domingo, 28 de julho de 2013

Eleições autárquicas – questões para incomodar mandarins

Sumário


A - Elementos para a recriação da democracia
B - Questões para incomodar os candidatos autárquicos
            1 – Sobre a dívida autárquica
      2 – Aspetos sobre o financiamento autárquico
3 – Um caso particular de receitas autárquicas – o IRS
4 - Política de reabilitação urbana
      5 – Dignificação dos trabalhadores das autarquias
6 - Política laboral das autarquias
7 - Empresas municipais
8 – Orçamento participativo
9 – A água como bem público inalienável
 10 - Banimento dos espetáculos tauromáquicos



A - Elementos para a recriação da democracia

No seguimento de “A dívida autárquica e a romaria eleitoral de setembro”[1] importa agora avançar com ideias para que as pessoas reflitam sobre o modelo de gestão autárquica, de aplicação dos recursos financeiros disponíveis, sobre os moldes da tomada de decisão e de responsabilização pela gestão autárquica. A gestão dos comuns, do nosso bem-estar a nível global, nacional ou autárquico, não pode estar integrada nos atropelos e prejuízos resultantes da corrupção e da entrega dessa gestão a gangs mafiosos, vulgarmente chamados partidos.

A dimensão autárquica enquadra-se e desenquadra-nos no seio da crise económica e social que nos assola e, para a qual não há soluções cosméticas ou possíveis dentro do atual e putrefacto sistema político e económico. A incapacidade desse sistema e o seu grau de putrefação encaminham-nos para mudanças políticas forçosamente radicais. A alternativa é o definhamento, o empobrecimento e o lento genocídio que tem destinatários bem definidos – os pensionistas, os desempregados, os pobres.

  • Na atual configuração económica, o capital financeiro global domina e manipula a ação do Estado português. O capitalismo português é débil, mal posicionado na hierarquia da competição global e, historicamente, nunca conseguiu sobreviver que não através da simbiose com o Estado. Para isso, os dinheiros públicos e a corrupção mantêm uma classe política incapaz, gestora e beneficiária das dificuldades do povo;
  • Está instalado um sistema político constitucionalmente monopolizado por partidos, que menorizam as pessoas, tomadas como incapazes de entender as complexidades da democracia e da governação. Pretende-se que as pessoas sejam aqueles idiotas que, todos os quatro anos, colocam um papelinho numa caixa, para se convencerem que escolhem algo para além da continuidade dos mesmos protagonistas políticos e das mesmas políticas;
  • Está montado um sistema de representação que não nos permite decidir por nós próprios, nem de impedir a eleição de corruptos e incapazes, de apear os vendedores de falsas promessas; um sistema anti-democrático que, no vértice, tem as instituições comunitárias, o FMI e a troika como avalistas;
O sistema político atual não funciona a nosso favor mas a favor deles, “deles que não nos representam” e que disfarçam as suas imensas responsabilidades culpando a troika de tudo o que acontece, de tudo o que nos onera.  Umas vezes, “eles” usam a lógica desresponsabilizante da direita que, sob o chapéu da troika, coloca não só as medidas que garantem os interesses do capital financeiro global como enfia lá aquelas que facilitam um reajustamento nos rendimentos e direitos a favor das camadas possidentes portuguesas. Outras, vezes, com a lógica saloia e nacionalista de uma tal “política patriótica”, o PC - que se esqueceu de morrer, como diria Zizek – apenas impede a existência de uma direita fascista como a existente na Grécia. Salazar também tirou os patins a Rolão Preto.

Veja-se a estagnação política, a ausência de alternativas dos últimos 38 anos de eleições legislativas[2]. A única coisa que evolui através da história das eleições em Portugal, desde 1975, é o número dos que não votam nos partidos; e entre estes, não há diferenças sensíveis nas posições relativas. A História e a inferência estatística costumam falhar pouco nestas situações e nada indica que saia algo de substancialmente diferente de um próximo período de floclore eleitoral, com os mesmos protagonistas, o mesmo modelo de representação, idênticos media.

                                                                                                                      (por direita tradicional entende-se PSD/PS)

O que se passa nas eleições legislativas tem réplicas miniaturizadas a nível local, autárquico, onde raras vezes as oligarquias locais procedem a uma gestão equilibrada e fornecedora de bem-estar para a população. Os gangs partidários dominantes em cada autarquia tendem a perpetuar o caciquismo já presente na monarquia e desdenhada por Eça e outros.

