1
- Introdução
2
– Gastos com pessoal e com fornecimentos e serviços de terceiros
3
– As apetências para o “outsourcing”
4
– O Estado como instrumento de financiamento privado
1
– Introdução
Demonstrou-se
em outro artigo (1) que os encargos com os trabalhadores ao serviço do Estado
português estagnam no periodo 2005/2010, sendo claro que se irão reduzir em
2011, por obra e graça das várias hierarquias e nacionalidades dos sacerdotes
do neoliberalismo.
No
que se refere à Segurança Social (SS) estabeleceu-se aqui a uma comparação da
evolução registada para os custos com o pessoal e os fornecimentos e serviços
externos, tomando como base o ano de 2004. É apenas um dos elementos de
descapitalização da SS a favor de interesses que não são os daqueles que têm
direitos sobre os seus fundos; e nem sequer o mais relevante desses elementos.
2
– Gastos com pessoal e com fornecimentos e serviços de terceiros
Observa-se
que a um relativo paralelismo verificado em 2005, entre as duas rubricas
contabilisticas, se segue uma continuada redução dos gastos com os
trabalhadores e uma dinâmica francamente ascendente dos fornecimentos e
serviços de terceiros.
A
situação revela que num curto periodo de sete anos os encargos com os
trabalhadores, que eram 3.7 vezes superiores à outra rubrica aqui cotejada, em
2004, passaram para menos de 2.5 vezes em 2010. Os custos laborais, nos dois
anos extremos do intervalo temporal passaram de € 369 M para € 354.8 M e os
fornecimentos de serviços externos de € 99.5 M para € 130 M.
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
3,71
|
3,79
|
3,52
|
3,17
|
3,01
|
2,88
|
2,49
|
Fonte
primária: Contas da SS
Procede-se
em seguida a um exercício em torno do volume da massa salarial dos
trabalhadores da SS em 2008 e 2009 no Continente, nos Açores e na Madeira e que
consideramos assaz revelador da situação de favor relativamente à mafia
encabeçada pelo Bokassa madeirense.
Tendo
em consideração que os encargos globais com os serviços prestados por aqueles
trabalhadores se referem à grande maioria da população, em grandes números, as
suas variações não serão grandes. Para o total do país, para o Continente e
para as Regiões Autónomas, as capitações por habitante são:
(euros)
2008
|
2009
|
|
Portugal
|
33,4
|
33,6
|
Continente
|
31,4
|
31,4
|
Açores
|
47.3
|
46.7
|
Madeira
|
96.6
|
102.4
|
Fonte primária: Contas da SS
Compreende-se
que essas capitações sejam mais elevados nos Açores dado que a dispersão do
território açoriano por nove ilhas obriga a maior recrutamento de trabalhadores
e custos adicionais de cobertura de população; tal como acontecerá em áreas
mais deprimidas e isoladas da área continental. Ora, como explicar que os
serviços da SS na Madeira precisem de dispender com os seus trabalhadores mais
de três vezes aquilo que é gasto no Continente? Será mais um caso da gestão
criminosa do AJJ e do seu gang PSD/M que amplia e muito o que se passa na
totalidade do país, com os seus irmãos protectores PSD/PS?
A
situação não se verifica apenas nos dois anos considerados. Entre 2004 e 2010,
a totalidade dos gastos com pessoal da SS portuguesa decresceu 12.3%, como
acima se evidenciou graficamente; porém, até 2009, na Madeira cresceu 24,8% e
nos Açores 10.2%, embora aqui com valores absolutos quase constantes desde 2006.
3
– As apetências para o “outsourcing”
É
conhecido que a opção de gestão pelo “outsourcing”, pela contratualização de
serviços no exterior, está longe de ser apenas uma opção técnica. A política
introduz enviezamentos que destroem qualquer racionalismo a essa opção. De
facto, no capitalismo, a acumulação privada de capital nem sempre promove uma boa
gestão das instituições.
Numa
empresa, o recurso a serviços externos, ocasionais ou periféricos, no contexto
da sua actividade principal pode, muito claramente, representar uma forma de
aumentar o seu rendimento global, com a aquisição no exterior de serviços especializados
ou daqueles que a empresa não pode produzir internamente por razões de escala.
