quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Esta “esquerda” é a tranquilidade da direita


Esta “esquerda” é a tranquilidade da direita           

Sumário

Uma justificação
1 – A sombria realidade que entra por portas e janelas
2 – O continuado empenho da esquerda institucional na conservação do sistema
3 – Para a multidão em Portugal, a esquerda institucional de pouco tem servido
a)    Uma repartição escandalosa do rendimento
b)    O salário médio em Portugal e na Europa
c)    O salário mínimo em Portugal e na Europa
d)    A conflitualidade – o número de greves
e)    A conflitualidade – o número de dias de greve
f)       A conflitualidade – o número de trabalhadores grevistas
g)    Conflitualidade em Portugal (1990/2007)
h)    Votação na esquerda institucional em legislativas
4 -  A necessidade de reflexão e mudança de paradigma

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Uma justificação

A realidade política comporta aspectos estruturais como a economia e as instituições, bem como elementos subjetivos, como a percepção da realidade por parte da multidão e, sobretudo, como esta reage e se organiza face à calamitosa situação que se vive. Como pretensos intérpretes da realidade social, do sentir das “massas”; como presumidos protagonistas da transformação social, como iluminados condutores do povo ignaro, os partidos ditos de esquerda assumem um papel de grande relevo e responsabilidade.

A análise da conduta e da eficácia histórica e actual dessa “esquerda” é uma necessidade para cuja satisfação contribuimos com este texto. Essa análise decorre de dois aspetos. Primeiro, da urgente necessidade de uma actuação transformadora saida da multidão mundial, europeia, ibérica e portuguesa, em particular, perante a brutalidade do torniquete apertado pelo capitalismo e pelos seus mandarins. Em segundo lugar, dada a incorrigível postura de auto-ungidos lideres da multidão, nunca escondida por essa “esquerda” pouco dada à tolerância com quem os conteste; ora recorrendo aos poderes estatais, como órgãos não assumidos do sistema, ora infiltrando pequenos grupos de militantes provocadores para influenciar, controlar, distorcer ou destruir qualquer movimento social que, autonomamente, surja na sociedade. Em qualquer das hipóteses, o sistema capitalista cleptocrático agradece e paga.

É precisamente sobre as propostas e actuações da “esquerda” institucional portuguesa que aqui nos debruçamos, com a crueza e a frontalidade habituais que cultivamos.

Pretende-se o reforço de um debate, ainda algo subterrâneo, sobre a necessidade de construir um movimento social, transformador, plural, gerador de consensos alargados, não partidarizado e com capacidade para repelir manipulações partidárias ou outras; e composto por grupos ligados através de um enxame de redes, pleno de uma heterogeneidade, que represente toda a multidão, contra o capitalismo, as suas instituições políticas e económicas.


1 – A sombria realidade que entra por portas e janelas

Dizer que a situação social em Portugal é muito grave e que está com as portas escancaradas para o seu agravamento é uma realidade de difícil desmentido.

As sociedades actuais geraram sistemas complexos de poder, de contornos nem sempre claros e, bastas vezes, sob a forma de máscara.  E em todas essas vertentes do poder, está ausente a democracia.

  • Nas empresas vigora o poder do patrão, da administração, dos accionistas, actualmente em vias de reforço perante os trabalhadores, através do salário, da ameaça de despedimento, da aplicação de sanções;
  • Nos órgãos da administração pública vigora um espírito hierárquico, vertical, que não está aberto a decisões democráticas embora, o seu objecto seja a resolução de necessidades colectivas;
  • Nas prisões, como nas forças policiais e militares, a lógica é a da submissão total a uma autoridade bem vincada, com a total ausência de democracia;
  • O poder político não é democrático pois assenta em pequenos grupos (os partidos), beneficiários de fórmulas de representação tendencialmente excludentes face ao comum das pessoas, sem responsabilidades assumidas perante os eleitores, sobretudo em casos de decisões lesivas das pessoas ou perante actos corruptos;
  • O poder judicial é uma mentira absoluta como terceiro poder, como autonomia face ao poder executivo, como separado das oligarquias partidárias;
  • O poder sindical promove a mediação, o amortecimento das reivindicações populares perante o poder económico e baseia-se numa casta de dirigentes profissionalizados defendidos por estatutos que bloqueiam alternativas; e, para mais, estão intimamente ligados ao subsistema partidário.
Todos estes poderes constituem outras tantas esferas de influência, de controlo social, de reprodução do modelo político e económico existente – o do domínio das multinacionais, do sistema financeiro, do capital mafioso. A despeito da luta interna ao sistema em que se digladiam, aqueles poderes são conservadores e apenas procuram fazer valer a sua relevância e assegurar privilégios e mordomias. Em conjunto,  prevalece a difusão do pensamento único, da democracia de mercado e do neoliberalismo, este, enformado pela lógica do individualismo, da concorrência, da competitividade, da omnisciência do mercado e fantasias afins.

Todo aquele conjunto de poderes é dominado pelo capital financeiro. Em toda a UE, os Estados são representações do capital financeiro que os controlam e manipulam. E, portanto, todas as suas instituições, políticas, (governos, parlamentos) e administrativas se inserem sob o comando do capital financeiro, que configura a lei e a sua aplicação de acordo com os seus interesses.

O seu domínio dos Estados e do poder político tende a ser mais férreo pois é o domínio e a determinação do nível da punção fiscal, da redistribuição (regressiva) dos rendimentos, do embaratecimento do trabalho, que lhes pode permitir evitar a bancarrota. Essa centralização do poder no capital financeiro revela que, mais do que nunca, o capitalismo é um sistema global, invasivo, que se incrustra e desenvolve em todos as instâncias – económicas, políticas, sociais, culturais e ideológicas.

Dentro da lógica do pensamento único, não há alternativa ao modelo da chamada democracia de mercado, a que chamam representativa. Essa coisa é curiosa pois os representantes saem de uma limitada e relativamente fechada classe política que tende a afastar-se, a segregar-se relativamente à esmagadora maioria das populações. Esses representantes rodeiam-se de prebendas e privilégios específicos, determinados por eles próprios. Aos representados somente é pedido um mandato, uma representação genérica e por periodos alargados, sem qualquer hipótese real de retirada desse poder de representação, por muitas falcatruas que cometa o representante, por muito que se distancie do prometido em campanha.

E pode designar-se por classe política, porque embora no seu seio existam diferenças ideológicas e desempenhos distintos na esfera política, estão unidos pela assunção da sua total  legitimidade para a  gestão dos interesses coletivos da multidão, mesmo que a sua representação seja francamente abusiva. Por muito que se mostrem distanciados no teatro parlamentar, é muito clara a sua unidade na defesa do sistema de democracia de mercado e dos variados privilégios de que gozam.

