quinta-feira, 18 de julho de 2013

A dívida autárquica e a romaria eleitoral de setembro

Sumário

1 - Objetivo
2 – Indicadores globais das contas autárquicas
3 – A dívida das câmaras a médio/longo prazo
            3.1 – Endividamento por habitante e 2004 e 2011
            3.2 – Endividamento e rendimento em 2011


Conclusões

  • A dívida autárquica a médio/longo prazo, apesar de longe da dimensão da dívida pública da responsabilidade do Estado, corresponde, em 2011 a € 436.9 por habitante;
  • A sua constituição ainda que integrada em orçamentos e validada por assembleias municipais, mantém-se como decisão da classe política, sem que se isentem as populações das suas sequelas;
  • A situação de endividamento tende a ser mais gravosa nos concelhos periféricos, do interior e onde o nível do poder de compra é claramente inferior à média nacional. Esse perfil mostra-se mais carregado em 2011 quando comparado com 2004;
  • Na sua maioria, os municípios só poderão pagar a dívida com redução de encargos, isto é, em prejuízo do serviço a prestar à população ou, aumentando os impostos, mormente o IMI ou ainda, com o recurso a novos débitos, mais juros, etc;
  • O IMI tende a concentrar toda a margem de manobra para o aumento das receitas camarárias e é para aí que apontam, quer os governos, quer a troika; esta com a imposição do fim do IMT em 2016. O fim do IMT poderá acarretar a uma subida de 16% no IMI;
  • O endividamento, associado que seja gastos que direta ou indiretamente promovam, na teoria, investimentos, emprego… tem estado longe de conseguir esse desiderato, acentuando-se as desigualdades entre as várias parcelas do território.


1 - Objetivo

Falta pouco mais de dois meses para a redistribuição do conteúdo dos potes autárquicos pelos partidos políticos, seus membros, simpatizantes e convidados. Dentro em breve vai começar a habitual defesa da obra, pelos que defendem a gestão finda e o rol de promessas apresentadas pelos candidatos à substituição dos autarcas em final de mandato.

Não há muito mais a dizer sobre o folhetim das manobras do governo para perpetuar uns quantos mandarins como autarcas de profissão, prontos para o exercício do poder em qualquer câmara; e da falhada e relvada ideia de criar novos cargos de superintendência regional para uns quantos dinossauros autárquicos do partido-estado. Já se sabe que mandarim é, em grande maioria, um indivíduo que sem saber nada de nada, preenche qualquer cargo, desde que bem remunerado; e  dizemos cargo porque funções que o configurem nem sempre existem. Finalmente, a sua ação pode classificar-se de legal ou ilegal mas, raras vezes dotada de legitimidade, uma vez que esta só pode resultar de melhorias no bem-estar da população.

Pelas razões expostas, todo o espectro partidário mostra-se muito circunspecto sobre a gestão autárquica, uma vez que todos sabem de atropelos e corrupção na autarquia vizinha, gerida pela concorrência; e … quem tem telhas de vidro não manda pedras ao vizinho. Todos concordam com o modelo eleitoral em que as pessoas votam num elenco, em geral partidário, sem poder discordar ou repudiar um candidato, mesmo que seja o mais acabado corrupto ou incapaz. E, para manter esse monopólio, o pentapartido luso aplaude o afunilamento, no âmbito da lei eleitoral, para candidaturas partidárias, com o estabelecimento de dificuldades enormes para o aparecimento de listas não partidárias. Vive-se no seio de uma democracia tutelada por partidos, financiados pelo Estado, que toma as pessoas comuns como eunucos políticos, afastados como sujeitos de ação política, incapazes de organização política autónoma.  Uma tutela política que coexiste com a tutela económica e financeira centrada no sistema financeiro. Essa harmónica coexistência contra os povos é o que designamos por democracia de mercado.

Não é possível proceder-se aqui a um balanço individualizado da atividade dos 308 elencos camarários, pela sua diversidade e pelo caráter local da sua atuação. Isso competirá a cada um, sobretudo daqueles que considerarem o seu voto em naipes partidários mais ou menos adornados com “independentes”; estes últimos são, em regra, candidatos a mandarim que não passaram pelas jotas e que rapidamente ganham todos os vícios do exercício do poder – nepotismo, inércia, exibicionismo com dinheiros públicos, sobranceria de quem acha nada ter a dizer ao “eleitorado” a não ser de quatro em quatro anos.

Temos tecido várias considerações sobre o caráter de falsificação democrática do atual regime político[1], seja no contexto nacional, regional ou local. E isso, porque as suas instituições não têm legitimidade alguma dado o modelo de representação – baseado em partidos – não dar possibilidades reais de candidaturas fora desse quadro, não admitir capacidades populares de cassação de mandatos de eleitos incumpridores de promessas ou corruptos, nem possibilidades de acesso às contas autárquicas, aos contratos e adjudicações e, menos ainda, sem intervenção em nomeações que, normalmente, configuram a cooptação de comparsas para a ocupação do aparelho de estado.

Tudo isto é possível em grande parte devido a uma inércia imensa das pessoas comuns, desinteressadas da gestão pública, por comodismo ou sensação de inutilidade da intervenção contra uma classe política bem entrincheirada e ciosa do acesso ao “pote”, armada de leis e dos domésticos judiciários ou policiais para perpetuar a sua reprodução enquanto classe ou gangs, mais precisamente. Sem uma movimentação popular autónoma dos conservadores poderes partidários, sem um trabalho de estudo e análise da realidade, neste caso, ao nível autárquico, estão consolidadas as estruturas que conduzem ao benefício ínvio de uns poucos, com o empobrecimento de quase todos, em termos de rendimento e da intervenção democrática.


2 – Indicadores globais das contas autárquicas

Considera-se interessante a observação prévia de elementos globais da gestão autárquica em 2004 e 2011; e, por outro, a sua comparação com a dívida das câmaras a médio/longo prazo, bem como a evolução do PIB, este, como expressão da criação de riqueza nacional - 14.6% no período de sete anos, considerando preços correntes, sem qualquer dedução da inflação.

Refira-se que sendo dados agregados de 308 municípios, enquadram situações individuais muito distintas. Assim, a dívida de médio/longo prazo que globalmente cresce apenas 6.9% esconde as diferenças - e o peso relativo - da situação observada em Lisboa e Porto, face à do conjunto das outras autarquias. De facto, no período considerado aquelas duas autarquias reduziram a sua dívida em € 229.4 M e as restantes acresceram os seus débitos em € 595.7 M, correspondentes a um aumento percentual de 17%. Sendo assim, entendemos ter muito maior representatividade a consideração deste último valor como definidor da evolução, do que o valor médio global, por este ser afetado pela enorme relevância de Lisboa e Porto.

Os elementos relativos a 2011 são os últimos conhecidos publicamente e, no capítulo da dívida autárquica, haverá certamente alterações substanciais nos dois últimos anos, decorrentes do PAEL - Programa de Apoio à Economia Local, (Lei nº43/2012 de 28/8) no âmbito do qual já terão sido concedidos a título de empréstimo, € 810 M a 110 municípios[2], num total previsto de € 1000 M.

Visa o PAEL, nuns casos, o empréstimo pelo Estado do dinheiro correspondente a 50% a 90% das dívidas camarárias a fornecedores, vencidas há mais de noventa dias, por um período máximo de 14 anos. Nos casos de câmaras em situação de desequilíbrio financeiro estrutural e não meramente de tesouraria, o empréstimo pode estender-se por um período de 20 anos de amortização.

A aplicação do PAEL, terá vários efeitos;

  • A estrutura do endividamento das autarquias subscritoras alterar-se-á, observando-se um reforço do peso da dívida a médio/longo prazo em detrimento do endividamento a fornecedores, por exemplo. Essa alteração na composição dos capitais alheios tem como efeito um aumento do serviço de dívida, exigindo um maior esforço dos munícipes;
  • A liquidação das dívidas a fornecedores, tendo em conta as repercussões do memorando da troika na gestão camarária e na vida dos munícipes, poderá não ser suficiente para muitas das empresas beneficiadas garantirem a sua viabilidade, como previsto pelos arquitetos do PAEL
  • Finalmente, o pagamento ao Estado dos empréstimos e dos correspondentes juros, durante tão alargado lapso de tempo vai conduzir a reduções quantitativas e qualitativas dos serviços prestados à população e, em paralelo, promover aumentos dos impostos – mormente do IMI – e dos serviços prestados pela câmara, saneamento, água (se entretanto não for privatizada…), etc. Em suma, também a gestão autárquica, ao sofrer o impacto da intrusão da troika, no seguimento de anos de laxismo dos mandarins locais irá trazer elementos acrescidos de dificuldades para quem habite em Portugal; e durante muitos anos.
Alguns elementos retirados do activo dos balanços revelam que o valor do património camarário cresceu cerca de 50%, muito aquém das dívidas de terceiros (127%) e de custos referentes a anos posteriores (359%). No passivo, sublinha-se o aumento dos fundos próprios, estreitamente relacionado com o aumento do património e um grande crescimento das dívidas de curto prazo. Estas, que correspondem a 37% do valor das dívidas a prazos maiores em 2004 passam a 75% em 2011 e constituíram a base para a formulação do PAEL e empréstimos relacionados. Os dados de 2011 revelam a necessidade de aumento de prazos de pagamento[3] tal como o forte aumento (145.5%) de custos inerentes ao ano referido mas, não contabilizados como tal. Como se disse atrás, os débitos a médio/longo prazo – excluídos os municípios de Lisboa e Porto – têm uma evolução próxima da observada para o PIB.

M euros
var %
2004
2011
     Activo

Imobilizado
25258
37724
49,4

Dívidas de terceiros (brutas)
586
1331
127,1

Diferimentos e acréscimos
127
583
359,1

Activo líquido
26701
40196
50,5
     Passivo e Capital próprio




Fundos próprios
18216
25184
38,3

Débitos de curto prazo
1575
3410
116,5

Débitos de médio/longo prazo
4227
4517
6,9

Diferimentos e acréscimos
2595
6372
145,5
                                                                                               Fonte primária – DGAL   

Quanto às receitas correntes, o seu crescimento (23.9%) situa-se acima do apurado para o PIB. Em termos percentuais o maior crescimento observa-se nos rendimentos da propriedade (114%) e nos impostos indiretos/taxas (100%). As transferências, essencialmente da administração central, crescem significativamente (41.8%) aproximando-se o seu volume do atingido pelos impostos diretos, embora estes aumentem bastante menos (11.9%).

A observação, em detalhe, dos impostos diretos revela um forte aumento do IMI (85.3%) e do IUC (61.4%), precisamente aqueles que incidem sobre partes substanciais da população[4]. No que se refere ao IMI, o processo de reavaliação dos prédios estava em 2011 ainda no início, e seu forte agravamento está definido, para os próximos anos, com o carimbo da troika. Esse assunto foi tratado por nós, recentemente[5]. O IMT, por seu turno, foi criado para trazer receitas às câmaras, resultantes da especulação imobiliária e do volume de transações de prédios, mas revela estagnação, dado o fim da orgia construtiva que irmanou bancos, construtores e Estado; porém, em 2012, teve uma quebra de 40% revelando assim o fim da orgia imobiliária. Por esse motivo, a previdente troika, com o silêncio cúmplice dos autarcas, prevê a sua extinção em 2016, com a compensação dessa receita a ser obtida a partir de um novo agravamento do IMI. Um ligeiro exercício permite aquilatar quanto dessa transferência poderá caber a cada pagante de IMI - €16 por cada €100 de IMI pago anteriormente, considerando que se pretende obter a mesma receita que o IMT propiciava em 2011.

Finalmente, nos sete anos considerados, observa-se uma quebra de um terço na receita fiscal da derrama, imposto que incide sobre os lucros tributários das empresas. É evidente que a desindustrialização, as habilidades na ocultação de resultados por parte das empresas e as reais dificuldades que a recessão vem provocando em muitas unidades empresariais, gera prejuízos onde antes se declaravam lucros. Em 2012, de acordo com a OTOC, a receita global de derrama situou-se ao nível da obtida no ano anterior.



M euros
var %

2004
2011

  Receitas correntes
4554
5642
23,9

Vendas bens e serviços
603
704
16,7
Transferências
1504
2136
42,0
        - da Admin. Central
1479
2097
41,8
Rendimentos propriedade
121
259
114,0
Taxas e multas
214
234
9,3
Receitas fiscais
2253
2452
8,8
        -Impostos diretos
1887
2112
11,9
           - IMI/Contrib Autárquica
631
1170
85,3
           - IUC/IS Veículos
114
184
61,4
           - IMT/Sisa
467
508
8,7
           - Derrama
380
251
-33,9
           - Abolidos
293
7
-97,6
       - Impostos indiretos
170
134
100
       -Taxas
206
                                                                                  Fonte primária – DGAL   

Quanto às despesas correntes, observe-se que são muito inferiores às despesas correntes, permitindo assim “poupanças” aplicáveis em despesas de capital. Essas “poupanças” são da ordem dos € 800 M e € 600 M, respetivamente em 2004 e 2011. No entanto, aumentam 33.6% no período considerado.

No capítulo das transferências, as que se destinam às freguesias evidenciam um paralelismo face à tendência geral, ao contrário das verbas destinadas a instituições sem fins lucrativos que pouco se alteram entre 2004 e 2011.


M euros
var %
2004
2011

  Despesas correntes
3767
5033
33,6

Transferências
399
478
19,8
      - Admin local
153
202
32,0
      - Instit sem fins lucrativos
209
224
7,2
Juros e encargos
101
142
40,6
Aquisição bens e serviços
1280
1789
39,8
      - Bens
317
375
18,3
      - Serviços
963
1415
46,9
Pessoal
1848
2365
28,0
                                                                          Fonte primária – DGAL   

Os juros e encargos pagos – correspondentes a uns 3% da dívida de médio/longo prazo – apesar de terem um escasso peso no total das despesas - crescem 40.6% nos sete anos considerados, um pouco mais do que as aquisições de bens e serviços (39.8%).

As aquisições de bens e serviços representam um pouco mais de um terço das despesas correntes em 2011, devendo-se sublinhar o aumento de 46.9% das prestações de serviços, resultado do pendor para o “outsourcing”, para a utilização de trabalhadores a recibos verdes que é moda na gestão neoliberal como para o recurso a empresas de consultadoria[6]

Finalmente, refira-se que os custos de pessoal aumentam 28% no período, cabendo nesse aumento diversas situações tais como: atualizações salariais, melhoria da qualificação média dos trabalhadores, casos de política social onde a câmara é quase a única entidade capaz de minorar o forte desemprego, situações de ostentação de mandarins, loucos por mostrar “obra”, de desenvolvimento disparatado de estruturas administrativas e conivências entre as famílias do partido-estado que dominam a autarquia, onde colocam filhos, primos e conhecidos, alicerçando ali uma base eleitoral de fiéis que tenderão a perpetuar o seu poder. O caciquismo partidária, tradicional em Portugal…

Para terminar esta visão panorâmica das contas das autarquias em 2004 e 2011, teceremos algumas notas sobre as receitas e despesas de capital. Observa-se que, em geral, há uma retração dos valores durante o período considerado, exceptuando os passivos financeiros, registados no âmbito das receitas, como no das despesas, que revela o aumento da importância relativa das entradas de dinheiro e, sobretudo, das saídas para pagamento de empréstimos.

Entre as receitas de capital há a sublinhar a quebra, ainda que ligeira, das transferências, nomeadamente provenientes da administração central e destinadas a investimentos. Essa quebra, por seu turno, tem um impacto ampliado na redução das transferências para empresas municipais e freguesias. No que concerne às despesas de capital é elevada a descida da aquisição de bens de capital.
  

M euros
var %
2004
2011

  Receitas de capital
2237
2113
-5,5

Venda bens investimento
173
84
-51,4
Transferências de capital
1610
1522
-5,5
    Administração central
1496
1441
-3,7
Passivos financeiros
419
474
13,1
  Despesas de capital
2954
2688
-9,0

Aquisição de bens de capital
2123
1670
-21,3
Transferências de capital
440
335
-23,9
    Empresas públicas
119
97
-18,5
    Adm . Local
205
140
-31,7
Passivos financeiros
290
615
112,1
    Emprestimo m/l prazo
258
440
70,5
                                                                                       Fonte primária – DGAL   


3 – A dívida das câmaras a médio/longo prazo

A dívida contraída pelas câmaras por prazos superiores a 2 anos era de € 4605 M em finais de 2011 contra € 4239 M em 2004. Porém, de acordo com o Anuário com o Anuário Financeiro da OTOC para 2012, a dívida a médio/longo prazo das câmaras, tendo como credores os bancos, reduziu-se para € 4090 M, como resultado de um grande aumento das amortizações dos empréstimos e uma redução apreciável do recurso a novos empréstimos. Note-se que os dados dos Anuários da OTOC não refletem cabalmente os elementos fornecidos pela DGAL – Direção-Geral das Autarquias Locais, ainda não disponíveis para 2012.


3.1 – Endividamento por habitante e 2004 e 2011

Como aqueles valores se repartem pelos 308 municípios de modo muito desigual, entendeu-se considerar o valor médio por habitante e assim, evidenciar as diferenças entre os vários concelhos e as responsabilidades implícitas que cabem à população.

Como expressão dessa desigualdade, refira-se que naquele período, 93 municípios conseguiram fazer decrescer a sua dívida e em 205 ela subiu. Em 2004, a capitação de dívida autárquica era de € 402.6 e subiu para €436.9 sete anos depois. Essas diferenças entre situações de agravamento ou desagravamento da dívida não espelham o impacto das grandes quebras observadas na dívida de médio/longo prazo observadas em Lisboa (€ 188M) e Porto (€ 71M), entre outros casos também significativos pelo volume da redução.

Procede-se em seguida a um quadro resumo da evolução verificada no período considerado, avaliando o número de concelhos de acordo com os diversos escalões de capitação de dívida a médio/longo prazo, entre 2004 e 2011.

Número de concelhos por escalão de capitação da dívida autárquica
(€)
2004
2011
variação (%)
< 200
68
22,1
31
10,1
-54,4
200-400
113
36,7
86
27,9
-23,9
400-600
66
21,4
74
24,0
12,1
600-800
31
10,1
44
14,3
41,9
> 800
30
9,7
73
23,7
143,3

308
100,0
308
100,0
-

No quadro acima verifica-se claramente, uma subida assinalável das autarquias com uma dívida por habitante muito elevada e uma drástica descida das situações menos desconfortáveis de dívida, inferior a € 200. A evolução nos escalões próximos de cada uma das situações extremas é semelhante, ainda que de modo menos acentuado.

Os mapas seguintes permitem a observação, para todos os concelhos, de todos os casos onde a dívida média por habitante aumentou, diminuiu ou se manteve em valores dentro do mesmo intervalo. É bem visível que os concelhos marcados com tonalidade de azul se reduzem substancialmente entre 2004 e 2011 enquanto que os tons vermelho/laranja que representam as situações claramente acima da capitação média ganham uma notoriedade muito maior em 2011.

Em 2004, as concentrações de muito alto endividamento médio por habitante (> 800 €) - a vermelho nos mapas - não eram muito extensas e tinham maior visibilidade no vale do Douro, no Algarve e nos Açores, para além de vários concelhos dispersos. Sete anos depois essa mancha


                             Para identificação dos concelhos consultar:
                               http://www.infopedia.pt/MapaEstatistico/MapaEstatistico.jsp


                                       Para identificação dos concelhos consultar:
                               http://www.infopedia.pt/MapaEstatistico/MapaEstatistico.jsp


mostra-se muito aumentada, com maiores concentrações no interior Centro/Norte, no Alentejo interior, na Madeira e nos Açores, surgindo também no baixo vale do Tejo.

Em paralelo com essas situações, os casos de alto endividamento (600/800 €) rodeiam os de muito alto débito por habitante e crescem, claramente, no período considerado.

Inversamente, o número de concelhos com mais baixo endividamento por habitante (< 200 €) encolhe substancialmente, deixando praticamente de existir no interior da região Centro.

Apresenta-se em seguida uma quantificação mais detalhada, para 2004 e 2011, das dez situações de maior endividamento e as dez que correspondem a menor capitação de dívida a médio/longo prazo.

Capitações de dívida (€) - 2004
As 10 mais elevadas
As 10 menos elevadas
CORVO
2813,3
FORNOS DE ALGODRES
0,0
FREIXO DE ESPADA À CINTA
1920,2
MEDA
0,0
MONCHIQUE
1866,4
PENEDONO
0,0
OURIQUE
1615,2
SÃO VICENTE
0,0
FRONTEIRA
1479,0
REDONDO
22,0
SARDOAL
1422,1
CAMINHA
39,8
VILA FRANCA DO CAMPO
1415,1
CINFÃES
55,6
CASTANHEIRA DE PÊRA
1351,3
VIZELA
59,1
NORDESTE
1328,2
IDANHA-A-NOVA
62,7
MELGAÇO
1283,3
CALDAS DA RAINHA
64,3
Média nacional  402,6

Capitações de dívida (€) - 2011
As 10 mais elevadas
As 10 menos elevadas
FORNOS DE ALGODRES
6843,7
PENEDONO
0,0
ALFÂNDEGA DA FÉ
3436,2
PENACOVA
28,6
CORVO
3060,8
CINFÃES
33,8
MOURÃO
2899,2
PONTE DE SOR
39,1
FREIXO DE ESPADA À CINTA
2837,8
PONTE DE LIMA
46,0
VILA FRANCA DO CAMPO
2370,0
ELVAS
77,9
VILA NOVA DE POIARES
2341,2
CAMPO MAIOR
79,0
CALHETA (SÃO JORGE)
2310,8
MAFRA
97,1
ALANDROAL
2310,4
CALDAS DA RAINHA
98,2
MONDIM DE BASTO
2256,6
ALCÁCER DO SAL
99,9
Média nacional  436,9
                                                                       Fonte primária : DGAL

O protagonismo das situações de maior endividamento recai em concelhos periféricos e com pouca população, registando-se três repetições. No que se refere aos menos endividados, embora predominem também concelhos do interior e pouco povoados, há de assinalar algumas excepções.


            3.2 – Endividamento e rendimento em 2011

Procedemos, relativamente a 2011, a uma comparação da capitação da dívida com o índice per capita calculado pelo INE para 2009 (último disponível) e que “pretende traduzir o poder de compra manifestado quotidianamente, em termos per capita, nos diferentes municípios ou regiões, tendo por referência o valor nacional” [7]. Por simplicidade de linguagem confundiremos poder de compra com rendimento.

Assim, repartimos os municípios de acordo com o rendimento – elevado se acima da média nacional; baixo, se acima de 75% do valor nacional mas inferior à média global; e, muito baixo, se o rendimento for inferior aos referidos 75% da média nacional. Em paralelo, dividimos os concelhos consoante a sua dívida autárquica de médio/longo prazo se situa abaixo ou acima do valor médio nacional (€ 436.9) por habitante.

Do cruzamento dessas duas realidades resultou o mapa seguinte.



                                                                                                 Fontes primárias – DGAL  e INE
                            Para identificação dos concelhos consultar:
                               http://www.infopedia.pt/MapaEstatistico/MapaEstatistico.jsp

As situações de capitação de dívida inferior à média nacional associadas a um poder de compra acima da média global são apenas 28 e restringem-se a uma área restrita do Grande Porto (4 concelhos), circundam o estuário do Tejo (14), são capitais de distrito fora das áreas metropolitanas (8) e outras situações isoladas (S. João da Madeira e Porto Santo). 

Com rendimentos acima da média e capitação de dívida autárquica elevada, o número é escasso e engloba três capitais de distrito (Aveiro, Portalegre e Santarém).

Concelhos por rendimento e dívida (2011)

Capitação da Dívida
Rendimento
D > Dm
D < Dm
Total
R > Rm
11
28
39
75% Rm < R < Rm
44
41
85
R < 75% Rm
145
39
184
Total
200
108
308
Rm - média nacional                Dm - Dívida média (€ 436,9)

Os concelhos com baixo rendimento (27.6% do total) repartem-se em partes quase iguais no que se refere ao volume da capitação da dívida. Quanto aos que têm dívida elevada, as principais manchas verificam-se numa linha entre Leiria e Reguengos de Monsaraz, no baixo vale do Minho, no Baixo Alentejo, no Algarve e no grupo central das ilhas açorianas.

Por seu turno, os concelhos com rendimento inferior a 75% da média nacional representam 59.7% do total dos municípios, num total de 184; e, entre estes, 72.5% acumulam essa situação com uma capitação elevada de dívida. A sua predominância revela-se no mapa a vermelho e evidencia que a esmagadora maioria dos concelhos do interior norte e centro estão nessa situação, tal como no interior alentejano, nos concelhos algarvios mais a oeste ou mais a leste e ainda na grande maioria das autarquias das regiões autónomas. Se se considerar que entre esses concelhos se evidenciam fenómenos preocupantes, como a desertificação humana e o envelhecimento da população residente, não é surpresa que não sejam abundantes os recursos financeiros gerados localmente para financiar o funcionamento das áreas sociais e das infraestruturas físicas essenciais; e, muito menos para pagar financiamentos ocorridos em tempos próximos. Por outro lado, a solidariedade nacional, expressa em transferências do Estado - parca tentativa de redução das fundas desigualdades de riqueza entre as várias parcelas do território português - tem-se reduzido, na sequência do esgotamento do modelo global de economia baseada no imobiliário, no domínio do capital financeiro, na aceitação religiosa das virtudes do mercado. A intervenção da troika é apenas o elemento final que sela o definhamento económico e social do que se vem chamando Portugal.

Mais detalhadamente, deve-se acrescentar o fracasso dos apoios públicos para a fixação de empresas no interior, capazes de fixar uma população mais jovem e qualificada; o encerramento de escolas, postos dos correios, serviços de finanças e outros, em nome do conceito de rendabilidade estampado nas escusas mentes que confundem proveitos sociais com proveitos empresariais ou, mais recentemente, resultantes do cumprimento servil e criminoso dos ditames da troika; o protagonismo, o exibicionismo dos caciques locais designados sob as siglas partidárias – quando não são estas que procuram colar-se a um biltre qualquer com influência local; os negócios com dinheiros públicos de loteamentos e projetos turísticos de impacto económico duvidoso, mesmo que se esqueçam questões ambientais; as adjudicações e negócios familiares de compadrio que rodeiam os orçamentos camarários, etc.

Dentro dessa lógica canhestra, há municípios que inventaram obra para aproveitamento de fundos comunitários, esquecendo que há sempre uma componente nacional demasiadas vezes suprida com financiamento bancário. E os ditosos bancos mais facilmente emprestam dinheiro a uma câmara do que a um indivíduo ou empresa. De facto, estes últimos terão, no caso de um pedido de financiamento para investimentos, apresentar um projeto de viabilidade económica, garantias reais, fianças, para que o banco promova o financiamento. A câmara porque tem garantido ad aeternum o dinheiro dos impostos – locais ou das transferências do Estado – mais facilmente obtém crédito; seja para fazer um museu sem visitantes, um pavilhão desportivo sem praticantes, um cinema fechado, que garantidamente nunca gerarão receitas para obras caras e faustosas [8].


Este e outros textos em:    






[2]   http://www.oje.pt/noticias/economia/reforco-do-apoio-a-autarquias-endividadas-transitou-de-2012
[3]  “Do lado dos bons pagadores encontram-se apenas dez das 308 câmaras municipais do país”. Inserto em http://www.ionline.pt/conteudo/142581-estado-hospitais-e-camaras-concentram-86-das-dividas-em-atraso (11/8/2011)

[4]   Segundo o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses publicado pela OTOC, ainda que os impostos diretos cobrados tenham estagnado em 2012 face ao ano anterior, a receita de IMI cresceu 5.1% e a de IUC 13%. Como se sabe somente salarios e pensões não podem aumentar

[5]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/01/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi.html
[7]   Estudo sobre o poder de compra concelhio – 2009 (INE)
[8]  Muitos locais na internet divulgam esses desvarios a nível autárquico, Citamos um deles, http://apodrecetuga.blogspot.com/

2 comentários:

  1. Um excelente post!! esperemos que os homens de fé que têm votado inquebraveis nos que arruinaram as autarquias leiam isto e pensem!! Se me enganaram das outras vezes que é que eu faço??

    ResponderEliminar
  2. Muito bom o post. Só o intermitente AO90 que às vezes aparecia e outras não é que podia ser evitado, afinal de contas o Ministério que substituiu o anterior Min. da Cultura deu sinais de que daqui a pouco tempo não seremos obrigados a mudar a nossa escrita.
    Ainda assim, gostei de saber que o meu concelho não está numa má situação.

    ResponderEliminar