quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Dívida  pública – Os principais tipos de gasto público (2ª parte)


Sumário

1 – Introdução
2 –  Segmentação sumária dos gastos públicos em Portugal
3 – Evolução da globalidade dos gastos públicos (1995/2010)
4 - Gastos públicos com os trabalhadores
5 - Gastos em investimento
6 - Compras e vendas de activos
7 - Gastos de consumo final
8 - Serviço de dívida
9 - Conclusões

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1 - Introdução

Numa primeira análise realizada recentemente (1) sobre a dívida pública limitámo-nos a desenvolver um sumário genérico que tem o seguinte conteúdo:

1 - O carrossel da dívida ou a economia de casino
2 - Indicadores de dívida pública
3 – A dívida pública portuguesa… recente
4 – A dívida pública portuguesa… próxima
5 – Consequências devastadoras
6 - Compras e vendas de activos

Neste segundo texto, de continuação ao anteriormente referido, pretende-se abordar a despesa pública, aquela que deveria, do ponto de vista teórico, servir, principalmente para melhorar as condições de vida da multidão contida na sua área de abrangência. Sabe-se, porém, que a despesa pública, como toda a gestão do Estado, acaba por estar ao serviço dos capitalistas em geral e dos nacionais em particular, que o utilizam como um ente coletivo, como fonte global de financiamento, de preenchimento de facturação de empresas, em simbiose com uma sub-classe -  os mandarins.  Porque o capitalismo é um sistema inigualitário por definição, o acesso aos fundos públicos processa-se através de uma luta intra-capitalista pelos favores do mandarinato que se faz pagar através de contribuições diretas ou indiretas dos partidos do poder e dos seus membros.

A gestão pública, estando no âmago das transferências de capital que envolvem capitalistas e mandarins entre si, por um lado e trabalhadores por outro, pretende-se que seja particularmente obscura. Essa falta de transparência resulta da apropriação do Estado que é feita pelos gangs de mandarins no poder, como pela própria organização da informação que, magnanimamente, é possibilitada à plebe.

Toda a panóplia de instituições com acesso fiscalizador das contas públicas – Tribunal de Contas, inspeções várias, Assembleia da República – são dirigidas pelo próprio poder que protagoniza os actos públicos e que nomeia os seus dirigentes. Só em casos excepcionais, daí resultam revelações de actos danosos ou corruptos; tratando-se, essencialmente, de avaliações técnicas, de acordo com os regulamentos criados pelo poder fiscalizado, não contemplam auditorias  politicas, de defesa dos interesses da multidão.


2 –  Segmentação sumária dos gastos públicos em Portugal

A distribuição da despesa considerada pública é apresentada no quadro seguinte, relativamente a 2010 e contempla a administração central e os serviços autónomos, com autonomia financeira, ao contrário das típicas direções-gerais, todos na directa e absoluta dependência dos governos; a administração local e regional dirigida por uma legião de caciques locais, em grande parte vulgares biltres, conhecidos corruptos ou entes absolutamente repelentes como o vermícula funchalense.
                
Estimativa das Administrações Públicas – 2010
(Óptica da Contabilidade Pública)                           (M €)

Admin. Central
Fundos Autónomos
Admin. Local e Regional
Segurança Social
Correntes
46.816,3
23.207,7
7.469,4
23.347,8
Capital
3.144,2
1.164,0
2.870,0
100,0
Total
49.960,5
24.371,7
10.339,4
23.447,8



           Fonte:  OE - 2011

A inclusão da segurança social no conjunto das contas públicas constitui um dos muitos crimes que envolvem a gestão do Estado português e é, paralelamente, um dos aspectos mais consensuais entre os partidos com vocação de poder (PS/PSD/CDS) e os membros do trinómio da ineficácia política (PC/BE/CGTP). Trataremos desse tema autonomamente do tema que é objeto deste texto – a despesa pública.

Recorde-se que entre os vários segmentos há transferências de fundos, nomeadamente da administração central para os restantes.

Por outro lado, há ainda a considerar o setor empresarial do Estado onde têm sido incorporadas entidades a funcionar como polos de transferências financeiras para o setor privado e de colocação de mandarins, como hospitais (39 em 2009), entidades gestoras dos programas Polis e afins (9), empresas de transportes, CTT, Águas de Portugal, uma coisa estranha chamada SIEV – Sistema de Identificação Electrónica de Veículos e uma trafulhice designada por BPN, entre outras.


