Considero
que é absolutamente necessária a discussão política interna e, para o efeito,
avanço com alguns pontos de reflexão.
1
- Quem é ou deve ser membro de uma Plataforma cívica?
Desde
o princípio acentuei que a Plataforma deve ser de pessoas e não essa coisa
híbrida de pessoas e organizações. Sempre tive dúvidas de que o esquema das
“organizações” subscritoras fosse uma mais valia para a ação e para a
mobilização; e tenho a certeza que a adesão à manifestação em nada foi devida
ao elenco dos subscritores.
Por
outro lado, a referência aos subscritores como movimentos sempre foi
pretensiosa e ridícula pois, na realidade, tratam-se de pequenos grupos mais ou
menos isolados e com pouca notoriedade sobre os tais 99% que interessa
mobilizar. Reparem que alguns desses grupos nem sequer apareceram (?) em
reunião alguma. Por outro lado, a apresentação de pessoas como representantes
de grupo suscita-me sérias dúvidas sobre se as posições assumidas foram objecto
de discussão prévia dentro do respectivo grupo.
A
indicação de pertença a este ou aquele grupo só a encaro relevante como
elemento aferidor de capacidade de trazer mais gente. Fazer reuniões com
pessoal dos grupos, como sucedeu inicialmente, não foi fácil, nem
particularmente participado e favoreceu a protagonismos de provocadores.
Democracia
só pode existir tendo pessoas como protagonistas e objecto; quaisquer formas de
representações grupais em detrimento ou em paralelo são formas de “democracia
orgânica” onde pululam cadeias hierárquicas de representantes rapidamente
transformados em burocratas. O regime cleptocrático em que vivemos, entre
outras coisas, baseia-se nisso e, se queremos construir alternativas, temos de
apresentar diferenças; e promovê-las.
Portanto,
para as tarefas necessárias devem escolher-se pessoas, na base da sua disponibilidade,
das suas capacidades, sempre numa base de rotatividade.
2
- Ideologia?
Esta
plataforma é apartidária, a-sindical, laica etc, como é consensual.
Acrescentaria mesmo mais; não tem um perfil ideológico
Considero
que as sociedades não precisam de ideologia para coisa alguma e, muito menos
ainda, de se assumirem como “repúblicas islâmicas” ou “repúblicas populares”,
com rótulos que disfarçam mal o seu carácter anti-democrático. A ideologia,
nesse contexto, é uma aldrabice para garantir que uns mamam o que falta à
esmagadora maioria dos restantes. Tomando, uma vez mais, o exemplo da nossa
ditosa república cleptocrática, que relação há entre a prática da classe
politica e a ideologia que arrotam? Reparem que até temos tido no poder um
partido dito socialista, outro que é campeão da social-democracia e um terceiro
que se diz centrista (!); dito de outro modo, em Portugal, não há direita… Eppur si muove.
Porém,
as pessoas, de modo mais ou menos explícito ou consciente, integram um conjunto
de ideias e expectativas a que se pode chamar ideologia, embora essa, em regra
dificilmente de enquadre no cardápio, pois não passa de uma coisa difusa, não
identificável pelo próprio. Noutros casos, há quem se afirme pertencente a um
“ismo” qualquer com base em ideias erradas ou pura ignorância.
Em
todos esses casos há um total e absoluto direito por parte dos indivíduos, que
podem e devem promover todas as trocas de ideias e ações de promoção das
mesmas. Só ficam de fora os que actuarem no sentido da violação desse direito
para se imporem como casta dominante (dos outros).
O
que deve unir as pessoas numa Plataforma 15 O é a procura de propostas de
fórmulas práticas sobre aquilo que nos interessa a todos e de,
democraticamente, serem aceites pelos 99%. Tarefa nada fácil, convenhamos.
O
que nos interessa a todos, são as “questões da carne”, na feliz expressão de
Spinoza – direito a viver em paz, ter alimento, tecto, usufruir de saúde,
educação e cultura; amar e ser amado.
Exceptuando
para uns quantos masoquistas, estas questões unificam mais do que os 99%. Os
que estão incluidos nos 1% também concordam mas, querem ter mais direitos a
isso que os outros. Disso temos pena mas, não dá.
E
é nessas coisas unificadoras, abrangentes, que nos devemos centrar. E para isso
é preciso democracia em geral, na gestão da res
publica em particular, um ordenamento económico centrado nas pessoas e não
nas corporações ou nos “mercados” (coisas sinónimas, aliás). E teremos de
deixar para depois, a definir pela multidão, a definição concreta da república
que queremos, coletivamente.
3 - Relações
com o poder
As
instituições do poder em Portugal – órgãos do Estado, aparelho de justiça, partidos
e sindicatos – são objeto de descrença, desconfiança e repúdio por muita gente
e a sua presença ou referência está longe de contribuir para a mobilização da
multidão contra o sistema cleptocrático de falsa democracia em que nos
enredámos.
A
Plataforma 15 O tem de se afirmar claramente como anti-sistema e, não apenas
como contrário a este ou aquele aspeto mais gritante ou mediático da crise.
Somente nessa perspectiva a Plataforma pode aumentar em capacidade mobilizadora
e constituir-se em elemento incentivador do desenvolvimento ou criação de
plataformas congéneres em outros pontos do país. Caso contrário,
apresentar-se-á como mais do mesmo.
Nesse
sentido, a Plataforma não poderá promover eventos ou efectuar compromissos com
as instituições tão bem integradas no sistema, nomeadamente, partidos ou
sindicatos.
A
Plataforma pode apenas apoiar manifestações, concentrações e lutas concretas
que mobilizem pessoas e a avaliar caso a caso, apresentando-se sempre nelas
publicamente com posições próprias e total autonomia relativamente aos seus
organizadores, sejam ou não instituições do sistema. Esta posição de princípio
deve ser assumida claramente e divulgada publicamente, com toda a transparência
e frontalidade.
Como
é evidente, sendo a Plataforma formada por um conjunto de pessoas livres estas,
nesta questão, como em qualquer outra, têm todo o direito de participar em
eventos não promovidos ou apoiados pela Plataforma, desde que o não façam em
nome da mesma; como é da mais elementar prática democrática.
Esta
questão da transparência e da honestidade política para com os tais 99% reforça
a ideia de que a Plataforma só poderá ser constituida por pessoas; e livres. De
facto, um membro (indivíduo) da Plataforma poderá, sempre que o entender,
participar num evento patrocinado por órgão do sistema; mas, dificilmente, se
poderá justificar perante a multidão que um membro coletivo, pertencente a uma
Plataforma anti-sistema, participe publicamente num evento patrocinado por
órgão do sistema. O risco de descrédito é real e os media estão sempre atentos para
explorar essas situações.
Todo
o esforço de relacionamento deve centrar-se na mobilização para a luta política
de trabalhadores, desempregados, estudantes, aposentados, etc, os tais que
constituem os célebres 99%. Como no caso recente do protesto dos artistas ou,
brevemente, no dos militares.
Deve
conter esforços de concertação e entre-ajuda com os outros grupos promotores do
15 O que tenham as mesmas características democráticas da Plataforma, no
sentido de um funcionamento em rede
E
deve incluir o estreitamento de relações com movimentos além-fronteiras,
mormente do estado espanhol, onde a contestação é muito mais forte do que aqui.
Proponho
a discussão destes temas no plenário de domingo, com a constituição dos grupos
de trabalho convenientes; sem prejuizo de discussão preliminar por aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário