segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A (não) política de habitação e o IMI (conclusão)


Conclusões

  • No quadro atual de abandono pelo poder de qualquer política de habitação e da sua entrega ao jogo dos interesses imobiliários, partidários e financeiros, qualquer imposto sobre as habitações é, em geral, ilegítimo;

  • Em conotação com esse quadro instituiu-se que a grande fatia das receitas autárquicas provém do imobiliário, o que nas condições concretas vividas em Portugal incentivou a existência de um enorme excesso de casas; 

  • Essa política veio a instituir o IMI como o único imposto sobre o capital existente em Portugal que afeta particularmente os trabalhadores pelo simples facto de precisarem de um tecto e, isenta os capitalistas, os especuladores, os que acumulam capital; 

  • O partido-estado forneceu isenções temporárias de IMI para aliciar as famílias à compra de casa e, agora que o boom imobiliário acabou, prepara grandes aumentos nos pagamentos anuais. E nem deixa de ser implacável, hoje, com as famílias em dificuldades ou com a casa à venda; 

  • As temporárias isenções concedidas a possuidores de terrenos para construção ou de casas para revenda, visam desonerar especuladores de qualquer pagamento de IMI, no período em que as habitações estão em construção ou para revenda; 

  • No capítulo do IMT sobressaem isenções para instituições religiosas ou com caráter humanitário, as relativas a prédios de interesse nacional ou local (isto é, ao arbítrio do partido-estado) e particularmente, empresas imobiliárias ou inseridas no sistema financeiro;

  • Se se considerar como justo a tributação da habitação, o princípio constitucional da correção das desigualdades obriga à tributação de outras formas de capital como os títulos e os volumosos depósitos a prazo; 

  • A correção das desigualdades passa, ao invés do que acontece agora, pela tributação de formas de capital como a posse de títulos ou grandes depósitos e a desoneração da habitação própria que, de facto constitui um bem de uso fundamental na vida das pessoas e não uma aplicação de capital; 

  • O endividamento forçado das famílias para a aquisição de habitação, resultante da renúncia do poder a considerar a oferta de habitação económica nem sequer foi compensado por uma carga fiscal aligeirada. Antes pelo contrário, sob a bandeira da Troika; 

  • A política de solos e a especulação daí resultante bem como a infraestruturação dos espaços habitáveis têm uma repercussão imediata nos encargos das famílias, a partir da compra. O IMI acaba por ser um novo benefício aos criminosos; 

  • De imediato e sinteticamente é necessário, numa postura de exigência, defender e lutar pela não incidência do IMI sobre residências familiares com um valor patrimonial inferior a € 150000, devendo a parcela superior ser taxada e afeta à satisfação de necessidades sociais;

  • De modo menos mediato, as necessidades de habitação são resolvidas pela população, democraticamente, a nível local, sem a interferência de lógicas capitalistas ou de mercado. 



Sumário

1 - Introducão
2 – As isenções de IMI e IMT e os seus beneficiários
3 – A relevância do IMI
4 - A habitação familiar é mais uma das várias formas do capital?
5 – Afinal o IMI, hoje, paga o quê?
6 - Notas para a definição de alternativas





A (não) política de habitação e o IMI (2ª parte)


1 - Introducão

Na primeira parte deste trabalho[1] demonstrámos a não existência de uma política de habitação por parte do regime político vigente e do seu partido-estado, o PSD/PS. E vimos também como essa política foi substituída por uma ação conducente ao favorecimento dos interesses do imobiliário em íntima ligação com o sistema financeiro.

As extensões locais do partido-estado tiraram partido da sua situação de nó de passagem obrigatória para a viabilização dos negócios imobiliários e o domínio do sistema financeiro de toda a condução política do aparelho de estado, arrastou na mesma volúpia não só todas os partidos representados nas vereações autárquicas, como também, a grande maioria das famílias, convencidas da eternidade do eldorado prometido.