3 – Evolução da globalidade dos gastos públicos (1995/2010)

A partir de dados do Eurostat cujo horizonte temporal não passa de 2010 pode observar-se a dimensão das despesas públicas do conjunto dos vários sectores institucionais, sensivelmente, semelhantes para os diversos países europeus, ainda que a distribuição funcional possa ser substancialmente distinta entre eles. Assim, por exemplo as autarquias têm um papel muito relevante na proteção social em países onde a desconcentração de funções e a sua regionalização são regra (Alemanha, Dinamarca ou Inglaterra) e os casos português e grego onde essas funções dependem do poder central.

Tomando a evolução da totalidade dos gastos públicos baseada no ano de 1995, retiram-se várias conclusões. A primeira é que os países mais ricos, com maiores indicadores de bem-estar social apresentam, no periodo, uma evolução moderada e regular que, no caso da Alemanha corresponde a uma estagnação.  Os países menos desenvolvidos evidenciam saltos bruscos, movimentos abruptos de subida ou descida de acordo com factores conjunturais relacionados com as suas fragilidades económicas e políticas; mas, revelando um pendor ascensional de longo prazo que se pode relacionar com as suas tentativas, nem sempre conseguidas, de melhorar o bem-estar dos povos ou, de manobras para o enriquecimento de sectores privados em busca de capitalização a partir da parasitação dos aparelhos estatais.

O caso irlandês revela um forte crescimento do gasto público possibilitado pelo seu forte crescimento  de “tigre celta” elogiado pelas castas neoliberais mas que foi travado em 2009. Em 2010 é bem patente o enorme crescimento do gasto público irlandês: as responsabilidades públicas com transferências de capital foram de € 32084 M contra apenas € 5266M no ano anterior. A razão é conhecida, o Estado irlandês teve de nacionalizar e intervir em seis dos seus estimáveis bancos, nomeadamente o Anglo Irish onde injectou mais de € 34000 M. (2) É esta a razão última da existência dos Estados, a de seguro colectivo dos capitalistas, serviço de socorro a banqueiros naufragados. Em devida altura, o Estado entregará de novo os bancos, precisamente aos competentes interesses privados que provocaram o desastre, para grande satisfação dos entusiastas keynesianos do capitalismo regulado; à custa dos sacrifícios populares.

                                                                                                 Fonte primária: Eurostat

Contrariamente ao tão gritado pelos mandarins dos gangs do poder, o crescimento do gasto público português é o mais baixo registado entre todos os países de menor desenvolvimento considerados, a partir de 2007 e que não acompanhou a deriva fraudulenta do poder grego a partir de 2006. Nesse periodo, enquanto Sócrates comprou dois submarinos (o terceiro não avançou), os estaleiros e os bancos alemães conseguiram impingir seis para alegrar os almirantes helénicos.

O quadro que se segue revela que a estagnação do volume de gastos públicos na Alemanha associado a um regular crescimento do PIB torna a representatividade dos primeiros, menor. Na generalidade,  o peso dos gastos públicos em percentagem do PIB decrescem entre 1995 e 2000 dada a moderação do seu crescimento comparativamente ao do PIB. Em 2005 e, sobretudo, em 2009, regista-se um significativo aumento do peso dos gastos públicos parecendo confirmar as ladainhas neoliberais e dos chamados empresários sobre o “monstro” que consome o produto do suor dos trabalhadores e, pior que isso, limita a iniciativa dos “investidores”.

De facto, não é nada disso. Como se viu no gráfico acima, o que se alterou no padrão de crescimento dos gastos públicos foi a sua quase estagnação a partir de 2005, nos países mais ricos e até anos de quebra, nos países em maiores dificuldades. Assim sendo, a justificação do aumento do peso dos gastos públicos no PIB reside, essencialmente na estagnação e na depressão económica que varre a Europa. Dito de outro modo, não é tanto a barriga que aumentou mas o casaco que tem vindo a encolher.

Parcela dos gastos públicos no PIB (%)

1995
2000
2005
2009
Alemanha
54,8
45,1
46,8
47,5
Bélgica
52,2
49,1
52,3
54,2
Espanha
44,4
39,1
38,4
45,8
França
54,4
51,7
53,6
56,5
Grécia
45,7
46,7
44,0
53,2
Hungria
55,7
46,8
50,2
50,5
Irlanda
40,7
31,0
33,7
48,6
Itália
52,5
46,2
48,2
51,9
Portugal
41,5
41,1
45,8
48,0
                                                                        Fonte primária: Eurostat

Nessa conjuntura torna-se difícil para os mandarins de serviço reduzirem o gasto público relacionado com o bem-estar social (educação, saúde, proteção social) em tempos de crise de emprego e redução de direitos; e simultaneamente apoiar as empresas com encomendas e contratos para que a recessão não seja maior ou, abastecer o aparelho militar-policial. A resultante desse equilíbrio põe os mandarins a tomar paracetamol e pende mais para um lado ou para o outro, de acordo com a capacidade reivindicativa da multidão ou o momento do ciclo eleitoral.

Grande parte do mau aspecto do “monstro” resulta de um efeito aritmético simples: sempre que, por exemplo, numa fração o numerador é constante e o denominador se reduz, o resultado aumenta.

No caso português é nítido ver o peso do Estado relacionado com o crescimento médio do PIB; 1995/99 (3.9%), 2000/2004 (1.45,%) e 2005/10 (0.49%). Como já se viu, o crescimento do gasto público nada tem de especial comparado com o dos outros países e, como o crescimento económico tem ganho progressivamente em anemia, o peso do gasto público aumenta. Aritmética pura.

Por outro lado, é pelo menos empiricamente sentido por todos como se vêm degradando em qualidade os serviços públicos e, em valor, as prestações sociais. A lógica do “monstro” visa também aliviar a pressão fiscal sobre as empresas e aumentar os recursos públicos a disponibilizar às empresas para aumentar a sua competitividade, capacidade exportadora, produtividade, inovação, bla bla…

Finalmente e tendo em conta que estamos na UE e nos são vendidas como de inelutável aplicação na terra lusitana as práticas dos países mais desenvolvidos – sobretudo as que contemplam prejuizos para os trabalhadores e para a multidão - veja-se a capitação do gasto público em 2010. É sintomático de que é na riqueza produzida e retida em Portugal que está o problema essencial, sem prejuizo da necessidade de limpar a patine que constitui a imagem de marca dos mandarins.

                                                                            (€)
Alemanha
14.168
Bélgica
17.568
Espanha
10.640
França
17.022
Grécia
10.204
Hungria
4.813
Irlanda
22.854
Itália
13.069
Portugal
8.171
     Fonte primária: Eurostat

Não há, pois, na globalidade, nenhuma subida descabida da despesa pública que mereça cuidados especiais, que não os derivados da quebra da produção de riqueza em geral, do padrão de especialização produtiva baseada em baixos salários e bens de escasso valor acrescentado, numa florescente corrupção, fraude ou evasão fiscal, fontes essenciais de riqueza para um patronato incapaz.

Procede-se, em seguida, a uma abordagem da evolução dos principais tipos de gastos públicos para os países que seleccionámos.


4 - Gastos públicos com os trabalhadores

Os gastos salariais constituem a primeira dessas parcelas dos gastos públicos que vamos observar, sobretudo porque é aquela que os mandarins e os chefes dos gangs de empresários mais gostam de referir. Gostam de apresentar os funcionários públicos como madraços, caros, repletos de mordomias únicas no contexto da globalidade dos trabalhadores, como conjunto desestabilizador das finanças públicas e segmento social excedentário, um dos seus objetos de genocídio.

Os media, repercutindo fielmente essa mensagem ad nauseam e infetam os neurónios dos telespectadores (em regra, o maior grupo de toxicodependentes em qualquer país). Estes, convencidos da seriedade dos argumentos, uma vez que acreditam em tudo o que é dito por combinações das cerca de 400 palavras que constituem o espólio verbal da comunicação televisiva, sorvem a propaganda.

E daí geram-se algumas posições comuns. Uma, a dos que acham, que é preciso reduzir as mordomias e o número de trabalhadores ao mesmo tempo que se queixam das filas para serem atendidos aqui e ali. E daqui sai o subconjunto dos que espumam de raiva e alegria sempre que o governo (o mesmo que os persegue a eles) aplica mais uma medida contra os funcionários públicos; são os doentes de “olho gordo” que, sendo miseráveis, se comprazem com a deterioração das condições de vida dos outros, sem daí retirarem qualquer vantagem.

À semelhança do que atrás se viu para a totalidade do gasto público a evolução das remunerações dos funcionários públicos é regular nos países mais desenvolvidos, contemplando uma estagnação nos últimos anos no caso da Itália; precisamente, esses anos recentes em que se verificou aumento na massa salarial dos trabalhadores alemães.

Nos países que estão na mira dos abutres dos “mercados”, o aumento do valor das remunerações cresce acentuadamente na Irlanda, Hungria e Grécia, enquanto em Espanha essa aceleração só decorreu em poucos anos antes de 2009. Em todos eles há fortes quebras recentemente, recuando a Hungria em 2010 para os níveis de 2004.

Todos os paises referidos no parágrafo anterior mostram, mesmo esquecendo a não linearidade, uma evolução dispar relativamente aos mais ricos.

E Portugal? Como é habitual, Portugal é uma excepção pelo seu comportamento negativo. Primeiro, porque desde 2005, portanto, nos últimos seis anos, que a massa de remunerações se apresenta estagnada. Depois, porque tomando como base 1995, aquela massa

                                                                                          Fonte primária: Eurostat


monetária esteve bastante longe de evoluir paralelamente ao verificado nos países actualmente em dificuldades, começando essa descolagem logo no dealbar do século, sendo fácil detectar aí a gestão Ferreira Leite. Terceira questão, a evolução observada parece a de um país rico, onde os serviços públicos estão razoavelmente dotados  e onde existiu uma regularidade na gestão salarial dos trabalhadores.

Em suma e pese embora alguma redução do número de funcionários públicos em Portugal, o volume dos gastos com pessoal, apresentando-se estagnado e em vias de sensível redução no ano em curso, revela a política anti-social e prosélita da aliança PSD/CDS que até já mereceu uma demarcação da sua suserania (Cavaco).

Em Portugal, apesar do crescimento nominal dos gastos públicos em geral, a estagnação da parte correspondente aos salários provoca uma quebra da ordem de 20% no peso dos últimos no total da despesa  pública, no periodo 1995/2010.

Também neste capítulo Portugal é uma excepção. Em quase todos os países o peso dos salários no gasto público cresce face a 1995 ou apresenta pequenas reduções. De facto, a situação irlandesa está circunscrita a um ano excepcional – 2010 – no qual para além das remunerações pagas se verifica um aumento brutal dos gastos públicos por razões já atrás referidas. Há aqui um claro efeito aritmético.

Parcela das remunerações no gasto público total (%)



1995
2000
2005
2010

Alemanha
16,0
17,9
16,1
15,6

Bélgica
22,8
23,4
23,1
23,6

Espanha
25,2
26,3
26,0
26,0

França
24,8
25,7
24,7
23,7

Grécia
22,0
22,4
26,1
23,9

Hungria
21,2
22,6
25,1
21,9

Irlanda
24,6
25,5
28,5
17,6

Itália
20,9
22,6
22,7
22,0

Portugal
30,1
33,1
30,3
24,1

                                                          Fonte primária: Eurostat

Os governos PS/PSD revelam a cultura da burguesia portuguesa: quanto mais barato melhor, pois isso de qualificações com paga adequada devem ser estrangeirismos não adaptados à tradição portuguesa como era referido por Salazar. Gostam de utilizar trabalhadores com qualificações desnecessárias para as funções, sem pensar no desperdício produtivo. E gostam de subcontratar empresas em vez de contratar trabalhadores diretamente, alimentando nomeadamente, essas entidades de negreiros do século XXI que são as empresas de trabalho temporário.

A estagnação das despesas com o pessoal por parte do Estado bem como a redução do seu peso na despesa pública demonstram que as remunerações dos funcionários públicos estão longe de fomentar o aumento da dívida pública. E essa redução de poder aquisitivo em centenas de milhar de famílias é sem dúvida um incentivo recessivo para a economia e um factor alarmante de pobreza.

Acontece que se tem acelerado por parte dos entes estatais, centrais, regionais ou locais, o recurso a empresas de trabalho temporário e à desorçamentação através da criação de empresas públicas ou municipais.

No primeiro caso, contamos um caso concreto. Um trabalhador contratado diretamente pelo Estado ou por uma câmara, com o salário de € 500, desconta para a segurança social € 55 (11%) e a entidade patronal € 118.75 (23.75%). Assim, a entidade que contratou o trabalhador gastará com ele €  618.75. Se o mesmo trabalhador for “fornecido” por uma empresa de trabalho temporário, o Estado ou a câmara pagar-lhe-ão € 1000, eventualmente acrescidos do célebre IVA, o que é substancialmente mais. A vantagem é a dinamização da “iniciativa privada”, o fomento da inovação empresarial (?) quiçá, tecnológica, a contratualização através de concurso (se possível viciado com luvas por fora), a presença de trabalhadores precários e domesticados. Para estes, naturalmente, não há nenhuma, pois em regra não procedem aos devidos descontos para a segurança social, dado que são “recibos verdes” contratados pelo negreiro e, por consequência têm escassos direitos na doença ou na reforma.

Na segunda situação, é criada uma empresa ou fundação com funções mais ou menos reais ou úteis que trata de angariar os seus trabalhadores diretamente ou através das incontornáveis empresas de trabalho temporário, sempre fora dos quadros da administração pública. Recorde-se que, a nível municipal há 408 empresas, responsáveis por cerca de € 3000 M de dívida (3), algumas das quais criadas sem sustentação económica, na dependência de transferências provenientes do orçamento municipal.

