Eleições mudarão o quê?
Sumário
1 - Elementos essenciais a ter em consideração
2 - Cenários plausíveis
3 - E o povo, pá? E o povo?
Admitamos que Cavaco faz um intervalo na sua
letargia e aceita a demissão de Sócrates o que, muito provavelmente irá
conduzir a eleições.
1 - Elementos essenciais a ter em consideração
Portugal não passa de uma província do sul dominado
pelo directório imperial em formação (Alemanha-França- Grã-Bretanha) gerido a
partir de Bruxelas, onde está o poder executivo europeu (civil e militar). Dito de um modo mais cru e
realista: Portugal já não existe como nação soberana, como decorre do Tratado
de Lisboa e da integração em políticas comunitárias várias, a começar pelo euro
e a terminar nos PEC’s.
Este contexto é estrutural e não há “reformas
estruturais” que o alterem, dado o grau
de dependência do país, da incapacidade dos seus capitalistas de se firmarem na
envolvente europeia e da apatia social tradicional num povo que viveu duzentos
anos moldado pelo terror da Inquisição, por 48 de repressão fascista e 36 de
ocupação pelo PS/PSD.
Faz parte da liturgia de mercado apontar-se
eleições para manter o statu quo anterior dando a ilusão de que advirão
mudanças depois da colocação de uns papelinhos em caixotes, após anos de
formatação num pensamento único e afunilamento das alternativas numa só.
2 - Cenários plausíveis
O cenário de eleições foi meticulosamente
preparado pelo PS que não se quis deixar amolecer no banho-maria que convinha à
coligação Cavaco-PSD (apesar do desprezo do primeiro pelo Passos). Há alguns
cenários para o rescaldo das eleições daqui a dois meses (a estupidez dos
legisladores não conseguiu congeminar periodo mais curto – na Irlanda são
apenas três semanas).
Cenário 1
- Sócrates lidera o “top five” sem maioria absoluta; esta última é um não
cenário. A partir daí…
·
Torna-se
evidente a inconsistência política de Cavaco e este assume totalmente a sua
função de veneranda figura de corta-fitas até que se fine o mandato;
·
Alternativamente,
Cavaco, queixa-se de todos e, incompreendido, recolhe ao Algarve para a modesta
casinha comprada com o produto das laboriosas poupanças aplicadas nas acções da
SLN;
·
Sócrates
aparecerá inchado e sorridente na televisão como grande ganhador perante essa
coisa denominada oposição como perante os
amorfos dos seus opositores internos;
·
Sócrates
aumenta a sua importância como mestre de obras (ele até é engenheiro!) dos
patrões tradicionais – o embaixador americano, a Merkel, o Trichet, o
Strauss-Kahn…
·
Provável
mudança de líder no PSD, voltando o Passos ao lugar de empregado do Paramécia
(alcunha do Ângelo Correia no Colégio Militar) e sua substituição por uma outra
pileca política do mesmo género – Rangel, Rio, Aguiar-Branco…
Cenário 1-A
- Aliança com o PSD para a constituição de uma forma de poder blindado e
autoritário, em nome do chamado interesse nacional, alheio à gritaria da
oposição na AR
·
Trata-se
da solução preferida pelas instâncias suseranas da UE e, sobretudo pelos
“mercados”, que apreciam a estabilidade do fluxo dos lucros que se acumulam nos
seus bolsos;
·
Não
é um cenário novo na política à portuguesa; esteve em cena durante a crise
1983/85, durante a segunda intervenção do FMI e durou até à assimilação de
Portugal dentro pela então CEE. Baseou-se num claro predomínio do PS de Mário
Soares sobre um jurista petulante e superficial (Mota Pinto) como chefe do PSD;
·
Criação
de um Governo com as mãos livres para o assalto aos direitos da multidão, para
a fragilização dos trabalhadores, para o terror laboral, para a redução da
saúde e do tempo de vida de reformados e pobres, para a extinção em termos
práticos do SNS, para o desmantelamento da escola pública e da segurança
social, com a salvaguarda das capacidades dos ricos, fonte inesgotável do
empreendorismo e do investimento pátrio … como sabemos;
·
Agilização
política do abastecimento dos “mercados” com rendimentos sugados à multidão em
Portugal, através do Estado e com o argumento do deficit;
·
Neste
governo participaria como vice o lider do PSD que decerto não seria Passos. Por
outro lado, Sócrates nunca admtiria estar nessa coligação sem o comprometimento
do número um do PSD, daí saindo reforçada a ideia da substituição de Passos;
·
Utilização
mais frequente e pesada da repressão nas ruas e nas empresas e, como contrapartida
dada às suseranias, reforço de soldados e GNR nas regiões de conflito ou em
“estabilização post-intervenção”.