Paralelamente a essa não política de habitação, o poder estatal, erigiu uma estrutura das receitas das autarquias (fiscais ou não) baseada no imobiliário e na oneração da população com esses impostos. Não há pois, uma ligação lógica e legítima entre os benefícios de uma política de habitação e os impostos pagos pelas famílias beneficiárias dessa mesma política. Uma vez que o acesso à habitação ficou regido exclusivamente pelo mercado e por relações mercantis entre fornecedores e compradores de casas, o pagamento de impostos relativos ao imobiliário ou se prendem com uma lógica redistributiva do rendimento ou, simplesmente, não correspondem a grandes contrapartidas que tenham beneficiado as famílias. Daí a sua ilegitimidade de base uma vez que a redistribuição de rendimentos, sendo um assunto quase tabu no seio da classe política, a existir é essencialmente regressiva, como por detrás da intervenção da Troika  se tem vindo, brutalmente, a expressar. 


2 – As isenções de IMI e IMT e os seus beneficiários


Ao ser definido como incidindo sobre o valor patrimonial dos prédios durante toda a sua existência, o IMI constitui-se como um imposto sobre o capital, portanto, alheio à existência ou não de rendimentos desse prédio e, em caso afirmativo, também ao volume desses rendimentos. 

Existem isenções permanentes para o Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias e os seus serviços não empresariais. Curiosamente, o partido-estado legislador criou aquelas isenções excluindo outros parceiros da consolidação das contas públicas, como a Segurança Social. Por um lado, a Segurança Social não sendo instituição com fins lucrativos mas antes, com objetivos sociais deveria obter mais privilégios fiscais do que um edifício militar, por exemplo. Por outro lado, o partido-estado ao excluir a Segurança Social de isenções de IMI reconhece que a mesma não é um ente público e que é uma burla a sua inclusão no perímetro de consolidação das contas públicas. 

É também curioso ver como o Estado legislador se isenta de uma receita que é autárquica e não são as autarquias como entidades a quem a receita de IMI pertence que estabelecem essa isenção; o que por exemplo, em Lisboa corresponderia a um volume apreciável de receita. Por outro lado, como a gestão e cobrança do IMI é efetuada pela AT, um órgão do Estado central, este efetua a retenção na fonte de uma comissão, por conta de encargos de administração e cobrança.

Para ajudar as famílias a comprar casas e assim escoar a produção imobiliária e favorecer o endividamento junto da sistema financeiro, o Estado forneceu isenções temporárias do pagamento de IMI, cujo período foi encurtado nos últimos anos. E, como que para se ressarcir dessa magnanimidade – cumprida que está a sua missão de favorecimento do sistema financeiro – o Estado prepara-se para fortes aumentos do peso do IMI nos orçamentos familiares. 

Maior significado tem a situação das empresas que comprem um terreno destinado à construção e posterior venda de edifícios, que ficam isentos durante quatro anos. 

É bem claro aqui a intenção de favorecer o sector imobiliário. Assim, um “empresário” utilizando os expedientes e as conivências com o mandarinato camarário compra um terreno rústico que, por alvará camarário passa a urbano com uma valorização que, nos tempos áureos da especulação imobiliária poderia fazer o terreno rústico aumentar milhares de vezes por obra e graça desse acto administrativo, quantas vezes minado de corrupção. Este enriquecimento instantâneo do comprador do terreno, sem qualquer incorporação de trabalho e, portanto apenas especulativa, deveria logo pagar IMI relativo ao ano da sua aquisição; porém, o partido-estado decidiu isentar o especulador durante quatro anos, para não onerar as finanças do esforçado empreendedor, esperando que ele, nesse período, faça a construção planeada, e  venda os fogos, sem nunca pagar IMI sobre o terreno transformado, por ação administrativa de um mandarim autárquico, de rústico em urbano. (artº 9º nº1 al. d)).