Estes exemplos de artifícios levados a cabo pelos gangs nacionais ou locais, de facto não oneram contabilisticamente as rubricas de pagamentos de pessoal mas, tão somente as prestações de serviços, os consumos finais de bens e serviços. Neste contexto, a redução dos gastos com os funcionários públicos é, em parte, com estas fórmulas de habilidade saloia, compensada, em termos de gasto público total,  permitindo negócios escusos e actividades sórdidas tendo como protagonistas empresários parasitas e mandarins corruptos.

Enfim, é o pendor criminoso do PS/PSD, com a dupla Sócrates/Teixeira dos Santos ou a actualmente em cena, Cavaco/Gaspar tendo a “troika” como pano de fundo e alibi para o acentuar do saque da multidão.


5 - Gastos em investimento

Será que o Estado português se decidiu por uma política investidora de cariz keynesiano para impulsionar a economia através de uma leitura retardada pelos ministros das finanças dos trabalhos de Haavelmo sobre o impacto do investimento? Será que essas iluminárias fundidas decidiram utilizar o gasto público para incentivar a economia privada, dentro dos princípios do “multiplicador” keynesiano, como foi seguido pela Irlanda até tempos recentes? Nada disso.

                                                                                         Fonte primária: Eurostat

Em Portugal, as verbas públicas contabilizadas como formação de capital mantêm-se praticamente estáveis no periodo considerado, com uma média de € 4600 M por ano depois de, nos primeiros anos contemplados no gráfico, ser somente ultrapassado no ritmo ascendente do investimento público pela Irlanda.

Essa estabilização é a que se regista para os países mais ricos, com estruturas mais fortes e matriz de relações económicas mais densas. Todos os outros “PIIGS” apresentam entre 1995/2010 uma maior aposta no investimento público, nomeadamente a Irlanda, até 2008.  Sublinhe-se que o valor referido para Portugal de € 4600 M por ano em formação de capital deve ser comparado com os € 28088 M investidos em Espanha que, no entanto só tem pouco mais de quatro vezes a população portuguesa; a Irlanda que tem 40% da população portuguesa apresentou um investimento público médio de € 4800 M.

O Estado português, não teve uma política desenvolvimentista não apostou particularmente em investimentos, nem canalizou para esta vertente, parcela conveniente de recursos públicos. Tem sido um Estado conservador que manifesta um evidente desprezo nas funções tradicionais, no investimento social (SNS, creches, lares de idosos, infraestruturas escolares, etc) mas não descura o apoio aos “agentes económicos” de modo direto ou indireto. Esse abandono pelo Estado das suas obrigações de gerar mais bem-estar da população, corrói a sua legitimidade e coloca na agenda uma actuação popular contra o carácter criminoso dos gangs no poder há várias décadas;

A ausência de investimento público é uma das poucas bandeiras brandidas pela esquerda institucional contra o actual estado de coisas. Sempre enlevada com a intervenção do Estado na vida da multidão, com os benefícios de um Estado tentacular e keynesiano, a esquerda institucional defende um Estado que zele pelos desmandos dos capitalistas, que regule a sua actuação mas… que se mantenha capitalista. A única diferença, neste contexto, seria que o mesmo Estado fosse dirigido por gente “séria”, numa postura moralista e paternalista de defensores de fórmulas de “democracia” participativa. Só quem andar distraido desconhece a existência de mandarins oriundos da “esquerda” com práticas distintas dos mandarins assumidos como de direita; a diferença entre eles é a da que separa a água benta da água da torneira.

Mais, conjunturalmente, pergunta-se: uma esquerda que defende o pagamento da dívida pública sem a questionar; que apenas implora taxas de juro mais baixas e prazos mais dilatados; que aponta para auditorias que não faz nem é capaz de fazer, com que argumentos defende um Estado keynesiano em paralelo com uma punção fiscal pesadissima e uma dívida asfixiante? Com que dinheiro? O dos investidores patriotas que repatriariam o dinheiro acumulado no exterior? Ou admitem uma saída do euro e um financiamento de base monetária, a partir das rotativas do Banco de Portugal?

Quando o ministro Gaspar aponta como possível uma nacionalização total ou parcial mas sempre temporária dos bancos, com o óbvio objectivo de salvar os bancos e os banqueiros da falência, como se compagina isso com a tradicional lógica nacionalizadora da esquerda institucional ou da vulgata trostsko-estalinista? Será que perceberão que nacionalização ou estatização não são soluções e que só a colectivização é que vale? Será que perceberão que a nomeação de mandarins para as empresas nacionalizadas nada altera as relações sociais, ou o poder dentro das empresas? Deixarão de odiar a auto-gestão?