Cenário 1-B
- Aliança com o CDS, versão fraca do cenário anterior,
·
Solução
mais frágil, encontra a dificuldade de compatibilizar Sócrates com um Paulo
Portas inamovível no CDS;
·
Também
não seria caso virgem em Portugal pois o CDS acomanhou o PS no II governo
constitucional, em 1977, no contexto da primeira ameaça de bancarrota que
originou o apoio do FMI. Porém, o CDS de Amaro da Costa e Freitas do Amaral
tinha pouco a ver com a actual liderança de Portas.
Cenário
1-C - “Ménage à trois” amplamente maioritário na AR onde só sobrariam dois
tenores discordantes, cantando das bancadas do PC e do BE.
·
Recolhe
simpatias das suseranias externas mas,
dados as dificuldades dos equilíbrios internos, sendo sempre possível um rotura
de um dos parceiros mais à direita;
·
Esta
solução só seria necessária no caso de um crescimento acentuado do CDS
comparativamente ao PSD ou – o que é pouco plausível – perante um forte aumento
do binómio social-democrata BE/PC.
Cenário
1-D - Governo PS com ou sem PSD acrescido de umas pastas ministeriais preenchidas
ao PC.
·
Tratar-se-ia
de uma repetição do acontecido em 1976 quando, no rescaldo do golpe
reaccionário de 25 de Novembro, o PC se manteve no poder para controlar a
contestação nos locais de trabalho e nos sindicatos;
·
Esta
solução seria interessante para o exercício do poder no caso de haver grande
contestação social, a exigir a intervenção da CGTP, como serviço de bombeiros.
E não causaria engulhos aos bancos alemães e franceses que tutelam a dívida
pública;
·
Não
se considera muito plausível esta hipótese porquanto a desobediência aos
poderes por parte da multidão é escassa, as greves são controladas, desfasadas
e não concertadas, as manifestações oficiais assemelham-se a procissões e seria
suicida por parte do PC;
·
Por
outro lado, também se não considera a hipótese da integração do BE no governo,
apesar dos audíveis suspiros por um concubinato com o PS, bem presentes na
candidatura de Alegre ou no acordo com António Costa na câmara de Lisboa. Finalmente,
o BE não tendo poder sindical, nem poder de mobilização de massas, não
desempenha qualquer papel relevante na contestação da multidão.
Cenário 2
- O PSD domina o “top five” do “hit
parade” o que, neste exercício, não é o cenário mais provável, mesmo sem
maioria absoluta.
·
Passos
Coelho é um líder fraco, mal preparado e isso tornar-se-á bem visível quando
surgirem os debates com Sócrates, muito hábil na confrontação, agressivo e bem
informado;
·
Por
outro lado, sendo o PS um partido-Estado, o seu domínio e manipulação da
informação, bem como a integração no aparelho estatal de centenas dos seus
membros, isso dá-lhe uma vantagem decisiva perante um PSD desprovido de
quadros;
·
As
últimas experiências de governação PSD não foram propriamente modelares dada a
mediocridade de Durão Barroso e as tonterias de Santana, que passou pelo vexame
de ser despedido assim que o PS substituiu Ferro Rodrigues por um José Sócrates,
mais permeável à satisfação dos interesses das oligarquias económicas e
financeiras. Para mais Sócrates estava agarrado pelo rabo, entalado na Freeport;
·
As
primeiras reações da imprensa internacional e dos governantes europeus revelam
um desagrado profundo com a queda do governo e do seu homem, Sócrates. Apesar
de Passos andar, de há algum tempo
atrás, em viagens de marketing pelas capitais europeias, sobretudo
Bruxelas, anunciando propostas contrárias às das suseranias europeias.
