Presidenciais: entre o bocejo e o vómito, é preciso reflectir
Sumário
1 –
Habemus praesidens! Gloria in excelsis Deo!
2 –
Os próximos tempos, negros e frios
3 -
Novamente, relembremos o carácter do PS
4 - Notas
eleitorais
1
– Habemus praesidens! Gloria in
excelsis Deo!
Et
consumatum est! Amen
Finalmente,
a pátria consagrou a veneranda figura do Pai. Podemos todos dormir, com aquela
tranquilidade que só as crianças têm pois o Pai zela por nós. E Pai é sempre
pai, mesmo que se trate de um idiota, de um ignorante, cuja inteligência se
restringiu ao chico-espertismo de facilitar o singrar de uns amigos de
confraria, cobrando, subrepticiamente por isso, mais tarde. Uma coisa é certa,
são mesmo amigos, devotam-se mutuamente, uma fiel amizade, insensível à
passagem do tempo.
O
alarido em torno das presidenciais, os temas abordados, sobretudo pelos mais
credenciados dos candidatos, que oscilaram entre um gongórico floreado e uma
disfarçada ignorância, não permitiu, contrariamente ao sucedido na fábula, que alguém
gritasse: o rei vai nu!
E,
de facto, o rei vai nu, encarregando-se os candidatos e as suas bandas de
assessores, seguranças e jornalistas, os apoiantes, os corruptos ou tontinhos
de aldeia, os distribuidores de papelada e mirones sorridentes para as câmaras
da televisão, todos eles, de ocultarem a nudez do rei, com a opacidade possível
das vestes.
E
o rei vai nu, por vários motivos, destacando-se dois:
Primeiro
porque não é um rei mas um presidente da república. Chama-se presidente, ainda
que só presida a um rancho folclórico (conselho de estado) e aos trintanários
do palácio de Belém; ainda que somente resuma a sua actividade rotineira a uma
missa semanal, a sós com um tipo a que se chama primeiro-ministro e passe o
resto do tempo a ouvir e a conversar com tontos, bajuladores e ansiosos de
cunha. Por vezes, o presidente ocupa a abertura do telejornal para proferir uma
discurseta vaga ou vazia, entre duas imagens de um pano colorido e esvoaçante e
dois periodos com uma marcha militar ridícula que, convém, por respeito
patriótico, designar por hino nacional.
Segundo,
não há república nenhuma pois a res publica já foi privatizada ou está
hipotecada para pagar a dívida; exceptuando, o que foi roubado ou está em vias
de o ser.
De
facto, o sistema educativo está de pantanas e resume-se à emissão de diplomas e
ao pagamento de propinas, tendo como ruido de fundo as imbecilidades de uma
ministra e a gritaria dos colégios privados com fedor de sotaina no ar. O
sistema de saúde, apontado constitucionalmente e de modo capcioso
“tendencialmente gratuito” é uma farsa aplaudida pelas farmacêuticas, pelo
baronato médico e pelos bancos que vão financiando clínicas e hospitais, tudo longe
da tal gratuitidade. Também por aí aparece uma figura sonsa de vendedora de
vacinas, que sucedeu a uma metástase fascizante do sistema político, colocada a
banhos em Estrasburgo… mesmo que aí as praias não sejam grande coisa.
As
estradas mais utilizadas são privadas e só lá passa quem pagar as tarifas e os
aparelhómetros de contagem das mesmas. Os transportes ditos públicos são, na
realidade, pasto para barraqueiros e quejandos, com preços a subir, de modo
inversamente proporcional ao número das carreiras.
Até
mesmo as forças armadas que defendem a pátria (dizem) não passam de
oportunidades de negócio para vendedores de armamento, ladrões de G3,
incontornáveis bancos e consultores que alimentam coxos argumentos para que uns
30000 mercenários abocanhem o orçamento, sem fazer literalmente nada de útil
para a grei.
Não
havendo res publica para garantir e zelar, para que serve o estado dito
português? Para nada, apetece dizer. Mas não, é puro engano.
Para
além dos negócios específicos, da corrupção generalizada que se conhece e, sobre
a qual todos sabem os nomes colocados nas etiquetas, há outra função deveras
relevante. É preciso alguém que mantenha a funcionar a máquina fiscal, que
garanta a operacionalidade da seringa que, espetada no nosso braço, exerce a
punção ordenada por aquela lista de acrónimos – FMI, BCE, UE, CE, APB, PSI20,
etc – a favor dos “mercados”. E que mantenha o cacete perto da nossa cabeça
para que tenhamos as orelhas viradas para baixo.
É
nos “mercados” que reside a soberania sobre este espaço de 92000 km2 com cerca
de 10.5 M de pessoas. O presidente e a assembleia, ambos da tal república que
não existe são, portanto, realidades virtuais, encenações para convencer a
populaça de que existe por ali qualquer coisa com soberania. O chamado
primeiro-ministro é, na realidade, o CEO de um regimento de intendência ao
serviço dos “mercados” e cuja autoridade reside apenas na polícia, nos
tribunais e no exercício operacional da tal punção fiscal. E, como é normal em
todos os serviços de intendência, com o tradicional desvio de víveres da
dispensa. O negócio das batatas do intendente Valentim oferece um paralelismo
interessante e conhecido.
É
neste contexto que se celebrou, dia 23 de Janeiro, um ensaio do próximo
carnaval que, dada a falta de dinheiro, não promete ser grande coisa.
Os
intervenientes, por ordem alfabética, foram:
- O Aníbal da quinta da Coelha, emir de Boliqueime, amigo e protector do gang do BPN, economista de enormes méritos que só ele reconhece (presunção e água benta…), a não ser que se considere como grande feito profissional a valorização das acções da SLN;
- Defensor de Moura, autarca minhoto reformado, defendeu a regionalização e o fim das touradas, causas meritórias que, quando citadas, obrigaram a concorrência a fingir distração. Irritou, encurralou e emudeceu o Aníbal, apesar dos pergaminhos de catedrático do último;
- O Fernando foi trazido a estas lides pelo manhoso Mário Soares que o pretendeu usar para se vingar do Manuel (ver adiante) que, havia humilhado o patriarca, cinco anos atrás, num evento eleitoral homólogo. Beneficiou da sua não ligação orgânica a partidos, embora aqui e ali já tenha apoiado quase todos;
- O Francisco não se sabe bem se existe ou se é um insuflável preparado pelo CC do PCP, com tecnologia norte-coreana, muito avançada na criação de power-points em 3D. O seu discurso inova e é sempre o produto da combinatória de umas dez palavras, onde se incluem trabalhadores, direita, povo, Portugal, produção nacional, constituição e umas poucas mais;
- O Manel foi o alquimista que procurou fundir esquerda e direita, governo e oposição com voz de locutor de rádio e rivalizou com o Francisco na construção de frases ocas: este conviva usa amiúde, república, democracia, fascismo, pide, cavaco, “ele”, pátria, Portugal e vacuidades do género;
- Para o fim deixamos o Zé Coelho, (não da Coelha!), traquejado como único opositor do bokassa madeirense, o que não é tarefa fácil. Por isso foi o único candidato realista ao evidenciar que as ditas presidenciais são pouco mais que um teatro de robertos, que só servem para distrair crianças e outros infantes.
2
– Os próximos tempos, negros e frios
Passando
ao sério.
Cavaco
era o candidato da direita, já toda a gente sabia e por isso teve o pleno dos
fãs do PSD e do CDS, como também o teve do governo PS e dos capos deste
partido. É também homem dos bancos, dos “mercados”, do FMI, do BCE, da Comissão
Europeia e tem provas dadas quando foi chefe do governo. Com essa coligação do
dinheiro é ele que ganhou, naturalmente. Logo no dia 1 de Fevereiro esteve
reunido com os banqueiros, a colher instruções (1).
Cavaco
é um autómato, com um modelo macro-económico como sistema operativo e gosta que
o respeitem como veneranda figura, como pai da pátria, que lhe batam palmas nos
discursos e não o desdigam quando evoca a sua competência e experiência. Para mais,
com esta eleição, ganha cinco anos de novas oportunidades para entrar na sala
Oval da Casa Branca, troféu que lhe falta para completar as memórias. Pouco
importa se é inculto, racista, inseguro e intolerante. Ou rançoso como
excelentemente lhe chamou Baptista-Bastos.
Porém,
Sócrates é, o preferido do capital como executivo, pois é autoritário,
desavergonhado, pouco dado a escrúpulos e tem uma experiência de vários anos de
governação. Cavaco não gosta de Sócrates mas, o capital gosta e está tudo dito;
e o capital tal como Cavaco não acredita nas qualidades da pileca Passos como
“challenger” do Sócrates. Será mais um chefe que ficará num rodapé dos anais do
PSD.
Fala-se
há muito de eleições legislativas para depois das presidenciais. Ficou claro,
dia 23, o que pensa a maioria das pessoas do pentapartido que nos rouba, por
acção, por arremedo ou omissão de acção. Qualquer eleição, na actual
conjuntura, é colocar a multidão perante um baralho de cartas viciadas,
envelhecidas, com aquelas típicas marcas pretas de sujidade acumulada.
Se
o governo Sócrates cumprir as prescrições do FMI, da Comissão Europeia, dos
“mercados”, aproveitando-se da benevolência com que a multidão aceita a canga
do desemprego, dos cortes salariais, etc, Cavaco não terá argumentos nem
autorização superior para promover eleições. De nada serviria dissolver a AR
para de novo o PS ter de formar governo, só ou acompanhado… e os candidatos à
parceria seriam todos os capangas de pentapartido. Para azar nosso e do ente
Cavaco, pessoalmente, tudo indica que Sócrates está a cumprir e que à custa do
roubo da multidão e dos trabalhadores em particular, as coisas talvez não
piorem, do ponto de vista do capital, bem entendido.
Cavaco
aumentará o seu poder de intervenção se Sócrates falhar e, se a partir de novas
eleições, o PSD constituir governo. Nesse caso, Cavaco apareceria como figura
tutelar de um Passos primeiro-intendente do FMI. Cavaco, que não gosta do
personagem (a sua amiga Manuela considerava-o mesmo como uma versão beta de
Sócrates) dominaria totalmente a cena. Se entretanto, o PSD se cansar de Passos
e inventar uma nova figura, Cavaco só teria problemas se lhe caisse no prato um
moscardo como o Borges, aliás com mais notoriedade nos “mercados” do que o
próprio Cavaco.
Cavaco,
sendo conservador, aprecia particularmente a estabilidade, sobretudo a dos
cemitérios; no que é aplaudido pelos capitalistas e pelos “mercados”. Na sua
(in)cultura sorvida em Salazar, considera caber aos portugueses, trabalhar,
obedecer e confiar em quem sabe. Recordamos aqui o “deixem-nos trabalhar” com
que brindou a oposição ao seu governo, há uns vinte anos; como opinou com a
criação de uma “comissão de sábios” (onde ele se incluiria, naturalmente) para
a gestão do deficit, antes de ascender a PR; como desvalorizou os membros do
seu governo, denominando-os “seus ajudantes”; como recentemente acenou com os
custos do exercício da democracia a haver segunda volta nas presidenciais. E,
como conservador, nada tem contra Sócrates como primeiro-ministro, como aliás
se viu no início do seu mandato como PR, fase imortalizada numa hilariante peça
criada pelos Gatos Fedorentos.
