terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Eleições mudarão o quê?               


Sumário

1 - Elementos essenciais a ter em consideração
2 - Cenários plausíveis
3 - E o povo, pá? E o povo?

Admitamos que Cavaco faz um intervalo na sua letargia e aceita a demissão de Sócrates o que, muito provavelmente irá conduzir a eleições.

1 - Elementos essenciais a ter em consideração

Portugal não passa de uma província do sul dominado pelo directório imperial em formação (Alemanha-França- Grã-Bretanha) gerido a partir de Bruxelas, onde está o poder executivo europeu (civil  e militar). Dito de um modo mais cru e realista: Portugal já não existe como nação soberana, como decorre do Tratado de Lisboa e da integração em políticas comunitárias várias, a começar pelo euro e a terminar nos PEC’s.

Este contexto é estrutural e não há “reformas estruturais”  que o alterem, dado o grau de dependência do país, da incapacidade dos seus capitalistas de se firmarem na envolvente europeia e da apatia social tradicional num povo que viveu duzentos anos moldado pelo terror da Inquisição, por 48 de repressão fascista e 36 de ocupação pelo PS/PSD.

Faz parte da liturgia de mercado apontar-se eleições para manter o statu quo anterior dando a ilusão de que advirão mudanças depois da colocação de uns papelinhos em caixotes, após anos de formatação num pensamento único e afunilamento das alternativas numa só.

2 - Cenários plausíveis

O cenário de eleições foi meticulosamente preparado pelo PS que não se quis deixar amolecer no banho-maria que convinha à coligação Cavaco-PSD (apesar do desprezo do primeiro pelo Passos). Há alguns cenários para o rescaldo das eleições daqui a dois meses (a estupidez dos legisladores não conseguiu congeminar periodo mais curto – na Irlanda são apenas três semanas).

Cenário 1 - Sócrates lidera o “top five” sem maioria absoluta; esta última é um não cenário. A partir daí…

·         Torna-se evidente a inconsistência política de Cavaco e este assume totalmente a sua função de veneranda figura de corta-fitas até que se fine o mandato;

·         Alternativamente, Cavaco, queixa-se de todos e, incompreendido, recolhe ao Algarve para a modesta casinha comprada com o produto das laboriosas poupanças aplicadas nas acções da SLN;

·         Sócrates aparecerá inchado e sorridente na televisão como grande ganhador perante essa coisa denominada oposição  como perante os amorfos dos seus opositores internos;

·         Sócrates aumenta a sua importância como mestre de obras (ele até é engenheiro!) dos patrões tradicionais – o embaixador americano, a Merkel, o Trichet, o Strauss-Kahn…

·         Provável mudança de líder no PSD, voltando o Passos ao lugar de empregado do Paramécia (alcunha do Ângelo Correia no Colégio Militar) e sua substituição por uma outra pileca política do mesmo género – Rangel, Rio, Aguiar-Branco…
                          
Cenário 1-A - Aliança com o PSD para a constituição de uma forma de poder blindado e autoritário, em nome do chamado interesse nacional, alheio à gritaria da oposição na AR

·         Trata-se da solução preferida pelas instâncias suseranas da UE e, sobretudo pelos “mercados”, que apreciam a estabilidade do fluxo dos lucros que se acumulam nos seus bolsos;

·         Não é um cenário novo na política à portuguesa; esteve em cena durante a crise 1983/85, durante a segunda intervenção do FMI e durou até à assimilação de Portugal dentro pela então CEE. Baseou-se num claro predomínio do PS de Mário Soares sobre um jurista petulante e superficial (Mota Pinto) como chefe do PSD;

·         Criação de um Governo com as mãos livres para o assalto aos direitos da multidão, para a fragilização dos trabalhadores, para o terror laboral, para a redução da saúde e do tempo de vida de reformados e pobres, para a extinção em termos práticos do SNS, para o desmantelamento da escola pública e da segurança social, com a salvaguarda das capacidades dos ricos, fonte inesgotável do empreendorismo e do investimento pátrio … como sabemos;

·         Agilização política do abastecimento dos “mercados” com rendimentos sugados à multidão em Portugal, através do Estado e com o argumento do deficit;

·         Neste governo participaria como vice o lider do PSD que decerto não seria Passos. Por outro lado, Sócrates nunca admtiria estar nessa coligação sem o comprometimento do número um do PSD, daí saindo  reforçada a ideia da substituição de Passos;

·         Utilização mais frequente e pesada da repressão nas ruas e nas empresas e, como contrapartida dada às suseranias, reforço de soldados e GNR nas regiões de conflito ou em “estabilização post-intervenção”.

