quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Segurança Social – processos de descapitalização

Sumário

1 - Introdução
2 – Gastos com pessoal e com fornecimentos e serviços de terceiros
3 – As apetências para o “outsourcing”
4 – O Estado como instrumento de financiamento privado

1 – Introdução

Demonstrou-se em outro artigo (1) que os encargos com os trabalhadores ao serviço do Estado português estagnam no periodo 2005/2010, sendo claro que se irão reduzir em 2011, por obra e graça das várias hierarquias e nacionalidades dos sacerdotes do neoliberalismo.

No que se refere à Segurança Social (SS) estabeleceu-se aqui a uma comparação da evolução registada para os custos com o pessoal e os fornecimentos e serviços externos, tomando como base o ano de 2004. É apenas um dos elementos de descapitalização da SS a favor de interesses que não são os daqueles que têm direitos sobre os seus fundos; e nem sequer o mais relevante desses elementos.

2 – Gastos com pessoal e com fornecimentos e serviços de terceiros

Observa-se que a um relativo paralelismo verificado em 2005, entre as duas rubricas contabilisticas, se segue uma continuada redução dos gastos com os trabalhadores e uma dinâmica francamente ascendente dos fornecimentos e serviços de terceiros.


A situação revela que num curto periodo de sete anos os encargos com os trabalhadores, que eram 3.7 vezes superiores à outra rubrica aqui cotejada, em 2004, passaram para menos de 2.5 vezes em 2010. Os custos laborais, nos dois anos extremos do intervalo temporal passaram de € 369 M para € 354.8 M e os fornecimentos de serviços externos de € 99.5 M para € 130 M.

2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
3,71
3,79
3,52
3,17
3,01
2,88
2,49
                                                                                                       Fonte primária: Contas da SS

Procede-se em seguida a um exercício em torno do volume da massa salarial dos trabalhadores da SS em 2008 e 2009 no Continente, nos Açores e na Madeira e que consideramos assaz revelador da situação de favor relativamente à mafia encabeçada pelo Bokassa madeirense.

Tendo em consideração que os encargos globais com os serviços prestados por aqueles trabalhadores se referem à grande maioria da população, em grandes números, as suas variações não serão grandes. Para o total do país, para o Continente e para as Regiões Autónomas, as capitações por habitante são:
                                                                                       (euros)

2008
2009
Portugal
33,4
33,6
Continente
31,4
31,4
Açores
47.3
46.7
Madeira
96.6
102.4
                                                         Fonte primária: Contas da SS

Compreende-se que essas capitações sejam mais elevados nos Açores dado que a dispersão do território açoriano por nove ilhas obriga a maior recrutamento de trabalhadores e custos adicionais de cobertura de população; tal como acontecerá em áreas mais deprimidas e isoladas da área continental. Ora, como explicar que os serviços da SS na Madeira precisem de dispender com os seus trabalhadores mais de três vezes aquilo que é gasto no Continente? Será mais um caso da gestão criminosa do AJJ e do seu gang PSD/M que amplia e muito o que se passa na totalidade do país, com os seus irmãos protectores PSD/PS?

A situação não se verifica apenas nos dois anos considerados. Entre 2004 e 2010, a totalidade dos gastos com pessoal da SS portuguesa decresceu 12.3%, como acima se evidenciou graficamente; porém, até 2009, na Madeira cresceu 24,8% e nos Açores 10.2%, embora aqui com valores absolutos quase constantes desde 2006.

3 – As apetências para o “outsourcing”

É conhecido que a opção de gestão pelo “outsourcing”, pela contratualização de serviços no exterior, está longe de ser apenas uma opção técnica. A política introduz enviezamentos que destroem qualquer racionalismo a essa opção. De facto, no capitalismo, a acumulação privada de capital nem sempre promove uma boa gestão das instituições.

Numa empresa, o recurso a serviços externos, ocasionais ou periféricos, no contexto da sua actividade principal pode, muito claramente, representar uma forma de aumentar o seu rendimento global, com a aquisição no exterior de serviços especializados ou daqueles que a empresa não pode produzir internamente por razões de escala.

Porém, a utilização de serviços externos atinge duramente a relação entre as empresas e os seus trabalhadores, através da precarização dos últimos, da sua atomização, tomados não como elementos portadores da capacidade produtiva mas, como mercadorias fornecidas por um capitalista a outro capitalista. E esta última caracteristica faz esquecer questões técnicas de organização da produção para se situar no contexto da realidade social e política, do controlo biopolítico inerente às sociedades capitalistas de hoje.

Esta característica no que concerne à organização do trabalho e à gestão das relações laborais é também válida, em toda a sua extensão para as instituições estatais ou públicas, tornando-se também norma na maioria das entidades não lucrativas; e isto, apesar de, na esquerda institucional, devido ao seu culto do Estado, ingenuamente se considerar que as entidades públicas não deverão estar imbuídas das mesmas normas que as empresas privadas.

O que diferencia, neste capítulo, as empresas privadas das instituições públicas é que as primeiras têm como fim único a sua rendabilidade, tomando como instrumento a fragilização do poder dos trabalhadores ao seu serviço e um rebaixamento dos custos com os mesmos. Por seu turno, o Estado, tem a mesma atitude face aos trabalhadores, mas no que se refere à aquisição de serviços no exterior tem objectivos especificos e diversificados que não passam pela geração de maiores lucros.

A contratação de serviços a empresas privadas por parte do Estado insere-se na complexa e íntima relação daquele com os capitalistas no seu conjunto; e nessa relação preponderam objectivos de “viabilização” das empresas, de contribuição para a sua maior rendabilidade. Essa proteção exige uma hierarquização prévia das empresas e dos capitalistas na luta pelas delícias do orçamento, com a inerente influência e oferta de contrapartidas aos mandarins em geral e partidos no poder em particular. Mais rouba quem mais manda.

Em suma, a aquisição de serviços tem uma componente que corresponde à função “redistribuidora” do Estado, do dinheiro dos impostos, a favor do capital; embora seja mais falada a redistribuição a favor da multidão, dos pobres, sempre tomados como os grandes responsáveis pelos deficits e das dívidas causados pelo mandarinato na gestão da coisa pública. Essa função “redistribuidora” do Estado, a favor dos capitalistas vem aumentando de relevância à medida que a estagnação invade as economias mais ricas e torna os capitalistas, no seu conjunto mais dependentes dos apoios públicos; e, essa vertente redistribuidora prevalece sobre a que beneficia os trabalhadores, evidenciando o feliz casamento entre capitalismo e Estado.

Seleccionou-se para o periodo 2005/2009 (2) um conjunto de rubricas contabilísticas que englobam os serviços mais significativos desse “outsourcing” – honorários, limpeza, higiene e conforto, vigilância e segurança, trabalhos especializados e serviços fornecidos pela banca.

De 2005 para 2009, o conjunto daquelas rubricas contabilísticas, passou de € 32.4 M para € 57 M, revelando um aumento de 75.8% contra apenas 27.2% da totalidade dos fornecimentos de serviços externos, no mesmo periodo.

Entre os serviços contratados, a vigilância e segurança ou os serviços de limpeza referem-se a actividades de baixos salários e horários de trabalho longos, por turnos e que há muito foram objecto de “externalização” por parte dos entes públicos. Toda a gente conhece as mulheres, muitas vezes imigrantes, que procedem às limpezas, como se conhecem as pessoas que passam horas a fio em trabalho de portaria ou segurança e que substituiram trabalhadores efectivos, com direitos, que antes exerciam as mesmas funções. São trabalhadores muitas vezes reformados, aos quais se impõem salários baixos, regras penosas de trabalho,e colocados nas instituições públicas por empresas que são verdadeiros negreiros. Estas empresas e, sobretudo, as de trabalho temporário são verdadeiros exemplos do parasitismo capitalista, até porque demasiadas vezes aproveitam o laxismo fiscal para constituirem dívidas imensas para com a SS, de contribuições patronais que não pagam, quando não procedem à retenção criminosa do dinheiro descontado pelos trabalhadores. A lista divulgada dos devedores da SS – cujos critérios de constituição ninguém sabe – mostra sete empresas de limpeza ou segurança com dívidas superiores a meio milhão de euros.

Estes negreiros, contudo e os bancos não têm sido os mais beneficiados pela política de recurso ao mercado para a prestação de serviços. O mesmo não sucede com os honorários cujo valor pago cresceu 114.7% ou com os trabalhos especializados que aumentaram 219.3% no periodo 2005/2009.


O peso das rubricas seleccionadas entre todos os serviços externos, aumenta de 33.4% para 46.2% no periodo considerado e isso deve-se exclusivamente aos gastos com honorários e trabalhos especializados cujo crescimento conjunto passa de 11.9% do total em 2005 para 24.9% em 2009. Dados mais recentes indicarão se a crise atingiu esta deriva ou, se os interesses privados incrustrados dentro do aparelho se sobrepuzeram à relevância da dívida.

Fornecimentos e serviços externos                                                       
                                                      (% do total)
2005
2006
2007
2008
2009
      Honorários
6,2
9,2
9,7
10,5
10,5
      Limpeza, higiene e conforto
6,9
6,6
6,2
6,4
6,6
      Vigilância e segurança
5,4
5,5
5,1
5,5
5,9
      Trabalhos especializados
5,7
6,2
11,5
10,9
14,4
      Serv. Prest. pela banca e outras entidades
9,2
9,0
9,0
10,6
8,8
soma
33,4
36,5
41,6
43,9
46,2
                                                                                              Fonte primária: Contas da SS

Em contraponto, a evolução dos efectivos de pessoal evidencia uma quebra marcada no periodo 2005/2009. Contrariamente às tendências para um reforço das qualificações instaladas nas instituições, a SS reduz em 16.6% o número de quadros técnicos, o que equivale a uma saída de 907 pessoas, havendo indicações de que a sangria continuará nos nos anos que se seguiram e seguem.

dirigente
-6,9
técnico
-16,6
administrativo
-15,0
auxiliar
-24,4
total
-18,4
                                                           Fonte primária: Conta da SS 2009

Pode-se proceder a uma simulação da evolução dos encargos com honorários e trabalhos especializados, considerando as taxas de crescimento anual observadas para o conjunto dos fornecimentos e serviços de terceiros. Nessa linha de pensamento, os cálculos revelam que não teriam sido gastos, no periodo 2005/2009, cerca de € 17.3 M e € 23.7 M, respectivamente, para os honorários pagos e para os trabalhos especializados.

4 – O Estado como instrumento de financiamento privado

O que se descreveu atrás é uma das múltiplas formas de demonstrar como o funcionamento do Estado está virado para a canalização de rendimentos para empresas privadas; por um lado, descapitalizam-se os elencos de pessoal qualificado e, subsequentemente viabilizam-se empresas e capitalistas fornecedores de serviços. Assim se trabalha para a criação dos deficits.

Foi no tempo de Cavaco que o Estado começou a extinguir os gabinetes de estudos e planeamento, despojando a administração pública de competências acumuladas no conhecimento e na análise das várias áreas.

Começou a roda viva do recurso a empresas de consultadoria que, em muitos casos, mais não fazem que recorrer a técnicos da administração pública para, em regime de profissionais liberais, efectuarem os estudos devidos. Em outros casos, são os próprios trabalhadores das consultoras que se instalam nos serviços públicos para executarem as funções, que acompanham as chefias dos serviços, como assessores. E isso, anos a fio, como no caso do Instituto de Informática, integrado no aparelho da SS, criado há uns dez anos por um dos fundadores da Novabase e que protagonizou uma gestão técnica incompetente e com gastos financeiros enormes para a SS.

Como é evidente, o alastramento desta lógica tem custos muito elevados mas que os inteligentes decisores públicos consideram conveniente para manterem uma estrutura aligeirada. De facto, a contratação de técnicos qualificados, que no sector privado são bem pagos iria constituir uma pressão para a elevação dos salários na administração pública. Assim, os mesmos trabalham no Estado como quadros de empresas contratadas, sem qualquer vínculo e,  em regra, contratados pelas consultoras sob o regime de recibo verde, nos escalões mais executivos.

Este procedimento constitui, de facto, o estabelecimento de verdadeiras parcerias público-privadas.

Daqui resultam efeitos estratégicos muito relevantes. Asseguradas as funções técnicas mais qualificadas, de análise, gestão de informação e prospectiva por empresas privadas, é evidente que o conhecimento nessas áreas de conteúdo imaterial dificilmente são transferíveis para os serviços públicos, para os seus trabalhadores. E portanto, as consultoras ficam ad eternum condenadas a uma consultadoria permanente e duradoura.

Por outro lado, as consultoras sabem bem como criar necessidades para os serviços onde actuam, para eternizar a prestação dos seus serviços. Como são as detentoras do conhecimento sistémico, poderão mesmo criar necessidades artificiosas para facturarem, beneficiando da rápida rotação de mandarins que acompanha as mudanças governamentais.

Essa ausência de pensamento estratégico ou visão sistémica da generalidade dos dirigentes de topo da administração pública não evita, por exemplo, no caso da área informática, que dos produtos das várias consultoras envolvidas, funcionando sem efectiva coordenação e em concorrência umas com as outras, surgem incompatibilidades, geradoras de cacofonia informática que vai exigir novas aplicações. Adivinhem quem paga.

Quando começou toda esta orgia da consultadoria externa na área da informática levantou-se a questão do acesso de empresas privadas a bases de dados recheadas de dados pessoais, de segmentos muito vastos da população e de empresas. Essa questão deixou de ser colocada e de facto, ninguém poderá garantir que não possa existir uma ínvia comercialização de dados por parte de quem os controla.

Ainda no âmbito da consultadoria, recordamos, já na parte final do consulado cavaquista como primeiro-ministro, a veneração saloia para com uma estrela americana da gestão, o Porter, genial inventor do conceito de “cluster”, veneração essa ampliada pelos media da paróquia. Acontece que mesmo génios como o Porter podem cometer dislates como, ao avaliar as potencialidades do Alentejo, o guru ou os seus avisados lugar-tenentes, sublinharam a importância do vinho branco (esquecendo os tintos) e ignoraram os mármores (aí compreende-se pois não os terá visto dado que estão enterrados no solo). Perante esta anedota foram os alentejanos que riram. O Porter cobrava bem e em dólares.

Recorda-se também, o famoso estudo encomendado pela EDP a uma sumidade mundial que também cobrava bem e em dólares, a quem competia demonstrar que as gravuras do Coa podiam ser inundadas, dado serem obra de pastores quase contemporâneos(?), podendo as betoneiras começar a trabalhar para fazer uma barragem. O pior foi quando se descobriu que a tal sumidade não passava de um charlatão.

Entretanto, assentou praça na EDP o consagrado Mexia que mandou parir um Plano Nacional de Barragens que poderá produzir uns espantosos 3.2% do consumo anual pela módica quantia de € 16000 M; para quanto irá aumentar a electricidade? Entretanto e mais recentemente, o impagável Mexia mandou pintar em amarelo choque a barragem da Bemposta em Mogadoro, no âmbito de mais um dos seus avisados actos de gestão (3)

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Esta análise é muito parcelar e meramente elucidativa de procedimentos generalizados em todas as instituições públicas e que apresentam dois tipos essenciais de beneficiários. Por um lado, as empresas de advocacia, detidas por barões muito presentes nos directórios dos partidos da direita e nas administrações das empresas do regime; e que, por sua vez, nomeiam como secretários de estado ou assessores governamentais, os seus funcionários com maior propensão para mandarins. Por outro lado, na área da gestão e da informática, a consultadoria é centrada em poucas empresas, como a Accenture, a Cap Gemini, a Delloitte, a Price, a Novabase e poucas mais.

Em breve analisaremos formas de maior relevância para a descapitalização da SS.

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Notas:


(2)   não está publicada a Conta da SS de 2010 e, em 2004 o detalhe apresentado na respectiva Conta não contemplava estes elementos

(3) http://grazia-tanta.blogspot.com/2011/12/gestao-energetica-ren-e-as-mexidas-de.html


Este ou outros textos em:




www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt

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