Sumário
A -
Elementos para a recriação da democracia
B -
Questões para incomodar os candidatos autárquicos
1 – Sobre a dívida autárquica
2 – Aspetos sobre o financiamento
autárquico
3
– Um caso particular de receitas autárquicas – o IRS
4
- Política de reabilitação urbana
5 – Dignificação dos trabalhadores das
autarquias
6
- Política laboral das autarquias
7
- Empresas municipais
8
– Orçamento participativo
9
– A água como bem público inalienável
10 - Banimento dos espetáculos tauromáquicos
A - Elementos para a recriação da democracia
No seguimento de “A dívida autárquica e a romaria
eleitoral de setembro”[1]
importa agora avançar com ideias para que as pessoas reflitam sobre o modelo de
gestão autárquica, de aplicação dos recursos financeiros disponíveis, sobre os
moldes da tomada de decisão e de responsabilização pela gestão autárquica. A gestão
dos comuns, do nosso bem-estar a nível global, nacional ou autárquico, não pode
estar integrada nos atropelos e prejuízos resultantes da corrupção e da entrega
dessa gestão a gangs mafiosos, vulgarmente chamados partidos.
A dimensão autárquica enquadra-se e
desenquadra-nos no seio da crise económica e social que nos assola e, para a
qual não há soluções cosméticas ou possíveis dentro do atual e putrefacto
sistema político e económico. A incapacidade desse sistema e o seu grau de
putrefação encaminham-nos para mudanças políticas forçosamente radicais. A
alternativa é o definhamento, o empobrecimento e o lento genocídio que tem
destinatários bem definidos – os pensionistas, os desempregados, os pobres.
- Na atual configuração económica, o capital financeiro global domina e manipula a ação do Estado português. O capitalismo português é débil, mal posicionado na hierarquia da competição global e, historicamente, nunca conseguiu sobreviver que não através da simbiose com o Estado. Para isso, os dinheiros públicos e a corrupção mantêm uma classe política incapaz, gestora e beneficiária das dificuldades do povo;
- Está instalado um sistema político constitucionalmente monopolizado por partidos, que menorizam as pessoas, tomadas como incapazes de entender as complexidades da democracia e da governação. Pretende-se que as pessoas sejam aqueles idiotas que, todos os quatro anos, colocam um papelinho numa caixa, para se convencerem que escolhem algo para além da continuidade dos mesmos protagonistas políticos e das mesmas políticas;
- Está montado um sistema de representação que não nos permite decidir por nós próprios, nem de impedir a eleição de corruptos e incapazes, de apear os vendedores de falsas promessas; um sistema anti-democrático que, no vértice, tem as instituições comunitárias, o FMI e a troika como avalistas;
O sistema político atual não funciona a nosso
favor mas a favor deles, “deles que não nos representam” e que disfarçam as
suas imensas responsabilidades culpando a troika de tudo o que acontece, de
tudo o que nos onera. Umas vezes, “eles”
usam a lógica desresponsabilizante da direita que, sob o chapéu da troika,
coloca não só as medidas que garantem os interesses do capital financeiro
global como enfia lá aquelas que facilitam um reajustamento nos rendimentos e
direitos a favor das camadas possidentes portuguesas. Outras, vezes, com a
lógica saloia e nacionalista de uma tal “política patriótica”, o PC - que se
esqueceu de morrer, como diria Zizek – apenas impede a existência de uma
direita fascista como a existente na Grécia. Salazar também tirou os patins a
Rolão Preto.
Veja-se a estagnação política, a ausência de
alternativas dos últimos 38 anos de eleições legislativas[2].
A única coisa que evolui através da história das eleições em Portugal, desde
1975, é o número dos que não votam nos partidos; e entre estes, não há
diferenças sensíveis nas posições relativas. A História e a inferência
estatística costumam falhar pouco nestas situações e nada indica que saia algo de
substancialmente diferente de um próximo período de floclore eleitoral, com os
mesmos protagonistas, o mesmo modelo de representação, idênticos media.
(por direita tradicional
entende-se PSD/PS)
O que se passa nas eleições legislativas tem
réplicas miniaturizadas a nível local, autárquico, onde raras vezes as
oligarquias locais procedem a uma gestão equilibrada e fornecedora de bem-estar
para a população. Os gangs partidários dominantes em cada autarquia tendem a
perpetuar o caciquismo já presente na monarquia e desdenhada por Eça e outros.
Não há mudança dentro do sistema atual. As
transferências de mandarins entre municípios – para se perpetuarem como
“eleitos profissionais” têm os casos mais visíveis no Menezes que, finalmente,
se achou em condições de atravessar o Douro e no Seara que corre riscos de não
se poder candidatar a Lisboa, ao contrário do seu compadre de V N de Gaia.