Cenário 1-B - Aliança com o CDS, versão fraca do cenário anterior,

·         Solução mais frágil, encontra a dificuldade de compatibilizar Sócrates com um Paulo Portas inamovível no CDS;

·         Também não seria caso virgem em Portugal pois o CDS acomanhou o PS no II governo constitucional, em 1977, no contexto da primeira ameaça de bancarrota que originou o apoio do FMI. Porém, o CDS de Amaro da Costa e Freitas do Amaral tinha pouco a ver com a actual liderança de Portas.

Cenário 1-C - “Ménage à trois” amplamente maioritário na AR onde só sobrariam dois tenores discordantes, cantando das bancadas do PC e do BE.

·         Recolhe  simpatias das suseranias externas mas, dados as dificuldades dos equilíbrios internos, sendo sempre possível um rotura de um dos parceiros mais à direita;

·         Esta solução só seria necessária no caso de um crescimento acentuado do CDS comparativamente ao PSD ou – o que é pouco plausível – perante um forte aumento do binómio social-democrata BE/PC.

Cenário 1-D - Governo PS com ou sem PSD acrescido de umas pastas ministeriais preenchidas ao PC.

·         Tratar-se-ia de uma repetição do acontecido em 1976 quando, no rescaldo do golpe reaccionário de 25 de Novembro, o PC se manteve no poder para controlar a contestação nos locais de trabalho e nos sindicatos;

·         Esta solução seria interessante para o exercício do poder no caso de haver grande contestação social, a exigir a intervenção da CGTP, como serviço de bombeiros. E não causaria engulhos aos bancos alemães e franceses que tutelam a dívida pública;
 
·         Não se considera muito plausível esta hipótese porquanto a desobediência aos poderes por parte da multidão é escassa, as greves são controladas, desfasadas e não concertadas, as manifestações oficiais assemelham-se a procissões e seria suicida por parte do PC;

·         Por outro lado, também se não considera a hipótese da integração do BE no governo, apesar dos audíveis suspiros por um concubinato com o PS, bem presentes na candidatura de Alegre ou no acordo com António Costa na câmara de Lisboa. Finalmente, o BE não tendo poder sindical, nem poder de mobilização de massas, não desempenha qualquer papel relevante na contestação da multidão.

Cenário 2 -  O PSD domina o “top five” do “hit parade” o que, neste exercício, não é o cenário mais provável, mesmo sem maioria absoluta.

·         Passos Coelho é um líder fraco, mal preparado e isso tornar-se-á bem visível quando surgirem os debates com Sócrates, muito hábil na confrontação, agressivo e bem informado;

·         Por outro lado, sendo o PS um partido-Estado, o seu domínio e manipulação da informação, bem como a integração no aparelho estatal de centenas dos seus membros, isso dá-lhe uma vantagem decisiva perante um PSD desprovido de quadros;

·         As últimas experiências de governação PSD não foram propriamente modelares dada a mediocridade de Durão Barroso e as tonterias de Santana, que passou pelo vexame de ser despedido assim que o PS substituiu Ferro Rodrigues por um José Sócrates, mais permeável à satisfação dos interesses das oligarquias económicas e financeiras. Para mais Sócrates estava agarrado pelo rabo, entalado na Freeport;

·         As primeiras reações da imprensa internacional e dos governantes europeus revelam um desagrado profundo com a queda do governo e do seu homem, Sócrates. Apesar de Passos andar, de há algum tempo  atrás, em viagens de marketing pelas capitais europeias, sobretudo Bruxelas, anunciando propostas contrárias às das suseranias europeias.

