1 - O caciquismo
2 - O sebastianismo
3 - Democracia? Onde?
Neste contexto pós-eleitoral parece haver um pêndulo em
Portugal. Entre o caciquismo e o sebastianismo
1 - Caciquismo
O sistema partidário é um corpo social à parte, fechado,
agressivo e excludente face ao exterior que o rodeia; essa atitude visa a sua
manutenção como casta beneficiária da intermediação na engorda dos capitalistas
em geral e do sistema financeiro em particular à custa do saque de quem
trabalha. Gera leis para si, para a sua reprodução, ocupa o espaço mediático,
reserva para si o exercício da gestão da res publica, controla as burocracias,
manipula as contabilidades, lambe-se com mordomias e procura manter
distanciados 97% da população do exercício de funções públicas, tomada como um
manso rebanho mesmo quando lhe rouba o pasto.
Quando não são criadas condições para o exercício da
democracia, quando os eleitos, uma vez no poder, ignoram ou desprezam os interesses
das pessoas ou as promessas feitas, o mandato conseguido em eleições perde
legitimidade. Quando aos eleitores não podem retirar o mandato aos eleitos
façam estes o que fizerem, quando a casta política afasta liminarmente a
possibilidade do voto em pessoas e não em partidos/gangs, o mínimo que se pode
dizer é: onde está a democracia?
Assim, votar é, de facto, ajudar à reprodução da casta,
legitimar o folclore eleitoral que mantém a situação de não-democracia e a
menoridade política da maioria da população, que se pretende um vasto conjunto
de eunucos políticos para que o sistema de saque (com ou sem troika) se
perpetue. Assim, como nunca se vota em abstrato, votar é votar na casta e
prolongar a velha tradição caciquista portuguesa; é manter um sistema político
que de democrático pouco mais tem que o nome, na maioria dos casos, mesmo
quando se volta em máscaras denominadas “independentes”.
Em suma, dirigir o voto é perpetuar o caciquismo, o apoio aos
agentes da putrefação do sistema político mesmo quando se afirma o apoio aos
pequenos partidos contra os grandes ou o voto útil em uns contra os outros, nos
da oposição (nacional ou local) contra a governação.
2 - Sebastianismo
O sistema está-se nas tintas para os votos nos pequenos
partidos ou nas oposições como manifestação de um protesto que só serve para
aplacar a má consciência ou o conforto do conservadorismo do eleitor. O que
mais evidencia a falta de credibilidade do sistema actual não é o voto mas, a
rejeição do sistema.
E por isso, em vésperas de actos eleitorais o desqualificado
PR apela ao voto e até nas caixas MB aparecem recordatórias sobre a romaria
eleitoral. À saída das urnas - até o nome, com a sua conotação fúnebre, revela
as exéquias da democracia – lá temos os apelos velados dos chefes partidários
captados pelos media. Promovem dias de reflexão numa cínica manifestação de
seriedade, depois do massacre da propaganda eleitoral ou não eleitoral durante
anos, através de entrevistas, programas com membros da casta que disfarçam
tempos de antena, com gauleiters do voto sob a etiqueta de comentadores
políticos. Impedem a concorrência do futebol em dia de eleições numa estúpida
dotação de respeitabilidade ao acto eleitoral mas, não afastam outros factores
de distração das massas – as missas, os centros comerciais, as praias - que,
até à data, nunca foram encerradas em dia de romaria eleitoral.
Não votar ou votar branco/nulo constitui uma informal frente
de rejeição do sistema político e do seu modelo de representação. Por
desmotivação e desinteresse para uns, por expresso protesto para outros.
Claro que o sistema continua a funcionar, impávido, perante o
facto da frente de rejeição superar o número dos que dirigiram o voto para
listas partidárias ou de independentes (verdadeiros ou falsos), como aconteceu
no passado dia 29. Mas nunca deixa de criminalizar, de diminuir, de caluniar
quem não vota na casta política. E, até os adjuvantes da casta que nem se
sentam à mesa dos orçamentos, como os ingénuos sem partido que consideram o
voto dirigido a seitinhas como tendo potencialidades transformadoras, todos
carregam na mesma tecla, contra quem se abstêm ou vota branco/nulo.
O problema que existe é que TODOS ficam, votantes no “útil”
ou na rejeição do sistema, no dia seguinte, à espera que aconteça alguma coisa;
não se reúnem para promover, a prazo – não há mudanças sob a forma de geração
espontânea – as transformações, não discorrem coletivamente sobre os contornos
de uma verdadeira democracia, não se organizam em redes de contestação e
desobediência.
Espera, cada um de nós, que o outro tome a iniciativa, que
alguém lidere o processo, dentro da lógica que vem favorecendo o tradicional
caciquismo. Como dos caciques nada há a esperar de recomendável, convém ter
presente que o imbecil Sebastião nunca voltou de Marrocos, que o corajoso
Delgado não ressuscita e que, mesmo o Cristo tarda em regressar para trazer a
salvação dos justos.
3 – Democracia? Onde?
O voto ou o não voto são instrumentos de combate, de luta
política, tal como o chapéu de chuva que se usa ou não, consoante o tempo. O
voto não abarca a democracia nem esta se restringe à colocação de votos em
urnas.
O problema em Portugal é o sistema e não um governo – este ou outro - que dele emane. Alguma coisa estava em vias de mudar com estas autárquicas? Cremos que não, a não ser a maior disponibilidade do PS para assumir as suas “responsabilidades” para com a troika, aumentando o número de pontes com o governo, clarificando melhor o que é um ménage à trois. Assim, não votar ou votar branco/nulo é uma das escassas possibilidades oferecidas pelo sistema de nos manifestarmos contra ele e a sua classe política, TODA ela bem unidinha na manutenção do sistema cleptocrático.
Pela primeira vez desde 1975, quem votou em partidos ou em "independentes" somou um número inferior ao de quem não tomou essa opção - 49% contra 51% (57.3% e 42.7%, respetivamente, em 2009). Nos distritos de Lisboa e Setúbal, os não votantes em listas foram 59.1% e 61.8%. respetivamente (49.5% e 52% em 2009). Devemos interpretar isso como um sinal evidente da putrefação do sistema, sendo tudo o mais acessório ou forma de iludir aquela realidade.
A falta de democracia é óbvia, em todo o sistema político e no modelo de representação, a começar pela paródia do recenseamento eleitoral que não merece dos grandes cuidados que a classe política coloca no apuro das bases de dados do Fisco; é que estas últimas, são essenciais para o saque, para controlar os rendimentos do trabalho e dos pensionistas mas, bem mais tolerantes para com capitalistas[1].
A classe política borrifa-se na democracia. Há 700 mil a um
milhão de eleitores fantasmas mas, isso até lhes convém pois o número de
vereadores (gente dos partidos) é assim aumentado, artificialmente, em muitos
sítios.
Onde está a democracia quando um grupo partidário tem maioria absoluta (!) com 16.2% em Setúbal, 22.9% em Lisboa ou 28% em Braga? Lembram-se que o Cavaco foi eleito com 23%, como presidente de "todos" os portugueses? Têm estado atentos à sua maléfica atuação para com a multidão? Nos próximos quatro anos, nas autarquias, grupos restritos, fechados como gangs, irão consultar os eleitores para alguma coisa ou, vão atuar como se os haveres comuns da autarquia sejam sua propriedade?
Eles elegem-se com qualquer número de votos. Cantam vitórias
e disfarçam derrotas com um mesmo focinho sorridente.
Vejamos. Face a 2009, o PS teve menos 280000 votos, o PSD
menos 430000, o CDS menos 20000, o BE menos 46000, as várias coligações com o
PSD e/ou o CDS não tiveram variação e quem ganhou foram apenas os "grupos
de cidadãos" (+120000) e o PC (+13000). E convém não esquecer que muitos
independentes não passaram de máscaras partidárias (por exemplo, Porto, Sintra
e Oeiras, onde a população se mostrou solidária com um confirmado corrupto).
Eleições autárquicas em Portugal são uma fraude:
1 – Não beliscam a ligação corrupta entre autarcas e seus
partidos com os negócios imobiliários e com os bancos;
2 - Não há possibilidade de as pessoas apearem nenhum autarca
que tenha sido eleito, por mais idiota ou
corrupto que se mostre;
3 -Está montada a arquitetura que permite aos dinossauros
saltitões perpetuarem-se em suas funções e mordomias autárquicas, como se
autarca fosse profissão;
4 - Na realidade, só
partidos (ou grupos por eles construídos) é que podem participar em eleições
autárquicas, não sendo fácil ultrapassar as barreiras administrativas, nem a
concorrência dos gangs instalados por parte de outsiders;
5 - Vota-se em grupos fechados, verdadeiras seitas ou mafias e,
não em pessoas; nem sequer se pode riscar um elemento suspeito numa lista
apresentada a votos;
6 – As castas políticas mantêm as mordomias (algumas, legalmente
secretas) sem qualquer pudor ou respeito perante os cortes que atingem o grosso
da população e que passam pela assinatura de algumas delas;
7 - Não há transparência na gestão autárquica nem sequer uma
real prestação de contas. Que controlo democrático existiu para evitar o
endividamento das câmaras? Que controlo democrático há com a redistribuição do
IRS devolvido pelo Estado? [2];
8 - Não há qualquer forma de tomada de decisão pela população
sobre questões concretas e significativas (apenas a aldrabice do orçamento
participativo e apenas onde o gang local quiser aplicar);
9 - Não há referendos
locais, naturalmente, pois a classe política é intocável e portadora de toda a
sapiência
10 - A manutenção do sistema atual é firmemente sustentada
pelo "bando dos 5", o pentapartido;
Posto isto, quem não dirige o seu voto para gangs partidários
ou suas máscaras - não votando, ou votando branco/nulo - favorece a direita? É
irresponsável? Quem vota na esquerda do sistema molesta os gangs à sua direita?
Alguém acha seriamente que o verme Passos vai pensar nos resultados eleitorais autárquicos
antes de avançar, em breve, para novos assaltos ?
Este e outros textos em:
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
E...quando vamos nós evoluir?????????????????????
ResponderEliminarVamos andar toda a vida a criticar ?
Vamos nos organizar e criar uma comunidade á nossa imagem....há montes de aldeias desabitadas...e freguesias desertas....ou com meia duzia de habitantes...porque não criar-mos uma comunidade do zero?
Parabéns "Grazia" pela boa intervenção que te ouvi hoje na Antena Aberta, da Antena 1. Parece que vou ouvir-te mais vezes: estou a abandonar a TSF.
ResponderEliminarUm abraço.
Abstenção com + 650 000 pessoas que em 2009, e a duplicação dos votos de protesto, indicam um caminho claro. Se as leis eleitorais para as autarquias e assembleia da republica, não forem alteradas em breve, estes números só podem continuar a subir...
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