Depois da “canalha” francesa ter
incendiado as cidades do país, desta vez foram os gregos a tratar condignamente
o seu governo a propósito da morte pela polícia de um jovem de 15 anos.
Seguiram-se manifestações e acções de solidariedade em Itália, Espanha, França
ou na Dinamarca.
Um pano de fundo pouco
original
A situação política e económica
na Grécia tem os contornos típicos que resultam das directivas de Bruxelas ou
do BCE, num quadro de economia capitalista de saque e genocídio social, ou
seja:
- Um governo autista e autoritário, protagonista de uma corrupção generalizada, agarrado ao poder, mesmo depois dos protestos;
- Uma escassa diferença entre o governo e a oposição, ambos interessados numa perpetuação do sistema de economia de mercado;
- Sensação, entre a multidão, de cerco generalizado, através da insegurança económica (100000 despedimentos recentes), do desemprego, da pobreza (abrange 20% da população enquanto 14% dos trabalhadores precisam de ter um segundo emprego) das privatizações, dos baixos salários, da reforma da segurança social, da ausência de perspectivas para os jovens (só metade dos 80000 licenciados por ano obtém trabalho), da redução das despesas sociais…;
- Agenda política e mediática dominada pela lógica do sacrifício, da contenção salarial, da competitividade, da privatização, com a evidente utilização do deficit orçamental como argumento para modificações estruturais em desfavor da multidão;
- As várias reformas da educação conduziram a uma degradação do ensino que obriga as famílias (que podem) a colocar os filhos em escolas privadas (500 euros por mês); as milus locais avançaram mais depressa que a nossa estimada varejeira.
Uma longa tradição de luta
contra a repressão
O povo grego tem tido no passado
dificuldades que o tornam muito reactivo contra a tirania e a violência. A
Grécia só readquiriu a sua independência face à Turquia, em 1832 à qual se
seguiram diversas guerras e ocupações estrangeiras até à sua configuração
territorial actual, depois da II Guerra. A guerra com a Turquia nos anos 20
provocou a saída de 400000 muçulmanos para a Turquia e a entrada na Grécia de
150000 cristãos provenientes da Anatólia ocidental.
Em 1940, a Itália fascista
invade a Grécia mas, são os alemães que conquistam todo o país no ano seguinte,
criando-se uma forte resistência popular dominada pelo ELAS. A repressão dos
ocupantes afectou de tal modo a população que a Grécia ficou como o país que
maior parcela de vítimas teve em todo o conflito mundial, tendo em conta a
dimensão da sua população. Em 1944 os ingleses instalam um governo depois de
acertarem com Stalin a cedência da Bulgária aos soviéticos por troca com a
influência britânica na Grécia; e exigem o desarmamento do ELAS.
O ELAS pretendia uma revolução
social fora do protectorado inglês e não entregou as armas, sofrendo a reacção
dos ingleses que, em 1946 organizam um referendo que restaura a monarquia. A
guerra civil que se desencadeou de seguida, só virá a cessar verdadeiramente em
1949, com a vitória do governo, que se manterá bem à direita e de harmonia com
o rei até 1964, devidamente apoiados pelos EUA que forneceram o apoio militar e
do Plano Marshall, alicerçando a economia no desenvolvimento do turismo.
Em 1967, militares fascistas, com
o indispensável apoio americano instauram o chamado “regime dos coronéis” que
cai em Julho de 1974, na sequência da invasão turca de Chipre e da repressão da
Politécnica de Atenas, onde o regime matou dezenas de estudantes. Em 1975 a monarquia é
formalmente extinta, são restabelecidas as liberdades formais e em 1981 a Grécia é absorvida
pela então CEE.
A resistência popular de carácter
libertário reacendeu-se durante a ditadura dos coronéis com o contributo das
influências ideológicas do Maio de 1968 e do movimento autonomista italiano e
ganhou ainda mais força no final dos anos 70, com a chegada de militantes
provenientes da esquerda comunista e radical. Em 1985/86 sucederam-se grandes
manifestações no âmbito das quais são mortos dois activistas, um dos quais
também de 15 anos; e, poucos anos depois, os militantes anarquistas invadem o
hotel onde a extrema-direita europeia se reunia, com a presença de Le Pen.
Em 1991 um novo levantamento
estudantil com forte pendor libertário envolve a ocupação de 1500 escolas e
manifestações de centenas de milhar de pessoas, sobretudo no seguimento da
morte de um professor militante de esquerda, pela polícia. Em 1995, de novo a
Politécnica de Atenas está em foco com a intervenção policial e centenas de
presos.
Há, portanto uma movimento social
libertário e radical na sociedade grega, nomeadamente nos meios estudantis e
que justifica a persistência e combatividade da resistência ao poder dos mandarins
locais. Desde meados do ano passado tem havido greves e manifestações violentas
por todo o país; porém, os media frisam apenas as lojas e bancos destruídos, os
carros incendiados… gostam de servir sangue ao telejornal.
Comparações Grécia/Portugal
São muitas as semelhanças entre
Portugal e a Grécia e as dissemelhanças existentes não invalidam que o quadro
de fundo seja o mesmo.
De facto, a globalização e as
políticas comunitárias tendem a homogeneizar as condições objectivas de
funcionamento da base económica e da sociedade; assim, também as reivindicações
da multidão de trabalhadores no activo, desempregados ou já retirados, não
diferem particularmente. O capitalismo, os seus Estados e as suas confederações
patronais, as multinacionais e o sistema financeiro, afinam entre si
estratégias e medidas, no mínimo reactivas, para limarem dificuldades ou
acentuarem a exploração capitalista. As experiências de combate da multidão,
embora possam servir de exemplo, não são objecto de uma idêntica coordenação e
unidade de acção. Essa é a diferença essencial entre os dois campos que dividem
o mundo – o dos capitalistas e o da multidão.
Procede-se em seguida a uma
comparação de indicadores (dados da OCDE) que revelam semelhanças e diferenças
entre a Grécia e Portugal, onde se evidenciam a estratégia de empobrecimento da
multidão conduzida pelo PS/PSD e pelo capital, nos últimos anos.
No capítulo da demografia e do emprego destaca-se em
primeiro lugar que em Portugal há uma muito menor concentração do emprego nas
grandes empresas, compensada por um maior peso nas empresas de média dimensão.
A actual crise acentua a tendência para a recomposição do tecido empresarial e
para a centralização do capital que veio a obrigar Sócrates a um plano de apoio
às PME de 2180 M
euros para conter, de certo modo o desemprego. Por outro lado, na agenda
escondida da ASAE consta o encerramento de pequenos cafés e restaurantes de
gestão familiar, para abrir caminho às multinacionais e negócios de
“franchising”.
Note-se, também, que em Portugal
é muito maior a inserção das mulheres no trabalho assalariado e que na Grécia o
desemprego feminino é particularmente elevado. Em ambos os países o desemprego
de longa duração é maioritário, revelando o carácter supérfluo de parte da
população para os capitalistas, resultante do pendor genocida do capitalismo
neoliberal.
Demografia e emprego
|
Grécia
|
Portugal
|
População
(mil)
|
11.143
|
10.578
|
População
> 65 anos (%)
|
18,5
|
17,0
|
Esperança
de vida - H
|
76,8
|
74,9
|
Esperança
de vida - M
|
81,7
|
81,4
|
Emprego em
empresas < 20 trab (%)
|
33,1
|
32,5
|
Emprego em
empresas > 250 trab (%)
|
31,0
|
19,2
|
Emprego
2006 (% população 15-64 anos ) - H
|
74,6
|
73,9
|
Emprego
2006 (% população 15-64 anos ) - M
|
47,5
|
62,0
|
Taxa
desemprego 2006 - H
|
5,6
|
6,5
|
Taxa
desemprego 2006 - M
|
13,6
|
9,0
|
Desemprego
de longa duração (%)
|
55,6
|
51,8
|
No que concerne à criação de riqueza é evidente através
de vários indicadores a estagnação económica em Portugal e o seu conhecido
afastamento face aos níveis europeus, enquanto que a Grécia se aproximou dos
mesmos, com elevadas taxas de crescimento.
Entre 2000 e 2006, o peso do
investimento (FBCF) no PIB retrai-se em Portugal e cresce na Grécia, sendo
evidente a quebra na construção de habitações em Portugal mas, não na Grécia.
Apesar das dificuldades que em Portugal se vão sentindo, aumenta o peso dos
sectores financeiro e imobiliário no PIB, contrariamente ao que acontece na
Grécia, situação que é exactamente a inversa quando se considera o peso da
indústria e da energia, a base da economia real. A incorporação energética na
produção é mais elevada em Portugal, revelando a despreocupação face aos
compromissos assumidos em matéria ambiental.
Finalmente, sublinhe-se o forte
endividamento das famílias gregas enquanto que à mesma época a poupança dos
portugueses ainda existia.
Criação de riqueza
|
Grécia
|
Portugal
|
Pib per
capita - 2000 ($)
|
18.390
|
17.068
|
Pib per
capita - 2006 ($)
|
25.742
|
20.838
|
Indice
OCDE=100 - 2000
|
74,0
|
68,6
|
Indice
OCDE=100 - 2006
|
90,0
|
70,0
|
Crescimento
Pib (2003/06)
|
4,4
|
0,7
|
Poupança
das famílias (%)
|
-7,3
|
2,5
|
FBCF total
(% Pib) - 2000
|
21,6
|
27,1
|
FBCF total
(% Pib) - 2006
|
25,8
|
21,0
|
FBCF
habitação (% Pib) - 2000
|
6,8
|
13,8
|
FBCF
habitação (% Pib) - 2006
|
7,8
|
10,8
|
Vab
bancos, seguros, imobil (% total) - 2000
|
20,6
|
20,6
|
Vab
bancos, seguros, imobil (% total) - 2006
|
18,2
|
21,4
|
Vab
industria, energia (% total) - 2000
|
13,9
|
20,0
|
Vab
industria, energia (% total) - 2006
|
15,7
|
18,1
|
Energia
por unidade de produto (ton equiv petroleo) - 2006
|
0,10
|
0,13
|
Produtividade
(Pib/hora trabalho) - 2006
|
3,7
|
0,23
|
Em Portugal, o peso do comércio externo mantém-se ao mesmo
(elevado) nível enquanto na Grécia a sua relevância decai entre 2000 e 2006,
revelando uma maior importância do mercado interno. Embora a balança comercial
grega seja muito mais desequilibrada que a portuguesa observa-se, na Grécia,
uma forte compensação por parte dos serviços, onde prepondera o turismo. No
total, o deficit externo português apresenta-se um
pouco aquém do grego.