Porém,
a utilização de serviços externos atinge duramente a relação entre as empresas
e os seus trabalhadores, através da precarização dos últimos, da sua atomização,
tomados não como elementos portadores da capacidade produtiva mas, como
mercadorias fornecidas por um capitalista a outro capitalista. E esta última
caracteristica faz esquecer questões técnicas de organização da produção para
se situar no contexto da realidade social e política, do controlo biopolítico
inerente às sociedades capitalistas de hoje.
Esta
característica no que concerne à organização do trabalho e à gestão das relações
laborais é também válida, em toda a sua extensão para as instituições estatais
ou públicas, tornando-se também norma na maioria das entidades não lucrativas;
e isto, apesar de, na esquerda institucional, devido ao seu culto do Estado, ingenuamente
se considerar que as entidades públicas não deverão estar imbuídas das mesmas
normas que as empresas privadas.
O
que diferencia, neste capítulo, as empresas privadas das instituições públicas
é que as primeiras têm como fim único a sua rendabilidade, tomando como
instrumento a fragilização do poder dos trabalhadores ao seu serviço e um
rebaixamento dos custos com os mesmos. Por seu turno, o Estado, tem a mesma
atitude face aos trabalhadores, mas no que se refere à aquisição de serviços no
exterior tem objectivos especificos e diversificados que não passam pela
geração de maiores lucros.
A
contratação de serviços a empresas privadas por parte do Estado insere-se na
complexa e íntima relação daquele com os capitalistas no seu conjunto; e nessa
relação preponderam objectivos de “viabilização” das empresas, de contribuição para
a sua maior rendabilidade. Essa proteção exige uma hierarquização prévia das
empresas e dos capitalistas na luta pelas delícias do orçamento, com a inerente
influência e oferta de contrapartidas aos mandarins em geral e partidos no
poder em particular. Mais rouba quem mais manda.
Em
suma, a aquisição de serviços tem uma componente que corresponde à função
“redistribuidora” do Estado, do dinheiro dos impostos, a favor do capital;
embora seja mais falada a redistribuição a favor da multidão, dos pobres,
sempre tomados como os grandes responsáveis pelos deficits e das dívidas causados
pelo mandarinato na gestão da coisa pública. Essa função “redistribuidora” do
Estado, a favor dos capitalistas vem aumentando de relevância à medida que a
estagnação invade as economias mais ricas e torna os capitalistas, no seu
conjunto mais dependentes dos apoios públicos; e, essa vertente redistribuidora
prevalece sobre a que beneficia os trabalhadores, evidenciando o feliz
casamento entre capitalismo e Estado.
Seleccionou-se
para o periodo 2005/2009 (2) um conjunto de rubricas contabilísticas que
englobam os serviços mais significativos desse “outsourcing” – honorários,
limpeza, higiene e conforto, vigilância e segurança, trabalhos especializados e
serviços fornecidos pela banca.
De
2005 para 2009, o conjunto daquelas rubricas contabilísticas, passou de € 32.4
M para € 57 M, revelando um aumento de 75.8% contra apenas 27.2% da totalidade
dos fornecimentos de serviços externos, no mesmo periodo.
Entre
os serviços contratados, a vigilância e segurança ou os serviços de limpeza
referem-se a actividades de baixos salários e horários de trabalho longos, por
turnos e que há muito foram objecto de “externalização” por parte dos entes
públicos. Toda a gente conhece as mulheres, muitas vezes imigrantes, que
procedem às limpezas, como se conhecem as pessoas que passam horas a fio em
trabalho de portaria ou segurança e que substituiram trabalhadores efectivos,
com direitos, que antes exerciam as mesmas funções. São trabalhadores muitas
vezes reformados, aos quais se impõem salários baixos, regras penosas de
trabalho,e colocados nas instituições públicas por empresas que são verdadeiros
negreiros. Estas empresas e, sobretudo, as de trabalho temporário são
verdadeiros exemplos do parasitismo capitalista, até porque demasiadas vezes
aproveitam o laxismo fiscal para constituirem dívidas imensas para com a SS, de
contribuições patronais que não pagam, quando não procedem à retenção criminosa
do dinheiro descontado pelos trabalhadores. A lista divulgada dos devedores da
SS – cujos critérios de constituição ninguém sabe – mostra sete empresas de
limpeza ou segurança com dívidas superiores a meio milhão de euros.
Estes
negreiros, contudo e os bancos não têm sido os mais beneficiados pela política
de recurso ao mercado para a prestação de serviços. O mesmo não sucede com os
honorários cujo valor pago cresceu 114.7% ou com os trabalhos especializados
que aumentaram 219.3% no periodo 2005/2009.
O
peso das rubricas seleccionadas entre todos os serviços externos, aumenta de
33.4% para 46.2% no periodo considerado e isso deve-se exclusivamente aos
gastos com honorários e trabalhos especializados cujo crescimento conjunto
passa de 11.9% do total em 2005 para 24.9% em 2009. Dados mais recentes
indicarão se a crise atingiu esta deriva ou, se os interesses privados incrustrados
dentro do aparelho se sobrepuzeram à relevância da dívida.
Fornecimentos
e serviços externos
|
|||||
(%
do total)
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
Honorários
|
6,2
|
9,2
|
9,7
|
10,5
|
10,5
|
Limpeza, higiene e conforto
|
6,9
|
6,6
|
6,2
|
6,4
|
6,6
|
Vigilância e segurança
|
5,4
|
5,5
|
5,1
|
5,5
|
5,9
|
Trabalhos especializados
|
5,7
|
6,2
|
11,5
|
10,9
|
14,4
|
Serv. Prest. pela banca e outras
entidades
|
9,2
|
9,0
|
9,0
|
10,6
|
8,8
|
soma
|
33,4
|
36,5
|
41,6
|
43,9
|
46,2
|
Fonte primária: Contas da
SS
Em
contraponto, a evolução dos efectivos de pessoal evidencia uma quebra marcada
no periodo 2005/2009. Contrariamente às tendências para um reforço das
qualificações instaladas nas instituições, a SS reduz em 16.6% o número de
quadros técnicos, o que equivale a uma saída de 907 pessoas, havendo indicações
de que a sangria continuará nos nos anos que se seguiram e seguem.
dirigente
|
-6,9
|
técnico
|
-16,6
|
administrativo
|
-15,0
|
auxiliar
|
-24,4
|
total
|
-18,4
|
Fonte primária: Conta da SS 2009
Pode-se
proceder a uma simulação da evolução dos encargos com honorários e trabalhos
especializados, considerando as taxas de crescimento anual observadas para o
conjunto dos fornecimentos e serviços de terceiros. Nessa linha de pensamento,
os cálculos revelam que não teriam sido gastos, no periodo 2005/2009, cerca de
€ 17.3 M e € 23.7 M, respectivamente, para os honorários pagos e para os
trabalhos especializados.
4
– O Estado como instrumento de financiamento privado
O
que se descreveu atrás é uma das múltiplas formas de demonstrar como o
funcionamento do Estado está virado para a canalização de rendimentos para
empresas privadas; por um lado, descapitalizam-se os elencos de pessoal qualificado
e, subsequentemente viabilizam-se empresas e capitalistas fornecedores de
serviços. Assim se trabalha para a criação dos deficits.
Foi
no tempo de Cavaco que o Estado começou a extinguir os gabinetes de estudos e
planeamento, despojando a administração pública de competências acumuladas no
conhecimento e na análise das várias áreas.
Começou
a roda viva do recurso a empresas de consultadoria que, em muitos casos, mais
não fazem que recorrer a técnicos da administração pública para, em regime de
profissionais liberais, efectuarem os estudos devidos. Em outros casos, são os
próprios trabalhadores das consultoras que se instalam nos serviços públicos
para executarem as funções, que acompanham as chefias dos serviços, como
assessores. E isso, anos a fio, como no caso do Instituto de Informática,
integrado no aparelho da SS, criado há uns dez anos por um dos fundadores da
Novabase e que protagonizou uma gestão técnica incompetente e com gastos
financeiros enormes para a SS.
Como
é evidente, o alastramento desta lógica tem custos muito elevados mas que os
inteligentes decisores públicos consideram conveniente para manterem uma
estrutura aligeirada. De facto, a contratação de técnicos qualificados, que no
sector privado são bem pagos iria constituir uma pressão para a elevação dos
salários na administração pública. Assim, os mesmos trabalham no Estado como
quadros de empresas contratadas, sem qualquer vínculo e, em regra, contratados pelas consultoras sob o
regime de recibo verde, nos escalões mais executivos.