Cenário 2-A
– Aliança do PSD com o PS para a constituição da já referida blindagem do
poder, em nome do chamado “interesse nacional”.
·
Do
ponto de vista das suseranias externas e dos “mercados” este arranjo é equivalente
ao referido no Cenário 1-A, atrás, desde que assegure a estabilidade e sossegue
os “mercados”;
·
As
acções anti-sociais de um governo PSD/PS seriam um pouco mais céleres e
profundas do que no caso PS/PSD mas, essencialmente, as mesmas; até porque a
agenda é sempre fixada em Bruxelas, com a intervenção dos conselheiros do FMI,
instalados no Banco de Portugal há meses;
·
Neste
cenário Sócrates nunca seria um vice de Passos, tal como Schroder não
participou na grande coligação alemã dirigida por frau Angela; perante um PSD
frágil em quadros e liderança seria de esperar incidentes desestabilizadores
por parte do PS, conducentes ao seu retorno à supremacia no governo dos
“mercados”
Cenário
2-B - A aliança com o CDS surge como uma repetição do sucedido entre 2002 e
2005 e está bem presente a humilhação de Durão como estalajadeiro na cimeira do
Açores que decidiu o assalto guerreiro ao Iraque; os negócios dos submarinos ou
da “Portucale” cujo apuramento permanece sedado no sistema judiciário; a
continuidade do deficit e das medidas saneadoras; ou ainda o episódio militarista
e idiota do “barco do amor”;
· Esta solução não é certamente a preferida
pelas susearanias externas, mais apostadas, para efeitos de um pacífico saque
dos rendimentos da multidão, em arranjos políticos do tipo PS/PSD;
· Esse cenário tem alguns anti-corpos no PSD
onde se recordam dos manobrismos de Portas e não parece que Passos tenha
agilidade para os jogos do chefe do CDS;
· A agenda deste governo seria constituida
pela anulação acelerada de todos os resquícios de políticas sociais, perseguição
feroz a trabalhadores, desempregados, velhos e pobres e deificação da empresa e
do capitalista, como agentes salvadores do mundo;
· Nesta hipótese o PS iria tentar
apresentar-se travestido de “esquerda” para gáudio dos BE/PC que nunca
consideram aquela agremiação como direita, surgindo daí um reforço da tara
desculpabilizadora do PS como partido de direita, por mais patifarias que faça.
Até a UGT ficaria liberta para se mostrar como central sindical;
· Num contexto de grande descontentamento
social, e de um governo claramente de direita e perante a oposição das duas
centrais sindicais, o governo iria ter dificuldades pariculares com a
contestação social e política e iria certamente usar a violência policial de
forma desusada; o autoritarismo pós-fascista de Portas ficaria em rédea solta
3 - E o
povo, pá? E o povo?
É de admitir que a multidão já tenha entendido
que a soberania, em termos de ação política e de medidas económicas está em
Bruxelas, como polo aglutinador dos interesses das multinacionais, do sistema
financeiro e do capital mafioso. E, nesse contexto, prepara-se para colocar
tampões nos ouvidos para se alhear dos gargarejos dos papagaios partidários e
para mandar às urtigas os votos ou, pelo menos, o apoio a partidos. É de prever
uma maior abstenção que em 2009 foi de 40.3% do eleitorado, contra 36.4% quatro
anos antes.
O descrédito dos partidos parece em crescendo e
começam a surgir movimentações autónomas, com forte rejeição do quadro político
actual, por enquanto com um carácter difuso. Essa movimentação – e estamos
particularmente a ter em mente, os protestos da Geração à Rasca, de 12 de Março
– irá provavelmente segmentar-se. Uns, voltarão à atonia que prepondera em
Portugal; outros, cederão aos cantos de sereia dos partidos e serão enredados
nas organizações “unitárias” ou falsamente não partidárias; outros ainda
continuarão a procurar formas de expressão autónoma e democrática, articuladas
em redes de militâncias diversificadas, única forma de contestação fidedigna e
consequente, de onde surgirão as alternativas através da desobediência e do
protesto continuados.
Outros
textos em:
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário