quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mais contentores em Lisboa? Ausência de política de transportes e ordenamento.

A ausência de política de transportes não se verifica somente nos movimentos pendulares, especialmente nas áreas metropolitanas. No ordenamento do território, as excepções aos PDM e os PIN estão bem à vista para que seja renomeado como desordenamento. O importante é a multiplicação de obra, espalhar betão, ouvir a música das betoneiras e isso tem sido recorrente na política portuária.

Um erro já antigo - Alcântara

O terminal de Alcântara, criado em 1984 como concessão à Liscont, está marcado por muito irrealismo desde o início. O aumento dos seus fundos foi, então justificado, como forma de atrair operadores de “transhipment”, lançando o porto de Lisboa na senda dos grandes portos europeus. No plano do deslumbramento cavaquista com o dinheiro fácil (a entrada dos fundos comunitários e a bolsa), um presidente da Administração do Porto de Lisboa (APL) dizia ser seu objectivo concorrer com… Roterdão. No que concerne a contentores, Lisboa é apenas e por enquanto, o quinto porto ibérico e o principal da costa ocidental e não tem condições físicas ou de mercado para ser é um grande porto europeu, como adiante se explicitará.

                                 Contentores movimentados em 2007
na Península Ibérica (M toneladas)
Algeciras
42,5
Valência
32,5
Barcelona
25,4
Bilbao
5,9
Lisboa
4,5
Total (Espanha e Portugal)
149,5
Total (Portugal – Continente)
10,1

No início, durante dois ou três anos, a Liscont viu uma linha indiana servir-se de Alcântara; quando os indianos se puseram ao largo, o terminal vocacionou-se para o tráfego nacional, a par com Santos e Santa Apolónia, no que se refere a contentores.

Por essa época surgiu o terminal de Algeciras numa posição estratégica especial e que movimenta, hoje, cerca de quatro vezes a movimentação de contentores no conjunto de todos os portos portugueses. Está projectado para breve, um terminal semelhante perto de Tânger, perto do estreito de Gibraltar. E, recorda-se que Sines, com condições físicas muito melhores que Lisboa, só recentemente tem ganho alguma importância no capítulo dos contentores.

Ficando adstrito ao tráfego nacional, subiu a importância das saídas terrestres do terminal de Alcântara. São camiões aos magotes com contentores carregados e vazios a atravessar a cidade, tal como acontece nos outros terminais de contentores da capital. A via ferroviária, embora presente em Alcântara é pouco utilizada pela maior maleabilidade do camião em trajectos curtos e ainda porque obriga a várias mudanças de linha (linha de Cascais, linha da Cintura, mistura com tráfegos suburbanos de passageiros). Soubemos que imaginosos inovadores como Sócrates e Lino, têm um plano para tirar de lá os contentores de helicóptero, estando já a JP Sá Couto a negociar a licença (sem IVA) para a compra da tinta azul para a pintura dos aparelhos.

Neste mundo de putrefacção estratégica, casam bem, os transportadores rodoviários, os operadores portuários e os agentes de carga, transitários e quejandos que impavidamente repercutem os preços de tudo isto no consumidor. E a Ana Paula Vitorino avança com uma plataforma logística em cada cruzamento acenando com 12000 novos postos de trabalho(!???). O que há de mais próximo de Lisboa é na margem norte do Tejo, nas imediações de Alverca e no mediático Poceirão que, por acaso, fica a poucos quilómetros de Setúbal.

É preciso que surja um peso-pesado da Mota-Engil com um Coelho na cartola para aumentar o ruído em todo este cenário. Como? Como de costume! Primeiro, garantem-se fundos do QREN; segundo, encomenda-se ao governo uma concessão até 2042 para garantir o retorno do investimento; terceiro, afecta-se maquinaria e contribui-se para a redução do desemprego em Cabo Verde e na Ucrânia, de acordo com as sábias palavras da Balela F Leite. De tudo isso resultará obra a inaugurar com pompa e discursos daqui a uns anos.

Os empresários utilizam o volume de postos de trabalho sempre e da forma que lhes convém. Se uma empresa está em dificuldades pede apoios ao Estado argumentando com a manutenção dos postos de trabalho; se quer apoios públicos acena com a criação de postos de trabalho. Nesta última lógica, a Liscont doura o negócio com a promessa de criar mais 250 empregos a juntar aos actuais 130; alguém acredita que numa actividade de capital intensivo, a triplicação da capacidade triplica as necessidades de pessoal? Se todas as promessas de postos de trabalho dos chamados empresários não fossem grosseiras aldrabices para impressionar, o desemprego não existia.

Um erro com possibilidades de se agravar  – a Trafaria

Uma outra imbecilidade estratégica já no terreno é a dos silos da Trafaria, com uma capacidade francamente excedentária para a procura nacional uma vez que o projectado transbordo de cereais, com destino final na Europa ocidental e do sul, falhou. E, por isso, a sua privatização vem sendo adiada há vários anos, pois os bravos privados sabem que aquilo não tem viabilidade.