6 - Compras e vendas de activos

O Eurostat oferece dados sobre o saldo entre as aquisições e as vendas de activos não financeiros nem produtos. Os valores acumulados no periodo 1995/2010 para os vários países considerados comportam situações muito distintas; a dos países vendedores e a dos países que acumulam capital público.
                                                                          M €
Alemanha
-79.109,0
Bélgica
-1.611,1
Espanha
7.007,7
França
29.361,5
Grécia
3.452,1
Hungria
-1.509,5
Irlanda
-308,7
Itália
-9.454,0
Portugal
-1.838,6
 Fonte primária: Eurostat

A Alemanha todos os anos tem um volume de vendas de activos superior ao das aquisições e, por seu turno, a França, seu cônjuge na gestão da Eurolândia procede exatamente ao contrário, tal como a Espanha e a Grécia.

A Itália, somente em 2000 procedeu a venda de activos e de valor significativo, aumentando o capital público em todos os outros anos do periodo considerado. Portugal, por seu turno, apresenta um predomínio de vendas de activos em cinco dos dezasseis anos considerados; em 2000 e 2002 e especialmente em 2008.

Sistematicamente, o poder em Portugal, vende imobiliário da segurança social ou compra e vende imóveis através de uma pouco conhecida Estamo, para além da gestão de participações financeiras através da mais conhecida Parpública. E como se sabe está prevista uma vasta campanha de saldos, já iniciada com a anulação das “golden share” sem quaisquer efeitos financeiros na redução da dívida pública. O património imobiliário da Parpública que valerá cerca de € 1900 M, sofreu uma quebra de € 37 M este ano (4).

Do ponto de vista da dívida pública a predominância das vendas sobre as compras de activos têm pouco impacto na sua redução. Todo o saldo acima referido de € 1.838,6 M referente ao periodo 1995/2010 não representa mais que 1.1% da dívida existente em finais do ano passado.


7 - Gastos de consumo final

Os consumos finais, de bens e serviços representam a principal parcela dos gastos públicos. Aqui se incluem as aquisições a terceiros exceptuando os bens de investimento ou equipamento que atrás foram contemplados como formação bruta de capital. Aqui encontra-se o cerne das prestações de serviços contratadas, as contratações de pessoal a recibo verde, mormente através de negreiros, os encargos com consultadorias de todos os tipos, as aquisições correntes de todas as áreas funcionais, nomeadamente na área de saúde. O detalhe deste tipo de consumos é complicado de conseguir, por excessivamente moroso uma vez que seria necessário percorrer os vários órgãos dos diversos ministérios, serviços autónomos, etc.

Como amostra do que se passará a nível da totalidade do aparelho estatal, observe-se a segmentação deste tipo de gastos correntes para o conjunto dos 308 municípios, no contexto da globalidade das despesas correntes;
 


2007
2009
Var. (%)
% do total
Total Despesas correntes
100
14,3
Despesas com o pessoal
46,2
45,2
11,9
Aquisição de bens e serviços
34,7
35,5
16,9
      Aquisição de serviços
26,6
27,7
19,2
      Aquisição de bens
8,1
7,8
9,5
Transferências correntes
10,3
10,2
13,4
Instituições sem fins lucrativos
5,2
5,0
11,2
Fonte primária: Aplicação informática SIPOCAL.

É bem claro – note-se a proximidade das datas dos números – o recuo ou estagnação do peso relativo de todas as principais rubricas dos gastos correntes, exceto no que se refere à aquisição de serviços, com reflexos no conjunto agregado das aquisições de bens e serviços. E note-se também que o crescimento de todas as despesas é muito superior ao aumento do rendimento global, no periodo considerado.

É, precisamente, aqui que se desenvolverão relações de favor entre autarcas e empresas de seus familiares, por exemplo; ou a aplicação da moda do “outsourcing”, da adjudicação de serviços que, em muitos casos, poderiam ser efectuados no âmbito da administração direta. Inclui-se aqui o recurso a trabalho externo mediatizado pelas quase incontornáveis empresas de trabalho temporário.

Uma forma expedita utilizada pelos autarcas é a criação de empresas municipais, cujo estatuto permite uma maior maleabilidade na compra de bens ou, na adjudicação de serviços. Aguarda-se a concretização das medidas de contenção de gastos públicos com a extinção de muitas das empresas municipais, expediente recente, nascido nos anos noventa do século passado.

A comparação da evolução observada para os gastos de consumo final para o conjunto de países seleccionados da Europa comunitária revela uma posição de preponderância de Portugal no periodo que se estende de 1999 até 2003. Esse ritmo de crescimento abranda posteriormente e é ultrapassado pela Hungria, pela Espanha e pela Grécia até ao ano transacto; para além do caso muito especial da Irlanda.

No caso dos países mais desenvolvidos o crescimento deste tipo de gastos é muito mais moderado, chamando-se a atenção para o percurso da Itália que, nos primeiros anos considerados mostra um impulso elevado, corrigido nos anos posteriores.

A Grécia e a Irlanda evidenciam particularmente os efeitos dos ajustamentos decretados pela intervenção das instituições do capitalismo global (BCE/UE/FMI); no caso dos países ibéricos, em 2010 há uma estagnação dos gastos de consumo final que, no caso português, não foi, como se sabe suficiente para aplacar os ímpetos compressores da “troika”.


A parcela do consumo final no total do gasto público mostra Portugal num lugar de destaque em 1995, só superado pela França mas, que revela, cinco anos depois, a maior proporção destes gastos no total da despesa, entre os países considerados. Em 2005, A Espanha e a Irlanda colocam-se à frente de Portugal, onde a representatividade deste tipo de gastos se mantém ao nível de 2000. No último ano, com as excepções da Alemanha e da Bélgica, todos os países mostram um pendor decrescente na representatividade destes gastos, com particular realce para a Irlanda.
Parcela do consumo final no gasto público total (%)



1995
2000
2005
2010

Alemanha
35,7
42,1
39,9
41,8

Bélgica
41,0
43,3
43,7
45,8

Espanha
40,7
44,0
46,9
46,2

França
43,5
44,3
44,3
43,8

Grécia
35,0
38,1
38,8
36,8

Hungria
41,9
45,0
45,0
43,8

Irlanda
40,0
44,5
45,7
28,5

Itália
34,2
39,9
42,2
42,0

Portugal
41,9
45,6
45,6
42,3

                                                                          Fonte primária: Eurostat

8 - Serviço de dívida

Apresentaram-se na primeira parte deste trabalho (1) elementos sobre o serviço de dívida português, nomeadamente em termos evolutivos e comparativos, clarificadores da situação portuguesa. Observou-se então que o serviço de dívida se reduziu desde 1995 em relação a vários parâmetros macroeconómicos só aumentando em anos mais recentes. Interessa agora, comparar essa evolução com a verificada para os vários países que se vêm acompanhando.

Relativamente a 1995, a evolução dos gastos com o serviço de dívida mostra-se decrescente para todos os países excepto a França que reduz esses gastos marcadamente em 2010. A partir de meados da primeira década do século a tendência ascendente inicia-se com a Hungria em 2003, seguindo-se Portugal e a Grécia, dois anos depois, logo seguidos pela Irlanda e a Espanha.

Portugal, tal como a Grécia, mostram bem um pendor ascensional a partir de 2006 e cujo prolongamento está previsto e de modo dramático para as próximas décadas, como se observou na primeira parte deste trabalho (1), para o caso português. Contudo, situam-se muito aquém da evolução evidenciada pela Irlanda a partir de 2008.


Ressalta, no essencial, que a evolução dos juros da dívida pública, não têm sido assinalável fonte de pressão para o desequilíbrio das contas públicas, nem sáo a origem para as novas dificuldades conducentes a planos de austeridade, cortes de “gordura” e vocábulos similares. Essa representatividade começa a aumentar em tempos recentes mas não é suficiente para justificar o recurso maciço ao endividamento; pelo contrário, é o endividamento, com base em outras causas, que se vem refletindo no serviço de dívida e, muito mais nos tempos que se avizinham.
Parcela do serviço de dívida no gasto público total (%)



1995
2000
2005
2010

Alemanha
6,4
7,0
6,0
5,1

Bélgica
17,0
13,5
8,3
6,7

Espanha
11,5
8,3
4,7
4,3

França
6,3
5,6
5,0
4,3

Grécia
24,6
15,8
10,5
11,1

Hungria
15,9
11,2
8,3
8,4

Irlanda
12,9
6,4
3,1
4,9

Itália
22,1
13,8
9,8
8,7

Portugal
13,5
7,1
5,3
6,0

                                                              Fonte primária: Eurostat
9 – Conclusões

  • Há um quadro global de falta de transparência dos actos de gestão pública, aos quais só acedem os mandarins das várias sedes do poder de Estado; quadro esse, propositadamente, gerado para afastar a multidão do controlo democrático;
  • O crescimento do gasto público global português é o mais baixo registado entre todos os países europeus de menor desenvolvimento considerados, entre 2007 e 2010;
  • O crescimento anémico do PIB torna-se insuficiente para a manutenção dos gastos públicos e não é o crescimento destes que obriga ao recurso ao endividamento. A contrapartida escolhida pelo poder dos gangs dirigidos pelo sector financeiro privilegia a redução dos gastos públicos de carácter social, bem definidos pela “troika”, levando de boleia os instintos anti-sociais do governo PSD/CDS;
  • Desde 2005, portanto, nos últimos seis anos, que em Portugal a massa de remunerações se apresenta estagnada. A sua evolução desde 1995 aproxima Portugal do comportamento dos países desenvolvidos, pese embora as diferenças salariais e de qualidade dos serviços públicos;
  • A redução dos gastos com o pessoal é compensada parcialmente com a contratação junto de empresas de trabalho temporário que é contabilizada entre os consumos finais;
  • Os gastos públicos de investimento apresentam-se a um baixo nível comparado, não sendo viável apontá-los como causa de deficits e endividamento; pelo contrário, o baixo nível do gasto em investimento público constitui um elemento que não tem potenciado o crescimento económico e o emprego. No domínio do investimento, os governos, dentro das suas concepções neoliberais atribuem a um sector privado incapaz e fraudulento a responsabilidade do investimento, protagonizando apenas atitudes de viabilização e clientelismo, de canalização de dinheiros públicos  para o sector privado. Os programas de obras públicas, a betonização, a proliferação de estradas com portagens, as obras e projetos faraónicos, as fórmulas criminosas de “parcerias” evidenciam essa privatização do investimento privado, com dinheiros públicos;
  • Ainda no âmbito do investimento, Portugal vendeu mais activos do que aqueles que adquiriu, pelo que decerto, o seu deficit não resultará de uma política de acumulação de activos, de capital. Por outro lado, as vendas, em periodo de recessão, não propiciam elevados preços, favorecendo apenas quem tem capitais elevados para investir e que, portanto, pode pressionar os preços para baixo. É, actualmente, bastante evidente, que o programa de privatizações anunciado pelo governo, efetuado em periodo de recessão e de alta pressão do Estado para angariar receitas, propiciará verdadeiros preços de saldo para os compradores;
  • Os gastos de consumo final constituem, em Portugal, o principal grupo das despesas públicas e o mais dinâmico na sua evolução, no periodo considerado. Há aí uma enorme margem para negócios escusos e de corrupção em paralelo com a execução de  políticas de “outsourcing” que favorecem os ineresses privados. Contudo, em todos os restantes PIIGS, exceto na Itália, o crescimento deste tipo de gastos é mais acentuado;
  • No periodo considerado, os encargos com a dívida mantêm-se num baixo nível, com pouca influência na progressão dos gastos públicos. Mesmo tendo em conta o seu crescimento a partir de 2006 somente nos últimos anos alcançam uma dimensão equiparada à que detinham em 1995. Não têm sido, naturalmente, a causa do deficit mas… em breve darão um bom contributo.
O gráfico seguinte sintetiza, para Portugal, a evolução, desde 1995, dos vários tipos de gastos públicos atrás considerados.

      
Em suma, em Portugal, a evolução do conjunto dos gastos públicos é marcado pelas aquisições para consumo final, a maior parcela daqueles. Os encargos com a dívida tiveram um efeito amortecedor na evolução da totalidade dos gastos e os gastos de investimento, descolaram completamente da evolução global a partir de 2001 quando se iniciou a actual fase de estagnação económica, insuscetível de gerar rendimentos para manter o mesmo nível de crescimento do gasto público.

Nesse contexto e para não prejudicar o ritmo de crescimento do gasto público global, o investimento primeiro e as remunerações dos trabalhadores depois, foram esses os principais instrumentos de contenção dos governos para que se mantivesse o mesmo ritmo ascendente dos consumos finais, que alimenta muitas empresas.

O esforço keynesiano de Sócrates a partir de 2007, ao retomar o crescimento do investimento público, corresponde ao esforço para preencher o livro de encomendas das empresas de obras públicas, a faturação dos consultores e a carteira de compromissos para com os bancos financiadores. Em paralelo, Sócrates ficou a orar para que a retoma chegasse e promovesse um novo periodo de crescimento; para que a exportação explodisse como motor do desenvolvimento; para que os capitais não emigrassem para a especulação ou investidos noutras paragens. Como os deuses não escutaram Sócrates, a recessão provocou retração do mercado interno e na cobrança de impostos, os bancos lusos ficaram sem poder contar com a tradicional cópula com o Estado e a “troika” instalou-se, para durar e fazer doer.

Entretanto o Passos, contrariado, lá teve de colocar o seu nome no governo de Cavaco e, contando com a beatitude de escuteiros típica do trinómio da ineficácia (PC/CGTP/BE) vai empobrecendo as pessoas que, sem alternativa credível, até preferem Passos antes que venha alguém pior. Portugal apodrece, lenta e inexoravelmente. Até quando?


setembro 2011

Notas:

(1)  Dívida pública - beneficiários e pagadores (1ª parte)



(4)  http://economico.sapo.pt/noticias/imobiliario-da-parpublica-vale-menos-37-milhoes_126452.html


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