domingo, 1 de janeiro de 2012


Presidenciais:  entre o bocejo e o vómito, é preciso reflectir

Sumário

1 – Habemus praesidens! Gloria in excelsis Deo!

2 – Os próximos tempos, negros e frios

3 - Novamente, relembremos o carácter do PS

4 - Notas eleitorais




1 – Habemus praesidens! Gloria in excelsis Deo!


Et consumatum est! Amen

Finalmente, a pátria consagrou a veneranda figura do Pai. Podemos todos dormir, com aquela tranquilidade que só as crianças têm pois o Pai zela por nós. E Pai é sempre pai, mesmo que se trate de um idiota, de um ignorante, cuja inteligência se restringiu ao chico-espertismo de facilitar o singrar de uns amigos de confraria, cobrando, subrepticiamente por isso, mais tarde. Uma coisa é certa, são mesmo amigos, devotam-se mutuamente, uma fiel amizade, insensível à passagem do tempo.

O alarido em torno das presidenciais, os temas abordados, sobretudo pelos mais credenciados dos candidatos, que oscilaram entre um gongórico floreado e uma disfarçada ignorância, não permitiu, contrariamente ao sucedido na fábula, que alguém gritasse: o rei vai nu!

E, de facto, o rei vai nu, encarregando-se os candidatos e as suas bandas de assessores, seguranças e jornalistas, os apoiantes, os corruptos ou tontinhos de aldeia, os distribuidores de papelada e mirones sorridentes para as câmaras da televisão, todos eles, de ocultarem a nudez do rei, com a opacidade possível das vestes.

E o rei vai nu, por vários motivos, destacando-se dois:

Primeiro porque não é um rei mas um presidente da república. Chama-se presidente, ainda que só presida a um rancho folclórico (conselho de estado) e aos trintanários do palácio de Belém; ainda que somente resuma a sua actividade rotineira a uma missa semanal, a sós com um tipo a que se chama primeiro-ministro e passe o resto do tempo a ouvir e a conversar com tontos, bajuladores e ansiosos de cunha. Por vezes, o presidente ocupa a abertura do telejornal para proferir uma discurseta vaga ou vazia, entre duas imagens de um pano colorido e esvoaçante e dois periodos com uma marcha militar ridícula que, convém, por respeito patriótico, designar por hino nacional.

Segundo, não há república nenhuma pois a res publica já foi privatizada ou está hipotecada para pagar a dívida; exceptuando, o que foi roubado ou está em vias de o ser.

De facto, o sistema educativo está de pantanas e resume-se à emissão de diplomas e ao pagamento de propinas, tendo como ruido de fundo as imbecilidades de uma ministra e a gritaria dos colégios privados com fedor de sotaina no ar. O sistema de saúde, apontado constitucionalmente e de modo capcioso “tendencialmente gratuito” é uma farsa aplaudida pelas farmacêuticas, pelo baronato médico e pelos bancos que vão financiando clínicas e hospitais, tudo longe da tal gratuitidade. Também por aí aparece uma figura sonsa de vendedora de vacinas, que sucedeu a uma metástase fascizante do sistema político, colocada a banhos em Estrasburgo… mesmo que aí as praias não sejam grande coisa.

As estradas mais utilizadas são privadas e só lá passa quem pagar as tarifas e os aparelhómetros de contagem das mesmas. Os transportes ditos públicos são, na realidade, pasto para barraqueiros e quejandos, com preços a subir, de modo inversamente proporcional ao número das carreiras.

Até mesmo as forças armadas que defendem a pátria (dizem) não passam de oportunidades de negócio para vendedores de armamento, ladrões de G3, incontornáveis bancos e consultores que alimentam coxos argumentos para que uns 30000 mercenários abocanhem o orçamento, sem fazer literalmente nada de útil para a grei.

Não havendo res publica para garantir e zelar, para que serve o estado dito português? Para nada, apetece dizer. Mas não, é puro engano.

Para além dos negócios específicos, da corrupção generalizada que se conhece e, sobre a qual todos sabem os nomes colocados nas etiquetas, há outra função deveras relevante. É preciso alguém que mantenha a funcionar a máquina fiscal, que garanta a operacionalidade da seringa que, espetada no nosso braço, exerce a punção ordenada por aquela lista de acrónimos – FMI, BCE, UE, CE, APB, PSI20, etc – a favor dos “mercados”. E que mantenha o cacete perto da nossa cabeça para que tenhamos as orelhas viradas para baixo.

É nos “mercados” que reside a soberania sobre este espaço de 92000 km2 com cerca de 10.5 M de pessoas. O presidente e a assembleia, ambos da tal república que não existe são, portanto, realidades virtuais, encenações para convencer a populaça de que existe por ali qualquer coisa com soberania. O chamado primeiro-ministro é, na realidade, o CEO de um regimento de intendência ao serviço dos “mercados” e cuja autoridade reside apenas na polícia, nos tribunais e no exercício operacional da tal punção fiscal. E, como é normal em todos os serviços de intendência, com o tradicional desvio de víveres da dispensa. O negócio das batatas do intendente Valentim oferece um paralelismo interessante e conhecido.

É neste contexto que se celebrou, dia 23 de Janeiro, um ensaio do próximo carnaval que, dada a falta de dinheiro, não promete ser grande coisa.

Os intervenientes, por ordem alfabética, foram:

  • O Aníbal da quinta da Coelha, emir de Boliqueime, amigo e protector do gang do BPN, economista de enormes méritos que só ele reconhece (presunção e água benta…), a não ser que se considere como grande feito profissional a valorização das acções da SLN; 
  • Defensor de Moura, autarca minhoto reformado, defendeu a regionalização e o fim das touradas, causas meritórias que, quando citadas, obrigaram a concorrência a fingir distração. Irritou, encurralou e emudeceu o Aníbal, apesar dos pergaminhos de catedrático do último;
  • O Fernando foi trazido a estas lides pelo manhoso Mário Soares que o pretendeu usar para se vingar do Manuel (ver adiante) que, havia humilhado o patriarca, cinco anos atrás, num evento eleitoral homólogo. Beneficiou da sua não ligação orgânica a partidos, embora aqui e ali já tenha apoiado quase todos;
  • O Francisco não se sabe bem se existe ou se é um insuflável preparado pelo CC do PCP, com tecnologia norte-coreana, muito avançada na criação de power-points em 3D. O seu discurso inova e é sempre o produto da combinatória de umas dez palavras, onde se incluem trabalhadores, direita, povo, Portugal, produção nacional, constituição e umas poucas mais;
  • O Manel foi o alquimista que procurou fundir esquerda e direita, governo e oposição com voz de locutor de rádio e rivalizou com o Francisco na construção de frases ocas: este conviva usa amiúde, república, democracia, fascismo, pide, cavaco, “ele”, pátria, Portugal e vacuidades do género;
  • Para o fim deixamos o Zé Coelho, (não da Coelha!), traquejado como único opositor do bokassa madeirense, o que não é tarefa fácil. Por isso foi o único candidato realista ao evidenciar que as ditas presidenciais são pouco mais que um teatro de robertos, que só servem para distrair crianças e outros infantes.

2 – Os próximos tempos, negros e frios

Passando ao sério.

Cavaco era o candidato da direita, já toda a gente sabia e por isso teve o pleno dos fãs do PSD e do CDS, como também o teve do governo PS e dos capos deste partido. É também homem dos bancos, dos “mercados”, do FMI, do BCE, da Comissão Europeia e tem provas dadas quando foi chefe do governo. Com essa coligação do dinheiro é ele que ganhou, naturalmente. Logo no dia 1 de Fevereiro esteve reunido com os banqueiros, a colher instruções (1).

Cavaco é um autómato, com um modelo macro-económico como sistema operativo e gosta que o respeitem como veneranda figura, como pai da pátria, que lhe batam palmas nos discursos e não o desdigam quando evoca a sua competência e experiência. Para mais, com esta eleição, ganha cinco anos de novas oportunidades para entrar na sala Oval da Casa Branca, troféu que lhe falta para completar as memórias. Pouco importa se é inculto, racista, inseguro e intolerante. Ou rançoso como excelentemente lhe chamou Baptista-Bastos.

Porém, Sócrates é, o preferido do capital como executivo, pois é autoritário, desavergonhado, pouco dado a escrúpulos e tem uma experiência de vários anos de governação. Cavaco não gosta de Sócrates mas, o capital gosta e está tudo dito; e o capital tal como Cavaco não acredita nas qualidades da pileca Passos como “challenger” do Sócrates. Será mais um chefe que ficará num rodapé dos anais do PSD.

Fala-se há muito de eleições legislativas para depois das presidenciais. Ficou claro, dia 23, o que pensa a maioria das pessoas do pentapartido que nos rouba, por acção, por arremedo ou omissão de acção. Qualquer eleição, na actual conjuntura, é colocar a multidão perante um baralho de cartas viciadas, envelhecidas, com aquelas típicas marcas pretas de sujidade acumulada.

Se o governo Sócrates cumprir as prescrições do FMI, da Comissão Europeia, dos “mercados”, aproveitando-se da benevolência com que a multidão aceita a canga do desemprego, dos cortes salariais, etc, Cavaco não terá argumentos nem autorização superior para promover eleições. De nada serviria dissolver a AR para de novo o PS ter de formar governo, só ou acompanhado… e os candidatos à parceria seriam todos os capangas de pentapartido. Para azar nosso e do ente Cavaco, pessoalmente, tudo indica que Sócrates está a cumprir e que à custa do roubo da multidão e dos trabalhadores em particular, as coisas talvez não piorem, do ponto de vista do capital, bem entendido.

Cavaco aumentará o seu poder de intervenção se Sócrates falhar e, se a partir de novas eleições, o PSD constituir governo. Nesse caso, Cavaco apareceria como figura tutelar de um Passos primeiro-intendente do FMI. Cavaco, que não gosta do personagem (a sua amiga Manuela considerava-o mesmo como uma versão beta de Sócrates) dominaria totalmente a cena. Se entretanto, o PSD se cansar de Passos e inventar uma nova figura, Cavaco só teria problemas se lhe caisse no prato um moscardo como o Borges, aliás com mais notoriedade nos “mercados” do que o próprio Cavaco.

Cavaco, sendo conservador, aprecia particularmente a estabilidade, sobretudo a dos cemitérios; no que é aplaudido pelos capitalistas e pelos “mercados”. Na sua (in)cultura sorvida em Salazar, considera caber aos portugueses, trabalhar, obedecer e confiar em quem sabe. Recordamos aqui o “deixem-nos trabalhar” com que brindou a oposição ao seu governo, há uns vinte anos; como opinou com a criação de uma “comissão de sábios” (onde ele se incluiria, naturalmente) para a gestão do deficit, antes de ascender a PR; como desvalorizou os membros do seu governo, denominando-os “seus ajudantes”; como recentemente acenou com os custos do exercício da democracia a haver segunda volta nas presidenciais. E, como conservador, nada tem contra Sócrates como primeiro-ministro, como aliás se viu no início do seu mandato como PR, fase imortalizada numa hilariante peça criada pelos Gatos Fedorentos.

3 - Novamente, relembremos o carácter do PS

Já por diversas vezes explicitamos a caracterização da esquerda institucional portuguesa (2) que mais parece um embrulho de grilos falantes. E como eles não aprendem nada com a prática da vida, relembramos aqui a caracterização do PS já enunciada, cerca de um ano atrás (3)

Só na cabeça dos grilos do BE ou do PC é que o PS é um partido de esquerda e, como objectivamente nunca o terá sido – pelas origens e pelo comportamemto de décadas – mascaram a coisa criticando as “políticas de direita” dos governos PS. Está claro que o PS e os seus governos também tomaram algumas posições decentes através dos tempos mas, com base em excepções também o PSD e o CDS certamente teriam de ser considerados como esquerda. Não aderimos a conceitos religiosos sobre o mal absoluto, encarnações satânicas do Mal.

O que caracteriza um partido? A fraseologia usada? Um programa (que ninguém sabe qual é ou, sabendo, lê) a que nem os seus militantes liga? É a prática política que conta e pouco mais; tudo o mais, os discursos, a retórica, os slogans não passam de marketing, tão válidos como o do detergente que “lava mais branco”.

O PS, nos tempos do PREC, liderou a direita toda, acoitou civis e militares para ganhar o respeito e os marcos alemães que lhe caiam a rodos na conta bancária. Reforçou aí os tiques anti-comunistas e anti-esquerda que já Soares havia manifestado, nos seus amores secretos com Caetano nas eleições de 1969, quando aceitou não falar da guerra colonial para ganhar a respeitabilidade de “oposição” tolerada pelo actor das “conversas em família”.

O primeiro governo do Soares afirmava que Portugal atingiria o nível da então CEE em 1980 (estava-se em 1976) enquanto se afadigava em entregar as terras a proprietários absentistas, a preparar o sector nacionalizado para as privatizações que Cavaco viria a cumprir, a inventar uma UGT com financiamento alemão.

Em 1977, amancebou-se com o CDS para cumprir os ditames do FMI, adivinhem à custa de quem. Seguidamente, ainda com o tratante Soares à cabeça (o da Emáudio, não o filho, que se estatelou num safari aéreo e que popularizámos aqui com o epíteto de “batata com dois olhos”) veio a unidade patriótica com o PSD que nos trouxe de novo o FMI (1983) e uma perda de poder de compra na ordem dos 15%.

Guterres mostrou-se mais magnânimo em termos económicos devido ao dinheiro da UE mas, tratou de chumbar os interesses das pessoas decentes nos referendos do aborto e da regionalização, antes de se pôr ao fresco. Finalmente e neste ciclo de empobrecimento que vivemos surge como o grande líder da direita, sem alternativa, como se viu nas governanças de Durão e Santana e nas candidaturas falhadas que se vêm sucedendo das várias pilecas do PSD – Mendes, Menezes, Manuela e Passos.

Mesmo quando, com Sócrates, o PS assume descaradamente um carácter anti-social como actualmente, para sobreviver no poder, como capataz do conhecido escol – FMI, BCE, BES… a esquerda portuguesa não consegue incluir o PS na direita. Mesmo quando o mancebato com o PSD se torna um público casamento com assinatura de convenção nupcial (escritura do PEC) e o PS se torna um partido de actuação proto-fascista e genocida, a esquerda institucional portuguesa permanece muda e queda sobre o vero carácter do PS.

A esquerda institucional portuguesa, talvez porque tenha pouco de internacionalista, esquece, que branqueando o carácter de direita do PS, solidariza-se, objectivamente com um emérito membro da internacional dita socialista, com um partido irmão do NDP de Mubarak, do MPLA do nosso conhecido JES e da sua rica filha, importante investidora em Portugal, do PPP do corrupto Zardari do Paquistão, do partido trabalhista israelita, “habitué” no governo... Todos reconhecidos pelos pergaminhos democratas, como sabemos.

E assim, se mantém, há mais de 30 anos, estagnada, promovendo a imobilidade social, ajudando ao conservadorismo na sociedade portuguesa. E, através dos boiardos sindicais, o feudalismo dos seus dirigentes, alimentando sebastianismos e combatendo qualquer laivo de marias da fonte, qualquer pequeno movimento que escancare o seu reaccionarismo, como se viu a propósito da cimeira da NATO, em Novembro último (4). Se alguma coisa mexe em Portugal, ou a conseguem controlar por estrangulamento (caso do movimento dos professores), boicotam e combatem para tentar destruir (as acções anti-NATO) ou destróiem mesmo (tentativa de um forum social português).

Porque não é, a esquerda portuguesa, capaz de dizer claramente que o PS e os seus governos fazem parte da direita? Porque são estúpidos? Porque estão enganados? Nada disso. Trata-se de uma opção política consciente que se prende com o seu imobilismo e oportunismo. Se reconhecessem inequivocamente que o PS é um partido de direita,

  • Teriam de reconhecer que há um bloqueio político empobrecedor com a maioria PS/PSD e, portanto, que não há saídas de carácter institucional, através da sucessão dos jogos florais parlamentares, das liturgias eleitorais, com as (sempre!) grandiosas manifestações nas avenidas, de Outubro a Maio, com férias prolongadas entre a quadra natalícia e o carnaval; 
  • Teriam de reconhecer que não há quaisquer possibilidades de maioria de “esquerda” pois aí nunca entrará o PS. Assim, teriam de assumir, para não se descredibilizarem junto da multidão, a rotura com as práticas actuais, meramente institucionais; e, nesse contexto – uma vez que ninguém acredita numa maioria parlamentar BE/PC - que só há combate político e social sério se o seu epicentro for a luta popular e não a AR. Luta que é bem menos fofa que as alcatifas de S. Bento;
  • Não poderiam alimentar junto da multidão uma sebastiânica esperança de mudança nas políticas do PS, a probabilidade de um cataclismo interno dentro do gang, o surgimento de um salvador (um Chavez, um Lula) que conduzisse os militantes do PS a uma glória democrática;
  • Não poderiam sonhar com uma participação no poder, como muleta do PS, em troca de umas secretarias de estado ou a colocação de alguns dos seus quadros, em direcções-gerais e empresas públicas.
Os anseios de participação no poder são antigos e começaram ainda durante o PREC quando grupos trotskistas clamavam a unidade entre PS, PC e… Intersindical. O PC durante anos clamou, debalde, pela maioria de esquerda como reflexo da composição na AR… até que se cansou. O BE veio a assumir a mesma estratégia mais tarde, de forma implícita, por muito crispada que possa ser a encenação parlamentar.

 De facto,

  • O PS e o PC, em 1976, detinham 147 dos 263 deputados e o que se assistiu foi à montagem da normalização capitalista, decididamente encabeçada pelo PS; e Alegre já lá estava; 
  • Em 1983, o PS e o PC detinham 145 em 250 deputados e o que se assistiu foi ao chamado bloco central (PS/PSD) e à intervenção do FMI com a habitual austeridade; e Alegre já lá estava;
  • Em 1985, mesmo com o namoro do PC com Eanes, dono do epifenómeno PRD, as capacidades do PS não foram além da preparação da maioria absoluta de Cavaco em 1987; e Alegre já lá estava;
  • Seguiu-se, na primeira volta das presidenciais que vieram a eleger Soares, o espectáculo da tentativa de divisão do PS com o lançamento, pela mão do PC, do alegre que estava, então, à mão - Salgado Zenha. Tal como o BE, recentemente, o PC falhou redondamente. Pior, pois havendo (contrariamente a 2011) uma candidatura verdadeiramente independente de esquerda – Pintasilgo - o PC preferiu abatê-la ligando-se a uma coisa dúbia chamada PRD. Para gáudio da direita o PC convocou, antes da segnda volta, um congresso à pressa para contrariar a orientação inicial de “nunca votarem Soares”; e, anteciparam o dilema do PSF e da esquerda francesa quando tiveram de apoiar o corrupto Chirac contra o fascista Le Pen. Curiosamente, o que se poderia chamar ala esquerda do PS veio a constituir a base do apoio de Guterres e, pormenor interessante, Alegre estava com Soares;
  • Em 1995, no estertor do cavaquismo, o PS e o PC tiveram 127 deputados em 230 e Guterres não se importou nada de ficar em minoria, declinando qualquer aliança com o PC para, com uma maioria, se abalançar com uma esquerdização da acção política portuguesa, já então fortemente condicionada pelo maná dos fundos comunitários;
  • Em 1999, o PS ficou exactamente com metade do hemiciclo e até podia escolher entre o PC e os dois recém-chegados deputados do BE, para construir uma estabilidade governativa à esquerda. E borrifou-se nisso, claro está, desconhecendo-se qualquer protesto do Alegre;
  • A nível autárquico, existe o exemplo da câmara de Lisboa. A maioria de esquerda, PS/PC nos anos 90 não criou raizes e foi destruida pelo tonto Santana que acabou por ganhar a maioria em 2005. O PC, que chegou a ter um enorme eleitorado em Lisboa, está reduzido, hoje, a um vereador de oposição. O BE, depois de ter escolhido um idiota para vereador, pretendeu dar ares de responsabilidade governativa, entrando em acordo com o António Costa, no primeiro mandato deste, sem que ninguém houvesse percebido a mais valia da experiência para o povo de Lisboa. Sem surpresa, Costa cooptou o “Zé que faz falta” e o BE perdeu a vereação, com a derrota humilhante do Fazenda. Estamos muito longe dos tempos em que o executivo camarário lisboeta dominado pelos republicanos prenunciava o fim da putrefacta monarquia.
  • Depois da maioria absoluta de Sócrates em 2005, chega-se à sua maioria relativa de 2009, com total desprezo pelos 31 deputados do BE/PC para construir uma maioria estável à esquerda. As escolhas políticas e económicas do PS estão suficientemente presentes para ser aqui necessário lembrá-las.
Entretanto, durante todos estes anos, “a maioria de esquerda” foi conseguida por aqueles ilustres caciques que se acoitaram no PS, aceitando, naturalmente as regras da casa – José Magalhães, Osvaldo Castro, Barros Moura, Pina Moura, Lino, o actual ministro Mendonça, estando sempre na rampa de lançamento novas fornadas de “renovadores”, em regra, fotocópias de fotocópias. De outros quadrantes, que não passaram pelo PC, refiram-se os antigos MES – Ferro, Sampaio, Cravinho ou o ex-UDP Jorge Coelho.

Onde está, nestes anos todos, algo onde se tenha visto o carácter de esquerda do PS? Este aliás, para bem se demarcar do resto da direita e manter as distâncias face à esquerda institucional (BE/PC) designa esta como… extrema-esquerda (!), pretendendo sublinhar a sua respeitabilidade junto dos “mercados”, apresentando-se como esquerda “democrática”, moderna, responsável e uns epítetos vazios ou idiotas do género, onde incluimos a criação teórica (?) de Soares, o “socialismo em liberdade”. Assim, o PS, para ocultar o seu carácter de direita, dá o exclusivo dessa etiqueta ao mano PSD e ao CDS e, para não se misturar com a esquerda institucional, designa-a como extrema esquerda. Tudo não passa de uma rábula de teatro de revista, em que todos divertem o público.

Se havia uma relevante faixa de gente à esquerda, no PS, o seu enterro como alternativa interna de poder, verificou-se no passado dia 23. Mas… entre os apoiantes de Alegre do PS onde estava a gente de esquerda? No António Costa? Na Belém? Na mulher do ilibado Pedroso? Nos discursos trauliteiros do ministro Augustus SS? Nas claques que aplaudiram as aparições fugazes do seu “fuhrer”, no apoio a Alegre?

Todos os partidos têm gente com posicionamentos distintos; uns menos reacccionários que outros, uns mais sensíveis às dificuldades da multidão que outros. O monolitismo não existe mesmo dentro dos partidos únicos ou abrigados no “centralismo democrático”, designação típica do cientismo estalinista para dourar o “quem manda são os chefes”. Assim, há no PS, como em qualquer partido da direita, gente menos à direita e entulho mais fedorento, mais á direita.

O enterro desse rei momo como se pode chamar a essa invenção do BE chamada “ala esquerda” do PS, veio a favorecer Sócrates que nunca a apoiou ficando agora, claramente, dono e senhor do gang. O PSD fica também entalado entre um Cavaco tutelar e um PS que ocupa uma maior faixa à direita, mandando o PSD para um regresso adiado sine die ao poder, a não ser como muleta do governo, obrigado pelos “mercados”, pelo FMI, BCE, etc. Para mais, nem tem um lider credível, apesar das sondagens, não tivesse Passos sido uma emanação daquela casta de autarquetas manhosos da província que o Ruas tão bem retrata.

O PC, com a “política patriótica e de esquerda”, com a defesa da independência nacional, só evidencia o seu carácter fóssil, inalterado com a chuva ou com o sol.  Ignora a quase total perda de soberania, que não é de agora mas, que se acelerou com a entrada (inevitável) na UE, no contexto da globalização e da reestruturação capitalista neoliberal, após a queda do Muro de Berlim e do fim da URSS. Se antes de 1986, o PCP se dizia contra a adesão à UE, passou depois a silenciar essa posição e continua a não dar esse passo actualmente por realismo político mas, enganando as pessoas com o discurso da pátria e da independência que mesmo os distraidos já perceberam que acabou. O tempo das pátrias acabou, agora é o tempo da multidão mundial, contra o capitalismo globalizado e os seus Estados.

4 -  Notas eleitorais

Cavaco ganhou e todos nós melhorámos a auto-estima. Tinhamos o CR7, agora temos também o CS23, o que revela uma mais-valia assinalável; porém, Ronaldo tem melhores pés e mais adeptos do que um presidente de 23% do eleitorado.

Como ponto prévio, abordemos a confusão dos cartões de cidadão; incúria, amadorismo, eventual entrega das estruturas informáticas a várias empresas pouco articuladas entre si. A revelação clara da relevância e do empenho do mandarinato no funcionamento da democracia, mesmo que de mercado. Esta não foi (ainda) suspensa como sugerido pela Balela Ferreira Leite mas, em tempos de “consolidação orçamental” não merece muitos cuidados.

Importante, importante é a máquina fiscal, os cruzamentos para apanhar os pobres e os trocos, os recibos verdes (agora também electrónicos), os biscates dos desempregados, dos trabalhadores doentes (5). Importante é a dotação da polícia com formas de detectar se um carro a circular na estrada já foi ou não objecto da inspecção periódica dentro do prazo para aplicação de coima. E, finalmente, é importante o fornecimento de dados biométricos para alimentar a paranóia anti-terrorista dos EUA.

Este ministro, um togado que dá pelo nome de Rui Pereira, não tem somente cara de parvo; a cara é o espelho que reflecte a sua essência. É capaz de saltar do poleiro, como produto do fogo de artifício parlamentar ou por jogada de antecipação de Sócrates para evitar o espectáculo. Sem que isso se prenda minimamente com o roubo e o empobrecimento colectiva que recai sobre a multidão.

Outra questão, a da actualidade do recenseamento eleitoral é recorrente. O PS/PSD pouco liga à questão pois o excesso de 743000, eleitores segundo cálculos nossos (6), permite aumentar os subsídios do Estado aos partidos e até aumentar o número de vereadores nas câmaras. E por isso, a aldrabice vai-se mantendo.

Terceira questão prévia. Quem obtiver mais de 5% dos votos tem o Estado a pagar os gastos de campanha – o que, naturalmente, beneficia os candidatos apoiados pelo pentapartido, muito silencioso sobre o tema. Todos podemos concorrer a PR mas, na realidade, só os que têm apoios em funcionários, sedes e com dinheiro por detrás o podem fazer; como é apanágio das democracias de mercado onde o dinheiro é o único aferidor de tudo. Como se costuma dizer, em democracia de mercado há uns mais iguais que outros.

Se se aceitar como legítimo que o Estado pague papeladas, cartazes e a sua colocação, passeios pelo país, consultores de imagem, almoços, jantares, ceias, comícios, onde, de facto, nada há de intenção de esclarecimento do eleitorado, porque razão um candidato com menos de 5% dos votos terá de ser desconsiderado e penalizado? Para beneficiar o pentapartido, avesso a outsiders desestabilizadores das águas do pântano, é a nossa resposta. 