Todas as manifestações de diversidade entre as classe política se inserem plenamente no seio do sistema, na defesa de alternativas dentro do sistema; quaisquer expressões de alternativas são tomadas como quiméricas ou, objectivamente, insusceptíveis de aplicação porque confinadas a um gueto político e social mantido pelos media, fortemente controlados pelo poder económico.

Por outro lado, em tempos de capitalismo globalizado, à globalização da produção e do comércio, corresponde a existência de uma classe política global, que articula e unifica os grupos nacionais de mandarins, em famílias, mais marcadas pelas conveniências do capital do que por diferenças ideológicas. É por isso, que convivem, alegremente, numa chamada Internacional Socialista, os sociais-democratas nórdicos, o PS português, os racistas do partido trabalhista israelita e, até há pouco, os regimes de Ben Ali e Mubarak.

Tendo em conta o carácter excludente e invasivo do sistema, qualquer participação no mesmo insere-se, forçosamente, na lógica do poder, do capital financeiro, embora constantemente o sistema seja atravessado por contradições internas. A dificuldade do aproveitamento dessas contradições e disputas internas, económicas, políticas ou ideológicas, para a satisfação de reivindicações da multidão é, evidentemente, elevada.

Por um lado, há instituições do sistema (partidos, sindicatos, por exemplo) cuja função, sendo a integração das contestações ou o desarmamento das lutas da multidão dentro do sistema, evidenciam, como estratégias de sobrevivência própria, essa mediação, travestindo-se de opositores do sistema. Por outro lado, o aproveitamento das possibilidades institucionais para o lançamento e desenvolvimento de lutas anti-sistémicas, corre sempre o perigo da tentação da adopção de um minimalismo que favoreça a sua inserção dentro do sistema.

Para a contestação fora do sistema há, em regra, diversas reações do mesmo para a jugular. Se essa contestação se processa de formas diversificadas consideradas violentas pelo sistema, está garantido que a reação daquele é a ilegalização e a repressão particularmente brutal. (1)(2)

Se essa contestação não é tomada como revestindo essas características, as modalidades que o sistema utiliza para o controlo dessa contestação ou para a sua domesticação, como atrás se referiu, são diversas: infiltração de membros de partidos de “esquerda” - ou mesmo das polícias - ou a conivência aberta das instituições do sistema, ditas de “esquerda” com a polícia, nos casos em que as suas funções de mediação e controlo social sejam contestadas ou ameaçadas de descrédito. (3) (4)

2 – O continuado empenho da esquerda institucional na conservação do sistema

“Onde está a esquerda? Ao fundo, à direita”
(frase criada no âmbito do movimento 15 M, nas Puertas del Sol, Madrid 

Em Portugal, para além do enganador bipartidarismo vigente PS/PSD a nível do governo – empobrecedor do ponto de vista político, material e cultural – e que serve de coluna vertebral para o sistema político cleptocrático - há ainda a contar com a área institucional mais à esquerda ou menos à direita, se se preferir. Esta, é constituida pelo que designamos de Trinómio da Ineficácia, como poderiamos designar por Trio Aldrabice ou, outra forma pouco simpática para os visados. Esse trio é constituido do ponto de vista formal pelo conjunto CGTP/PC/BE, por ordem de relevância e que reproduz, na terra lusitana, a aplicação de uma norma de controlo social comum no mapa político da Europa.

Na realidade duas daquelas entidades (CGTP/PC) são apenas uma, dada a total similitude das posições políticas e a larga presença de funcionários e dirigentes comuns nas respectivas lideranças. Funcionam como “ubus” uma da outra, como retratado na cultura popular haitiana; o que um diz o outro repete ou completa, à vez.

  • O PC é o partido base daquela área esquerda do poder, mesmo quando deixou (2009/11) de ser maioritário na AR, no seu confronto com o BE. O seu férreo domínio da central sindical e a administração de várias autarquias importantes são trunfos importantes dos pontos de vista financeiro e da colocação de quadros; no âmbito político, é a presença da CGTP numa aldrabice designada por “concertação social”que viabiliza a sua existência. O PC detém ainda uma estrutura organizativa fortemente hierárquica e autoritária, inserida no corpo social que o dota de um poder político muito superior ao do BE e bem para além da sua expressão eleitoral;
  • O PC dispõe ainda de uma estabilidade estratégica e tática que torna, em regra, previsível, a sua actuação, constituindo, portanto um elemento central na estabilidade do sistema cleptocrático; o que acontece, com base em acordos tácitos desenhados logo a seguir ao 25 de Abril com o poder militar. As regulares dissenções não lhe geram danos uma vez que entre os militantes domina uma forte fidelidade à direcção, fé nas capacidades dos dirigentes, mesmo quando têm divergências pessoais; neste sentido, o PC funciona como uma igreja;
  • Do ponto de vista ideológico, o PC é uma formação nacionalista, defensora de um Estado forte e autoritário, com os sectores estratégicos nacionalizados (banca, energia, media…), fórmula decalcada do modelo soviético mas, adaptado a regimes de pluralismo político formal. É profundamente avesso a manifestações de participação e autonomia popular, democracia direta, autogestão, desobediência civil, elegendo como inimigos de estimação grupos independentes do seu controlo ou anarquistas, não recuando mesmo em se conluiar com a polícia para a sua repressão;
  • Na base dessa estabilidade estratégica está o “Rumo à Vitória”, escrito em 1964 por Álvaro Cunhal que nele introduziu um conceito chamado de “revolução democrática e nacional”. Nesta, o derrube do fascismo sairia da luta dos trabalhadores aliados à pequena e média burguesia, contra os monopólios lusos que mais beneficiavam do regime.
Claro que isso não se verificou, durante o fascismo, por várias razões. Primeiro, porque quase toda a burguesia portuguesa, no início da década de 70 procurava desembaraçar-se do caduco regime fascista por razões tão óbvias como, acelerar a ligação à CEE e resolver a questão colonial que passara a não ser rentável, para além de todos os inconvenientes de ordem política. Por outro lado, havendo essa unidade e sendo muito débil o poder real do PC e dos grupos à sua esquerda, a burguesia portuguesa não sentia a necessidade de alianças com o “proletariado”;