Cenário 2-A – Aliança do PSD com o PS para a constituição da já referida blindagem do poder, em nome do chamado “interesse nacional”.

·         Do ponto de vista das suseranias externas e dos “mercados” este arranjo é equivalente ao referido no Cenário 1-A, atrás, desde que assegure a estabilidade e sossegue os “mercados”;

·         As acções anti-sociais de um governo PSD/PS seriam um pouco mais céleres e profundas do que no caso PS/PSD mas, essencialmente, as mesmas; até porque a agenda é sempre fixada em Bruxelas, com a intervenção dos conselheiros do FMI, instalados no Banco de Portugal há meses;

·         Neste cenário Sócrates nunca seria um vice de Passos, tal como Schroder não participou na grande coligação alemã dirigida por frau Angela; perante um PSD frágil em quadros e liderança seria de esperar incidentes desestabilizadores por parte do PS, conducentes ao seu retorno à supremacia no governo dos “mercados”

Cenário 2-B - A aliança com o CDS surge como uma repetição do sucedido entre 2002 e 2005 e está bem presente a humilhação de Durão como estalajadeiro na cimeira do Açores que decidiu o assalto guerreiro ao Iraque; os negócios dos submarinos ou da “Portucale” cujo apuramento permanece sedado no sistema judiciário; a continuidade do deficit e das medidas saneadoras; ou ainda o episódio militarista e idiota do “barco do amor”;

·      Esta solução não é certamente a preferida pelas susearanias externas, mais apostadas, para efeitos de um pacífico saque dos rendimentos da multidão, em arranjos políticos do tipo PS/PSD;

·      Esse cenário tem alguns anti-corpos no PSD onde se recordam dos manobrismos de Portas e não parece que Passos tenha agilidade para os jogos do chefe do CDS;

·      A agenda deste governo seria constituida pela anulação acelerada de todos os resquícios de políticas sociais, perseguição feroz a trabalhadores, desempregados, velhos e pobres e deificação da empresa e do capitalista, como agentes salvadores do mundo;

·      Nesta hipótese o PS iria tentar apresentar-se travestido de “esquerda” para gáudio dos BE/PC que nunca consideram aquela agremiação como direita, surgindo daí um reforço da tara desculpabilizadora do PS como partido de direita, por mais patifarias que faça. Até a UGT ficaria liberta para se mostrar como central sindical;

·      Num contexto de grande descontentamento social, e de um governo claramente de direita e perante a oposição das duas centrais sindicais, o governo iria ter dificuldades pariculares com a contestação social e política e iria certamente usar a violência policial de forma desusada; o autoritarismo pós-fascista de Portas ficaria em rédea solta

3 - E o povo, pá? E o povo?

É de admitir que a multidão já tenha entendido que a soberania, em termos de ação política e de medidas económicas está em Bruxelas, como polo aglutinador dos interesses das multinacionais, do sistema financeiro e do capital mafioso. E, nesse contexto, prepara-se para colocar tampões nos ouvidos para se alhear dos gargarejos dos papagaios partidários e para mandar às urtigas os votos ou, pelo menos, o apoio a partidos. É de prever uma maior abstenção que em 2009 foi de 40.3% do eleitorado, contra 36.4% quatro anos antes.

O descrédito dos partidos parece em crescendo e começam a surgir movimentações autónomas, com forte rejeição do quadro político actual, por enquanto com um carácter difuso. Essa movimentação – e estamos particularmente a ter em mente, os protestos da Geração à Rasca, de 12 de Março – irá provavelmente segmentar-se. Uns, voltarão à atonia que prepondera em Portugal; outros, cederão aos cantos de sereia dos partidos e serão enredados nas organizações “unitárias” ou falsamente não partidárias; outros ainda continuarão a procurar formas de expressão autónoma e democrática, articuladas em redes de militâncias diversificadas, única forma de contestação fidedigna e consequente, de onde surgirão as alternativas através da desobediência e do protesto continuados.


24 março 2011


Outros textos em:

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

 
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt


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