portuguesa, incapaz de ter aproveitado a pilhagem colonial como acumulação
primitiva para promover o salto qualitativo de desenvolvimento capitalista,
encaixou-se num papel subordinado e subalterno na hierarquia dos estados e do
capital;
· assegura a
sobrevivência no seio da UE e, sendo esta uma vanguarda da concentração e
centralização de capitais inerente à globalização, exige:
o o apoio do
Estado nacional (e dos fundos comunitários possíveis) em benefícios fiscais,
contratos, empreitadas, privatizações…
o
o recurso extensivo
à fraude e à evasão fiscal, bem como à corrupção como elemento decisivo na
concorrência;
o a punção fiscal
concentrada numa população empobrecida e amansada através do controlo social
exercido pela esquerda do sistema político;
o
a apropriação do
produto dessa punção, acentuando desigualdades sociais e baixos níveis de
qualidade de vida;
o mantendo a norma
tradicional dos baixos salários com alta emigração, gerando um estreito mercado
interno ainda que oleado por remessas de emigrantes;
o
baixo nível de
investimento estrangeiro que até tem a vantagem de evitar a concorrência ao
trabalho qualificado;
O ciclo fecha-se com a constatação de que a burguesia
portuguesa, depois de ter sido um denodado gerador de subdesenvolvimento nas
colónias refugiou-se em Portugal como último refúgio, enquanto existir alguma
autonomia do Estado, no seio da UE; também esta, por seu turno, é uma estrutura
anti-democrática, bem marcada pela incoerência sistémica que convém ao sistema
financeiro global.
Como dizia Almada Negreiros, a burguesia portuguesa
tem os defeitos de todas as burguesias e mais um, o de ser portuguesa.
Quanto a Portas, ao ler o seu Guião à hora do jantar,
ter-se-á visto no lugar de outro alucinado, Nero, diante de Roma a arder.
Documentos e textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
[4] http://www.scribd.com/doc/22311099/Empresarios-portugueses-incapazes-inuteis-nocivos-e-batoteiros
[5]
http://www.jornaldenegocios.pt/economia/funcoes_do_estado/detalhe/a_reforma_do_estado_pensada_pelo_fmi_e_pela_ocde.html
E quem assina este texto????????
ResponderEliminarGrazia Tanta
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