  • Essa aliança com a burguesia pequena e média acabou por se verificar após o 25 de Abril, em torno dos militares, já não contra os fascistas, mas contra os trabalhadores que, “inoportunos” promoveram o afastamento da grande burguesia, com saneamentos e, mais tarde, expropriações. Nesse processo, que se veio a popularizar com o nome de PREC, os  trabalhadores procuravam garantir o emprego e melhorar as suas condições de vida, tendo passado, naturalmente, a uma procura de modificações profundas na ordem democrática de base e de ameaça à ordem capitalista. A luta económica rapidamente radicalizou muitos trabalhadores que perceberam que o capitalismo só se destrói com a modificação das relações de produção e a extinção da propriedade privada da estrutura produtiva. Esse processo de expropriação veio a ser totalmente adulterado conforme  já apontámos em “Nacionalização da banca: Piada ou mistificação?” (5)
  • Nesse contexto, o PC promoveu em 1974/75 o combate às greves; assaltou os sindicatos onde a sua hegemonia não era aceite, fez o que podia para extinguir ou controlar as comissões de trabalhadores, favorecendo sindicatos verticalizados, anti-democráticos e únicos (lei da unicidade sindical); defendeu uma “batalha da produção” sem defender a alteração das relações de produção; sabotou quanto lhe foi possível as iniciativas autónomas dos trabalhadores procurando sempre a utilização do aparelho de Estado e a bajulação dos militares; procurou controlar os grandes meios de comunicação (onde aliás o Nobel José Saramago se encheu de glória…); colou-se às reivindicações sociais dos assalariados rurais para a expropriação dos capitalistas e latifundiários, para aumentar o seu peso no xadrez político; instou à ilegalização de dois partidos de esquerda que lhe eram hostis; enganou vários outras formações políticas, antepassados das almas pias que hoje ainda consideram possível uma unidade estratégica com o PC, contra o PS/PSD e o mundo dos negócios; e colocou-se a bom recato, distanciado, quando se tornou claro que iria haver um golpe militar em 25 de Novembro, para estabelecer a velha ordem nas ruas, nas empresas e nos quartéis;
  • Voltamos atrás, aos anos 60 para melhor situar as origens da actual actuação do PC. Para concretizar a política de aliança com camadas sociais defensoras do capitalismo, ainda que não fascistas, era preciso combater e eliminar tendências “esquerdistas”, provenientes de cisão dentro do próprio PC. Essas tendências (CMLP/FAP) resultantes da cisão ideológica sino-soviética, constituiam, após o apagamento da oposição anarquista nos anos 30, um novo desafio político e ideológico à hegemonia do PC, na área da esquerda. Para fazer face a esse desafio e quando a radicalização provocada pela eternização da guerra colonial incendiava a juventude, mormente os estudantes, o PC viu-se na necessidade de editar “O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista” (1971). Recorde-se que o PC, sendo formalmente contra a guerra, aconselhava os seus militantes a não desertarem, a participar na mesma e, se possível, no cenário de guerra, fugirem, de preferência com outros soldados e com armas… o que, se não fosse uma farsa, seria infantilidade;
  • Esta outra vertente de diabolização e procura de isolamento de toda a oposição mais ou menos de esquerda, constitui ainda hoje peça central da inserção do PC na ação política. Consiste na utilização de técnicas estalinistas de apagamento da sua visibilidade, da sua repressão física com o recurso à ajuda ou colaboração da polícia; são casos bem evidentes, a denúncia dos cisionistas dos anos 60 no Avante! ou, a procura de controlo/punição de “esquerdistas” batizados de terroristas quando da cimeira da Nato, em Novembro de 2010; uma postura em tudo igual à lançada por George W Bush após o 11/9 e … adoptada como  estratégia pela própria NATO (2) (3);
Nos últimos tempos foi de pasmar os menos observadores da natureza do PC, a forma como a CGTP não emitiu qualquer apelo à participação nas manifestações de 15 de Outubro, nem noticiou a sua realização em Portugal como em mais de 1000 cidades. Na sua lógica, um protesto só é genuíno se convocado pela CGTP/PC; só é unitário se submetido às ordens dos seus funcionários; um protesto internacional não se coaduna com o seu nacionalismo; e, mesmo que nos protestos tenham participado muitos militantes do partido, estes não têm direito ao aval posterior da sua direção;

  • O referido “Rumo à Vitória” apresenta uma clara definição da política de alianças do partido, que se mantém inalterável desde então; procura uma ligação privilegiada à direita, arrogando-se o PC, de permeio, ao monopólio da esquerda, a partido auto-ungido como dirigente da “classe operária”. Dentro desse parâmetro, procura aumentar o seu peso negocial junto da direita, apresentando-se como o regulador da esquerda. Nos anos 60, o alvo dessa política de aliança à direita era a “burguesia liberal” que era então quase invisível fora dos escritórios de alguns advogados bem instalados na vida. Depois do 25 de Abril seguiu-se a vigência dos governos provisórios onde o PC participou, ao lado dos militares, do PS e do PPD (que passou a PSD, para dar ares de esquerda, como convinha, na batalha perdida por Sá Carneiro, na disputa com o PS por um lugar nessa distinta estrumeira chamada Internacional Socialista); foi nesse periodo que o partido se mostrou muito hábil na construção de credenciais como agente essencial do controlo social, cargo que ainda hoje mantém;
  • Durante alguns anos depois da normalização novembrista de 1975, o PC procurou essa aliança com o PS, com a defesa da “maioria de esquerda”. Claro que isso nunca se verificou como opção governativa geral, havendo apenas a registar pela sua notoriedade a aliança com o PS na câmara de Lisboa, pela mão de Sampaio que veio a ceder a presidência ao Soares junior; eleitoralmente o PC não ganhou nada com isso, antes pelo contrário e, com aquele brilhante “compaire” de coligação, foram ambos derrotados pelo impagável Santana (o Lopes);
  • Essa postura relativamente ao PS, comum ao PC e ao BE,  merece alguma análise, embora já a tenhamos esboçado a propósito da campanha do Alegre (6). A designação de “maioria de esquerda” foi abandonada há muitos anos,  pouco depois de “estabilização” de 1975.
Sabendo-se sem capacidade de, autonomamente, chegarem ao poder, mesmo através de uma improvável coligação a solo, a esquerda institucional aposta numa eventual viabilização de um governo PS, dependente do seu apoio e, obtendo como contrapartida, um ministro ou secretário de estado e a colocação de alguns “apparatchiks”;

  • Consideramos essa hipótese bastante remota. Do ponto de vista histórico, o PS nunca recorreu a esse apoio para o governo central. Durante o segundo governo Guterres, quando este teve exatamente metade dos deputados (1999), o PS preferiu o recurso ao deputado do queijo limiano (CDS) do que servir-se da bancada do PC ou dos dois deputados do BE, recém-chegado ao areópago. E, em 2009, Sócrates, minoritário, preferiu sempre entender-se com o seu gêmeo PSD do que com os 31 deputados da ala esquerda da AR;
  • Ainda historicamente, o PS, criado e municiado abundantemente (tal como o seu braço sindical, a UGT) pelo SPD alemão, através da Fundação Friedrich Ebert, assumiu a liderança da “normalização” capitalista em 1975, unificando em seu redor  toda a direita. E, em seu torno, acoitaram-se vastos sectores conservadores da população, anti-comunistas primários e reaccionários de gema. Dito de outro modo, o PS tornou-se, em 1975, um partido típico de direita mesmo quando nas suas manifestações se berrava ridiculamente “partido socialista, partido marxista”. Já então Mário Soares purgara a ala trabalhista e socialista do partido. A esse nascimento reaccionário o PS acrescentou a adopção à lógica neoliberal e do pensamento único que atingiu o seu apogeu durante o consulado de Sócrates;
  • Perante esta prática e este curriculo do PS, a área esquerda institucional recusa-se a assumir o carácter de direita daquela agremiação, contentando-se em acusar a sua direção como adoptante de “políticas de direita” ou a argumentar com a (natural) existência de gente decente como militantes do PS. Entende-se essa ocultação; os partidos da esquerda institucional, pretendem estar inseridos dentro do regime cleptocrático e, simultaneamente convencerem a multidão sobre a sua intenção de transformações radicais que, efectivamente, não desejam. E para esse equilíbrio de mentira precisam de branquear o carácter do PS, colocando neste e nos seus dirigentes o travão para a transformação social que, afinal, é seguro com mãos firmes pelo PC/BE;
  • O BE tem maior agilidade tática e maior criatividade que o PC e, não possuindo o mesmo lastro histórico estalinista torna-se mais atraente para sectores intelectuais e urbanos sem simpatias com as fórmulas pesadas e hierárquicas do PC. O BE, como nunca pretendeu adoptar a estrutura organizativa do PC, pauta-se como uma formação com propósitos eleitorais, usando como bandeira um grupo parlamentar activo e com algumas capacidades técnicas. Essas características e a hábil montagem de uma relação próxima com os media, dão-lhe uma visibilidade superior à sua representatividade social e na AR;
  • Na sua existência de uns escassos doze anos e, passado um periodo inicial onde parecia constituir-se como elemento agregador de várias sensibilidades anti-sistema, o BE ficou embevecido como os seus sucessos eleitorais e a simpatia com que as suas propostas eram encaradas. Esse sucesso foi a sua morte anunciada como projeto integrador e mobilizador, de lufada de ar fresco na putrefata ordem política post-25 de Novembro de 1975.
  • Aproveitando-se da constante deriva para a direita do PS e do conservadorismo político e tático do PC, os dirigentes do BE pensaram constituir um grande partido social-democrata com gente “de esquerda” que abandonasse o PS, para mais marcado pela gestão de Sócrates, neoliberal e salpicada por casos óbvios de corrupção; pelo menos, para o julgamento da multidão. Para o efeito, contava com o conservadorismo do PC e a forte vetustez de muitos dos seus militantes, pouco dados a devaneios contestatários e reais firmes adeptos da democracia de mercado;
  • Para ganhar credibilidade como gestor público e fazer esquecer a aura de agremiação fraturante de esquerda, o BE embrulhou-se na Câmara de Lisboa com uma bandeira esfarrapada (o Zé que faz falta) e um acordo com o PS que publicamente, ninguém percebeu. Depois veio o encosto ao PS com um biombo chamado Alegre pelo meio e o resultado não foi animador pois a tal ala “esquerda” do PS, alegremente, preferiu a continuidade que dá mordomias e, nada de aventuras com um Alegre que não agradava a ninguém, para além do Louçã, seu grande defensor. Finalmente o xeque de Junho e a perda de metade dos deputados; uma vez mais a esquerda do PS não compareceu à chamada para o engrossamento de um partido social-democrata fora de tempo e o descontentamento popular assentou arraiais na abstenção ou preferiu estupidamente o Passecos, com medo de que as coisas piorassem e por ódio ao Sócrates. O recente desaire na Madeira insere-se nessa linha política fracassada.
  • Para o BE, essa criatividade na proposta legislativa mostra-se desastrada na tática política. Em 2005, teria sido compreensível, no âmbito eleitoral das presidenciais, apoiar Alegre que, então, conseguiu dividir o PS; em 2010, quando o PS, no seu íntimo, preferia Cavaco e Alegre evidenciava incapacidade e incoerência política, o BE deixou-se arrastar pelo mito do milhão de votos do poeta em 2005 e teve uma enorme derrota política;
  • Internamente, o BE, ao contrário do PC, apresenta uma pluralidade de reconhecidas tendências no seu seio, a maior parte, com projetos políticos cretácicos (ou “cretínicos”), pouco recomendáveis do ponto de vista da multidão e com pouco conteúdo democrático. Porém, é justo referir que a maioria dos militantes não se inclui nessas tendências. Vejamos:
    • O PSR é uma seita baseada na sebenta trotskista, integrante de uma prática estalinista de procura de controlo de grupos e potenciais movimentos sociais que, naturalmente, procuram conter dentro dos limites suficientes à manutenção do seu controlo burocrático;
    • Outra seita trotskista com ideário e práticas idênticas ao PSR – e por isso mesmo ferozes adversários – dá pelo nome de Ruptura/FER. Dentro (e fora) do BE, é um grupo desacreditado devido a um radicalismo delirante que, no entanto, atrai alguns jovens;
    • Uma corrente heterogénea designada internamente por “Política XXI” abarca várias vagas de “renovadores” do PC que, convertidos à social-democracia, anseiam por se deitarem na alcova do PS; apresentam um pensamento próximo do PC, sem obediência ao seu comité central ou práticas estalinistas de controlo social. Apresenta um pendor eleitoral ancorado em figuras de potenciais caciques – Miguel Portas, Semedo, Pureza ou Daniel Oliveira;
    • O outro grupo relevante é o da UDP, o único que soube evoluir de um marxismo-leninismo fossilizado, para posturas democráticas, constituindo o único grupo integrante do BE com alguma produção de pensamento; mesmo sem renegar o seu marxismo, o apego à intervenção do Estado e ao keynesianismo.
  • Estes grupos ou tendências constituem as linhas de fractura que se alargarão se se mantiver a actual tendência de redução do apoio eleitoral e da influência que o BE teve nos primeiros anos da sua existência. Em caso de fractura, uns irão acolher-se ao albergue do Largo do Rato, outros estiolarão sobre a forma de grupo de estudos e os trotskistas, potenciando o seu pendor estalinista dedicar-se-ão ao controlo social, rivalizando entre si mas, unidos no ódio a grupos independentes ou anarquistas.

3 – Para a multidão em Portugal, a esquerda institucional de pouco tem servido

Quando se esboroa o resto da autonomia de Portugal enquanto Estado-nação e essa re-hierarquização se traduz em forte pressão no sentido da degradação da situação económica dos trabalhadores cabe perguntar; onde está essa esquerda ? Porque razão a multidão se reconhece pouco com as suas propostas e prefere apoiar partidos de direita nos diversos pleitos eleitorais recentes (presidenciais, legislativas e na Madeira)? Porque razão no país mais pobre da Europa ocidental a conflitualidade social é quase inexistente? E porque tendo em conta a expressão eleitoral da esquerda institucional, ela não se reflete em contestação social?

Não há um determinismo entre a situação económica da multidão e a contestação social e, menos ainda a sua organização.  No entanto, no caso de Portugal, há uma responsabilidade enorme da esquerda institucional portuguesa, conservadora politicamente, com uma acção rotineira, sem iniciativas, sem objectivos de transformação política, nem interesse na autonomia e criatividade da multidão; pelo contrário, muito ocupada em reconduzir, em conter a contestação nas estreitas vias das instituições do sistema, dia a dia mais cleptocrático, opressor, e repressivo. Em suma, a esquerda institucional tem tido um papel decisivo nas limitadas respostas da multidão à pulsão empobrecedora dos governos e do empresariato e que se vem agudizando; e é transparente que o Trinómio da Ineficácia – PC/CGTP/BE se mantém tíbio e pouco menos que inerte na actual conjuntura.

Naturalmente, que a responsabilidade pela ausência de respostas adequadas à ofensiva capitalista não é exclusiva da esquerda institucional, devendo-se também às ilusões que a multidão tem tido sobre uma continuidade de padrões de vida desajustados da estrutura produtiva existente; com a aceitação das brutais desigualdades na distribuição do rendimento e da riqueza; com a enorme ingenuidade face às virtualidades  da democracia de mercado. E daí que existam dificuldades de auto-organização, por norma, marcadas pela frieza, pela sobranceria ou pelo boicote com que essa autonomia é encarada pela esquerda institucional.

a)    Uma repartição escandalosa do rendimento

O quadro seguinte demonstra, de modo evidente, a perda do rendimento disponível das famílias, longe de acompanhar, de mostrar paralelismo, relativamente à evolução global da capitação da produção de riqueza. Dito de outro modo, se o rendimento das famílias não acompanha o crescimento da produção de riqueza é porque esta se esvaiu para os bolsos de estratos sociais muito precisos e não beneficiou a esmagadora maioria das famílias.

Por outro lado, o fosso aumenta com a passagem do tempo e está longe de se reduzir nos últimos anos, de maiores dificuldades económicas. Desmente, claramente, a persistente propaganda de que temos de nos sacrificar “todos”.

Poder-se-ia pensar, num modelo vivido, décadas passadas, em alguns países da Ásia (Coreia do Sul, por exemplo) baseado no sacrifício do bem estar da população para o desenvolvimento de planos intensivos de capitalização e construção de uma estrutura produtiva virada para a exportação. Ora a realidade portuguesa desmente essa hipótese, uma vez que à persistente perda de rendimento por parte da multidão, não corresponde uma acumulação de capital produtivo, nem um incremento da exportação, dos pontos de vista quantitativo e qualitativo. Não há qualquer estratégia desenvolvimentista da classe política portuguesa nem do seu patronato, nem mesmo qualquer laivo de nacionalismo, por muito reaccionário que isso seja.

                                                                                                              Fonte primária: Pordata

A situação atrás descrita é o retrato da incipiência da contestação social e da reivindicação económica não assumida pelos dirigentes políticos da “esquerda”, nem pelos burocratas sindicais. E revela a alegria contida, não alardeada, pelo patronato e pelos seus mandarins.


b)    O salário médio em Portugal e na Europa

A comparação da relação entre o salário médio em Portugal e em vários países da Europa, em 2000 e em 2007 indica uma perda de poder de compra dos assalariados portugueses face à evolução observada na maioria dos outros países. Os ganhos comparativos somente se registam para países de alto nivel de vida – Alemanha, Suécia e Suíça – para além de Malta; aqui, o salário médio português representava 93.7% do de um maltês em 2000 e 97.9% em 2007.

As perdas relativas do salário médio português tanto se verificam face a países de elevado rendimento como aqueles cujos níveis de desenvolvimento mais se aproximam de Portugal, sublinhando-se o caso da Espanha. Note-se a paulatina aproximação entre os salários portugueses e os da Europa de Leste, prenunciando, a prazo, a confirmação da tese do processo de subdesenvolvimento em curso na ocidental praia lusitana.
 
Face a esta realidade, que dados mais recentes decerto agudizarão, uma vez disponíveis, cabe perguntar se ela não reflectirá os amargos frutos de anos de “concertação social” nos gabinetes alcatifados do poder?

Relação do salário médio português com o de países europeus
Evolução 2000/2007                                                                                ( %)
Países
2000
2007
Países
2000
2007
Alemanha
36,7
38,2
Grã-Bretanha
33,5
33,3
Bélgica
39,9
39,7
Holanda
39,6
36,5
Bulgária
882,4
584,4
Hungria
302,4
171,4
Chipre
78,5
72,0
Luxemburgo
35,2
33,9
Dinamarca
30,8
28,9
Malta
93,7
97,9
Eslováquia
352,2
182,7
Noruega
34,9
32,5
Espanha
72,4
70,1
Suécia
39,9
41,6
Finlândia
46,1
42,5
Suiça
28,9
32,6
França
47,2
47,3



                                                                     Chipre, Noruega – 2006; Suiça - 2008
ganhos relativos

perdas relativas

                                                                                                 Fonte primária: Eurostat
c)    O salário mínimo em Portugal e na Europa

Se se proceder a uma análise semelhante à anterior mas, contemplando o salário mínimo os resultados são semelhantes. Uma coisa é um escasso crescimento do salário mínimo quando o seu valor é próximo de € 1400 (Bélgica, França, Holanda) e algo muito distinto, dentro de uma mesma zona económica (euro), é um salário mínimo como o português, de € 485.

Relação do salário mínimo português com o de outros países
Evolução 2000/2007



(%)
Países
2000
2011
Países
2000
2011
Bélgica
34,9
40,0
Hungria
258,3
201,6
Bulgária
964,6
461,1
Irlanda
41,3
38,7
Eslováquia
389,3
178,5
Letónia
449,4
200,7
Eslovenia
98,6
75,6
Lituania
337,6
244,2
Espanha
77,1
75,6
Luxemburgo
31,0
32,2
Estonia
381,3
203,5
Malta
73,5
85,1
EUA
40,6
60,2
Polónia
197,5
162,3
França
36,0
41,5
Rep. Checa
273,3
177,3
Grã-Bretanha
39,9
49,7
Roménia
941,3
359,9
Grécia
71,7
65,6
Turquia
173,9
147,0
Holanda
33,8
39,7









ganhos relativos

perdas relativas

                                                                                            Fonte primária: Eurostat

O valor do salário mínimo e os níveis salariais na administração pública têm funcionado, em Portugal, como um lastro que arrasta para o fundo todo o espectro salarial e os direitos laborais. Este nivelamento por baixo serve os interesses do capitalismo em geral e dos patrões lusos em particular, cuja sobrevivência assenta, exclusivamente, na desvalorização do pagamento do  trabalho e do apoio do Estado à sua existência parasitária, com encomendas, subsídios e a adequada produção legislativa.

A ideia estratégica dos capitalistas portugueses e dos seus mandarins é a aproximação aos níveis salariais do leste da Europa, onde o valor do salário mínimo tem evoluido mais rapidamente que o seu homólogo português.

Crescimento do valor do salário mínimo (2001/2011) (%)
Bulgária
204
Lituania
101
Eslováquia
217
Polónia
77
Eslovenia
89
Portugal
45
Estonia
172
Rep. Checa
124
Hungria
86
Roménia
280
Letónia
225
Turquia
72
                                                                         Fonte primária: Eurostat

d)    A conflitualidade – o número de greves

Não pretendemos proceder a uma análise aprofundada da conflitualidade social que, englobará, greves não “oficiais”, paralisações, manifestações, concentrações e formas criativas que vêm surgindo e que merecem, em regra, pouca atenção por parte dos media; excepto, quando pretendem adivinhar (ou desejar) violência para apresentar ao jantar do povinho.

A conflitualidade social na Europa, medida pelo número de greves, não é elevada e mostra-se decrescente para o conjunto de países com dados sobre o assunto; e entre estes, para os que apresentam números de maior dimensão. A entrada no presente século parece ir avolumando uma tendência decrescente. Entre os paises considerados, somente em Espanha e Itália parece observar-se uma relativa estabilidade no número de greves.

Vários factores explicarão as tendências observadas até 2008 (sublinhe-se a data, que exclui os últimos anos em que a crise sistémica mais se tem vindo a verificar); entre eles, a facilidade da concretização de despedimentos, a precariedade do emprego, o desemprego continuado, a apatia ou conivência com os patrões de dirigentes sindicais acomodados e reaccionários, capazes de combater com violência activistas sindicais ou movimentos grevistas que não controlem.

Conflitualidade na Europa - número de greves

1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Dinamarca
1.079
1.081
832
1.349
681
804
534
476
862
335
Espanha
749
750
737
688
678
708
685
783
752
811
Finlândia
65
96
84
76
112
84
365
97
91
92
G-Bretanha
205
226
207
162
138
135
116
158
152
144
Itália
753
966
746
616
710
745
654
587
667
621
Portugal
200
250
208
250
170
122
126
155
99
nd
Soma
3.051
3.369
2.814
3.141
2.489
2.598
2.480
2.256
2.623
2.003

       Fonte: Eurostat












e)    A conflitualidade – o número de dias de greve

A consideração do número de dias de greve, designados nas estatísticas por “dias perdidos”, revela uma irregularidade do movimento grevista e o seu carácter nacional, quando não sectorial ou local, não coordenado internacionalmente. Dessa ausência de concertação estratégica beneficiam os capitalistas e os burocratas sindicais, estes decerto bem mais motivados para outros acertos, com patrõres e mandarins, nas “concertações sociais” elementos do chamado “modelo social europeu” que ainda não foram destruidos, por razões que são óbvias. Sobressaem os valores apresentados pela Espanha em 2002 e 2004, pela França em 2003, pela Itália em 2004, pela Grã-Bretanha em 2002 e 2007 ou pela Dinamarca em 2007. Em Portugal, os dias contabilizados como de greve são muito reduzidos, com um valor mais elevado em 2002.

Conflitualidade na Europa - número de dias de greve (1000)

1999
2000
2001
2002
2003
Dinamarca
91,8
124,8
56,0
193,6
55,1
Espanha
1.504,6
3.616,9
1.923,8
4.945,1
792,1
França
1.325,4
2.460,2
1.807,3
990,8
4.388,4
Grã-Bretanha
241,8
498,8
525,1
1.323,3
499,1
Itália
909,1
884,1
1.026,0
4.861,0
1.961,7
Portugal
67,5
40,6
41,6
108,1
53,4
Soma
4.140,2
7.625,4
5.379,7
12.421,9
7.749,8


2004
2005
2006
2007
2008
Dinamarca
76,4
51,1
85,9
91,7
1.869,1
Espanha
4.472,6
951,5
927,7
1.187,7
1.510,2
França
724,6
1.997,0
1.421,4
1.553,0
nd
Grã-Bretanha
904,9
223,8
754,5
1.041,1
758,9
Itália
698,6
906,9
554,7
929,7
722,7
Portugal
46,1
27,3
44,2
29,9
nd
Soma
6.923,2
4.157,6
3.788,5
4.833,0
4.860,9



Fonte: Eurostat


Calculámos para alguns países o número médio de dias de greve por paralisação, relativos a 2008. Esse indicador, adiante evidenciado, é muito distinto, conforme se refere a países do sul, onde é muito mais baixo, do que nos dois países a norte. Em Portugal, pela incipiência da contestação social e pela mais baixa dimensão das empresas, este indicador pode traduzir-se, aproximadamente e, por cada greve, como efectuada por cem trabalhadores durante três dias.

Dinamarca
5579
Itália
1164
Espanha
1862
Portugal  (2007)
302
Grã Bretanha 
5270



f)       A conflitualidade – o número de trabalhadores grevistas

Um terceiro elemento conhecido relativamente às greves registadas na Europa contempla o número de trabalhadores envolvidos. Observa-se, também aqui, uma irregularidade acentuada, difícil de propiciar a construção de tendências.

O ano de 2002 regista um elevado número de grevistas devido aos contributos da Itália e da Espanha mas também e, nas devidas proporções, pelos outros países seleccionados, excepto a França, que se veio a destacar no ano seguinte. Em Portugal o número de trabalhadores envolvidos em greves é escasso em número absoluto e mesmo quando se tem em consideração a diferente dimensão humana dos diversos países, ao efectuar-se um cotejo. Compare-se, por exemplo, a situação portuguesa de país mais pobre da Europa ocidental com a Espanha com uma população quatro vezes superior mas um movimento grevista incomparavelmente superior; e ainda a Dinamarca, com cerca de metade da população portuguesa, país muito mais rico e que apresenta um movimento grevista mais de duas vezes superior.

Conflitualidade na Europa - número de trabalhadores em greve (1000)

1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Dinamarca
75
76
49
111
44
76
33
79
61
91
Espanha
1.133
2.067
1.245
4.534
729
556
405
500
497
543
França
430
819
430
266
1.226
226
883
708
473
nd
G-Bretanha
141
183
180
943
151
293
93
713
745
511
Itália
935
687
1.125
5.442
2.561
709
961
467
906
669
Portugal
34
39
26
80
30
32
22
33
29
nd
Soma
2.747
3.871
3.055
11.376
4.741
1.892
2.395
2.500
2.712
1.815
                                                                                                                                          Fonte: Eurostat

O cálculo do número médio de trabalhadores por greve em 2008 é baixo, revelando o seu carácter local, isolado, desligado de qualquer lógica de união de forças, de protesto colectivo, mesmo a nível nacional.