Noutros casos, dada a impossibilidade de repetição de mais um mandato, o
mandarim ex-presidente transita para outro órgão autárquico, sem se esquecer de
levar no bolso uma reforma antecipada, a que só a classe política tem direito.
Em contrapartida, para os trabalhadores anónimos, os direitos resumem-se à
ausência de reforma antecipada que não com fortes penalizações, ao fácil acesso
ao desemprego ou à ansiedade para que o governo e a troika não aumentem a idade
da reforma e que esta chegue antes do mandarinato e o sistema financeiro se
locupletarem com o pecúlio da Segurança Social.
Já em diversas ocasiões apresentámos[3]
algumas medidas de configuração de um regime político democrático, em
alternativa a este, cleptocrático:
·
Eleição
de indivíduos e não de listas;
·
Possibilidade
de cassação de mandatos por iniciativa popular, por ação contrária aos
interesses da multidão ou aos seus expressos desejos;
·
Abertura
e facilitação de referendos, locais, regionais, nacionais, como forma de
expressão da soberania popular;
·
Limitação
do número de mandatos para todos os eleitos, baseada no facto de o exercício de
funções políticas é um dever e não profissão;
·
Total
ausência de mordomias e imunidades para os eleitos, com moldura penal agravada
para casos de corrupção, favorecimento ou gestão danosa, tornados
imprescritíveis;
·
Extinção
da figura de PR, substituído pelo presidente da AR em actos formais de
representação externa;
·
Governo
constituído entre os eleitos para a AR e limitado a 15 ministros;
·
Total
independência do aparelho judicial face ao governo;
·
Administração
pública independente do governo, que não poderá nomear ou exonerar os
trabalhadores com funções de direção, devendo a administração pública constituir
a principal assessoria do governo e outros órgãos executivos, sem o uso e abuso
de enxames de consultores externos e advogados mafiosos;
·
Acesso
a todos aos arquivos e decisões dos órgãos públicos, incluindo das reuniões do
conselho de ministros;
·
Julgamento
dos actos corruptos e de gestão danosa ocorridos nos últimos vinte anos anos;
Na ausência de um panorama democrático baseado no
elenco de caraterísticas acima incluido, as candidaturas partidárias, com ou
sem independentes, que se prefiguram, reproduzem o sistema político que nos
manieta e empobrece. Há, contudo, lugar para lançar ideias, para contestar o
conservadorismo das candidaturas, para desmascarar as suas jogadas populistas
para caçar votos, para as confrontar com propostas favoráveis à multidão, em
contraste com os compromissos habituais com os interesses económicos e
políticos locais. É tempo de, a partir de propostas alternativas a nível
autárquico, serem criados grupos, coletivos, abertos e sem contaminações
partidárias, para organizar a contestação ao sistema atual, para se desenharem
alternativas democráticas credíveis apontadas à satisfação das necessidades das
pessoas. Essas tenderão a ser as bases para um trabalho de paciente maturação
de alternativas até ser possível promover o desmoronamento e substituição do
atual sistema político e económico.
A não subscrição de programas totalmente
dedicados à satisfação das necessidades das pessoas corresponde à demonstração
de que os seus compromissos são com o acesso ao “pote”, com os desvios
possíveis, legais ou ilegais para o partido, para os amigos, para a satisfação
dos interesses do sistema financeiro e de empresas de obras públicas,
consultadoria ou trabalho temporário. Isto é, dentro da costumeira lógica
cleptocrática, que bem se conhece através de casos como os de Isaltino, Duarte
Lima, BPN, submarinos ou do divertido caso do autarca de Portimão que comeu um
documento retirado das mãos de um polícia; ou ainda, na vizinha Espanha, quando
se desvenda factualmente que o Partido Popular não passa de uma estrutura
mafiosa… perante o nervosismo do PSOE.
O processo do endividamento, com a sucessão de
empréstimos e os seus encargos transferidos para a multidão, sobretudo sendo
perene, exige a míngua de direitos e o estabelecimento de sistemas políticos
autoritários, como bem nos avisa o banco JP Morgan[4]
tendo como objetivo a continuidade do sistema financeiro actual. Essa mesma
lógica autoritária é a que emana dos encontros partidários recentes em Portugal
e a expressa alergia de Cavaco a eleições; dos recados de banqueiros e
empresários do regime, com a população a assistir sem qualquer forma de se
manifestar sobre o seu futuro.