Não há mudança dentro do sistema atual. As transferências de mandarins entre municípios – para se perpetuarem como “eleitos profissionais” têm os casos mais visíveis no Menezes que, finalmente, se achou em condições de atravessar o Douro e no Seara que corre riscos de não se poder candidatar a Lisboa, ao contrário do seu compadre de V N de Gaia. Noutros casos, dada a impossibilidade de repetição de mais um mandato, o mandarim ex-presidente transita para outro órgão autárquico, sem se esquecer de levar no bolso uma reforma antecipada, a que só a classe política tem direito. Em contrapartida, para os trabalhadores anónimos, os direitos resumem-se à ausência de reforma antecipada que não com fortes penalizações, ao fácil acesso ao desemprego ou à ansiedade para que o governo e a troika não aumentem a idade da reforma e que esta chegue antes do mandarinato e o sistema financeiro se locupletarem com o pecúlio da Segurança Social.

Já em diversas ocasiões apresentámos[3] algumas medidas de configuração de um regime político democrático, em alternativa a este, cleptocrático:

·        Eleição de indivíduos e não de listas;

·        Possibilidade de cassação de mandatos por iniciativa popular, por ação contrária aos interesses da multidão ou aos seus expressos desejos;

·        Abertura e facilitação de referendos, locais, regionais, nacionais, como forma de expressão da soberania popular;

·        Limitação do número de mandatos para todos os eleitos, baseada no facto de o exercício de funções políticas é um dever e não profissão;

·        Total ausência de mordomias e imunidades para os eleitos, com moldura penal agravada para casos de corrupção, favorecimento ou gestão danosa, tornados imprescritíveis;

·        Extinção da figura de PR, substituído pelo presidente da AR em actos formais de representação externa;

·        Governo constituído entre os eleitos para a AR e limitado a 15 ministros;

·        Total independência do aparelho judicial face ao governo;

·        Administração pública independente do governo, que não poderá nomear ou exonerar os trabalhadores com funções de direção, devendo a administração pública constituir a principal assessoria do governo e outros órgãos executivos, sem o uso e abuso de enxames de consultores externos e advogados mafiosos;

·        Acesso a todos aos arquivos e decisões dos órgãos públicos, incluindo das reuniões do conselho de ministros;

·        Julgamento dos actos corruptos e de gestão danosa ocorridos nos últimos vinte anos anos;

Na ausência de um panorama democrático baseado no elenco de caraterísticas acima incluido, as candidaturas partidárias, com ou sem independentes, que se prefiguram, reproduzem o sistema político que nos manieta e empobrece. Há, contudo, lugar para lançar ideias, para contestar o conservadorismo das candidaturas, para desmascarar as suas jogadas populistas para caçar votos, para as confrontar com propostas favoráveis à multidão, em contraste com os compromissos habituais com os interesses económicos e políticos locais. É tempo de, a partir de propostas alternativas a nível autárquico, serem criados grupos, coletivos, abertos e sem contaminações partidárias, para organizar a contestação ao sistema atual, para se desenharem alternativas democráticas credíveis apontadas à satisfação das necessidades das pessoas. Essas tenderão a ser as bases para um trabalho de paciente maturação de alternativas até ser possível promover o desmoronamento e substituição do atual sistema político e económico.

A não subscrição de programas totalmente dedicados à satisfação das necessidades das pessoas corresponde à demonstração de que os seus compromissos são com o acesso ao “pote”, com os desvios possíveis, legais ou ilegais para o partido, para os amigos, para a satisfação dos interesses do sistema financeiro e de empresas de obras públicas, consultadoria ou trabalho temporário. Isto é, dentro da costumeira lógica cleptocrática, que bem se conhece através de casos como os de Isaltino, Duarte Lima, BPN, submarinos ou do divertido caso do autarca de Portimão que comeu um documento retirado das mãos de um polícia; ou ainda, na vizinha Espanha, quando se desvenda factualmente que o Partido Popular não passa de uma estrutura mafiosa… perante o nervosismo do PSOE.

O processo do endividamento, com a sucessão de empréstimos e os seus encargos transferidos para a multidão, sobretudo sendo perene, exige a míngua de direitos e o estabelecimento de sistemas políticos autoritários, como bem nos avisa o banco JP Morgan[4] tendo como objetivo a continuidade do sistema financeiro actual. Essa mesma lógica autoritária é a que emana dos encontros partidários recentes em Portugal e a expressa alergia de Cavaco a eleições; dos recados de banqueiros e empresários do regime, com a população a assistir sem qualquer forma de se manifestar sobre o seu futuro.

Na realidade, o mandarinato não se sente obrigado a cumprir com os seus compromissos, uma vez que consideram, na sua concepção convenientemente distorcida da democracia, o voto que lhes é conferido como irrestrito; e, por isso, consideram que a partir de 29 de setembro, gozam de quatro anos de impunidade, de uso e abuso do instituto da representação, do mandato expresso que lhes é concedido para aplicação do seu programa. Essa lógica do mandarinato nas democracias de mercado assemelha-se à lógica religiosa; os mandarins consideram-se como uma casta de ungidos a quem a ralé deve obediência. Constitui uma versão atual do clero dos tempos medievos.

Se antes nem todos podiam ser nobres ou clérigos – para roubarem e reprimirem o resto da população - também hoje o exercício de funções políticas é um privilégio fechado a quase toda a gente. Mesmo entre os 3% de matriculados como militantes partidários, a larga maioria está relegada a funções de pagamento de quotas e aplauso dos chefes. Mesmo nos escalões intermédios – funcionários e autarcas, por exemplo, as capacidades políticas, na realidade, deixam muito a desejar, podendo subir-se nas hierarquias e olhar para as qualidades de Passos ou do “líder da oposição”, Seguro[5]. Recentemente Pacheco Pereira testemunhava o seu assombro por encontrar tantos militantes locais do PSD que se acham com capacidades para serem primeiros-ministros… De facto, depois de um Passos, quem não terá?


B - Questões para incomodar os candidatos autárquicos

A democracia, quando existe, obriga os candidatos à representação das pessoas ao compromisso basilar de estarem ao serviço da comunidade onde se inserem. Ora, há várias questões suficientemente relevantes sobre as quais os candidatos autárquicos se recusarão a proclamar compromissos; ou, se por populismo, tiverem o arrojo de os assumir é para os esquecerem no momento seguinte ou, para atuarem de modo diametralmente oposto, quando necessário aos interesses mafiosos reinantes. Essa simples possibilidade de recusa de compromissos é prova evidente de que não vivemos em democracia.

Muita gente tem uma ideia difusa do que é democracia. A memória da ditadura fascista torna conhecido de todos a então existência de censura, de presos políticos, tal como a ausência de partidos ou actos eleitorais minimamente credíveis.

  • A ausência de censura nos termos em que ela existia ante do 25 de Abril, significa que não há manipulação da opinião pública, com deturpações ou omissões? É democracia a intoxicação com actos de propaganda protagonizados por comentadores comprometidos com o regime, com desprezo por jornalistas?
  • Não há presos políticos mas, ações policiais de violência, repressão e intimidação em manifestações não integradas nas instituições do poder. E quantos são discriminados no trabalho, por motivos ideológicos, tal como no tempo da ditadura?
  • Existem partidos para os quais se pretende afunilar toda a actuação cívica e democrática, sendo claro que eles não são estruturas democráticas mas, hierárquicas e mafiosas. No tempo do fascismo, no poder polarizado em torno de Salazar/Caetano rivalizavam grupos de interesses não explícitos mas, que no seu conjunto, defendiam o statu quo. Agora, esses grupos de interesses agora também existem, naturalmente e, a organização partidária é a máscara onde se esconde a perpetuidade do sistema e das disputas intra-capitalistas;
  • Os actos eleitorais tendem a eleger gente indicada pelos partidos, não sendo, em termos práticos e constitucionais, possível o exercício pleno da cidadania a cada um de nós. Mesmo constituindo um novo partido, a situação de desigualdade é imensa, por desinteresse dos media e ausência de financiamento público;
  • Etc.
Vejam-se pois, algumas ideias sobre compromissos que deveriam constituir a base da democracia e de um adequado modelo de representação e que poderão  ser evidenciados durante a romaria eleitoral.


1 – Sobre a dívida autárquica

Sabe-se que a dívida das autarquias a médio/longo prazo corresponde somente a uns 2% da dívida chamada soberana. Porém, a sua existência não deixa de afetar a população, na qualidade dos serviços camarários, no aumento de preços e taxas, dado o desvio de recursos financeiros para pagamento da dívida. Por outro lado, sendo credores os bancos, são conhecidos os modos como estes perpetuam a dívida e a cobrança de juros, acenando para facilidades de crédito mesmo que a aplicação do mesmo seja de duvidoso interesse público, com a adulação dos mandarins locais para fazerem “obra”; ou dando apoio a interesses imobiliários que vão exigir gastos e comprometimentos com receitas públicas futuras, em nome do desenvolvimento do concelho, da atração de turistas, do investimento estrangeiro e balelas semelhantes.

Toda essa ligeireza de gestão, todos os compadrios em torno dos bens comuns, redunda forçosamente em aumentos dos impostos que revertem para as autarquias, ou das transferências do Estado, por sua vez provenientes de impostos, como se observou recentemente[6].

Assim sendo,

  • Qualquer eleito deve assumir o compromisso de não aumentar ou mesmo de reduzir a dívida municipal, conforme os casos, através de uma gestão prudente;
  • Qualquer eleito deve assumir o compromisso de dar prioridade exclusiva à satisfação das necessidades da população, suspendendo o pagamento aos bancos credores, se necessário para garantir a qualidade de vida das pessoas;
  • Qualquer eleito deve assumir o compromisso de proceder a uma avaliação da legitimidade da dívida autárquica, por comissões de auditoria de base local, constituídas por elementos da população, sem filiação partidária ou ligações à gestão autárquica, escolhidos em assembleia aberta a todos, para o efeito;
Essa auditoria deverá ser feita de acordo com os princípios democráticos de deteção de ilegitimidades e ilegalidades às quais deverá corresponder uma declaração de não pagamento. Esses princípios têm um suporte jurídico internacional expresso em[7];

Das irregularidades detetadas deverão ser constituídos processos de responsabilização pessoal, criminal e financeira, com auditorias às contas e património de autarcas e respetivos partidos. Numa escala local é bem menos difícil a ocultação pública de corrupção, mantida impune dada a domesticação do aparelho judiciário;

  • Qualquer eleito deve assumir o compromisso de que um recurso futuro ao endividamento passará por consulta popular, aberta a todos e não circunscritas às assembleias municipais, grotescas cópias da AR, onde predominam debates vazios entre forças partidárias, quando não é patente o simples desinteresse no aprofundamento das questões. Por outro lado, nas assembleias municipais atuais, a participação da população é contida ou desprezada pelos mandarins;
  • Qualquer proposta de endividamento tem de estar ligada a projetos concretos e transparentes de bem-estar para a população e não para resolver dificuldades permanentes de tesouraria, cujas causas são sempre ignotas e suspeitas.

2 –   Aspetos sobre o financiamento autárquico

O IMI, no capítulo das receitas fiscais das autarquias vem-se tornando o elemento central daquelas, sobretudo como resultado das avaliações do valor patrimonial dos prédios, sobretudo de habitação. E preparam-se para os próximos anos novos aumentos, ora através do valor patrimonial, ora das taxas ou ainda, de ambos os parâmetros; e tanto assim é, que a magnânima administração fiscal até já veio a criar a possibilidade de uma terceira prestação anual para pagamento do IMI.

O mesmo poder que, para satisfazer os interesses do capital financeiro, entregou a política de habitação aos bancos, quer agora tornar a habitação como o fulcro do financiamento fiscal das autarquias. Precisamente numa altura em que as famílias arcam com problemas de quebra de rendimentos, desemprego, em pagar as prestações ao banco, o partido-estado aumenta o IMI depois de, em anos recentes, ter acabado com as bonificações de juros e reduzido a valores ridículos as deduções em sede de IRS.

Esse mesmo poder, conduziu as famílias a um endividamento exagerado, porque feito em época de grande especulação e dificulta a venda das casas dada a queda do seu valor de transação e, nem sequer assume que os bancos deveriam deduzir no valor remanescente da dívida bancária para habitação, a quebra do valor do imobiliário, entretanto verificada.

Por outro lado, o poder de Estado – em regra exercido pelos mesmos gangs que dominam a grande maioria das autarquias – em paralelo com os aumentos do IMI, tem promovido enormes aumentos da carga fiscal quer através do IRS, quer do IVA.

Nos últimos anos, para além do valor patrimonial dos prédios urbanos – base de incidência para o cálculo da taxa de IMI – 23.4% das câmaras procederam a aumentos da taxa de IMI em 2012 comparativamente a 2005. Por outro lado, cerca de metade dos municípios reduziu a taxa, incluindo entre estes, concelhos de maior população e riqueza, como Lisboa, Porto, V N Gaia ou Braga. Isso conduz a que a média ponderada da taxa de IMI, por concelho, se tenha reduzido ligeiramente, de 0.69% para 0.66%, entre 2005 e 2012.

