Sumário
Enquadramento
O que é e como funciona o recurso ao
FGS
Alguns elementos numéricos
- - - - - -
Enquadramento
A descapitalização do Estado e o seu
correspondente endividamento é uma política consolidada do poder e uma
necessidade absoluta do frágil capitalismo português.
A inserção na parte inferior da
hierarquia do capitalismo global, por parte dos capitalistas lusos – empresas
em geral e sistema financeiro em particular – tem vindo a acentuar a
canibalização do seu próprio Estado, Esta, prossegue num quadro de corrupção
endémica, protagonizada sobretudo pelo PSD/PS, através de fórmulas diversas –
contratos ruinosos, facilidades fiscais, legislação criteriosamente publicada
para beneficiar interesses privados, menosprezo pelo municiamento financeiro de
despesas coletivas... Tudo isto, recentemente, agravado pela pressão do
capitalismo global, mormente financeiro, que consubstancia o declínio
periférico de Portugal e a perda do que ainda restava da sua secular (falta de)
soberania.
A abordagem do Fundo de Garantia Social
(FGS), embora com uma relevância menor no contexto do saque em curso, é
revelador da forma como se procede à sistemática transferência de dinheiros
públicos para mãos privadas. Afinal, o Estado serve para pouco mais, não?
O que é e como funciona o recurso ao
FGS
O FGS criado em 1999, representa um
exemplo de actuação formal da Segurança Social, na área da ação social. E, como
se verá adiante, se constitui uma forma de, temporariamente, aliviar a má
situação de muitos trabalhadores ameaçados de desemprego ou já nessa situação,
a verdade é que configura também uma figura próxima do perdão de dívidas a
empresários.
No âmbito do FGS (1), o Estado,
enquanto gestor da Segurança Social, procura, de facto, atenuar a acuidade e a
visibilidade da sinistra figura dos salários em atraso - muito típica e
específica da formação política e económica portuguesa - substituindo-se ao
empresário no pagamento do trabalho efetuado pelos trabalhadores e não pago por
aquele. Deste modo, o Estado utiliza o erário público para satisfazer agudas
necessidades de trabalhadores causadas pelo comportamento leviano ou criminoso
dos empresários que, ao serem substituidos no cumprimento das suas mais
elementares obrigações, beneficiam de toda a “compreensão” dos governos.
Paralelamente, o Estado evita a
mobilização e a contestação social dos trabalhadores, zelando para a formação
de uma imagem pública de ausência de conflitualidade social, como convém para
apresentar no telejornal; essa ausência é, aliás, glosada com respeito e admiração
pelos media internacionais, que comparam a paz lusitana com o comportamento dos
“desordeiros” gregos.
Os trabalhadores podem requerer ao
apoio do FGS desde que a empresa em que laboram ou laboraram lhes não pague -
ou não tenha pago - os devidos salários, no contexto dos institutos jurídicos
da insolvência ou da situação económica difícil. Mais especificamente, a
empresa deverá ter sido judicialmente declarada insolvente, com ação de
falência ou ainda, ter iniciado um PEC – procedimento extrajudicial de
conciliação. Este último, é muito vantajoso para um empresário típico, pois a
qualquer momento pode desistir do PEC, servindo este, entretanto, de
subterfúgio para que o FGS pague aos trabalhadores, por sua conta.
O FGS garante os salários não pagos
relativos a seis meses anteriores ou posteriores à proposta da ação de
insolvência ou de requerimento para PEC, sabendo-se que a retribuição mensal
não poderá ultrapassar três salários mínimos (€ 1455), na qual se subtrai a
retenção de IRS e a quotização do trabalhador para a Segurança Social. A
contribuição patronal é liquidada pelo FGS que se substitui, assim, ao
“empregador”. É, sem dúvida magnânimo e igualitário este diploma legal pois o
FGS paga não só os salários e as obrigações fiscais e contributivas dos
trabalhadores, como ainda exime o distinto empresário de pagar a contribuição
patronal para a Segurança Social.
Se o trabalhador tiver créditos
laborais sobre a empresa, estes prescrevem passado um ano sobre a cessação do
contrato, enquanto que a prescrição para as dívidas das empresas à Segurança
Social é de cinco anos. O espírito igualitário evocado no parágrafo anterior
deixa de funcionar, em detrimento dos direitos dos trabalhadores.
O limite dos seis meses para o apoio
aos trabalhadores é uma almofadinha apenas pois, em regra, os prazos de decisão
dos tribunais relativamente à liquidação da empresa e venda de bens são muito
superiores e, por outro lado, o volume de salários em atraso pode ter um valor
bem superior a seis meses de remuneração. Recentemente soube-se de um caso em
que cerca de 200 trabalhadores esperaram doze anos por indemnizações (2).
Na realidade, os principais
credores, nomeadamente os bancos detêm garantias reais sobre o património da
empresa ou mesmo de sócios seus e esses direitos creditícios prevalecem sobre o
dos credores sem esse tipo de garantias, como em regra, são os trabalhadores.
Os bancos não aceitam bens móveis como penhor, locupletando-se essencialmente a
imóveis ou títulos.
Os créditos dos trabalhadores só
detêm privilégios sobre os bens móveis (equipamento, mobiliário…) da empresa
que aliás são aqueles cuja venda e reutilização é menos valorizada em caso de
venda no âmbito de liquidação. E isso, sem contar com vulgares conluios entre
os responsáveis pela liquidação e venda dos bens e “empresários” compradores
dos mesmos.
Em situação também desconfortável
encontram-se os créditos de impostos ou de contribuições para a Segurança
Social, dada a costumeira prática de laxismo fiscal face a capitalistas e que
constitui elemento estruturante de um Estado com propensão totalitária perante
uma população pouco reivindicativa de direitos.
O Estado, para não ferir os interesses do capital, assume como natural a
socialização das perdas promovidas por empresários irresponsáveis mas, em
regra, com património privado blindado à sua utilização como forma de suprir os
débitos da empresa em dificuldades. Há muitas formas de isso acontecer, como
casamentos com separação de bens, divórcios com partilhas a favor de quem possa
ficar de fora de responsabilidades, depósitos em paraísos fiscais, em nome de
sobrinhos ou testas de ferro, por exemplo.
Essa assunção de socialização, não
encontra atitudes de repúdio por parte da multidão, nem sequer pelas divertidas
agremiações ditas de esquerda, catequizados e viciados na normalidade da
intervenção do Estado. E tal revela a insipiência de um real espírito
anticapitalista na multidão, em Portugal.
É essa mesma insipiência que permite
se considere ser um direito inalienável, da ordem “natural” das coisas, que os
empresários se apossem dos lucros e que se arroguem - caso o negócio não corra
de feição - a chamar o Estado em seu socorro, proclamando esse apoio também
como um seu inquestionável direito.
Formalmente – ninguém leva a palma
ao rigor jurídico do legislador português - o FGS tem direito de regresso junto
das empresas em falta pelos valores pagos aos trabalhadores, acrescidos de
juros de mora (6.351% por ano). Se por qualquer razão a empresa não vier a
reembolsar o FGS do dinheiro avançado aos trabalhadores, o FGS poderá requerer
judicialmente esse reembolso junto da empresa. Muito justo mas, tal não parece
causar grandes preocupações aos empresários, conhecedores profundos da
tradicional benevolência do Estado e da administração fiscal ou da Segurança
Social, face às obrigações das empresas e dos sacrificados empresários; porque
todos conhecem o empastelamento burocrático em que se movem os homens e mulheres
da toga; e ainda que, no final da liquidação da empresa pouco irá sobrar para o
ressarcimento dos credores Estado e Segurança Social.
Alguns elementos numéricos
Não são públicos elementos
sistemáticos sobre o FGS. A sua gestão cabe ao IGFSS – Instituto de Gestão
Financeira da Segurança Social mas, como
fundo autónomo terá uma contabilidade própria, que se não conhece. Somente se
dispõe de elementos avulsos extraidos das Contas da Segurança Social e uma
auditoria efetuada pelo Tribunal de contas relativamente ao triénio 2006/08. É
a proverbial e estrutural opacidade dos aparelhos de estado correspondente à
atitude dos mandarins, como donos do Estado, tratando a multidão como uma massa
de entes ignorantes que terão delegado o exercício dos seus direitos no
sapiente mandarinato.
É manifesto o crescimento do
dispêndio anual do FGS, como elemento substituto dos empresários no pagamento
aos trabalhadores, para obviar à contabilização de salários em atraso. Um caso,
entre muitos, da habitual função do Estado como financiador dos capitalistas.
Esse crescimento retrata a
degradação a que se vem assistindo na economia portuguesa e das condições de
vida dos trabalhadores, desde o princípio do século. Esse aumento do dispêndio
corresponde ao crescimento dos requerimentos deferidos; no entanto, o valor
médio por deferimento estabiliza a partir de 2005.
pagamentos
(1000 euros)
|
requerimentos
deferidos
|
pagamento/
requerim. (€)
|
|
2001
|
709
|
nd
|
nd
|
2002
|
10.966
|
3.875
|
2.830
|
2003
|
17.985
|
4.503
|
3.994
|
2004
|
21.986
|
5.705
|
3.854
|
2005
|
39.975
|
8.386
|
4.767
|
2006
|
40.134
|
9.530
|
4.211
|
2007
|
52.988
|
12.220
|
4.336
|
2008
|
70.476
|
14.120
|
4.991
|
2009
|
81.568
|
18.265
|
4.466
|
2010
|
110.374
|
22.952
|
4.809
|
Fonte: Contas da Segurança Social
No quadro seguinte observa-se a
evolução ou melhor, a acumulação da dívida das empresas ao FGS, como resultado
dos adiantamentos deste para pagamento de salários a que as empresas não
procederam, por dificuldades financeiras. Essas dívidas no periodo considerado
cresceram mais de 14 vezes.
Como se viu atrás, os valores
adiantados pelo FGS deverão ser reembolsados pelas empresas, se recolocadas em
condições de viabilidade ou através do produto da venda em processo de
falência. Na realidade, esse reembolso tem pouco significado, tudo indicando
que jamais acontecerá.
(1000 euros)
Dividas
das empresas (acumul)
|
Valores
recuperados
|
|
2003
|
29.532
|
nd
|
2004
|
51.277
|
219
|
2005
|
91.251
|
471
|
2006
|
130.246
|
671
|
2007
|
180.517
|
nd
|
2008
|
246.964
|
4.029
|
2009
|
316.608
|
5.958
|
2010
|
421.358
|
nd
|
Fonte:
Contas da Segurança Social
De facto, “dada a característica
deste Fundo e face ao elevado risco de cobrança associado às entidades que a
ele recorrem, é constituída uma provisão para cobranças duvidosas de 100% dos
valores pagos.” (3) . De modo ainda mais claro, a Segurança Social, considera
nulas as possibilidades de reembolso por parte das empresas e dos seus
responsáveis, das verbas adiantadas pelo FGS, por conta das empresas, a título
de salários.
Neste contexto, os € 421 M
contabilizados em finais de 2010 como dívidas das empresas por pagamento de
salários por sua conta são perdidos e constituem uma assunção pelo FGS e pela
Segurança Social de responsabilidades dos capitalistas que, no discurso
oficial, são virtuosos empreendedores a merecer todos os apoios. Na realidade,
não só não pagam os débitos de que são titulares, como através de falências e
encerramentos das suas empresas, contribuem claramente para o avolumar do
desemprego. E continuam com o património pessoal a bom recato, o que não
acontece com os desempregados, rapidamente assaltados pelos bancos que lhes
extorquem as habitações, sem apelo e pela pressão empobrecedora do governo.
Notas
1) Artigo 380º
do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Dezembro, Artigo
316º a 326º da Regulamentação do Código do Trabalho, aprovada pela Lei 35/2004,
de 29 de Julho
3) pag 22 dos
Anexos às Demonstrações Financeiras de 2009 ou pag 190 da CSS 2010
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