3
- Novamente, relembremos o carácter do PS
Já
por diversas vezes explicitamos a caracterização da esquerda institucional
portuguesa (2) que mais parece um embrulho de grilos falantes. E como eles não
aprendem nada com a prática da vida, relembramos aqui a caracterização do PS já
enunciada, cerca de um ano atrás (3)
Só
na cabeça dos grilos do BE ou do PC é que o PS é um partido de esquerda e, como
objectivamente nunca o terá sido – pelas origens e pelo comportamemto de
décadas – mascaram a coisa criticando as “políticas de direita” dos governos
PS. Está claro que o PS e os seus governos também tomaram algumas posições
decentes através dos tempos mas, com base em excepções também o PSD e o CDS
certamente teriam de ser considerados como esquerda. Não aderimos a conceitos
religiosos sobre o mal absoluto, encarnações satânicas do Mal.
O
que caracteriza um partido? A fraseologia usada? Um programa (que ninguém sabe qual
é ou, sabendo, lê) a que nem os seus militantes liga? É a prática política que
conta e pouco mais; tudo o mais, os discursos, a retórica, os slogans não
passam de marketing, tão válidos como o do detergente que “lava mais branco”.
O
PS, nos tempos do PREC, liderou a direita toda, acoitou civis e militares para
ganhar o respeito e os marcos alemães que lhe caiam a rodos na conta bancária. Reforçou
aí os tiques anti-comunistas e anti-esquerda que já Soares havia manifestado,
nos seus amores secretos com Caetano nas eleições de 1969, quando aceitou não
falar da guerra colonial para ganhar a respeitabilidade de “oposição” tolerada
pelo actor das “conversas em família”.
O
primeiro governo do Soares afirmava que Portugal atingiria o nível da então CEE
em 1980 (estava-se em 1976) enquanto se afadigava em entregar as terras a
proprietários absentistas, a preparar o sector nacionalizado para as
privatizações que Cavaco viria a cumprir, a inventar uma UGT com financiamento
alemão.
Em
1977, amancebou-se com o CDS para cumprir os ditames do FMI, adivinhem à custa
de quem. Seguidamente, ainda com o tratante Soares à cabeça (o da Emáudio, não
o filho, que se estatelou num safari aéreo e que popularizámos aqui com o
epíteto de “batata com dois olhos”) veio a unidade patriótica com o PSD que nos
trouxe de novo o FMI (1983) e uma perda de poder de compra na ordem dos 15%.
Guterres
mostrou-se mais magnânimo em termos económicos devido ao dinheiro da UE mas,
tratou de chumbar os interesses das pessoas decentes nos referendos do aborto e
da regionalização, antes de se pôr ao fresco. Finalmente e neste ciclo de
empobrecimento que vivemos surge como o grande líder da direita, sem
alternativa, como se viu nas governanças de Durão e Santana e nas candidaturas
falhadas que se vêm sucedendo das várias pilecas do PSD – Mendes, Menezes,
Manuela e Passos.
Mesmo
quando, com Sócrates, o PS assume descaradamente um carácter anti-social como
actualmente, para sobreviver no poder, como capataz do conhecido escol – FMI,
BCE, BES… a esquerda portuguesa não consegue incluir o PS na direita. Mesmo
quando o mancebato com o PSD se torna um público casamento com assinatura de
convenção nupcial (escritura do PEC) e o PS se torna um partido de actuação
proto-fascista e genocida, a esquerda institucional portuguesa permanece muda e
queda sobre o vero carácter do PS.
A
esquerda institucional portuguesa, talvez porque tenha pouco de
internacionalista, esquece, que branqueando o carácter de direita do PS,
solidariza-se, objectivamente com um emérito membro da internacional dita
socialista, com um partido irmão do NDP de Mubarak, do MPLA do nosso conhecido
JES e da sua rica filha, importante investidora em Portugal, do PPP do corrupto
Zardari do Paquistão, do partido trabalhista israelita, “habitué” no governo...
Todos reconhecidos pelos pergaminhos democratas, como sabemos.
E
assim, se mantém, há mais de 30 anos, estagnada, promovendo a imobilidade social,
ajudando ao conservadorismo na sociedade portuguesa. E, através dos boiardos
sindicais, o feudalismo dos seus dirigentes, alimentando sebastianismos e
combatendo qualquer laivo de marias da fonte, qualquer pequeno movimento que
escancare o seu reaccionarismo, como se viu a propósito da cimeira da NATO, em
Novembro último (4). Se alguma coisa mexe em Portugal, ou a conseguem controlar
por estrangulamento (caso do movimento dos professores), boicotam e combatem
para tentar destruir (as acções anti-NATO) ou destróiem mesmo (tentativa de um
forum social português).
Porque
não é, a esquerda portuguesa, capaz de dizer claramente que o PS e os seus
governos fazem parte da direita? Porque são estúpidos? Porque estão enganados?
Nada disso. Trata-se de uma opção política consciente que se prende com o seu
imobilismo e oportunismo. Se reconhecessem inequivocamente que o PS é um
partido de direita,
- Teriam de reconhecer que há um bloqueio político empobrecedor com a maioria PS/PSD e, portanto, que não há saídas de carácter institucional, através da sucessão dos jogos florais parlamentares, das liturgias eleitorais, com as (sempre!) grandiosas manifestações nas avenidas, de Outubro a Maio, com férias prolongadas entre a quadra natalícia e o carnaval;
- Teriam de reconhecer que não há quaisquer possibilidades de maioria de “esquerda” pois aí nunca entrará o PS. Assim, teriam de assumir, para não se descredibilizarem junto da multidão, a rotura com as práticas actuais, meramente institucionais; e, nesse contexto – uma vez que ninguém acredita numa maioria parlamentar BE/PC - que só há combate político e social sério se o seu epicentro for a luta popular e não a AR. Luta que é bem menos fofa que as alcatifas de S. Bento;
- Não poderiam alimentar junto da multidão uma sebastiânica esperança de mudança nas políticas do PS, a probabilidade de um cataclismo interno dentro do gang, o surgimento de um salvador (um Chavez, um Lula) que conduzisse os militantes do PS a uma glória democrática;
- Não poderiam sonhar com uma participação no poder, como muleta do PS, em troca de umas secretarias de estado ou a colocação de alguns dos seus quadros, em direcções-gerais e empresas públicas.