Variações da taxa de IMI (2012 face a 2005)
Reduções
Sem alteração
Aumentos
Valor
Câmaras
Câmaras
Valor
Câmaras
-0,30%
13
81
0,02%
1
-0,25%
1

0,05%
3
-0,20%
11

0,06%
1
-0,19%
1

0,08%
1
-0,15%
9

0,10%
47
-0,13%
2

0,20%
13
-0,12%
2

0,30%
4
-0,11%
2

0,40%
2
-0,10%
96



-0,09%
1



-0,07%
1



-0,06%
2



-0,05%
10



-0,03%
1



-0,02%
2



-0,01%
1



Total
155
81

72
                                                                             Fonte primária: Autoridade Tributária

Como a receita de  IMI no mesmo periodo cresceu substancialmente – 94.8% - torna-se óbvio que a predominância de descidas de taxa é uma pequena gota de água quando comparada com o aumento da receita motivado pelo acréscimo administrativo dos valores patrimoniais. Detalharemos esta questão num próximo artigo.

Esta política de sobrecarga das famílias com o IMI como compensação à queda da cobrança de IMT foi definida no Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica decretado em 17/5/2011:

“ii) reequilibrar gradualmente os impostos sobre imóveis existentes, dando primazia aos recursos a obter através do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) em detrimento do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), tendo em conta os grupos mais vulneráveis. As isenções temporárias do IMI para habitação própria e permanente serão reduzidas consideravelmente e o custo fiscal inerente à propriedade de imóveis devolutos ou não arrendados será aumentado significativamente.”

Esta ordem da troika é confirmada e tornada mais precisa na 7ª avaliação do Memorando, de maio de 2013:

“6.1. The government will finalise the appraisal of the taxable value of the housing stock [Q1-2013]. In particular it will ensure that the taxable value of the properties in 2012 is close to the market value. Property valuation will be updated regularly in the future (every year for commercial real estate and once every three years for residential real estate as foreseen in the law).

6.2. The government will gradually rebalance property taxation towards the recurrent real estate tax (IMI) and away from the transfer tax (IMT), while considering the socially vulnerable”

Assim sendo,

  • Deve ser defendida de uma nova lei sobre o financiamento autárquico baseado numa redistribuição territorial solidária das receitas de IRS, IRC e IVA, de modo que o financiamento fiscal das autarquias não repouse essencialmente no IMI;
  • Tendo em consideração que a aquisição de casa própria foi uma resultante de uma atuação dos governos para benefício do sistema bancário, ao qual foi entregue a política de habitação, a incidência do IMI deverá contemplar estes pontos, entre outros:
    1. Isenção total e permanente de IMI para as primeiras habitações, até um nível máximo, variável, consoante a avaliação do fogo/imóvel inerente à região de localização[8]; 
    1. Agravamento das taxas para segundas habitações, utilizações industriais, comerciais e de serviços, bem como edificações com fins turísticos ou habitações destinadas a arrendamento;
    1. Taxa de IMI multiplicada para prédios devolutos ou insusceptíveis de ocupação devido ao mau estado de conservação;
    1. Cessação de todas as isenções, que não as contempladas acima.
    1. Quanto ao IMT deve ser mantido para as transações com um conteúdo comercial e não quando se referir a uma aquisição de uma habitação própria, abaixo de determinados valores e desde que não compreenda uma substituição realizada no espaço de dez anos depois da anterior aquisição;

3 – Um caso particular de receitas autárquicas – o IRS

Para 2014, há 203 municípios (num total de 308) que decidiram renunciar total ou parcialmente aos 5% de IRS disponibilizados pelo Estado central. Essa renúncia significa que a câmara devolve um máximo de 5% do IRS, às pessoas ou famílias que o pagaram em 2013.

Daquele total, 132 municípios devolvem a totalidade dos 5% contemplados na lei. Mesmo nesses casos de máxima devolução, os valores terão pouco significado relativo nos orçamentos familiares de quem os recebe. Por exemplo:

  • Um solteiro, sem dependentes, com um rendimento anual bruto de € 14000 recebe € 81.33; mas se auferir anualmente € 22000 verá serem-lhe devolvidos € 195.33;
  • Um casal, com dois dependentes e um rendimento bruto anual de € 28000 recebe apenas € 141.29; mas se o rendimento for de € 42000 o valor reembolsado é de 340.79 [9].
Os exemplos acima são apenas indicativos pois, tratando-se de dedução à colecta de IRS, a um rendimento mais elevado pode não corresponder um reembolso mais elevado, pois isso depende da dimensão das deduções específicas. Nesse contexto, mesmo um reembolso integral propiciado pela autarquia pode não resultar em grande benefício a um agregado de rendimento mais elevado.

É bem evidente que não há qualquer progressividade nesta medida. O mecanismo existente não promove qualquer redistribuição e melhor seria que a autarquia o utilizasse de modo socialmente menos regressivo, em formas diversas de apoio à população mais pobre, nomeadamente aqueles cujos baixos rendimentos não os torna sujeitos a uma liquidação de IRS.

De acordo com a Autoridade Tributária, em 2011, dos 4732 mil agregados que entregaram declaração de IRS somente a 2062 milhares foi liquidado imposto; dito de outro modo, há cerca de 2.7 milhões de agregados familiares que, não pagando IRS, jamais irão beneficiar das “magnânimas” devoluções autárquicas; nem direta, nem indiretamente através de benfeitorias de caráter social levadas a cabo pelas câmaras. Pelo exposto atrás, não tendo qualquer função redistributiva, a devolução de IRS possível apresenta-se apenas como um acto de propaganda - sobretudo em época eleitoral - e revela o desprezo da mafia neoliberal por uma utilização em bem-estar social do dinheiro coletivo.

Mesmo tendo em consideração este tipo de valores de devolução, muitos dos municípios que procedem à mesma têm um rendimento inferior à média nacional, têm uma população pouco numerosa e alguns têm uma dívida de médio ou longo prazo assinalável[10]. Entre os municípios mais ricos, a benesse é permitida por Lisboa (2.5%), Oeiras, Porto e Faro (5%) e Cascais (3.75%).

Deve ser alterada a lei no sentido de o IRS destinado às autarquias fique consignado a medidas ou gastos em favor do bem-estar da população mais carenciada, nomeadamente idosos, desempregados e pobres; ou à aplicação na reabilitação urbana para efeitos de habitação social e que decerto beneficiariam de um total nacional destinado atualmente à devolução de IRS da ordem dos € 450 M. Essa consignação, devidamente fiscalizada, evitaria a dissipação daquelas verbas em lombas e rotundas, estátuas de mau gosto, projetos idiotas de glorificação da imagem de caciques locais ou em acréscimos de consumo corrente dos contribuintes. A não ser que algum demente neoliberal venha argumentar que as devoluções visam fomentar… o empreendorismo ou o investimento.


4 - Política de reabilitação urbana

Em finais de 2011 o Censo revelava existirem 734846 alojamentos sem utilização; os centros das cidades e vilas caem em ruinas e abandono. Em contrapartida, há muitos casos de famílias empilhadas com falta de espaço e outras que não podem alugar uma casa. Quantifiquemos os concelhos onde o número de alojamentos vagos é superior a 10000 e que representam 22.4% do total:

Lisboa
50226
Cascais
13673
Porto
25826
Coimbra
11750
Sintra
23131
Loures
11668
VN Gaia
17764
Braga
10631

Em termos relativos, há situações reveladoras da grave desertificação que Portugal vai sofrendo e que o famoso “mercado” certamente não resolverá. Enumeremos então os concelhos onde a parcela de casas vagas é superior a 20%:
                                                                                                             %
Penela
31,7
Arronches
21,9
Mora
23,7
Monchique
21,1
Coruche
23,2
Mangualde
20,3
Tarouca
22,8
Miranda do Corvo
20,1
Chamusca
22,4




Curiosamente, o concelho campeão – Penela – foi dirigido por um tal Paulo Júlio, do PSD, saído do secretário de estado da Administração Local devido a uma acusação de favorecimento de um familiar e do qual saiu ilibado. Em Portugal, em geral, as acusações a um político saem do tribunal sob a forma de ilibação ou prescrição.

A ausência de reabilitação, de ordenamento do território, insere-se claramente na sua subordinação aos interesses dos bancos e do imobiliário que se desenvolveram nas últimas décadas, em paralelo com a desindustrialização e a inviabilidade das pequenas explorações agrícolas e do comércio local, esmagados pelas cadeias de supermercados.

Como é normal, o mercado não funciona e, muito menos, a favor de inquilinos ou pretendentes ao arrendamento. Uma política de reabilitação deve ser apontada aos candidatos a mandarim, por exemplo, com estes contornos:

  • Inventariação e citação dos proprietários de casas arruinadas, emparedadas, fechadas, para a realização dos restauros, sempre que tecnicamente exequíveis;
  • Nos casos de manifesta falta de meios por parte dos proprietários para a realização de obras, procede-se a uma avaliação do imóvel no estado em que se encontrar;
  • Seguidamente, a câmara estabelece uma parceria com o proprietário para que sejam efetuadas obras com fundos públicos, sendo o valor da avaliação a parte do proprietário na parceria (sociedade ?) a estabelecer. Outra hipótese é a autarquia comprar o prédio pelo valor de avaliação;
  • Finalmente, depois das obras, o imóvel é alugado, no âmbito de uma política social de habitação. As rendas ou parte delas constituirão o ressarcimento camarário do investimento efetuado;
  • Para além da autarquia podem ser mobilizados, neste contexto, fundos do FEFSS – Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que assim, teria uma atividade social em detrimento da exclusiva colocação das suas reservas na arena financeira, com os riscos inerentes[11];
  • Expropriação no caso de recusa da reabilitação por parte dos proprietários, com investimento camarário proveniente das verbas do IRS afetas à câmara  ou com a aplicação de fundos do referido FEFSS;
  • Qualquer política de reabilitação deverá ser baseada na colocação de casas para arrendamento, no âmbito de uma política social, fora da lógica estreita e cara do mercado; e não de conluios entre autarcas e interesses privados que tendem a encarar a reabilitação como negócio e instrumento de modificação da composição social das zonas para recuperação, a favor de classes sociais de rendimentos muito acima da média;
  • Tendo em consideração o número de casas desocupadas, cada projeto imobiliário de construção de novas habitações deverá incluir, adicionalmente, uma parcela de habitações recuperadas ou uma percentagem do valor do projeto destinada à recuperação urbana.

5 – Dignificação dos trabalhadores das autarquias

É aos serviços municipais que compete dar respostas ao executivo e, os mandarins que as não considerem suficientes, podem, naturalmente, recorrer às consultadorias que entenderem, desde que não onerem os cofres públicos. Os seus partidos recebem financiamentos do Estado, dos seus militantes e, certamente, de outras fontes menos límpidas.

Pretende-se com isto evitar o parasitismo partidário, sempre lesto em colocar nas autarquias os seus funcionários que, muitas vezes vão ali obter um ordenado para continuarem a desempenhar as suas funções nas estruturas partidárias. Outros, são colocados como assessores, verdadeiros estagiários para garantir a sucessão de outros mandarins, para perpetuar a manutenção do poder.

Neste contexto,

  • Os vereadores eleitos não deverão contratar a expensas dos orçamentos camarários, pessoas como seus assessores ou auxiliares.
Por razões de ânsia de controlo ou por incapacidade de gestão, as vereações chamam a si o despacho sobre questões menores ou de rotinas administrativas. Compete-lhes dirigir, planear, conceber e se não são capazes de ir além das rotinas, melhor será não assumirem os cargos.


6        - Política laboral das autarquias

As autarquias recrutam muitos trabalhadores em regime de trabalho temporário e compete-lhes não seguir o exemplo do comum dos chamados empresários.

  • Deve haver um compromisso de transformação desses trabalhadores em pessoas com direitos a uma vida estável e digna, com salários decentes;
  • Deve haver um compromisso de não recurso a empresas de trabalho temporário, esses negreiros dos tempos atuais;
  • Deve haver um compromisso de não estabelecer contratos nem ter como fornecedores empresas que recorram a trabalho temporário;
  • Este princípio é aplicável às empresas municipais ou outras onde a participação no capital seja maioritariamente do município.

7        - Empresas municipais

Deve ser feita uma avaliação da situação das empresas municipais, com incorporação das suas funções no município, sempre que se não descubram vantagens especiais na autonomização sob a forma empresarial. Nas empresas participadas pelas câmaras tendem a existir situações de favorecimento de mandarins, de conivências lesivas com empresários, mormente locais ou, de utilização desse estatuto como forma de promover a precarização do trabalho, entre outras liberalidades.


8  Orçamento participativo

O orçamento participativo é uma emanação da democracia dita participativa na qual é concedida ao povo a mercê de poder sugerir e opinar sobre a gestão pública, nomeadamente de âmbito local.

Em Portugal, há uma forte e muito antiga tradição centralista do poder, relacionada com a pequena dimensão do país e a fraqueza das suas estruturas económicas perante a ambição das camadas possidentes. Essa centralização da decisão está na Constituição expressamente imputada aos partidos políticos, toma estes como os únicos responsáveis pelas decisões, através dos seus membros - submetidos ou não a sufrágio - e torna as pessoas comuns simples figurantes de uma democracia truncada. Neste contexto, o orçamento participativo é uma artimanha para dar às pessoas a sensação de que a sua voz é ouvida e considerada.

A magnanimidade do poder, no âmbito do orçamento participativo é uma mercê de senhores benevolentes a servos mansos e humildes. E para que a segmentação social se mantenha, para que a dicotomia entre eleitos e votantes se cimente, para que a hierarquia social entre dominantes e dominados se perpetue, é importante gerar-se a ideia de que a política é coisa só para alguns, predestinados para coisas demasiado complexas para o comum da plebe, à qual compete trabalhar e extravasar as suas frustrações referindo-se à mãe do árbitro dos jogos onde as coisas correrem mal para o clube do coração.

Existem orçamentos participativos em poucas autarquias lusas, por esperteza populista de uns poucos. Como se processa?

“Em Lisboa, o orçamento participativo é uma fonte de propaganda do PS. De acordo com recolha contida no blog Casa das Aranhas[12] a “Câmara de Lisboa reduziu de cinco milhões para 2,5 milhões de euros a verba destinada ao Orçamento Participativo (OP) e reduziu, de dois anos para 12 ou 18 meses, o prazo de concretização das propostas escolhidas pelos cidadãos”. Tomando em consideração que as receitas da CML em 2011 foram próximas de € 470 M, é fácil ver que, naquele ano o cauteloso Costa reservou para os projetos apresentados pelos moradores (e selecionados pela CML) cerca de 1% da sua receita, cabendo os restantes 99% ao mandarinato.”[13]

A benevolência dirige-se apenas a projetos de pequena dimensão e jamais para a política autárquica; não se admite, por exemplo, que se apresentem alternativas à política de reabilitação, ao urbanismo, à rede de transportes, ao estacionamento, etc. Isso é matéria para ungidos pelos deuses.

Na confusão que paira sobre a qualificação da democracia – representativa, participativa, popular, orgânica… – o que fica na sombra, abandonada, é a democracia, na sua essência e radicalidade, por não interessar ao mandarinato nem aos interesses económicos que serve.


9  A água como bem público inalienável

Deve ficar bem expressa a declaração da água como bem público e essencial, com a recusa da privatização de qualquer elemento da cadeia de serviços que termina no abastecimento de água à população, bem como a recusa de qualquer aumento das tarifas desligado de benfeitorias ou das capacidades económicas da população.


10    - Banimento dos espetáculos tauromáquicos

Deve haver um compromisso de banimento dos espetáculos tauromáquicos ou outros baseados no sofrimento de animais, como demonstração de recusa da barbárie e da promoção do sadismo.

O mesmo será extensivo à publicidade dos mesmos espetáculos.






Este e outros textos




[1]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[2]   http://pt.scribd.com/doc/74514246/Para-um-novo-paradigma-politico-a-re-criacao-da-democracia
[3]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/apelo-transparencia-e-propostas-contra.html

[6]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[7]  Todas as referências foram colhidas em http://cadpp.org/node/144
[10]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/a-divida-autarquica-e-romaria-eleitoral.html
[11]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/07/seguranca-social-compra-titulos-da.html
[12]   http://casadasaranhas.wordpress.com/category/politica/
[13]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html

4 comentários:

  1. Relativamente à água, parece-me insuficiente a recusa da privatização. A forma de habilmente contornar essa questão, foi optar por modelos de concessão da exploração dos sistemas de água e saneamento, mas que na prática alcança os mesmos objetivos.

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    1. Tem toda a razão. Deveria ter referido isso.
      No terceiro artigo sobre as autárquicas procederei a essa clarificação
      Obrigado

      GT

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  2. A proposta tecnicamente perfeita de agregar municipios até perfazer no minimo 30 mil eleitores com um executivo comum mereceu um silencio violento e ensurdecedor dos capangas nacionais. Haja muita fé e muita abstenção e os tachos não vão fugir!! cada um raciocine(deixe a fé para Fatima)se acha mesmo que (painatal ou merkl ou troika ou seu partido,ou o espirito santo..) vão pagar os ordenados?? pense outra vez e diga alto tres vezes!!! e agora comente aqui que vai ser muito educativo!! pelo menos para mim

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  3. Olá António

    Claro que seria interessante rever o mapa e a organização autárquica, para valores mais "sustentáveis". Aliás uma dimensão dessas seria uma boa base para uma revisão dos círculos eleitorais com candidatos de carne e osso e não listas de desconhecidos que nada representam. Por outro lado, a regionalização nunca foi executada e pensa-se nas comunidades inter-municipais sobretudo para colocar mafiosos
    Neste campo, a "reforma "do Estado ficou pelas freguesias, precisamente o elo mais próximo da população e, porventura o menos partidarizado. Reduzir a possibilidade de colocação de tachos e do acesso aos canais de corrupção seria impossivel. Sacrificaram as freguesias para satisfazer minimamente a troika e agradar totalmente aos gangs das concelhias e seus caciques. Passos foi eleito no PSD com forte apoio dos autarcas... abraço

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