Número trabalhadores/greve
Dinamarca
273
Itália
1078
Espanha
670
Portugal
295
Grã-Bretanha
3550



Por outro lado, o tempo de greve é, em média, curto, pese embora, no caso da Dinamarca, em 2008, o esforço de cada grevista ter sido particularmente elevado.

Número dias greve/trabalhador
Dinamarca
20,4
Grã-Bretanha
1,5
Espanha
2,8
Itália
1,1
França
3,3
Portugal
1,0

Como se denota, em todos estes elementos atrás apresentados, em Portugal a conflitualidade através de greves é escassa, muito inferior, qualquer que seja o ângulo de visão, ao que se passa nos outros países europeus que, por sua vez, não ostentam uma conflitualidade profunda nem alargada.

g)    Conflitualidade em Portugal (1990/2007)

Observe-se, de seguida, a evolução histórica dos indicadores utilizados – número de greves, trabalhadores envolvidos e dias de trabalho “perdidos” para o periodo 1990/2007, em Portugal.


Revela-se no gráfico anterior uma evolução do protesto social a nível laboral absolutamente antagónica à marcha da perda da relevância do trabalho e dos trabalhadores na vida económica e na distribuição da riqueza por aqueles produzida. Depois de uma primeira greve geral em 1988, as centrais sindicais vêem-se na obrigação de repetir essa mobilização, em 2010 e, brevemente, em 24 deste mês, só depois de quatro PEC’s, da intervenção da “troika” e de medidas incontestavelmente lesivas da multidão.

Mais vale tarde que nunca, dir-se-á. A questão é saber se os burocratas sindicais englobam a greve geral numa estratégia de mobilização gradativa e de unidade dos trabalhadores contra o sistema – hoje, reconhecidamente cleptocrático; ou, se a mesma não passa de uma satisfação que se dá aos sectores mais atingidos pela “austeridade” ou para cortar as asas dos mais contestatários, no âmbito de uma campanha sazonal, igual à de todos os anos e que decorre de outubro a maio, com pausas em dezembro e pela páscoa. Inclinamo-nos, muito sinceramente, para o segundo caso.

h)    Votação na esquerda institucional em legislativas

As democracias de mercado têm na sua configuração diversas e cuidadas formas de perpetuar o poder de oligarquias económicas e políticas; destacando-se aqui uma daquelas – o mecanismo eleitoral - em que a multidão é conduzida a acreditar como democrático e susceptível de promover reais alterações ao statu quo.

O mecanismo eleitoral encontra-se viciado em muitos aspectos; é a estrutura das circunscrições eleitorais, o método de Hondt, a hierarquização implícita entre partidos de poder e os outros, decorativos; é o monopólio eleitoral dos partidos, a dificuldade de constituição de novos partidos, o apoio financeiro aos partidos do sistema; é ainda, o pagamento e as mordomias dadas a mandarins para a sua constituição como casta gestora dos bens públicos, os privilégios mediáticos dos partidos, como representantes da opinião, etc. E, porque conformados e beneficiários do sistema, os partidos da esquerda institucional não geram debate ou denúncia dos mecanismos da democracia de mercado.

Uma análise das eleições legislativas realizadas em Portugal depois do fim do regime fascista, revela de modo claro, que as mesmas nada mais têm feito que legitimar e perpetuar o regime cleptocrático presente.

Os catorze actos eleitorais realizados revelam, através do gráfico seguinte, valores para os votantes no espectro partidário dentro de um intervalo relativamente estreito – um máximo de 5889 milhares em 1980 e um mínimo de 5307 mil em 1999.  Essa variação é totalmente insensível ao natural aumento da população com direito a voto – 6321 mil em 1975 e 9624 milhares em 2011; este aumento de 54.4% está longe de se repercutir no crescimento da participação eleitoral.

O segmento dos eleitores que não manifestam uma opção de voto partidário – abstencionistas e votantes em branco ou que anularam o voto – cresce acentuadamente no período considerado – 916 mil em 1975 e 4264 mil este ano. É certo que o mandarinato tem descurado a fiabilidade do recenseamento eleitoral, revelando explicitamente a consideração que tem pela democracia, pela transparência; importa-lhe, decerto muito mais curar das bases de dados que incluem elementos pessoais para fornecer à suserania norte-americana ou, as que facilitam a punção fiscal junto da multidão. (7)


No entanto, mesmo considerando, a existência de centenas de milhar de eleitores “fantasmas”, é evidente o aumento do volume de pessoas que se desinteressam pelos pleitos eleitorais, revelando, dentro da pluralidade de razões para os comportamentos aqui tipificados, uma descrença ou desinteresse pela paleta das opções partidárias pelo método vigente para a expressão da vontade popular, se não mesmo pelo sistema de representação a que designamos por democracia de mercado.
 
A adesão das pessoas às propostas da esquerda institucional (conceito que aqui, como sempre nos nossos textos, exclui o PS) não constitui grande ilustração para os seus dirigentes e para a estratégia de privilégio da lógica eleitoral praticada periodicamente, quando o sistema cleptocrático decide encenar uma consulta popular ao seu desempenho. A coisificação das pessoas, a sua desqualificação como eleitores, como actores sociais passivos que apenas se pretendem sensíveis aos discursos inflamados dos profissionais da política da esquerda institucional, (como dos outros partido) cansa e vai ficando desqualificada na cabeça de muita gente.

As propostas da esquerda institucional são geralmente estafadas, desajustadas ou enganosas. Situam-se muito atrás das novas necessidades da multidão e, portanto, não conseguem entusiasmar nem promover mudanças substantivas nos desequilíbrios eleitorais. Uma das causas dessa incapacidade resulta da inclusão das suas propostas em ideologias políticas tomadas como pré-cozinhados prontos para uma breve passagem no micro-ondas. Há também uma incompreensão das sociedades actuais pouco dadas à aceitação entusiasta de escatologias salvíticas. Por outro lado, os partidos da esquerda institucional continuam a comportar-se como elites destinadas à condução e enquadramento de gentes eivadas de fé, esquecendo que a multidão, hoje, engloba enormes segmentos de gente instruida e qualificada, nem sempre disponível para seguir iluminados gurus.

A esquerda eleitoral, nos primeiros actos eleitorais verificados após o 25 de Abril revela o seu apogeu absoluto em 1979, com 1.4 M de votantes, correspondentes a 24.1% dos votos dirigidos a partidos. Segue-se, um largo periodo de constante declínio, que atinge o ponto mais baixo em 2002, com 586 mil sufrágios; esse declínio foi interrompido em 2005, se se excluir uma ligeira recuperação observada em 1999. A preponderância do PC, que raras vezes desce abaixo dos 80% dos votos à esquerda, até 1995, decaiu fortemente nas eleições seguintes, passando mesmo o  peso do partido, em 2002/2005, a situar-se aquém de 50%, marca de novo ultrapassada, por pouco, nas recentes eleições.

Em 2009 os votos posicionados à esquerda ultrapassam os 1060 milhares (20% dos dirigidos a partidos), marca que não era atingida desde 1985 e que resulta do elevado crescimento do BE. O volume dos votantes na esquerda eleitoral registado em 2011 reconduz a votação aos níveis de 1987 ou 2005 e revela, provavelmente, que o BE será um epifenómeno típico da primeira década do século, com um declínio anunciado. 

No seu conjunto os votos dirigidos à esquerda, superiores a um milhão até 1985, só voltam a ultrapassar aquela fasquia em 2009. O cavaquismo, a adesão à UE e o maná dos fundos comunitários conduziram ao já referido declínio da esquerda eleitoral, incapaz de perceber a nova situação de consolidação capitalista; o que volta a acontecer quando da vitória do PSD/CDS em 2002 e recentemente, em 2011. A esquerda institucional, no seu conjunto, é vulnerável à dinâmica da direita mais reaccionária, não se constituindo em polo de aglutinação eficaz a essa dinâmica.

Como se pode observar no gráfico acima, não há qualquer evidência de crescimento sustentado do eleitorado de esquerda. Por outro lado, a progressiva consolidação da influência do pensamento único neoliberal na sociedade portuguesa e europeia contamina a esquerda institucional, cujas propostas se mostram tendencialmente mais conservadoras, mais integradas no pântano da democracia de mercado, conjunturais e jamais anti-sistémicas. Dir-se-ia que navega no mesmo barco que carrega o sistema cleptocrático, adequando a sua agenda em resposta à deriva reaccionária da direita, mormente do PS; e por isso, nunca é capaz de qualificar aquele gang como uma agremiação de direita.


 4 - A necessidade de reflexão e mudança de paradigma

                  “O problema é o sistema; a crise não passa do seu fedor”
                                                    (texto de uma faixa presente em Lisboa, na manifestação de 15 de outubro)

No verão do ano transacto escrevemos “Pensar à esquerda, sem vacas sagradas” (8). Os pontos aí referidos - o pensamento único, o modelo social europeu, o fim das nações, União Europeia, o Estado, uma democracia para consumidores, um autoritarismo crescente, os excedentes de vidas humanas, o militarismo, a deriva ambiental - continuam a ter toda a atualidade. No entanto, alguns desses ponto requerem enriquecimento e outros temas deverão ser acrescentados, tendo em consideração a evolução global e a profunda degenerescência que se vem observando na vida politica e social.

Quando se fala do pensamento único, a tendência é para o identificar com a arrogância ganhadora dos arautos da felicidade eterna propiciada pelo capitalismo de matriz neoliberal após a queda do Muro de Berlim e o desmoronamento do chamado “bloco soviético”.

A crise que se tornou pública com o processo dos “subprimes” nos EUA mostra-se tão funda e aguda que vem promovendo o surgimento de novas formas de gestão capitalista que mereceram da nossa parte um artigo sobre os “renovadores” do capitalismo, em Dezembro de 2009 (9).

A referida crise não é mais do que uma sequela do funcionamento do primado da lógica financeira e especulativa sobre a realidade a qual, queira-se ou não, é constituida por coisas mais palpáveis como produção, emprego, direitos laborais e políticos, organização social, poupança, investimento, gestão pública, etc. Esse desvio político e ideológico  transformou-se em várias crises - da dívida pública, do emprego, do empobrecimento generalizado e do euro, para só referir as mais evidentes ou mediáticas.

Ao agudizar-se, a crise veio promover o reaparecimento de ideias antigas sobre o capitalismo por parte de dois tipos de políticos ou analistas.

Uns, neoliberais assustados, procuram as adaptações necessárias para continuar – até à próxima crise – o modelo de acumulação baseado na ampla desmaterialização da formação de riqueza; é o que fazem os eurocratas, sempre suspensos dos encontros do parelha Merkel-Sarkozy.

Outros, a que daremos maior relevo no contexto deste texto, envolvem vários tipos de pessoas. Alguns, com ilusões sobre as virtudes de um capitalismo regulado, com políticas voluntaristas de um Estado criador de moeda e tentacular, apresentam-se repletos da esperança de que os banqueiros e os especuladores lhes dêem uma oportunidade como gestores dos interesses do capital. Outros, de “esquerda” ditos marxistas, trotskistas ou estalinistas (estes nunca se revelam como tal) pintalgam-se de keynesianos responsáveis à procura de cooptação pelo poder, preparando-se para assumir funções de reguladores do controlo da indignação das multidões roubadas e empobrecidas para salvar o capitalismo. Enfim, origens e caminhos distintos, com agentes provenientes de áreas políticas distintas mas, com um só fito – concorrerem ou coligar-se para a salvação do capitalismo, para um mais repressivo controlo da multidão – e acederem às alegrias e privilégios de serem poder.

Em termos globais, não acreditamos que os dedos no ar destes naipes de ingénuos ou oportunistas em busca do seu bem-estar como gestores da crise e do controlo social, sirvam de grande coisa para a esmagadora maioria; o seu principal perigo é o da confusão que geram, as ilusões que alimentam na plebe, o favor que fazem para a continuidade do sistema. E, nesse contexto, o título que colocámos para este conjunto de linhas, até poderá ser considerado benévolo.

É preciso evidenciar na fraseologia politicamente correta dos partidos da chamada esquerda, bem como nos seus comportamentos, os seus verdadeiros objetivos de controlo social, como órgãos do Estado. E saber aclarar o seu papel junto da multidão, com relevo para os seus militantes e simpatizantes não fanatizados. Aquele papel tem de ser claro para todos, tal como a destrinça entre uma batata e um piano.

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Notas:

(4)         Recentemente tem-se assistido à infiltração de grupos enfeudados a forças da dita “esquerda” no movimento 15 O, nomeadamente por parte do “M12M” e de outras pequenas seitas, como o PSR; esta, através de um prévio domínio que exerce sobre alguns pseudo movimentos, com nomes insuspeitos para os incautos.
(5)         http://www.slideshare.net/durgarrai/nacionalizao-da-banca-piada-ou-mistificao
(9)          http://www.slideshare.net/durgarrai/a-resposta-capitalista-que-esto-a-preparar-para-a-crise  e neste blog


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