Esse erro estratégico em termos de negócio junta-se o impacto ambiental e paisagístico. No princípio dos anos 90 a Trafaria andou na moda com a ideia de lá se construir um grande terminal de contentores e, num registo diferente, uma ponte sobre o Tejo a amarrar na zona da Trafaria. Tudo temas brandidos periodicamente por alegados especialistas com muita audiência mediática.

Em carta dirigida a Helena Roseta o ex-professor do IST, António Brotas defende e bem, que da Trafaria saem 300 camiões por dia, o que deixa atrás de si uma evidente peúgada de poluição, que contribui para o engarrafamento da ponte 25 de Abril. Brotas defende também a construção de 10km de linha ferroviária entre os silos e a linha Pragal-Setúbal para o obviar; e aí estraga tudo.

Naturalmente, razões ambientais e de custo levam à preferência pelo comboio face ao camião como transporte pesado. Porém, há uns “pequenos” óbices para projectos portuários na Trafaria.

Não é nada fácil construir uma linha férrea naquele espaço, porque entre o cais da Trafaria e a linha Pragal-Setúbal há um desnível de altitude que não é possível tecnicamente, ultrapassar em 10km. Uma linha férrea só pode percorrer traçados quase planos (pendentes de 2%, sabendo-se da existência de um excepcional troço com 4% nos Alpes suíços); e, no transporte de mercadoras, isso é ainda mais limitativo.

A construir-se, esse ramal teria de percorrer um longo percurso para vencer o desnível do terreno; teria de desenhar uma curva larga (os comboios não fazem viragens de 90 graus nem contornam rotundas), com a penetração na zona da Costa da Caparica, e na parte superior da arriba fóssil repletas de casario; para além de ofender a já degradada arriba, entrar em conflito com uma zona de turismo, etc;

A Trafaria precisa mais de uma recuperação urbana e regeneração social e menos que lhe incrustem betão e megalomanias.

Um pano de fundo global a não esquecer, por causa do betão

Portugal não tem dimensão para ter grandes portos, pese embora a importância relativa do seu comércio externo. Grande fatia desse comércio faz-se com a Espanha, é tendencialmente efectuado por vias terrestres e é também muito forte a participação dessas vias, mormente da rodoviária, com os outros países europeus.

Mesmo a estafada ideia de servir o interior espanhol, nomeadamente Madrid, não é consistente. A relevância dos portos espanhóis e a sua distância e acessos face a Madrid (mercado mais apetecido) dificulta a penetração dos portos portugueses. As regiões espanholas mais próximas da fronteira têm pouca população, são pobres e servidas pela via rodoviária, nomeadamente a partir de França. Neste contexto, a linha férrea a construir entre Sines e Badajoz é um empreendimento muito arriscado quanto à viabilidade económica mas, está na carteira de encomendas feitas às grandes construtoras.

A organização do tráfego marítimo tende a concentrar-se em alguns mega-portos com carácter regional, procedendo-se à distribuição ou concentração de carga, com grande predominância da via rodoviária. Os grandes portos peninsulares de carga contentorizada são Algeciras, Valência e Barcelona que concentram 2/3 do total, como se pode observar no quadro acima.

Excluindo os portos que são essencialmente placas giratórias de distribuição de carga (por exemplo Gioia Tauro, na Itália), não é fácil erguer um grande porto de carga contentorizada inserido numa região sem grande riqueza, em fase de desindustrialização, com pequena área geográfica de influência e sem uma população elevada, como é o caso dos portos portugueses.

Uma visão realista da realidade mas, pouco exigente de betão

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) é para o gang PS/PSD uma entidade abstracta e desconexa para a qual não há nada de estruturado em termos de ordenamento do território ou planeamento de transportes. Para eles tudo cabe a São Mercado. E, como a AML é, para o tal gang, apenas um nome, não surgem algumas evidências:

  1. Que Lisboa e Setúbal são dois portos que servem uma mesma região;
  2. Que Lisboa e Setúbal devem ser considerados como que dois cais de um mesmo porto, distanciados menos de 40 km;
  3. Que Setúbal tem capacidade de fundos, terraplenos, vias ferroviárias e rodoviárias sem conflito com a malha urbana e que pode constituir a principal área para a expansão das necessidades de movimentação de contentores da AML.

A visão que o PS/PSD tem, é a do betão que favorece a Mota-Engil, a da absorção descuidada de fundos comunitários, a da manutenção dos interesses da “comunidade portuária” de Lisboa, fornecedora de elevados custos de transporte e logística, a dos projectos nebulosos para a frente ribeirinha a cargo da dupla Costa/Salgado.

PS – Afirmações de Mário Lino

Quando terminávamos este texto tomámos conhecimento de uma brilhante alocução do ministro garantindo que o terminal projectado para Alcântara terá um “mínimo impacto visual”. Um idiota que viu na Margem Sul um deserto tem capacidade para falar de alguma coisa que se veja?

N ovembro 2008

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