Como se sabe, o segmento imobiliário não é constituído apenas por “empresários” com projetos de construção. Há também aqueles que se dedicam à compra e venda de prédios, atividade intermediária parasitária muito comum em épocas de escoamento fácil e de preços em alta. Como é óbvio, tão produtivo empresariato merece benesses públicas concedidas pelo partido-estado correspondentes a três anos de isenção de IMI (artº 9º nº1 al. e)). As empresas imobiliárias, muitas das quais, entretanto faliram, também têm ficado oneradas com imóveis sem venda; devem ter aprendido que nas atividades de especulação, nas pirâmides de Ponzi, importante é ter liquidez e não os bens que são objeto da especulação. Quando a bolha rebenta ou perde força quem tiver esse objeto de especulação nas mãos é que sofre as queimaduras adequadas. Sem qualquer lástima da nossa parte.

Em contrapartida, para as famílias obrigadas a colocar as suas casas à venda, não há isenção temporária do pagamento do IMI e, como é típico face aos pequenos devedores do Fisco, este mostra-se particularmente feroz para as famílias empobrecidas que não pagam o IMI. O próprio Sindicato dos Impostos e alguns partidos políticos propuseram restrições à penhora e venda de casas por incumprimento do pagamento do IMI[2]

Por outro lado e no que respeita ao IMT, que incide sobre as transações onerosas de imóveis, há também notórias isenções, para além das instituições do Estado central, regional ou local e suas dependências, desde que sem caráter empresarial, bem como para os países estrangeiros que queiram comprar edifícios para embaixadas ou consulados ou dos seus titulares, sempre que haja reciprocidade. Uma dessas isenções é tão misteriosa como arbitrária: “As constantes de acordo entre o Estado e quaisquer pessoas, de direito público ou privado, que são mantidas nos termos da respectiva lei” (artº 6º al.c).

Há também isenções relativas a aquisições para pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e de mera utilidade pública, pelo seu caráter humanitário ou de beneficência, as IPSS e outras, mais polémicas, como as que se destinam a entidades religiosas, como se a promoção de uma religião seja algo de socialmente necessário. Todos conhecemos casos deste tipo de instituições que encobrem interesses económicos muito claros, como as instituições inseridas na multinacional Santa Sé, a AMI, na realidade, modo de vida da família de Fernando Nobre ou uma ONG francesa que andava, anos atrás, pelo Darfur a recolher crianças órfãs para fins criminosos.

Também a aquisição de prédios classificados de interesse nacional, de interesse público ou municipal, tendo em conta o caráter tendencialmente criminoso do poder em Portugal, deixa antever potenciais negócios privados, convenientemente despojados da carga fiscal que abrange a generalidade das pessoas.

As isenções de IMT abrangem também as aquisições destinadas a actividades agrícolas ou industriais consideradas de superior interesse económico e social nas regiões economicamente mais desfavorecidas, uma vez mais repousando a decisão da benesse num poder venal.

Isentam-se de pagamento de IMT as aquisições de prédios para revenda por empresas que tenham nisso a sua atividade isto é, as sagradas imobiliárias. O artº 8º estabelece a isenção das aquisições de imóveis por instituições de crédito ou empresas por elas dominadas em processos executivos, de falência ou insolvência, ou por qualquer outra forma, como contrapartida de créditos concedidos, incluindo como beneficiários de dação em pagamento de habitações. São também isentos, dadas as suas imensas (?) contribuições para o crescimento e emprego os fundos de investimento imobiliário, abertos ou fechados ou ainda de arrendamento habitacional.

A aquisições de prédios urbanos para fins de reabilitação urbanística são também isentos mas, já não os prédios adquiridos por residentes em “offshores” que são onerados por uma taxa de 10%. 

Finalmente, são isentas de IMT as compras de habitação própria e permanente que não excedam € 92407. 


3 – A relevância do IMI


Mas, voltemos ao IMI, sobretudo quando esse imposto irá acentuar a sua presença na mesa dos orçamentos familiares para reforço do seu papel como instrumento de financiamento autárquico, depois da extinção do IMT a partir de 2016 como decretado pela Troika e conforme já referido na primeira parte deste trabalho[3]. Isso segue-se à estagnação do IMT após o fim da euforia das transações, bem como das escandalosas isenções que têm caraterizado o imposto e ainda, como resultado das restrições do recurso ao crédito bancário determinadas pela suserania colonial, a Troika. 

Independentemente dessa relação com o IMT, as taxas de IMI para 2013, relativas aos prédios avaliados antes de 2004 encurtam o seu intervalo de 0.4/0.8 % para 0.5/08%, fixando-se em 0.3/0.5% para os imóveis de avaliação posterior. 

A atuação do partido-estado a favor dos poderosos e em detrimento das pessoas comuns é conhecida; porém, uns dados concretos ajudam a consolidar a consciência dessa realidade. 

Em 2010 a receita global de IMI foi de € 1108 M e as isenções concedidas orçaram os € 566 M, isto é, 51% da receita efetiva. Depois de uma quebra em 2011, as isenções de IMI em 2012 chegaram aos € 1002 M (90% da arrecadação de 2010), prevendo-se para 2013 um valor de € 851 M de isenções (77% da cobrança de 2010); e, acrescente-se que os dois últimos foram validados pelas entidade colonial, a Troika. Perante estes dados, como se compreende a preocupação em aumentar o IMI incidente sobre as habitações da maioria da população?


4 - A habitação familiar é mais uma das várias formas do capital?


O IMI é um imposto sobre a propriedade imobiliária pura e simplesmente, desligado da utilização da mesma, do rendimento que possa propiciar. O IMI é considerado um imposto sobre o capital, um Vermogensteuer, diverso portanto de um imposto sobre o rendimento, um Einkommesteuer. O IMI é o único imposto sobre o capital existente em Portugal. 

Se se considerar que essa propriedade na sua acepção mais lata deve ser passível de imposto, então haverá outros tipos de propriedade, equiparáveis a capital que o deverão ser, também independentemente dos rendimentos que propiciem. É o caso da posse de ações ou quotas de empresas, de titulos de dívida, pública ou privada e de depósitos a prazo, acima de certo montante. 

A posse de ações ou quotas de empresas são ativos que estão incluídos em patrimónios de pessoas individuais ou coletivas, tal como as obrigações, títulos de dívida pública ou privada que constituem outras tantas formas de aplicações de capital, isentas de impostos como tal, sem relação com os rendimentos que possam propiciar, esses sim taxados em sede de IRS ou, quando transacionados os títulos, no âmbito de imposto de selo. 

Os depósitos a prazo, acima de certo montante, não constituem, poupanças cautelares de famílias, nem reservas financeiras para alguma aplicação próxima mas, uma aplicação de capital. Por esse motivo, os bancos tornam essa maior permanência objeto de taxas de juro mais elevadas, sem prejuízo da incidência fiscal sobre os montantes dos juros vencidos. Se esses depósitos a prazo de maior dimensão, pertencentes a uma mesma pessoa individual ou coletiva constituem um capital imobilizado colocado à disposição do sistema financeiro encontram-se numa situação próxima de um valor materializado num imóvel. 

Por outro lado, quando se considera fulcral o investimento para a saída da crise, é preciso considerar que estes depósitos constituem valores imobilizados e não investidos pelos seus detentores; e a sua não oneração fiscal constitui um brinde ao rentismo, com parca reprodução de rendimento, nula criação de emprego ou de bens para exportação, como tanto é desejado pelos mandarins na conjuntura que se atravessa. Essa oneração, a existir, constitui um incentivo ao investimento, à atividade empresarial, à assunção do risco, que se considera própria de um verdadeiro capitalista; aliciar trabalhadores ou pessoas com poucas poupanças para o empreendorismo, para a adopção de espírito empresarial e não fomentar uma aplicação produtiva para depósitos vultuosos é, certamente uma contradição no pensamento corrente do mandarinato.

Os depósitos dos particulares por dois ou mais anos correspondem em outubro último a € 37657 M (29% do total). Se toda essa massa de dinheiro depositado com meros intuitos rentistas pagasse 0.4% ao ano (a taxa mínima aplicada aos prédios urbanos em sede de IMI) a receita fiscal seria da ordem dos € 150 M. Não cobramos pela introdução desta ideia no computador do Gaspar. 

Dada a grande preocupação (?) do regime cleptocrático com a justiça fiscal é preciso considerar como parte de uma política de igualdade tributária, a tributação de todo o capital, do património imobiliário, como do mobiliário e do dinheiro entesourado, não investido na criação de riqueza. Um tema para entretenimento dos sonolentos togados do palácio Ratton, muito dados ao tema da equidade; aliás como reza a al. b) do artº 81 da Constituição. 

A diferença que deve ser acentuada é que a posse de quotas ou títulos, bem como avultados depósitos não constituem elementos essenciais na vida das pessoas, como o é uma habitação. 

Por outro lado, a propriedade de uma habitação para acolhimento próprio de um agregado familiar não é essencialmente encarada como uma aplicação de capital que aliás, em regra, é escasso para a compra da casa; e, por isso, a compra é financiada pelo sistema financeiro, mediante um contrato de mútuo que torna esse “bem de capital” apropriável, extorquível pelo banco, em caso de incumprimento do plano prestacional. A própria existência de um plano prestacional sob essa ameaça constante, durante décadas, constitui não só uma forma de escravatura adaptada aos tempos modernos mas, também uma verdadeira aberração às caraterísticas que os capitalistas hoje pretendem os seus capitais detenham – a liquidez.

Se a casa é um bem de capital para os seus habitantes, esse capital não é liquido e, no balanço doméstico é um ativo contrabalançado por um passivo enorme, numa situação financeira pouco interessante. Por outro lado, se anos atrás, a valorização do imóvel, como ativo, era apontada como garantida pelo “mercado”, pelos vendedores do imobiliário e pelos bancos, hoje, essa valorização cessou, sendo substituída por uma efetiva perda em caso de venda. 

Como aplicação de capital o investimento numa habitação associado a uma dívida de longuíssimo prazo é perfeitamente estúpida e nenhum capitalista procederá assim, como nenhum consultor financeiro o aconselhará. 

Do ponto de vista objetivo, a compra de uma habitação própria não constitui uma aplicação de capital mas, uma alteração do balanço doméstico, quer a débito, quer a crédito. E, nas contas anuais de uma família, o cumprimento do plano prestacional, constitui um elemento central ou dominante nas aplicações das receitas do trabalho dessa família que, em regra, terá de proceder a economias em outras áreas para pagar a mensalidade. A compra de casa tornou-se a via natural, quase obrigatória, gerada pelo “mercado” para as famílias terem um local para habitar; e não o produto da decisão de um capitalista. 

Certamente que os interesses imobiliários e financeiros procuraram aliciar a multidão acenando para a promoção social que o acesso à propriedade permite nas sociedades capitalistas. A tola confiança da multidão no “mercado” e nos seus produtos ideológicos tornou as pessoas crentes na sua própria promoção social, através de uma propriedade mais que precária e nada garantida perante mudanças conjunturais, como a manipulação de preços do imobiliário, as variações nos “spreads”, as alterações nos incentivos fiscais, as reduções salariais, o desemprego... 

Essa incorporação ideológica pode designar-se mesmo por imbecilidade para quantos se entendem promovidos por um carro de marca sonante, com os extras da moda, endividando-se num valor que, no dia seguinte à compra é já muito superior à avaliação do bem de capital (?) adquirido; essa dívida, por outro lado, para cúmulo, poderá durar mesmo para além da vida útil do veículo ou da sua posse em mãos do devedor, sem contar com as elevadas taxas de juro aplicadas, dada a consciência do sistema financeiro da importância que esse empréstimo tem para o candidato à promoção social trazida sobre rodas. 

Mas as coisas são mais complicadas. As famílias foram obrigadas a endividar-se para ter casa própria, pela renúncia dos governos em concretizar uma política de habitação menos onerosa e, sem que daí tivesse resultado uma carga fiscal global mais leve para os portugueses. Essa renúncia, soprada pelos interesses imobiliários e do capital financeiro, obrigou as famílias a mergulhar na especulação criada e a ficarem cativas de um enorme endividamento. A política conveniente para os setores financeiro e imobiliário impediu, durante muito tempo, a proliferação de casas para arrendamento e, sobretudo, fez esquecer as responsabilidades do poder na disponibilização de habitação a preços económicos, de uma política social de habitação. As casas alugadas eram 863 mil em 2001 e 1068 milhares no censo de 2011, registando-se também um aumento de cerca de 20 mil, no mesmo período das casas disponíveis para aluguer (110 mil em 2011). 

Para além dessa atuação avessa a uma política de habitação, o partido-estado, utiliza a Troika para proceder a uma enorme desvalorização do preço do trabalho e dos direitos da multidão, para permitir a acumulação por parte dos capitalistas portugueses, depois do pagamento do tributo ao capital financeiro global, através dos juros da dívida pública. Nesse contexto, a multidão sofre os efeitos do desemprego que reduz marcadamente os rendimentos familiares; os aumentos das taxas de imposto em sede de IRS e IVA e da extensão deste último a novas áreas; a redução das deduções no IRS; o corte dos subsídios; a antecipação de receitas fiscais com a disseminação de um subsídio por todos os meses do ano; os aumentos da energia e dos transportes, etc… 

Para cúmulo, o IMI pago pelas famílias – a aumentar marcadamente para muitas, nos próximos anos – não é dedutível no cálculo do IRS, ao contrário do que sucede a um proprietário rentista que ceda o imóvel em arrendamento.


5 - Afinal o IMI, hoje, paga o quê?


A aquisição de uma habitação não corresponde basicamente a uma aplicação de capital mas à satisfação de uma necessidade elementar não contemplada nas políticas estatais: o valor atribuído pelas famílias à sua habitação é um valor de uso e não de troca. Assim, as famílias não devem ser oneradas com um IMI, imposto que se torna excepção no ordenamento fiscal português, por ser o único que incide sobre um bem de equipamento de aquisição forçada pelas circunstâncias acarinhadas pelo partido-estado, no capítulo da habitação. 

Mas há mais razões para que as famílias sejam subtraídas aos efeitos que recaem sobre si, resultantes de todo um processo a que são alheias, de que nada beneficiaram e que é produto da santa aliança entre o partido-estado, o sistema financeiro e os interesses imobiliários. 

Numa primeira instância o partido-estado permite a venda do solo e o seu loteamento, possibilidade que é uma herança dos tempos finais do fascismo. Isso abriu as portas, não só à especulação, como a preços do imobiliário extremamente elevados. Na Inglaterra, como na Holanda, só os terrenos públicos podem ser urbanizados, não havendo, portanto, mandarins com o poder de enriquecer outrém (e a si próprios e ao partido) com a simples emissão de um alvará de transformação de um terreno rústico em urbano. E é esse negócio que permite em Lisboa preços por metro quadrado de habitação duplos do observado em Berlim, ali bem perto da querida Angela. Curiosa é, ao que sabemos, a situação na Suiça onde o correspondente ao IMI só incide sobre a parcela do valor total da casa equivalente à parte já paga do empréstimo contraído. 

Após a concessão da licença de construção, os arruamentos, as áreas de estacionamento, a iluminação pública, a rede de saneamento, o acesso à rede pública de água, gás ou eletricidade são asseguradas pelos interesses imobiliários que têm por garantida a repercussão desses custos no preço de venda das habitações. Na sua parte substancial, essas infraestruturas são pagas pelos compradores dos fogos, na sua grande maioria trabalhadores, endividados para toda a vida, vítimas de especuladores e da não assunção dos poderes públicos, central ou local das respetivas responsabilidades. Tudo no estrito cumprimento das leis da cleptocrática república. 

Como se registou, na primeira parte deste trabalho, existe um cálculo de 15% para a componente da burocracia camarária no preço da habitação. As câmaras posteriormente assumem a recolha de resíduos, nem sempre da melhor maneira como o demonstra a gestão da Amarsul, empresa dominada pelas Águas de Portugal e participada por autarquias da margem sul do Tejo, cobrando das famílias parte desse custo; ou assumem a distribuição de água quando não a adjudicam a empresas privadas. E pouco se envolvem na criação de redes decentes de transportes deixando essa função entregue a empresas privadas ou, se assumem o transporte escolar é por delegação do governo central. Nem sequer tomaram medidas para inverter a situação de abandono e emparedamento de edifícios; mas, foram lestos em criar empresas municipais pelos mais variados fins, onde são colocados membros dos partidos, desde que foi impedido aos ilustres autarcas acumularem salários como vereadores e administradores daquelas empresas. Para manter toda esta panóplia de insuficiências e práticas oneram-se as famílias com um IMI, cuja relevância vem aumentando nos custos associados à habitação, com agravamentos anunciados para os próximos anos? Tudo isto é obra do partido-estado sem que haja uma clara diferença nas autarquias geridas pelo PC. Tudo isto tem encontrado uma atitude distanciada e benevolente das famílias, refugiadas nos seus pequenos domínios, sem se organizarem em comissões de moradores capazes de tomar a gestão autárquica nas suas mãos. 

Por outro lado, o actual ordenamento político e jurídico sacralizou a propriedade privada como um direito quase absoluto. Quando alguém compra um terreno para construir uma casa assume a propriedade plena da terra – não apenas um direito de superfície - e, paga em encargos de urbanização, licenças e taxas várias, os benefícios do usufruto de infraestruturas pré-existentes (externas ao terreno) e de que se irá servir – ruas, esgotos, por exemplo, sem prejuízo de pagamentos específicos futuros, como o saneamento. Na realidade e perante o gasto assumido, as famílias pouco devem ao cleptocrático Estado português, na versão central ou local, para pagarem um IMI. 


6 - Notas para a definição de alternativas


Pelo que se disse atrás, o IMI como imposto sobre o capital que é deve ser apenas um fator de redistribuição do rendimento, a incidir principalmente sobre imóveis não afetos à habitação própria das famílias. Com essa justíssima excepção, todos os outros devem ser tomados como bens de capital, como integrados em grandes fortunas, como possuidores de um caráter supérfluo para as famílias ou, quando o imóvel está afeto a uma atividade económica, mormente de especulação imobiliária. 

Assim, entre outras mediadas, de imediato,

  • Deverão ser isentos do pagamento de IMI as habitações próprias, efetivas, com valor patrimonial actual, inferior a € 150000; 

  • Se uma família ou pessoa possui uma segunda casa, de praia, de campo… paga IMI por ela, tendo em conta que é um bem não essencial, visto ter outra casa, própria, provavelmente isenta, como residência; 

  • Uma casa dada de arrendamento, identicamente, não é a habitação do proprietário e portanto, paga IMI; independentemente dos cálculos sobre as rendas, a fazer em sede de IRS/IRC; 

  • Uma casa habitável, não considerada como segunda residência, sem utilização por mais de seis meses, pagará uma taxa duplicada de IMI; 

  • Os imóveis emparedados, degradados ou em ruína pagarão uma taxa de IMI quintuplicada, no máximo, durante três anos. Passado esse período sem ação dos proprietários que lhes dê uma utilização, serão expropriados por abandono e passarão a propriedade coletiva, da autarquia;  

  • Todos os outros imóveis pagam IMI dentro dos parâmetros do seu valor patrimonial; 

  • Toda a receita do IMI será prioritariamente afeta a programas municipais de reabilitação, à construção de habitações económicas ou com rendas sociais ou ainda, de instalações com fins sociais de apoio à população – creches, escolas, centros de dia… Essa aplicação de verbas será gerida por cidadãos escolhidos pela população, especificamente para esse efeito, com o apoio técnico dos serviços autárquicos, com a permanente divulgação pública, em permanência, das decisões tomadas e das contas desses projetos. 

O elenco adiante expresso dependerá da instauração de um sistema económico não capitalista ou baseado no mercado[4], como forma de solução das necessidades coletivas e individuais básicas; da instituição de uma organização social assente na satisfação dessas necessidades, gerida por órgãos de base, sem políticos profissionais; na decisão proveniente dos seus próprios beneficiários, conforme o exposto anteriormente, em textos específicos[5]

As medidas enunciadas, são exemplares e até dissonantes uma vez que somente o contexto concreto permite apurar a que melhor se adapta às circunstâncias políticas, económicas e sociais; e, deve ser tido em conta que as medidas a adoptar corresponderão ao grau de exigência das pessoas concretas que protagonizem a mudança. 

  • A definição das necessidades de habitação é feita localmente, por decisão conjunta dos coletivos de trabalhadores e pela população em geral, tendo em consideração, o estado do parque habitacional, a evolução da população e da mobilidade, com articulação a nível autárquico e regional;


  • A par dos planos municipais, a responsabilidade pela construção e reabilitação de habitações será complementada por um Fundo de Habitação gerido no âmbito de uma Segurança Social, entretanto gerida pelos trabalhadores e, naturalmente, desligada da gestão de governos e da inclusão em contas públicas, como hoje sucede;

  • Podem também assumir essas responsabilidades, cooperativas de construção e habitação, enquanto formas associativas de pessoas, em ligação com as autarquias ou o Fundo de Habitação acima referido; 

  • Os terrenos futuramente destinados à habitação serão cedidos pelas autarquias mas, continuarão a ser da propriedade municipal, inalienáveis, portanto; 

  • Em cada localidade será tida em conta, previamente à construção de novas habitações, a existência de imóveis disponíveis sem utilização ou para reabilitação; 

  • Os imóveis abandonados ou expropriados ficarão também a ser de propriedade coletiva, local ou do Fundo de Habitação e serão afetos prioritariamente a famílias vivendo em barracas ou casas sem condições de habitabilidade e insusceptíveis de reabilitação; 

  • Isso, sem prejuizo da propriedade familiar das habitações atuais. 




Este e outros textos em:










[1]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html
[3]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/12/a-nao-politica-de-habitacao-e-o-imi-1.html
[4] Por vezes somos confrontados com a nossa ausência de referências ao socialismo. O chamado socialismo vivido consumou-se num capitalismo de estado gerido por seitas sanguinárias e corruptas; os grupos e pessoas que continuam a defender o socialismo, em regra, não têm uma visão estrutural do modelo, quedando-se por justificações subjetivas e circunstanciais para justificar o falhanço, mantendo a lógica messiânica de que com gente realmente amante do povo, o Estado pode promover a felicidade eterna da multidão. Não é a nossa opinião. O Estado tem sido sempre fonte de domínio e roubo legalizado e, por outro lado, não concebemos autoridade que não à decisão democrática direta. Não é a água do banho que está suja e fria é o próprio bebé  que degenerou em monstro e merece ser lançado no incinerador da História
  http://pt.scribd.com/doc/85519669/Sobre-a-democracia-A-democracia-e-a-sua-usurpacao-1a-parte

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