Essa discriminação anti-democrática está bem espelhada nas declarações de Cravinho que afirma ter a lei do financiamento dos partidos aberto a porta à corrupção (7). A mesma lei permitiu coimas superiores a € 5000 por uma falha processual de € 75 numa factura da EDP paga por um partido (POUS) que tem o enorme orçamento anual de … € 6000! Em contrapartida, a mesma lei, através de uma aplicação retroactiva perdoa aos partidos na Madeira € 23 M de gastos indevidos, dos quais 80% cabem ao PSD do Jardim (8). Apenas mais um pormenor; essa lei foi promulgada por Cavaco, em pleno periodo eleitoral…

O atraso cultural e político dos portugueses – mesmo apesar da queda do fascismo – mantido pelo carácter elitista e sectário dos partidos, alimenta uma delegação da acção política em profissionais da mesma erigidos em classe, em burocracia, em mediadores e aplanadores dos conflitos; e, cada vez menos capazes e mais ladrões.

Refira-se, relativamente ao último acto eleitoral, do dia 23 de Janeiro e, em primeiro lugar, a parcela de votantes e a sua representatividade no total dos eleitores. Como a existência de eleitores fantasmas é mais ou menos permanente, o peso dos votantes tem algum significado quando se observam os resultados de todas as eleições presidenciais.


A tendência é clara atingindo-se um máximo absoluto de participação na segunda eleição de Eanes, quando o seu principal adversário era um pouco recomendável Soares Carneiro patrocinado pela AD, do outro Carneiro, o Sá. Para além do mínimo agora atingido e a despeito de alguma crispação entre os candidatos, a única situação em que a votação não atingiu os 50% dos eleitores corresponde ao passeio que conduziu à segunda eleição de Sampaio.


Como se pode observar, é cada vez maior a distância entre os recenseados, cujo volume cresce, em função do aumento e do envelhecimento da população, (para além da omnipresença dos tais eleitores fantasmas) e o número dos votantes que só sentem alguma excitação quando há, forçosamente, uma substituição da veneranda figura do pai da pátria. Tudo, num quadro geral de não ser muito visível a importância da dita figura.

Dizem almas apreciadoras da democracia de mercado que as abstenções nada significam em termos de atitude política mas, apenas desinteresse e comodismo. Tudo isso porém, são atitudes que revelam distanciamento da mais elementar forma de participação política e que os agentes que pretendem monopolizar a representação não são atrativos nem convincentes. É, na realidade uma atitude de desinteresse, desprezo ou distanciamento mas, não é uma atitude militante.

Por coincidência, a parcela de votantes que anularam o voto ou o mantiveram (em branco) sem menção de escolha, foi de 0.9% para cada uma daquelas opções, na média do periodo 1976/2006. No dia 23 de Janeiro último, os votantes que entregaram o boletim em branco foram 4.3% do total que, somados aos 1.9% que anularam o voto, somam 6.2%; o que é substancialmente mais do que em eleições presidenciais anteriores.

A anulação do voto é uma acção clara e inequívoca de repúdio, enquanto o voto branco evidencia, de modo mais brando, a não aceitação das propostas apresentadas, em conjunto tomadas como insatisfatórias ou inconvenientes. Se a abstenção pode resultar de comodismo, votar branco ou nulo, pelo contrário, mostra uma atitude bem consciente e militante, em que o repúdio está bem presente.  

O crescimento dos votos brancos e nulos na última eleição presidencial tem o significado inequívoco de que sectores significativos da multidão não se reviu nos candidatos, nem seguiu as indicações de voto, expressas ou implícitas, do pentapartido; os sectores de descontentes cresceram, uma vez que já nas últimas legislativas, os votos brancos e nulos haviam atingido 3.12% dos votantes e, nas eleições para o parlamento europeu em 2009, 6.6%.

A evolução registada nas últimas presidenciais para o conjunto dos votos brancos ou nulos, para todos os distritos e regiões autónomas, revela que o aumento dos votos expressos de repúdio tem um carácter nacional, com maior relevância em Coimbra, Leiria e Lisboa. Curiosamente, na Madeira, aqueles tipos de votação que tinham a maior representatividade a nível nacional, em 2006, passaram agora a ter a menor dimensão, embora sofrendo um ligeiro acréscimo. Entendemos que para isso contribuiu a candidatura do madeirense José Coelho que atraiu a si as manifestações de repúdio ao imperador bokassa, ente que há dezenas de anos vem sendo objecto de toda a tolerância do mandarinato nacional. José Coelho surgiu, pois, na Madeira, como algo de novo no ambiente mafioso e de delação que o gauleiter local instaurou. E, já afirmou os seus propósitos de combate declarado a Jardim, sem alianças com os partidos da rotineira oposição local.


Há contas que é preciso fazer para se compreender a ineficácia da esquerda institucional, tomando como termo de comparação os resultados das legislativas de 2009.
                             
2009
PS+BE+MRPP
2.688.541
PSD+CDS
2.247.774
PCP
446.994
2011
Alegre
831.959
Cavaco
2.230.104
Lopes
300.840
    2009-2011
   (perda)
1.856.582
   (perda)
17.670
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No quadro atrás, vê-se que o PSD/CDS garantiu praticamente o correspondente ao seu eleitorado de 2009. Mais relevante, do nosso ponto de vista, são as enormes perdas dos chamados candidatos institucionais do que se convencionou designar por esquerda.

Muitas conjecturas se poderão fazer mas, preferimos registar factos. Matematicamente, Alegre teria condições para ser eleito, se fosse um dado adquirido que os votos nos partidos apoiantes se iriam transpor ordeiramente para os seus candidatos.

No que diz respeito ao PS não é estranho que muitos dos seus votantes de 2009 tenham constituido em 2011, uma diáspora que terá estado incluida nos abstencionistas (975000 segundo o jornal “Sol”), nos apoiantes de Nobre (285000), Cavaco (280000) Coelho (85000) e Moura (35000), para além dos 405000 que terão votado em Alegre; pelas contas do “Sol” a diáspora não se teria estendido aos 277000 votos nulos ou brancos. Por outro lado, de acordo com os cálculos do jornal, a haver tanta gente do PS a votar em Cavaco teria havido um número equivalente de habituais apoiantes do PSD/CDS em 2009 que teriam emigrado para a abstenção, o que não parece plausível. Recorde-se que em 2006, mesmo juntando todos os votos de Alegre e Soares isso não ultrapassaria mais de 73.7% dos resultados de Sócrates no ano anterior.

Sem dúvida que muita gente que votou Sócrates em 2009 o fez como voto útil contra a jararaca Manuela e garantir o poder, questão que se não punha agora, uma vez que a vitória de Cavaco estando anunciada, não fomentava votos úteis. Por outro lado, toda a gente sabe que é muito mais importante determinar o primeiro-ministro do que um PR, permitindo-se aqui, a fantasias e criatividade. E, daí a diáspora recente.

Sendo o PS um partido de direita, Alegre, com a sua fraseologia formalmente de esquerda, alheia à composição actual e à história do seu partido, não teria condições para polarizar a massa dos apoiantes do PS, para mais, lançado este numa senda reaccionária e anti-social que afasta qualquer um que detenha um simples neurónio de progressismo. Essa mesma massa reaccionária não teria também grandes atractivos para uma união de forças com o BE, ou com um candidato (visto por eles) como do BE, de extrema esquerda, para muitos. E daí, nas contas do “Sol”, que somente 405000 eleitores PS tenham apoiado Alegre.

A ser assim, os cerca de 427000 restantes votantes em Alegre, a 23 de Janeiro, de onde vieram? Do eleitorado PC não terão vindo, decerto, dado o antagonismo histórico daquele partido com Alegre, desde os tempos em que o PC foi expulso do “grupo de Argel”. E, se vieram do eleitorado BE e MRPP de 2009 – 610846 indivíduos – então, quase 184000 destes terão emigrado para outros destinos, mormente Nobre, Coelho, votando nulo ou em branco ou, abstendo-se. Recorde-se que mesmo Louçã, a estrela máxima do BE, em 2006, com os seus 288756 votos somente fixou 79.1% dos votantes no partido, no ano anterior, decerto em benefício de Alegre, então o candidato independente dos partidos, o candidato da revolta contra o directório do PS, que havia escolhido um candidato perdedor – o geronte Soares – pois Cavaco já então, era o candidato, não confessado, de Sócrates.

Alegre, em 2006, era um candidato anti-partido, da novidade, da frontalidade e daí, ter entusiasmado muita gente. Porém, a partir de então Alegre dormiu no conforto da AR, com um ou outro sobressalto de esquerda como prova de vida e desperdiçou completamente e desiludiu muitos dos 1127472 que votaram nele; e esse descrédito, nem Alegre, com o seu perfil autista de cacique nem, sobretudo o BE souberam perceber, numa lógica de extrapolação não analitica da realidade passada. O futuro de Alegre é a dedicação às caçadas, entre dois poemas e uma entrevista por mês, onde começará com uma referência anti-fascista, terminando com um arroto patriótico; é o destino final de um “bon vivant” com um percurso irrelevante e cinzento.

Francisco Lopes, a despeito de alguns méritos no empenho e na imagem que acumulou, não conseguiu fixar 35.6% da votação de Jerónimo, em 2006, nem quase um terço (32.7% dos votos da CDU em 2009. Como é óbvio, tudo isto, na linguagem delirante típica do CC do PCP, constituiu… uma vitória (?).

Há aqui um aspecto novo. Em 2006, Jerónimo conseguiu melhorar ligeiramente a votação do partido obtida em 2005 e, como se observou, esse feito não foi repetido por Lopes. A passagem do tempo e a redução do número dos apoiantes com mais idade, eivados de uma certa religiosidade face ao partido da “classe operária” conduz a maior relevância de um novo eleitorado do PC, mais volúvel, menos disciplinado face às directivas da confraria dos órfãos de Brejnev (o enorme corpo de funcionários). Tratando-se de apoiantes com maior escolaridade e sem a vivência do fascismo, são menos sensíveis à disciplina estalinista e mais abertos a algum diálogo com outros militantes de esquerda. E daí que tantos tenham desrespeitado a disciplina, não votando em Francisco Lopes.

Há uma realidade que exige novas formas de organização e actuação política, como vimos clamando, de base, com desobediência e mesmo ingovernamentalização a partir de um dado nível de contestação; sem caciques, sem controlo dos movimentos, dos sindicatos, sem sabotagem das lutas, por acção ou omissão dos barões partidários.

Está claro que o mandarinato está atento à situação, pois a credibilidade dos seus postos de trabalho é quase nula. E daí, irão estudar o assunto; cheira a reforma do sistema eleitoral e que esta, sempre latente, poderá avançar em várias frentes. Esperam em primeiro lugar, ir ao encontro dos desejos do tal eleitorado que se contenta com migalhas de reformas; tenderão, de permeio, a proceder a reajustamentos que permitam um maior afunilamento no pântano PS/PSD. Vejamos.

  • Alterações no formato de nomeação do PR
Formalmente, para evitar custos com eleições – tema que sensibiliza a direita, bem consciente do seu carácter cosmético – podem inventar duas soluções. Uma é o alargamento de um mandato único do PR para uns sete anos, reduzindo a frequência do folclore eleitoral. A outra é elegerem a veneranda figura por votação na AR, de forma mais ou menos concertada, semelhante à do arraial que entronizou o provedor de justiça.

A primeira fórmula não coibiria o PR a ser manso no primeiro mandato, para arreganhar os dentes no segundo e último; seria lobo ou cordeiro a tempo inteiro e trabalharia apenas para ficar bem na galeria dos presidentes.

A segunda fórmula apresenta mais conveniências; dispensa o envolvimento da plebe, as campanhas eleitorais, a lavagem de roupa suja com as inconveniências que descredibilizam o mandarinato, oculta a evidência do seu descrédito perante a multidão, colocada à margem dessas lides, entregues ao siso dos seus dignos e avisados “representantes”.

A fórmula aumentaria o poder do executivo, mormente do primeiro-ministro, transformando o PR numa figura (ainda) mais de berloque democrático. Essa eleição indirecta é feita, hoje, em países como a Alemanha ou a Itália, com resultados semelhantes e com menos folclore eleitoral – ninguém sabe o nome dos PR italiano ou alemão mas, todos conhecem o Berlusconi e a Merkel. Este sistema é o adoptado pela UE que assim nomeou um tal van qualquer coisa para uma decorativa presidência, aumentando, consequentemente, o poder dos conselhos de ministros que tudo decidem, depois de, numa primeira fase, terem colocado como primeiro comissário europeu uma figura de fraco gabarito, ocasionalmente nascido em Almada. Em outros países europeus – escandinavos, Grã-Bretanha, Benelux e Espanha mantiveram-se figuras folclóricas equiparadas, com a designação de reis e cujas famílias contribuem largamente para o fomento do mercado da literatura cor-de-rosa e dos escândalos de alcova.

A democracia de mercado controlando a multidão de modo mais subtil, colocaria como PR um indivíduo emanado do poder pois, nenhum real independente teria essa possibilidade. Nesse contexto, o poder manteria a fachada democrática sem sobressaltos e, nas condições sociológicas da população portuguesa, manteria ainda o culto da figura de um pai protector e distante, como Salazar ou Cavaco; a imagem do mago capaz de olhar e confortar a plebe pelas misérias do momento. Trabalhar, obedecer, confiar é o lema do autoritarismo, exigente da submissão total, tão diligentemente trabalhada por Salazar.

Salazar depois de 1958 e do susto Delgado acabou também com a eleição directa do PR, passando a fazê-lo através dos deputados da assembleia nacional fascista. Quanto a PR’s saiba-se que:

Salazar deixou na História o impagável Tomaz
O PS/PSD criou Aníbal, das finanças um ás

  • Redução do número de deputados 
Uma vez que todo o sistema político converge na manutenção do putrefacto PS/PSD, a composição da AR nunca deixará de permitir o seu simultâneo funcionamento, como válvula de exibição da diversidade política que baste e da estabilidade que faz a alegria dos mercados.

Por mais criatividade que o mandarinato tenha, é o PS/PSD que poderá reduzir o número de deputados e, naturalmente, aproveitará o ensejo para que isso seja feito a expensas da esquerda institucional. Aliás, é sabida a grande desigualdade já hoje existente no sistema eleitoral actual e sobre a qual procedemos a um exercício, recentemente (9)

  • O voto obrigatório 
Há também quem defenda o voto obrigatório para acabar com as abstenções, sabendo que, a priori, muitos dos votantes obrigados iriam ter um perfil pouco diferenciado dos habituais voluntariamente votantes. Porém, o aumento forçado dos participantes nos escrutínios, aumentando a participação, iria ser exibida pelo mandarinato como atestado da sua legitimidade e da sua profunda (?) ligação ao povo. Na Bélgica, na Itália, na Grécia, o voto é obrigatório; no primeiro caso, não ajuda em nada à formação de governos duradouros, no segundo, não impede a existência de Berlusconis, Bossis e Finis e, finalmente, na Grécia, são claras as diferenças entre o que sai do poder Pasok e os desejos da multidão, acossada e roubada.

Em Portugal, só nos recordamos da frenética eurodeputada Ana Gomes como defensora do voto obrigatório. A sua existência, nas condições culturais da lusolândia iria promover a indústria dos atestados médicos e mais umas centenas de burocratas para aferir das causas das não comparências, com a aplicação e cobrança das incontornáveis coimas. Se explicarem isto ao Teixeira dos Santos ele descobrirá aqui mais uma forma de angariar dinheiro para entregar aos “mercados” ou pagar submarinos.                                                                                                                                                     

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Notas:

(1)http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Cavaco-Silva-reuniu-se-com-banqueiros.rtp&headline=20&visual=9&article=412297&tm=6

(2) O sistema partidário português

A democracia de mercado e a actuação da esquerda

(3) esquerda,PS,Alegre – confusões e premeditações eleitorais
     http://www.scribd.com/doc/24681888/Esquerda-PS-e-Alegre-%E2%80%93-Confusoes-e-premeditacoes-eleitorais e neste blog   

(4) A miséria da esquerda que anda por aí.  Um “case study”, a Cimeira da NATO

(5) Democracia, democracia das empresas e Wikileaks


(7)  ttp://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/politica/financiamento-dos-partidos-lei-e-nodoa-negra-na-democracia



(9)    Um sistema eleitoral falsificado e enganador





Este e outros textos em:

http://www.scribd.com/group/16730-esquerda-desalinhada


www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt





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