Os
anseios de participação no poder são antigos e começaram ainda durante o PREC
quando grupos trotskistas clamavam a unidade entre PS, PC e… Intersindical. O
PC durante anos clamou, debalde, pela maioria de esquerda como reflexo da
composição na AR… até que se cansou. O BE veio a assumir a mesma estratégia
mais tarde, de forma implícita, por muito crispada que possa ser a encenação
parlamentar.
De facto,
- O PS e o PC, em 1976, detinham 147 dos 263 deputados e o que se assistiu foi à montagem da normalização capitalista, decididamente encabeçada pelo PS; e Alegre já lá estava;
- Em 1983, o PS e o PC detinham 145 em 250 deputados e o que se assistiu foi ao chamado bloco central (PS/PSD) e à intervenção do FMI com a habitual austeridade; e Alegre já lá estava;
- Em 1985, mesmo com o namoro do PC com Eanes, dono do epifenómeno PRD, as capacidades do PS não foram além da preparação da maioria absoluta de Cavaco em 1987; e Alegre já lá estava;
- Seguiu-se, na primeira volta das presidenciais que vieram a eleger Soares, o espectáculo da tentativa de divisão do PS com o lançamento, pela mão do PC, do alegre que estava, então, à mão - Salgado Zenha. Tal como o BE, recentemente, o PC falhou redondamente. Pior, pois havendo (contrariamente a 2011) uma candidatura verdadeiramente independente de esquerda – Pintasilgo - o PC preferiu abatê-la ligando-se a uma coisa dúbia chamada PRD. Para gáudio da direita o PC convocou, antes da segnda volta, um congresso à pressa para contrariar a orientação inicial de “nunca votarem Soares”; e, anteciparam o dilema do PSF e da esquerda francesa quando tiveram de apoiar o corrupto Chirac contra o fascista Le Pen. Curiosamente, o que se poderia chamar ala esquerda do PS veio a constituir a base do apoio de Guterres e, pormenor interessante, Alegre estava com Soares;
- Em 1995, no estertor do cavaquismo, o PS e o PC tiveram 127 deputados em 230 e Guterres não se importou nada de ficar em minoria, declinando qualquer aliança com o PC para, com uma maioria, se abalançar com uma esquerdização da acção política portuguesa, já então fortemente condicionada pelo maná dos fundos comunitários;
- Em 1999, o PS ficou exactamente com metade do hemiciclo e até podia escolher entre o PC e os dois recém-chegados deputados do BE, para construir uma estabilidade governativa à esquerda. E borrifou-se nisso, claro está, desconhecendo-se qualquer protesto do Alegre;
- A nível autárquico, existe o exemplo da câmara de Lisboa. A maioria de esquerda, PS/PC nos anos 90 não criou raizes e foi destruida pelo tonto Santana que acabou por ganhar a maioria em 2005. O PC, que chegou a ter um enorme eleitorado em Lisboa, está reduzido, hoje, a um vereador de oposição. O BE, depois de ter escolhido um idiota para vereador, pretendeu dar ares de responsabilidade governativa, entrando em acordo com o António Costa, no primeiro mandato deste, sem que ninguém houvesse percebido a mais valia da experiência para o povo de Lisboa. Sem surpresa, Costa cooptou o “Zé que faz falta” e o BE perdeu a vereação, com a derrota humilhante do Fazenda. Estamos muito longe dos tempos em que o executivo camarário lisboeta dominado pelos republicanos prenunciava o fim da putrefacta monarquia.
- Depois da maioria absoluta de Sócrates em 2005, chega-se à sua maioria relativa de 2009, com total desprezo pelos 31 deputados do BE/PC para construir uma maioria estável à esquerda. As escolhas políticas e económicas do PS estão suficientemente presentes para ser aqui necessário lembrá-las.
Entretanto,
durante todos estes anos, “a maioria de esquerda” foi conseguida por aqueles
ilustres caciques que se acoitaram no PS, aceitando, naturalmente as regras da
casa – José Magalhães, Osvaldo Castro, Barros Moura, Pina Moura, Lino, o actual
ministro Mendonça, estando sempre na rampa de lançamento novas fornadas de
“renovadores”, em regra, fotocópias de fotocópias. De outros quadrantes, que
não passaram pelo PC, refiram-se os antigos MES – Ferro, Sampaio, Cravinho ou o
ex-UDP Jorge Coelho.
Onde
está, nestes anos todos, algo onde se tenha visto o carácter de esquerda do PS?
Este aliás, para bem se demarcar do resto da direita e manter as distâncias
face à esquerda institucional (BE/PC) designa esta como… extrema-esquerda (!),
pretendendo sublinhar a sua respeitabilidade junto dos “mercados”, apresentando-se
como esquerda “democrática”, moderna, responsável e uns epítetos vazios ou idiotas
do género, onde incluimos a criação teórica (?) de Soares, o “socialismo em
liberdade”. Assim, o PS, para ocultar o seu carácter de direita, dá o exclusivo
dessa etiqueta ao mano PSD e ao CDS e, para não se misturar com a esquerda
institucional, designa-a como extrema esquerda. Tudo não passa de uma rábula de
teatro de revista, em que todos divertem o público.
Se
havia uma relevante faixa de gente à esquerda, no PS, o seu enterro como
alternativa interna de poder, verificou-se no passado dia 23. Mas… entre os
apoiantes de Alegre do PS onde estava a gente de esquerda? No António Costa? Na
Belém? Na mulher do ilibado Pedroso? Nos discursos trauliteiros do ministro
Augustus SS? Nas claques que aplaudiram as aparições fugazes do seu “fuhrer”,
no apoio a Alegre?
Todos
os partidos têm gente com posicionamentos distintos; uns menos reacccionários
que outros, uns mais sensíveis às dificuldades da multidão que outros. O
monolitismo não existe mesmo dentro dos partidos únicos ou abrigados no
“centralismo democrático”, designação típica do cientismo estalinista para
dourar o “quem manda são os chefes”. Assim, há no PS, como em qualquer partido
da direita, gente menos à direita e entulho mais fedorento, mais á direita.
O
enterro desse rei momo como se pode chamar a essa invenção do BE chamada “ala esquerda”
do PS, veio a favorecer Sócrates que nunca a apoiou ficando agora, claramente,
dono e senhor do gang. O PSD fica também entalado entre um Cavaco tutelar e um
PS que ocupa uma maior faixa à direita, mandando o PSD para um regresso adiado
sine die ao poder, a não ser como muleta do governo, obrigado pelos “mercados”,
pelo FMI, BCE, etc. Para mais, nem tem um lider credível, apesar das sondagens,
não tivesse Passos sido uma emanação daquela casta de autarquetas manhosos da
província que o Ruas tão bem retrata.
O
PC, com a “política patriótica e de esquerda”, com a defesa da independência
nacional, só evidencia o seu carácter fóssil, inalterado com a chuva ou com o
sol. Ignora a quase total perda de
soberania, que não é de agora mas, que se acelerou com a entrada (inevitável)
na UE, no contexto da globalização e da reestruturação capitalista neoliberal, após
a queda do Muro de Berlim e do fim da URSS. Se antes de 1986, o PCP se dizia
contra a adesão à UE, passou depois a silenciar essa posição e continua a não
dar esse passo actualmente por realismo político mas, enganando as pessoas com
o discurso da pátria e da independência que mesmo os distraidos já perceberam
que acabou. O tempo das pátrias acabou, agora é o tempo da multidão mundial,
contra o capitalismo globalizado e os seus Estados.
4
- Notas eleitorais
Cavaco
ganhou e todos nós melhorámos a auto-estima. Tinhamos o CR7, agora temos também
o CS23, o que revela uma mais-valia assinalável; porém, Ronaldo tem melhores
pés e mais adeptos do que um presidente de 23% do eleitorado.
Como
ponto prévio, abordemos a confusão dos cartões de cidadão; incúria, amadorismo,
eventual entrega das estruturas informáticas a várias empresas pouco
articuladas entre si. A revelação clara da relevância e do empenho do
mandarinato no funcionamento da democracia, mesmo que de mercado. Esta não foi
(ainda) suspensa como sugerido pela Balela Ferreira Leite mas, em tempos de “consolidação
orçamental” não merece muitos cuidados.
Importante,
importante é a máquina fiscal, os cruzamentos para apanhar os pobres e os
trocos, os recibos verdes (agora também electrónicos), os biscates dos
desempregados, dos trabalhadores doentes (5). Importante é a dotação da polícia
com formas de detectar se um carro a circular na estrada já foi ou não objecto
da inspecção periódica dentro do prazo para aplicação de coima. E, finalmente,
é importante o fornecimento de dados biométricos para alimentar a paranóia
anti-terrorista dos EUA.
Este
ministro, um togado que dá pelo nome de Rui Pereira, não tem somente cara de
parvo; a cara é o espelho que reflecte a sua essência. É capaz de saltar do
poleiro, como produto do fogo de artifício parlamentar ou por jogada de
antecipação de Sócrates para evitar o espectáculo. Sem que isso se prenda
minimamente com o roubo e o empobrecimento colectiva que recai sobre a
multidão.
Outra
questão, a da actualidade do recenseamento eleitoral é recorrente. O PS/PSD
pouco liga à questão pois o excesso de 743000, eleitores segundo cálculos
nossos (6), permite aumentar os subsídios do Estado aos partidos e até aumentar
o número de vereadores nas câmaras. E por isso, a aldrabice vai-se mantendo.
Terceira
questão prévia. Quem obtiver mais de 5% dos votos tem o Estado a pagar os gastos
de campanha – o que, naturalmente, beneficia os candidatos apoiados pelo
pentapartido, muito silencioso sobre o tema. Todos podemos concorrer a PR mas,
na realidade, só os que têm apoios em funcionários, sedes e com dinheiro por
detrás o podem fazer; como é apanágio das democracias de mercado onde o
dinheiro é o único aferidor de tudo. Como se costuma dizer, em democracia de
mercado há uns mais iguais que outros.
Se
se aceitar como legítimo que o Estado pague papeladas, cartazes e a sua
colocação, passeios pelo país, consultores de imagem, almoços, jantares, ceias,
comícios, onde, de facto, nada há de intenção de esclarecimento do eleitorado,
porque razão um candidato com menos de 5% dos votos terá de ser desconsiderado
e penalizado? Para beneficiar o pentapartido, avesso a outsiders
desestabilizadores das águas do pântano, é a nossa resposta.
Essa
discriminação anti-democrática está bem espelhada nas declarações de Cravinho
que afirma ter a lei do financiamento dos partidos aberto a porta à corrupção
(7). A mesma lei permitiu coimas superiores a € 5000 por uma falha processual
de € 75 numa factura da EDP paga por um partido (POUS) que tem o enorme
orçamento anual de … € 6000! Em contrapartida, a mesma lei, através de uma
aplicação retroactiva perdoa aos partidos na Madeira € 23 M de gastos indevidos,
dos quais 80% cabem ao PSD do Jardim (8). Apenas mais um pormenor; essa lei foi
promulgada por Cavaco, em pleno periodo eleitoral…
O
atraso cultural e político dos portugueses – mesmo apesar da queda do fascismo
– mantido pelo carácter elitista e sectário dos partidos, alimenta uma
delegação da acção política em profissionais da mesma erigidos em classe, em
burocracia, em mediadores e aplanadores dos conflitos; e, cada vez menos
capazes e mais ladrões.
Refira-se,
relativamente ao último acto eleitoral, do dia 23 de Janeiro e, em primeiro
lugar, a parcela de votantes e a sua representatividade no total dos eleitores.
Como a existência de eleitores fantasmas é mais ou menos permanente, o peso dos
votantes tem algum significado quando se observam os resultados de todas as
eleições presidenciais.
A
tendência é clara atingindo-se um máximo absoluto de participação na segunda
eleição de Eanes, quando o seu principal adversário era um pouco recomendável
Soares Carneiro patrocinado pela AD, do outro Carneiro, o Sá. Para além do
mínimo agora atingido e a despeito de alguma crispação entre os candidatos, a
única situação em que a votação não atingiu os 50% dos eleitores corresponde ao
passeio que conduziu à segunda eleição de Sampaio.
Como
se pode observar, é cada vez maior a distância entre os recenseados, cujo
volume cresce, em função do aumento e do envelhecimento da população, (para
além da omnipresença dos tais eleitores fantasmas) e o número dos votantes que
só sentem alguma excitação quando há, forçosamente, uma substituição da
veneranda figura do pai da pátria. Tudo, num quadro geral de não ser muito
visível a importância da dita figura.
Dizem
almas apreciadoras da democracia de mercado que as abstenções nada significam
em termos de atitude política mas, apenas desinteresse e comodismo. Tudo isso
porém, são atitudes que revelam distanciamento da mais elementar forma de
participação política e que os agentes que pretendem monopolizar a
representação não são atrativos nem convincentes. É, na realidade uma atitude
de desinteresse, desprezo ou distanciamento mas, não é uma atitude militante.
Por
coincidência, a parcela de votantes que anularam o voto ou o mantiveram (em
branco) sem menção de escolha, foi de 0.9% para cada uma daquelas opções, na
média do periodo 1976/2006. No dia 23 de Janeiro último, os votantes que
entregaram o boletim em branco foram 4.3% do total que, somados aos 1.9% que
anularam o voto, somam 6.2%; o que é substancialmente mais do que em eleições
presidenciais anteriores.
A
anulação do voto é uma acção clara e inequívoca de repúdio, enquanto o voto
branco evidencia, de modo mais brando, a não aceitação das propostas
apresentadas, em conjunto tomadas como insatisfatórias ou inconvenientes. Se a
abstenção pode resultar de comodismo, votar branco ou nulo, pelo contrário,
mostra uma atitude bem consciente e militante, em que o repúdio está bem
presente.
O
crescimento dos votos brancos e nulos na última eleição presidencial tem o
significado inequívoco de que sectores significativos da multidão não se reviu
nos candidatos, nem seguiu as indicações de voto, expressas ou implícitas, do
pentapartido; os sectores de descontentes cresceram, uma vez que já nas últimas
legislativas, os votos brancos e nulos haviam atingido 3.12% dos votantes e, nas
eleições para o parlamento europeu em 2009, 6.6%.
A
evolução registada nas últimas presidenciais para o conjunto dos votos brancos
ou nulos, para todos os distritos e regiões autónomas, revela que o aumento dos
votos expressos de repúdio tem um carácter nacional, com maior relevância em
Coimbra, Leiria e Lisboa. Curiosamente, na Madeira, aqueles tipos de votação que
tinham a maior representatividade a nível nacional, em 2006, passaram agora a
ter a menor dimensão, embora sofrendo um ligeiro acréscimo. Entendemos que para
isso contribuiu a candidatura do madeirense José Coelho que atraiu a si as
manifestações de repúdio ao imperador bokassa, ente que há dezenas de anos vem
sendo objecto de toda a tolerância do mandarinato nacional. José Coelho surgiu,
pois, na Madeira, como algo de novo no ambiente mafioso e de delação que o
gauleiter local instaurou. E, já afirmou os seus propósitos de combate
declarado a Jardim, sem alianças com os partidos da rotineira oposição local.
Há
contas que é preciso fazer para se compreender a ineficácia da esquerda
institucional, tomando como termo de comparação os resultados das legislativas
de 2009.
2009
|
PS+BE+MRPP
|
2.688.541
|
PSD+CDS
|
2.247.774
|
PCP
|
446.994
|
2011
|
Alegre
|
831.959
|
Cavaco
|
2.230.104
|
Lopes
|
300.840
|
2009-2011
|
(perda)
|
1.856.582
|
(perda)
|
17.670
|
(perda)
|
146.154
|
No
quadro atrás, vê-se que o PSD/CDS garantiu praticamente o correspondente ao seu
eleitorado de 2009. Mais relevante, do nosso ponto de vista, são as enormes
perdas dos chamados candidatos institucionais do que se convencionou designar
por esquerda.
Muitas
conjecturas se poderão fazer mas, preferimos registar factos. Matematicamente,
Alegre teria condições para ser eleito, se fosse um dado adquirido que os votos
nos partidos apoiantes se iriam transpor ordeiramente para os seus candidatos.
No
que diz respeito ao PS não é estranho que muitos dos seus votantes de 2009 tenham
constituido em 2011, uma diáspora que terá estado incluida nos abstencionistas
(975000 segundo o jornal “Sol”), nos apoiantes de Nobre (285000), Cavaco
(280000) Coelho (85000) e Moura (35000), para além dos 405000 que terão votado
em Alegre; pelas contas do “Sol” a diáspora não se teria estendido aos 277000 votos
nulos ou brancos. Por outro lado, de acordo com os cálculos do jornal, a haver
tanta gente do PS a votar em Cavaco teria havido um número equivalente de
habituais apoiantes do PSD/CDS em 2009 que teriam emigrado para a abstenção, o
que não parece plausível. Recorde-se que em 2006, mesmo juntando todos os votos
de Alegre e Soares isso não ultrapassaria mais de 73.7% dos resultados de
Sócrates no ano anterior.
Sem
dúvida que muita gente que votou Sócrates em 2009 o fez como voto útil contra a
jararaca Manuela e garantir o poder, questão que se não punha agora, uma vez
que a vitória de Cavaco estando anunciada, não fomentava votos úteis. Por outro
lado, toda a gente sabe que é muito mais importante determinar o
primeiro-ministro do que um PR, permitindo-se aqui, a fantasias e criatividade.
E, daí a diáspora recente.
Sendo
o PS um partido de direita, Alegre, com a sua fraseologia formalmente de
esquerda, alheia à composição actual e à história do seu partido, não teria
condições para polarizar a massa dos apoiantes do PS, para mais, lançado este numa
senda reaccionária e anti-social que afasta qualquer um que detenha um simples neurónio
de progressismo. Essa mesma massa reaccionária não teria também grandes
atractivos para uma união de forças com o BE, ou com um candidato (visto por
eles) como do BE, de extrema esquerda, para muitos. E daí, nas contas do “Sol”,
que somente 405000 eleitores PS tenham apoiado Alegre.
A
ser assim, os cerca de 427000 restantes votantes em Alegre, a 23 de Janeiro, de
onde vieram? Do eleitorado PC não terão vindo, decerto, dado o antagonismo
histórico daquele partido com Alegre, desde os tempos em que o PC foi expulso
do “grupo de Argel”. E, se vieram do eleitorado BE e MRPP de 2009 – 610846
indivíduos – então, quase 184000 destes terão emigrado para outros destinos,
mormente Nobre, Coelho, votando nulo ou em branco ou, abstendo-se. Recorde-se
que mesmo Louçã, a estrela máxima do BE, em 2006, com os seus 288756 votos
somente fixou 79.1% dos votantes no partido, no ano anterior, decerto em
benefício de Alegre, então o candidato independente dos partidos, o candidato
da revolta contra o directório do PS, que havia escolhido um candidato perdedor
– o geronte Soares – pois Cavaco já então, era o candidato, não confessado, de
Sócrates.
Alegre,
em 2006, era um candidato anti-partido, da novidade, da frontalidade e daí, ter
entusiasmado muita gente. Porém, a partir de então Alegre dormiu no conforto da
AR, com um ou outro sobressalto de esquerda como prova de vida e desperdiçou
completamente e desiludiu muitos dos 1127472 que votaram nele; e esse
descrédito, nem Alegre, com o seu perfil autista de cacique nem, sobretudo o BE
souberam perceber, numa lógica de extrapolação não analitica da realidade
passada. O futuro de Alegre é a dedicação às caçadas, entre dois poemas e uma
entrevista por mês, onde começará com uma referência anti-fascista, terminando
com um arroto patriótico; é o destino final de um “bon vivant” com um percurso
irrelevante e cinzento.
Francisco
Lopes, a despeito de alguns méritos no empenho e na imagem que acumulou, não
conseguiu fixar 35.6% da votação de Jerónimo, em 2006, nem quase um terço
(32.7% dos votos da CDU em 2009. Como é óbvio, tudo isto, na linguagem delirante
típica do CC do PCP, constituiu… uma vitória (?).
Há
aqui um aspecto novo. Em 2006, Jerónimo conseguiu melhorar ligeiramente a
votação do partido obtida em 2005 e, como se observou, esse feito não foi
repetido por Lopes. A passagem do tempo e a redução do número dos apoiantes com
mais idade, eivados de uma certa religiosidade face ao partido da “classe
operária” conduz a maior relevância de um novo eleitorado do PC, mais volúvel,
menos disciplinado face às directivas da confraria dos órfãos de Brejnev (o
enorme corpo de funcionários). Tratando-se de apoiantes com maior escolaridade
e sem a vivência do fascismo, são menos sensíveis à disciplina estalinista e
mais abertos a algum diálogo com outros militantes de esquerda. E daí que
tantos tenham desrespeitado a disciplina, não votando em Francisco Lopes.
Há
uma realidade que exige novas formas de organização e actuação política, como
vimos clamando, de base, com desobediência e mesmo ingovernamentalização a
partir de um dado nível de contestação; sem caciques, sem controlo dos
movimentos, dos sindicatos, sem sabotagem das lutas, por acção ou omissão dos
barões partidários.
Está
claro que o mandarinato está atento à situação, pois a credibilidade dos seus
postos de trabalho é quase nula. E daí, irão estudar o assunto; cheira a
reforma do sistema eleitoral e que esta, sempre latente, poderá avançar em
várias frentes. Esperam em primeiro lugar, ir ao encontro dos desejos do tal
eleitorado que se contenta com migalhas de reformas; tenderão, de permeio, a
proceder a reajustamentos que permitam um maior afunilamento no pântano PS/PSD.
Vejamos.
- Alterações no formato de nomeação do PR
Formalmente,
para evitar custos com eleições – tema que sensibiliza a direita, bem
consciente do seu carácter cosmético – podem inventar duas soluções. Uma é o
alargamento de um mandato único do PR para uns sete anos, reduzindo a
frequência do folclore eleitoral. A outra é elegerem a veneranda figura por
votação na AR, de forma mais ou menos concertada, semelhante à do arraial que
entronizou o provedor de justiça.
A
primeira fórmula não coibiria o PR a ser manso no primeiro mandato, para
arreganhar os dentes no segundo e último; seria lobo ou cordeiro a tempo
inteiro e trabalharia apenas para ficar bem na galeria dos presidentes.
A
segunda fórmula apresenta mais conveniências; dispensa o envolvimento da plebe,
as campanhas eleitorais, a lavagem de roupa suja com as inconveniências que
descredibilizam o mandarinato, oculta a evidência do seu descrédito perante a
multidão, colocada à margem dessas lides, entregues ao siso dos seus dignos e
avisados “representantes”.
A
fórmula aumentaria o poder do executivo, mormente do primeiro-ministro,
transformando o PR numa figura (ainda) mais de berloque democrático. Essa
eleição indirecta é feita, hoje, em países como a Alemanha ou a Itália, com
resultados semelhantes e com menos folclore eleitoral – ninguém sabe o nome dos
PR italiano ou alemão mas, todos conhecem o Berlusconi e a Merkel. Este sistema
é o adoptado pela UE que assim nomeou um tal van qualquer coisa para uma
decorativa presidência, aumentando, consequentemente, o poder dos conselhos de
ministros que tudo decidem, depois de, numa primeira fase, terem colocado como
primeiro comissário europeu uma figura de fraco gabarito, ocasionalmente
nascido em Almada. Em outros países europeus – escandinavos, Grã-Bretanha,
Benelux e Espanha mantiveram-se figuras folclóricas equiparadas, com a
designação de reis e cujas famílias contribuem largamente para o fomento do
mercado da literatura cor-de-rosa e dos escândalos de alcova.
A
democracia de mercado controlando a multidão de modo mais subtil, colocaria
como PR um indivíduo emanado do poder pois, nenhum real independente teria essa
possibilidade. Nesse contexto, o poder manteria a fachada democrática sem
sobressaltos e, nas condições sociológicas da população portuguesa, manteria
ainda o culto da figura de um pai protector e distante, como Salazar ou Cavaco;
a imagem do mago capaz de olhar e confortar a plebe pelas misérias do momento.
Trabalhar, obedecer, confiar é o lema do autoritarismo, exigente da submissão
total, tão diligentemente trabalhada por Salazar.
Salazar
depois de 1958 e do susto Delgado acabou também com a eleição directa do PR,
passando a fazê-lo através dos deputados da assembleia nacional fascista.
Quanto a PR’s saiba-se que:
Salazar deixou na História o
impagável Tomaz
O PS/PSD criou Aníbal, das
finanças um ás
- Redução do número de deputados
Uma
vez que todo o sistema político converge na manutenção do putrefacto PS/PSD, a
composição da AR nunca deixará de permitir o seu simultâneo funcionamento, como
válvula de exibição da diversidade política que baste e da estabilidade que faz
a alegria dos mercados.
Por
mais criatividade que o mandarinato tenha, é o PS/PSD que poderá reduzir o
número de deputados e, naturalmente, aproveitará o ensejo para que isso seja
feito a expensas da esquerda institucional. Aliás, é sabida a grande
desigualdade já hoje existente no sistema eleitoral actual e sobre a qual
procedemos a um exercício, recentemente (9)
- O voto obrigatório
Há
também quem defenda o voto obrigatório para acabar com as abstenções, sabendo
que, a priori, muitos dos votantes obrigados iriam ter um perfil pouco
diferenciado dos habituais voluntariamente votantes. Porém, o aumento forçado
dos participantes nos escrutínios, aumentando a participação, iria ser exibida
pelo mandarinato como atestado da sua legitimidade e da sua profunda (?)
ligação ao povo. Na Bélgica, na Itália, na Grécia, o voto é obrigatório; no
primeiro caso, não ajuda em nada à formação de governos duradouros, no segundo,
não impede a existência de Berlusconis, Bossis e Finis e, finalmente, na
Grécia, são claras as diferenças entre o que sai do poder Pasok e os desejos da
multidão, acossada e roubada.
Em
Portugal, só nos recordamos da frenética eurodeputada Ana Gomes como defensora
do voto obrigatório. A sua existência, nas condições culturais da lusolândia
iria promover a indústria dos atestados médicos e mais umas centenas de
burocratas para aferir das causas das não comparências, com a aplicação e cobrança
das incontornáveis coimas. Se explicarem isto ao Teixeira dos Santos ele
descobrirá aqui mais uma forma de angariar dinheiro para entregar aos
“mercados” ou pagar submarinos.
------------------------------------
Notas:
(1)http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=Cavaco-Silva-reuniu-se-com-banqueiros.rtp&headline=20&visual=9&article=412297&tm=6
(2) O sistema partidário português
A democracia
de mercado e a actuação da esquerda
(3)
esquerda,PS,Alegre – confusões e premeditações eleitorais
http://www.scribd.com/doc/24681888/Esquerda-PS-e-Alegre-%E2%80%93-Confusoes-e-premeditacoes-eleitorais e neste blog
(4) A miséria da esquerda que anda por
aí. Um “case study”, a Cimeira da NATO
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-misria-da-esquerda-que-anda-por-a-um-case-study-a-cimeira-da-nato e neste blog
(5) Democracia, democracia das empresas
e Wikileaks
(6) http://www.scribd.com/doc/16494875/Eleicoes-europeias-2009-limitacoes-e-oportunidades
e neste blog
(7)
ttp://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/nacional/politica/financiamento-dos-partidos-lei-e-nodoa-negra-na-democracia
(9)
Um sistema eleitoral falsificado e
enganador
Este e outros textos em:
http://www.scribd.com/group/16730-esquerda-desalinhada
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt
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