Este
procedimento constitui, de facto, o estabelecimento de verdadeiras parcerias
público-privadas.
Daqui
resultam efeitos estratégicos muito relevantes. Asseguradas as funções técnicas
mais qualificadas, de análise, gestão de informação e prospectiva por empresas
privadas, é evidente que o conhecimento nessas áreas de conteúdo imaterial
dificilmente são transferíveis para os serviços públicos, para os seus
trabalhadores. E portanto, as consultoras ficam ad eternum condenadas a uma consultadoria permanente e duradoura.
Por
outro lado, as consultoras sabem bem como criar necessidades para os serviços
onde actuam, para eternizar a prestação dos seus serviços. Como são as
detentoras do conhecimento sistémico, poderão mesmo criar necessidades artificiosas
para facturarem, beneficiando da rápida rotação de mandarins que acompanha as
mudanças governamentais.
Essa
ausência de pensamento estratégico ou visão sistémica da generalidade dos
dirigentes de topo da administração pública não evita, por exemplo, no caso da
área informática, que dos produtos das várias consultoras envolvidas, funcionando
sem efectiva coordenação e em concorrência umas com as outras, surgem
incompatibilidades, geradoras de cacofonia informática que vai exigir novas
aplicações. Adivinhem quem paga.
Quando
começou toda esta orgia da consultadoria externa na área da informática
levantou-se a questão do acesso de empresas privadas a bases de dados recheadas
de dados pessoais, de segmentos muito vastos da população e de empresas. Essa questão
deixou de ser colocada e de facto, ninguém poderá garantir que não possa
existir uma ínvia comercialização de dados por parte de quem os controla.
Ainda
no âmbito da consultadoria, recordamos, já na parte final do consulado
cavaquista como primeiro-ministro, a veneração saloia para com uma estrela
americana da gestão, o Porter, genial inventor do conceito de “cluster”,
veneração essa ampliada pelos media da paróquia. Acontece que mesmo génios como
o Porter podem cometer dislates como, ao avaliar as potencialidades do
Alentejo, o guru ou os seus avisados lugar-tenentes, sublinharam a importância
do vinho branco (esquecendo os tintos) e ignoraram os mármores (aí
compreende-se pois não os terá visto dado que estão enterrados no solo).
Perante esta anedota foram os alentejanos que riram. O Porter cobrava bem e em
dólares.
Recorda-se
também, o famoso estudo encomendado pela EDP a uma sumidade mundial que também
cobrava bem e em dólares, a quem competia demonstrar que as gravuras do Coa
podiam ser inundadas, dado serem obra de pastores quase contemporâneos(?),
podendo as betoneiras começar a trabalhar para fazer uma barragem. O pior foi
quando se descobriu que a tal sumidade não passava de um charlatão.
Entretanto,
assentou praça na EDP o consagrado Mexia que mandou parir um Plano Nacional de
Barragens que poderá produzir uns espantosos 3.2% do consumo anual pela módica
quantia de € 16000 M; para quanto irá aumentar a electricidade? Entretanto e
mais recentemente, o impagável Mexia mandou pintar em amarelo choque a barragem
da Bemposta em Mogadoro, no âmbito de mais um dos seus avisados actos de gestão
(3)
- - - - -- -
Esta
análise é muito parcelar e meramente elucidativa de procedimentos generalizados
em todas as instituições públicas e que apresentam dois tipos essenciais de
beneficiários. Por um lado, as empresas de advocacia, detidas por barões muito
presentes nos directórios dos partidos da direita e nas administrações das
empresas do regime; e que, por sua vez, nomeiam como secretários de estado ou
assessores governamentais, os seus funcionários com maior propensão para
mandarins. Por outro lado, na área da gestão e da informática, a consultadoria
é centrada em poucas empresas, como a Accenture, a Cap Gemini, a Delloitte, a
Price, a Novabase e poucas mais.
Em
breve analisaremos formas de maior relevância para a descapitalização da SS.
- - - - - --
- -- -
Notas:
(2) não está publicada a Conta da SS de 2010 e, em 2004 o
detalhe apresentado na respectiva Conta não contemplava estes elementos
(3) http://grazia-tanta.blogspot.com/2011/12/gestao-energetica-ren-e-as-mexidas-de.html
Este
ou outros textos em:
Sem comentários:
Enviar um comentário