Comércio externo
|
Grécia
|
Portugal
|
Comércio externo (%
Pib) - 2000
|
31,6
|
35,2
|
Comércio externo (%
Pib) - 2006
|
28,2
|
35,0
|
Balança comercial (M$)-
2006
|
-42.797
|
-23.785
|
Balança serviços (M$)-
2006
|
19.251
|
6.131
|
Balança pagamentos (%
Pib) - 2006
|
-11,0
|
-9,4
|
Invest estrangeiro-
invest no estrangeiro (M$) - 2000
|
8.261
|
12.251
|
Invest estrangeiro-
invest no estrangeiro (M$) - 2005
|
15.587
|
21.515
|
Apesar do crescimento dos preços, em geral, ser em Portugal
inferior ao verificado na Grécia, no que compete às EDP, Galp, Repsol e
quejandas, a situação é inversa; e ainda não está aqui reflectido o golpe de
mão levado a cabo recentemente, encoberto pelas variações do preço do “crude”,
o tal golpe que a inútil Autoridade da Concorrência exige seis meses para
verificar.
Preços
|
Grécia
|
Portugal
|
Indice
Preços Consumo - total (2006/00)
|
22,0
|
20,5
|
Indice
Preços Consumo - energia (2006/00)
|
34,2
|
39,2
|
Inflação
(%) - 2006
|
3,4
|
2,9
|
Os gastos públicos com a educação e a saúde revelam, essencialmente
que o PS/PSD se atrasou nas políticas de privatização dos serviços públicos
face aos seus homólogos gregos. Na Grécia, os gastos privados com a saúde
representam 5,8% do PIB. Quanto às forças armadas o seu peso na Grécia é
elevado, dadas as tensões com a Turquia e os problemas na antiga Jugoslávia;
tendo em conta a estabilidade geopolítica na área em que se insere, Portugal
gasta desmesuradamente em messes e botões amarelos.
O deficit público revela, no
período considerado, uma melhoria na Grécia e uma deterioração em Portugal, o
mesmo sucedendo com a dívida pública que, contudo, na Grécia é muito mais
elevada. Cabe perguntar como se deterioram esses indicadores, em paralelo com
um aumento da carga fiscal em Portugal, contrariamente ao que sucedeu na
Grécia, cujo nível de fiscalidade é 8 pontos percentuais inferior ao português,
há dois anos.
Sob o ângulo da aplicação da
agenda neoliberal, a maior incidência da carga fiscal sobre o trabalho na
Grécia revela que naquele país o mandarinato foi mais lesto.
Estado
|
Grécia
|
Portugal
|
Gasto
público em educação (% Pib)
|
3,3
|
5,3
|
Gasto
público em saúde (% Pib)
|
4,3
|
7,4
|
Gastos
mlitares (% Pib) - 2007
|
3,0
|
1,8
|
Deficit
público - 2000
|
-3,7
|
-3,0
|
Deficit
público - 2006
|
-2,8
|
-3,9
|
Dívida
pública per capita ($) - 2000
|
10.314
|
5.758
|
Dívida
pública per capita ($) - 2006
|
9.509
|
6.764
|
Carga
fiscal (% Pib) - 2000
|
29,7
|
34,1
|
Carga
fiscal (% Pib) - 2006
|
27,4
|
35,4
|
Impostos
sobre o trabalho (%) - 2000
|
38,4
|
37,3
|
Impostos
sobre o trabalho (%) - 2006
|
41,2
|
36,3
|
No que se refere à educação, a parcela de jovens perdidos,
sem escola ou trabalho, revela em Portugal, uma situação menos grave do que na
Grécia. Em contrapartida, a parcela de pessoas com qualificações superiores é
bastante mais baixa em Portugal, uma situação quase única no contexto da UE e
que condena o país ao subdesenvolvimento por uma geração.
Educação
|
Grécia
|
Portugal
|
Jovens
15-19 anos sem escola nem trabalho (%) - 2005 - H
|
9,54
|
8,14
|
Jovens
15-19 anos sem escola nem trabalho (%) - 2005 - M
|
10,05
|
8,76
|
Licenciados
25-64 anos (% total escalão etário) - 2005
|
21,3
|
12,8
|
Licenciados
25-34 anos (% total escalão etário) - 2005
|
25,4
|
19,1
|
Licenciados
35-64 anos (% total escalão etário) - 2005
|
11,9
|
7,4
|
Perante estes elementos que se
consideraram e que revelam atrasos estruturais e uma situação mais gravosa em
Portugal, pode-se perguntar: a revolta não acontece em Portugal?
Dezembro 2008
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