Na realidade, o mandarinato não se sente obrigado
a cumprir com os seus compromissos, uma vez que consideram, na sua concepção
convenientemente distorcida da democracia, o voto que lhes é conferido como
irrestrito; e, por isso, consideram que a partir de 29 de setembro, gozam de
quatro anos de impunidade, de uso e abuso do instituto da representação, do
mandato expresso que lhes é concedido para aplicação do seu programa. Essa
lógica do mandarinato nas democracias de mercado assemelha-se à lógica religiosa;
os mandarins consideram-se como uma casta de ungidos a quem a ralé deve
obediência. Constitui uma versão atual do clero dos tempos medievos.
Se antes nem todos podiam ser nobres ou clérigos
– para roubarem e reprimirem o resto da população - também hoje o exercício de
funções políticas é um privilégio fechado a quase toda a gente. Mesmo entre os
3% de matriculados como militantes partidários, a larga maioria está relegada a
funções de pagamento de quotas e aplauso dos chefes. Mesmo nos escalões
intermédios – funcionários e autarcas, por exemplo, as capacidades políticas,
na realidade, deixam muito a desejar, podendo subir-se nas hierarquias e olhar
para as qualidades de Passos ou do “líder da oposição”, Seguro[5].
Recentemente Pacheco Pereira testemunhava o seu assombro por encontrar tantos
militantes locais do PSD que se acham com capacidades para serem primeiros-ministros…
De facto, depois de um Passos, quem não terá?
B - Questões para incomodar os candidatos
autárquicos
A democracia, quando existe, obriga os candidatos
à representação das pessoas ao compromisso basilar de estarem ao serviço da
comunidade onde se inserem. Ora, há várias questões suficientemente relevantes
sobre as quais os candidatos autárquicos se recusarão a proclamar compromissos;
ou, se por populismo, tiverem o arrojo de os assumir é para os esquecerem no
momento seguinte ou, para atuarem de modo diametralmente oposto, quando
necessário aos interesses mafiosos reinantes. Essa simples possibilidade de
recusa de compromissos é prova evidente de que não vivemos em democracia.
Muita gente tem uma ideia difusa do que é
democracia. A memória da ditadura fascista torna conhecido de todos a então
existência de censura, de presos políticos, tal como a ausência de partidos ou
actos eleitorais minimamente credíveis.
- A ausência de censura nos termos em que ela existia ante do 25 de Abril, significa que não há manipulação da opinião pública, com deturpações ou omissões? É democracia a intoxicação com actos de propaganda protagonizados por comentadores comprometidos com o regime, com desprezo por jornalistas?
- Não há presos políticos mas, ações policiais de violência, repressão e intimidação em manifestações não integradas nas instituições do poder. E quantos são discriminados no trabalho, por motivos ideológicos, tal como no tempo da ditadura?
- Existem partidos para os quais se pretende afunilar toda a actuação cívica e democrática, sendo claro que eles não são estruturas democráticas mas, hierárquicas e mafiosas. No tempo do fascismo, no poder polarizado em torno de Salazar/Caetano rivalizavam grupos de interesses não explícitos mas, que no seu conjunto, defendiam o statu quo. Agora, esses grupos de interesses agora também existem, naturalmente e, a organização partidária é a máscara onde se esconde a perpetuidade do sistema e das disputas intra-capitalistas;
- Os actos eleitorais tendem a eleger gente indicada pelos partidos, não sendo, em termos práticos e constitucionais, possível o exercício pleno da cidadania a cada um de nós. Mesmo constituindo um novo partido, a situação de desigualdade é imensa, por desinteresse dos media e ausência de financiamento público;
- Etc.
Vejam-se pois, algumas ideias sobre compromissos que
deveriam constituir a base da democracia e de um adequado modelo de
representação e que poderão ser evidenciados
durante a romaria eleitoral.
1 – Sobre a dívida
autárquica
Sabe-se que a dívida das autarquias a médio/longo
prazo corresponde somente a uns 2% da dívida chamada soberana. Porém, a sua
existência não deixa de afetar a população, na qualidade dos serviços
camarários, no aumento de preços e taxas, dado o desvio de recursos financeiros
para pagamento da dívida. Por outro lado, sendo credores os bancos, são
conhecidos os modos como estes perpetuam a dívida e a cobrança de juros,
acenando para facilidades de crédito mesmo que a aplicação do mesmo seja de
duvidoso interesse público, com a adulação dos mandarins locais para fazerem
“obra”; ou dando apoio a interesses imobiliários que vão exigir gastos e
comprometimentos com receitas públicas futuras, em nome do desenvolvimento do
concelho, da atração de turistas, do investimento estrangeiro e balelas
semelhantes.
Toda essa ligeireza de gestão, todos os
compadrios em torno dos bens comuns, redunda forçosamente em aumentos dos
impostos que revertem para as autarquias, ou das transferências do Estado, por sua
vez provenientes de impostos, como se observou recentemente[6].
Assim sendo,
- Qualquer eleito deve assumir o compromisso de não aumentar ou mesmo de reduzir a dívida municipal, conforme os casos, através de uma gestão prudente;
- Qualquer eleito deve assumir o compromisso de dar prioridade exclusiva à satisfação das necessidades da população, suspendendo o pagamento aos bancos credores, se necessário para garantir a qualidade de vida das pessoas;
- Qualquer eleito deve assumir o compromisso de proceder a uma avaliação da legitimidade da dívida autárquica, por comissões de auditoria de base local, constituídas por elementos da população, sem filiação partidária ou ligações à gestão autárquica, escolhidos em assembleia aberta a todos, para o efeito;
Essa auditoria deverá ser
feita de acordo com os princípios democráticos de deteção de ilegitimidades e
ilegalidades às quais deverá corresponder uma declaração de não pagamento. Esses
princípios têm um suporte jurídico internacional expresso em[7];
Das irregularidades
detetadas deverão ser constituídos processos de responsabilização pessoal,
criminal e financeira, com auditorias às contas e património de autarcas e
respetivos partidos. Numa escala local é bem menos difícil a ocultação pública
de corrupção, mantida impune dada a domesticação do aparelho judiciário;
- Qualquer eleito deve assumir o compromisso de que um recurso futuro ao endividamento passará por consulta popular, aberta a todos e não circunscritas às assembleias municipais, grotescas cópias da AR, onde predominam debates vazios entre forças partidárias, quando não é patente o simples desinteresse no aprofundamento das questões. Por outro lado, nas assembleias municipais atuais, a participação da população é contida ou desprezada pelos mandarins;
- Qualquer
proposta de endividamento tem de estar ligada a projetos concretos e
transparentes de bem-estar para a população e não para resolver
dificuldades permanentes de tesouraria, cujas causas são sempre ignotas e
suspeitas.
2 – Aspetos sobre o financiamento autárquico
O IMI, no capítulo das receitas fiscais das
autarquias vem-se tornando o elemento central daquelas, sobretudo como
resultado das avaliações do valor patrimonial dos prédios, sobretudo de
habitação. E preparam-se para os próximos anos novos aumentos, ora através do
valor patrimonial, ora das taxas ou ainda, de ambos os parâmetros; e tanto
assim é, que a magnânima administração fiscal até já veio a criar a
possibilidade de uma terceira prestação anual para pagamento do IMI.
O mesmo poder que, para satisfazer os interesses
do capital financeiro, entregou a política de habitação aos bancos, quer agora
tornar a habitação como o fulcro do financiamento fiscal das autarquias.
Precisamente numa altura em que as famílias arcam com problemas de quebra de
rendimentos, desemprego, em pagar as prestações ao banco, o partido-estado
aumenta o IMI depois de, em anos recentes, ter acabado com as bonificações de
juros e reduzido a valores ridículos as deduções em sede de IRS.
Esse mesmo poder, conduziu as famílias a um
endividamento exagerado, porque feito em época de grande especulação e
dificulta a venda das casas dada a queda do seu valor de transação e, nem
sequer assume que os bancos deveriam deduzir no valor remanescente da dívida
bancária para habitação, a quebra do valor do imobiliário, entretanto
verificada.
Por outro lado, o poder de Estado – em regra
exercido pelos mesmos gangs que dominam a grande maioria das autarquias – em
paralelo com os aumentos do IMI, tem promovido enormes aumentos da carga fiscal
quer através do IRS, quer do IVA.
Nos últimos anos, para além do valor patrimonial
dos prédios urbanos – base de incidência para o cálculo da taxa de IMI – 23.4%
das câmaras procederam a aumentos da taxa de IMI em 2012 comparativamente a
2005. Por outro lado, cerca de metade dos municípios reduziu a taxa, incluindo
entre estes, concelhos de maior população e riqueza, como Lisboa, Porto, V N
Gaia ou Braga. Isso conduz a que a média ponderada da taxa de IMI, por concelho,
se tenha reduzido ligeiramente, de 0.69% para 0.66%, entre 2005 e 2012.
Variações da taxa de IMI
(2012 face a 2005)
|
||||
Reduções
|
Sem alteração
|
Aumentos
|
||
Valor
|
Câmaras
|
Câmaras
|
Valor
|
Câmaras
|
-0,30%
|
13
|
81
|
0,02%
|
1
|
-0,25%
|
1
|
0,05%
|
3
|
|
-0,20%
|
11
|
0,06%
|
1
|
|
-0,19%
|
1
|
0,08%
|
1
|
|
-0,15%
|
9
|
0,10%
|
47
|
|
-0,13%
|
2
|
0,20%
|
13
|
|
-0,12%
|
2
|
0,30%
|
4
|
|
-0,11%
|
2
|
0,40%
|
2
|
|
-0,10%
|
96
|
|||
-0,09%
|
1
|
|||
-0,07%
|
1
|
|||
-0,06%
|
2
|
|||
-0,05%
|
10
|
|||
-0,03%
|
1
|
|||
-0,02%
|
2
|
|||
-0,01%
|
1
|
|||
Total
|
155
|
81
|
72
|
Fonte
primária: Autoridade Tributária
Como a receita de
IMI no mesmo periodo cresceu substancialmente – 94.8% - torna-se óbvio
que a predominância de descidas de taxa é uma pequena gota de água quando
comparada com o aumento da receita motivado pelo acréscimo administrativo dos
valores patrimoniais. Detalharemos esta questão num próximo artigo.
Esta política de sobrecarga das famílias com o
IMI como compensação à queda da cobrança de IMT foi definida no Memorando de
Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica decretado em
17/5/2011:
“ii)
reequilibrar gradualmente os impostos sobre imóveis existentes, dando primazia
aos recursos a obter através do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) em
detrimento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis
(IMT), tendo em conta os grupos mais vulneráveis. As isenções temporárias do
IMI para habitação própria e permanente serão reduzidas consideravelmente e o
custo fiscal inerente à propriedade de imóveis devolutos ou não arrendados será
aumentado significativamente.”
Esta
ordem da troika é confirmada e tornada mais precisa na 7ª avaliação do
Memorando, de maio de 2013:
“6.1.
The government will finalise the appraisal of the taxable value of the housing
stock [Q1-2013]. In particular it will ensure that the taxable value of
the properties in 2012 is close to the market value. Property valuation will be
updated regularly in the future (every year for commercial real estate and once
every three years for residential real estate as foreseen in the law).
6.2.
The government will gradually rebalance property taxation towards the recurrent
real estate tax (IMI) and away from the transfer tax (IMT), while considering
the socially vulnerable”
Assim
sendo,
- Deve ser defendida de uma nova lei sobre o financiamento autárquico baseado numa redistribuição territorial solidária das receitas de IRS, IRC e IVA, de modo que o financiamento fiscal das autarquias não repouse essencialmente no IMI;
- Tendo em consideração que a aquisição de casa própria foi uma resultante de uma atuação dos governos para benefício do sistema bancário, ao qual foi entregue a política de habitação, a incidência do IMI deverá contemplar estes pontos, entre outros:
- Isenção total e permanente de IMI para as primeiras habitações, até um nível máximo, variável, consoante a avaliação do fogo/imóvel inerente à região de localização[8];
- Agravamento das taxas para segundas habitações, utilizações industriais, comerciais e de serviços, bem como edificações com fins turísticos ou habitações destinadas a arrendamento;
- Taxa de IMI multiplicada para prédios devolutos ou insusceptíveis de ocupação devido ao mau estado de conservação;
- Cessação de todas as isenções, que não as contempladas acima.
- Quanto ao IMT deve ser mantido para as transações com um conteúdo comercial e não quando se referir a uma aquisição de uma habitação própria, abaixo de determinados valores e desde que não compreenda uma substituição realizada no espaço de dez anos depois da anterior aquisição;
3 – Um caso particular
de receitas autárquicas – o IRS
Para 2014, há 203 municípios (num total de 308)
que decidiram renunciar total ou parcialmente aos 5% de IRS disponibilizados
pelo Estado central. Essa renúncia significa que a câmara devolve um máximo de
5% do IRS, às pessoas ou famílias que o pagaram em 2013.
Daquele total, 132 municípios devolvem a
totalidade dos 5% contemplados na lei. Mesmo nesses casos de máxima devolução,
os valores terão pouco significado relativo nos orçamentos familiares de quem
os recebe. Por exemplo:
- Um solteiro, sem dependentes, com um rendimento anual bruto de € 14000 recebe € 81.33; mas se auferir anualmente € 22000 verá serem-lhe devolvidos € 195.33;
- Um casal, com dois dependentes e um rendimento bruto anual de € 28000 recebe apenas € 141.29; mas se o rendimento for de € 42000 o valor reembolsado é de 340.79 [9].
Os exemplos acima são apenas indicativos pois,
tratando-se de dedução à colecta de IRS, a um rendimento mais elevado pode não
corresponder um reembolso mais elevado, pois isso depende da dimensão das
deduções específicas. Nesse contexto, mesmo um reembolso integral propiciado
pela autarquia pode não resultar em grande benefício a um agregado de
rendimento mais elevado.
É bem evidente que não há qualquer
progressividade nesta medida. O mecanismo existente não promove qualquer
redistribuição e melhor seria que a autarquia o utilizasse de modo socialmente
menos regressivo, em formas diversas de apoio à população mais pobre,
nomeadamente aqueles cujos baixos rendimentos não os torna sujeitos a uma
liquidação de IRS.
De acordo com a Autoridade Tributária, em 2011,
dos 4732 mil agregados que entregaram declaração de IRS somente a 2062 milhares
foi liquidado imposto; dito de outro modo, há cerca de 2.7 milhões de agregados
familiares que, não pagando IRS, jamais irão beneficiar das “magnânimas”
devoluções autárquicas; nem direta, nem indiretamente através de benfeitorias
de caráter social levadas a cabo pelas câmaras. Pelo exposto atrás, não tendo
qualquer função redistributiva, a devolução de IRS possível apresenta-se apenas
como um acto de propaganda - sobretudo em época eleitoral - e revela o desprezo
da mafia neoliberal por uma utilização em bem-estar social do dinheiro coletivo.
Mesmo tendo em consideração este tipo de valores
de devolução, muitos dos municípios que procedem à mesma têm um rendimento
inferior à média nacional, têm uma população pouco numerosa e alguns têm uma
dívida de médio ou longo prazo assinalável[10].
Entre os municípios mais ricos, a benesse é permitida por Lisboa (2.5%),
Oeiras, Porto e Faro (5%) e Cascais (3.75%).
Deve ser alterada a lei no sentido de o IRS
destinado às autarquias fique consignado a medidas ou gastos em favor do
bem-estar da população mais carenciada, nomeadamente idosos, desempregados e
pobres; ou à aplicação na reabilitação urbana para efeitos de habitação social
e que decerto beneficiariam de um total nacional destinado atualmente à
devolução de IRS da ordem dos € 450 M. Essa consignação, devidamente
fiscalizada, evitaria a dissipação daquelas verbas em lombas e rotundas,
estátuas de mau gosto, projetos idiotas de glorificação da imagem de caciques
locais ou em acréscimos de consumo corrente dos contribuintes. A não ser que
algum demente neoliberal venha argumentar que as devoluções visam fomentar… o
empreendorismo ou o investimento.
4 - Política de
reabilitação urbana
Em finais de 2011 o Censo revelava existirem
734846 alojamentos sem utilização; os centros das cidades e vilas caem em
ruinas e abandono. Em contrapartida, há muitos casos de famílias empilhadas com
falta de espaço e outras que não podem alugar uma casa. Quantifiquemos os concelhos
onde o número de alojamentos vagos é superior a 10000 e que representam 22.4%
do total:
Lisboa
|
50226
|
Cascais
|
13673
|
Porto
|
25826
|
Coimbra
|
11750
|
Sintra
|
23131
|
Loures
|
11668
|
VN Gaia
|
17764
|
Braga
|
10631
|
Em termos relativos, há situações reveladoras da
grave desertificação que Portugal vai sofrendo e que o famoso “mercado”
certamente não resolverá. Enumeremos então os concelhos onde a parcela de casas
vagas é superior a 20%:
%
|
Curiosamente, o concelho campeão – Penela – foi
dirigido por um tal Paulo Júlio, do PSD, saído do secretário de estado da
Administração Local devido a uma acusação de favorecimento de um familiar e do
qual saiu ilibado. Em Portugal, em geral, as acusações a um político saem do
tribunal sob a forma de ilibação ou prescrição.
A ausência de reabilitação, de ordenamento do
território, insere-se claramente na sua subordinação aos interesses dos bancos
e do imobiliário que se desenvolveram nas últimas décadas, em paralelo com a
desindustrialização e a inviabilidade das pequenas explorações agrícolas e do
comércio local, esmagados pelas cadeias de supermercados.
Como é normal, o mercado não funciona e, muito
menos, a favor de inquilinos ou pretendentes ao arrendamento. Uma política de
reabilitação deve ser apontada aos candidatos a mandarim, por exemplo, com
estes contornos:
- Inventariação e citação dos proprietários de casas arruinadas, emparedadas, fechadas, para a realização dos restauros, sempre que tecnicamente exequíveis;
- Nos casos de manifesta falta de meios por parte dos proprietários para a realização de obras, procede-se a uma avaliação do imóvel no estado em que se encontrar;
- Seguidamente, a câmara estabelece uma parceria com o proprietário para que sejam efetuadas obras com fundos públicos, sendo o valor da avaliação a parte do proprietário na parceria (sociedade ?) a estabelecer. Outra hipótese é a autarquia comprar o prédio pelo valor de avaliação;
- Finalmente, depois das obras, o imóvel é alugado, no âmbito de uma política social de habitação. As rendas ou parte delas constituirão o ressarcimento camarário do investimento efetuado;
- Para além da autarquia podem ser mobilizados, neste contexto, fundos do FEFSS – Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que assim, teria uma atividade social em detrimento da exclusiva colocação das suas reservas na arena financeira, com os riscos inerentes[11];
- Expropriação no caso de recusa da reabilitação por parte dos proprietários, com investimento camarário proveniente das verbas do IRS afetas à câmara ou com a aplicação de fundos do referido FEFSS;
- Qualquer política de reabilitação deverá ser baseada na colocação de casas para arrendamento, no âmbito de uma política social, fora da lógica estreita e cara do mercado; e não de conluios entre autarcas e interesses privados que tendem a encarar a reabilitação como negócio e instrumento de modificação da composição social das zonas para recuperação, a favor de classes sociais de rendimentos muito acima da média;
- Tendo
em consideração o número de casas desocupadas, cada projeto imobiliário de
construção de novas habitações deverá incluir, adicionalmente, uma parcela
de habitações recuperadas ou uma percentagem do valor do projeto destinada
à recuperação urbana.
5 – Dignificação dos
trabalhadores das autarquias
É aos serviços municipais que compete dar
respostas ao executivo e, os mandarins que as não considerem suficientes,
podem, naturalmente, recorrer às consultadorias que entenderem, desde que não
onerem os cofres públicos. Os seus partidos recebem financiamentos do Estado,
dos seus militantes e, certamente, de outras fontes menos límpidas.
Pretende-se com isto evitar o parasitismo partidário,
sempre lesto em colocar nas autarquias os seus funcionários que, muitas vezes
vão ali obter um ordenado para continuarem a desempenhar as suas funções nas
estruturas partidárias. Outros, são colocados como assessores, verdadeiros
estagiários para garantir a sucessão de outros mandarins, para perpetuar a
manutenção do poder.
Neste contexto,
- Os vereadores eleitos não deverão contratar a expensas dos orçamentos camarários, pessoas como seus assessores ou auxiliares.
Por razões de ânsia de controlo ou por
incapacidade de gestão, as vereações chamam a si o despacho sobre questões
menores ou de rotinas administrativas. Compete-lhes dirigir, planear, conceber
e se não são capazes de ir além das rotinas, melhor será não assumirem os
cargos.
6
-
Política laboral das autarquias
As autarquias recrutam muitos trabalhadores em
regime de trabalho temporário e compete-lhes não seguir o exemplo do comum dos
chamados empresários.
- Deve haver um compromisso de transformação desses trabalhadores em pessoas com direitos a uma vida estável e digna, com salários decentes;
- Deve haver um compromisso de não recurso a empresas de trabalho temporário, esses negreiros dos tempos atuais;
- Deve haver um compromisso de não estabelecer contratos nem ter como fornecedores empresas que recorram a trabalho temporário;
- Este princípio é aplicável às empresas municipais ou outras onde a participação no capital seja maioritariamente do município.
7
-
Empresas municipais
Deve ser feita uma avaliação da situação das
empresas municipais, com incorporação das suas funções no município, sempre que
se não descubram vantagens especiais na autonomização sob a forma empresarial.
Nas empresas participadas pelas câmaras tendem a existir situações de
favorecimento de mandarins, de conivências lesivas com empresários, mormente
locais ou, de utilização desse estatuto como forma de promover a precarização
do trabalho, entre outras liberalidades.
8 – Orçamento
participativo
O orçamento participativo é uma emanação da
democracia dita participativa na qual é concedida ao povo a mercê de poder
sugerir e opinar sobre a gestão pública, nomeadamente de âmbito local.
Em Portugal, há uma forte e muito antiga tradição
centralista do poder, relacionada com a pequena dimensão do país e a fraqueza
das suas estruturas económicas perante a ambição das camadas possidentes. Essa
centralização da decisão está na Constituição expressamente imputada aos
partidos políticos, toma estes como os únicos responsáveis pelas decisões,
através dos seus membros - submetidos ou não a sufrágio - e torna as pessoas comuns
simples figurantes de uma democracia truncada. Neste contexto, o orçamento
participativo é uma artimanha para dar às pessoas a sensação de que a sua voz é
ouvida e considerada.
A magnanimidade do poder, no âmbito do orçamento
participativo é uma mercê de senhores benevolentes a servos mansos e humildes.
E para que a segmentação social se mantenha, para que a dicotomia entre eleitos
e votantes se cimente, para que a hierarquia social entre dominantes e
dominados se perpetue, é importante gerar-se a ideia de que a política é coisa
só para alguns, predestinados para coisas demasiado complexas para o comum da
plebe, à qual compete trabalhar e extravasar as suas frustrações referindo-se à
mãe do árbitro dos jogos onde as coisas correrem mal para o clube do coração.
Existem orçamentos participativos em poucas
autarquias lusas, por esperteza populista de uns poucos. Como se processa?
“Em Lisboa, o
orçamento participativo é uma fonte de propaganda do PS. De acordo com recolha
contida no blog Casa das Aranhas[12]
a “Câmara de Lisboa reduziu de cinco milhões para 2,5 milhões de euros a verba
destinada ao Orçamento Participativo (OP) e reduziu, de dois anos para 12 ou 18
meses, o prazo de concretização das propostas escolhidas pelos cidadãos”.
Tomando em consideração que as receitas da CML em 2011 foram próximas de € 470
M, é fácil ver que, naquele ano o cauteloso Costa reservou para os projetos
apresentados pelos moradores (e selecionados pela CML) cerca de 1% da sua
receita, cabendo os restantes 99% ao mandarinato.”[13]
A benevolência dirige-se apenas a projetos de
pequena dimensão e jamais para a política autárquica; não se admite, por
exemplo, que se apresentem alternativas à política de reabilitação, ao
urbanismo, à rede de transportes, ao estacionamento, etc. Isso é matéria para
ungidos pelos deuses.
Na confusão que paira sobre a qualificação da
democracia – representativa, participativa, popular, orgânica… – o que fica na
sombra, abandonada, é a democracia, na sua essência e radicalidade, por não
interessar ao mandarinato nem aos interesses económicos que serve.
9 – A água como bem
público inalienável
Deve ficar bem expressa a declaração da água como
bem público e essencial, com a recusa da privatização de qualquer elemento da
cadeia de serviços que termina no abastecimento de água à população, bem como a
recusa de qualquer aumento das tarifas desligado de benfeitorias ou das capacidades
económicas da população.
10 - Banimento dos
espetáculos tauromáquicos
Deve haver um compromisso de banimento dos
espetáculos tauromáquicos ou outros baseados no sofrimento de animais, como
demonstração de recusa da barbárie e da promoção do sadismo.
O mesmo será extensivo à publicidade dos mesmos
espetáculos.
Este e outros textos
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[2] http://pt.scribd.com/doc/74514246/Para-um-novo-paradigma-politico-a-re-criacao-da-democracia
[6] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[7] Todas as referências foram colhidas em http://cadpp.org/node/144
[10] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[11] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/seguranca-social-compra-titulos-da.html
[12] http://casadasaranhas.wordpress.com/category/politica/
[13] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html
Relativamente à água, parece-me insuficiente a recusa da privatização. A forma de habilmente contornar essa questão, foi optar por modelos de concessão da exploração dos sistemas de água e saneamento, mas que na prática alcança os mesmos objetivos.
ResponderEliminarTem toda a razão. Deveria ter referido isso.
EliminarNo terceiro artigo sobre as autárquicas procederei a essa clarificação
Obrigado
GT
A proposta tecnicamente perfeita de agregar municipios até perfazer no minimo 30 mil eleitores com um executivo comum mereceu um silencio violento e ensurdecedor dos capangas nacionais. Haja muita fé e muita abstenção e os tachos não vão fugir!! cada um raciocine(deixe a fé para Fatima)se acha mesmo que (painatal ou merkl ou troika ou seu partido,ou o espirito santo..) vão pagar os ordenados?? pense outra vez e diga alto tres vezes!!! e agora comente aqui que vai ser muito educativo!! pelo menos para mim
ResponderEliminarOlá António
ResponderEliminarClaro que seria interessante rever o mapa e a organização autárquica, para valores mais "sustentáveis". Aliás uma dimensão dessas seria uma boa base para uma revisão dos círculos eleitorais com candidatos de carne e osso e não listas de desconhecidos que nada representam. Por outro lado, a regionalização nunca foi executada e pensa-se nas comunidades inter-municipais sobretudo para colocar mafiosos
Neste campo, a "reforma "do Estado ficou pelas freguesias, precisamente o elo mais próximo da população e, porventura o menos partidarizado. Reduzir a possibilidade de colocação de tachos e do acesso aos canais de corrupção seria impossivel. Sacrificaram as freguesias para satisfazer minimamente a troika e agradar totalmente aos gangs das concelhias e seus caciques. Passos foi eleito no PSD com forte apoio dos autarcas... abraço