A ausência de política de
transportes não se verifica somente nos movimentos pendulares, especialmente
nas áreas metropolitanas. No ordenamento do território, as excepções aos PDM e
os PIN estão bem à vista para que seja renomeado como desordenamento. O
importante é a multiplicação de obra, espalhar betão, ouvir a música das
betoneiras e isso tem sido recorrente na política portuária.
Um erro já antigo - Alcântara
O terminal de Alcântara, criado
em 1984 como concessão à Liscont, está marcado por muito irrealismo desde o
início. O aumento dos seus fundos foi, então justificado, como forma de atrair
operadores de “transhipment”, lançando o porto de Lisboa na senda dos grandes
portos europeus. No plano do deslumbramento cavaquista com o dinheiro fácil (a
entrada dos fundos comunitários e a bolsa), um presidente da Administração do
Porto de Lisboa (APL) dizia ser seu objectivo concorrer com… Roterdão. No que
concerne a contentores, Lisboa é apenas e por enquanto, o quinto porto ibérico
e o principal da costa ocidental e não tem condições físicas ou de mercado para
ser é um grande porto europeu, como adiante se explicitará.
Contentores movimentados em 2007
na Península Ibérica (M toneladas)
Algeciras
|
42,5
|
Valência
|
32,5
|
Barcelona
|
25,4
|
Bilbao
|
5,9
|
Lisboa
|
4,5
|
Total (Espanha e Portugal)
|
149,5
|
Total (Portugal – Continente)
|
10,1
|
No início, durante dois ou três
anos, a Liscont viu uma linha indiana servir-se de Alcântara; quando os
indianos se puseram ao largo, o terminal vocacionou-se para o tráfego nacional,
a par com Santos e Santa Apolónia, no que se refere a contentores.
Por essa época surgiu o terminal
de Algeciras numa posição estratégica especial e que movimenta, hoje, cerca de
quatro vezes a movimentação de contentores no conjunto de todos os portos
portugueses. Está projectado para breve, um terminal semelhante perto de Tânger,
perto do estreito de Gibraltar. E, recorda-se que Sines, com condições físicas
muito melhores que Lisboa, só recentemente tem ganho alguma importância no
capítulo dos contentores.
Ficando adstrito ao tráfego
nacional, subiu a importância das saídas terrestres do terminal de Alcântara. São
camiões aos magotes com contentores carregados e vazios a atravessar a cidade,
tal como acontece nos outros terminais de contentores da capital. A via
ferroviária, embora presente em Alcântara é pouco utilizada pela maior
maleabilidade do camião em trajectos curtos e ainda porque obriga a várias
mudanças de linha (linha de Cascais, linha da Cintura, mistura com tráfegos
suburbanos de passageiros). Soubemos que imaginosos inovadores como Sócrates e
Lino, têm um plano para tirar de lá os contentores de helicóptero, estando já a
JP Sá Couto a negociar a licença (sem IVA) para a compra da tinta azul para a
pintura dos aparelhos.
Neste mundo de putrefacção
estratégica, casam bem, os transportadores rodoviários, os operadores
portuários e os agentes de carga, transitários e quejandos que impavidamente
repercutem os preços de tudo isto no consumidor. E a Ana Paula Vitorino avança
com uma plataforma logística em cada cruzamento acenando com 12000 novos postos
de trabalho(!???). O que há de mais próximo de Lisboa é na margem norte do
Tejo, nas imediações de Alverca e no mediático Poceirão que, por acaso, fica a
poucos quilómetros de Setúbal.
É preciso que surja um peso-pesado
da Mota-Engil com um Coelho na cartola para aumentar o ruído em todo este
cenário. Como? Como de costume! Primeiro, garantem-se fundos do QREN; segundo,
encomenda-se ao governo uma concessão até 2042 para garantir o retorno do
investimento; terceiro, afecta-se maquinaria e contribui-se para a redução do
desemprego em Cabo Verde
e na Ucrânia, de acordo com as sábias palavras da Balela F Leite. De tudo isso
resultará obra a inaugurar com pompa e discursos daqui a uns anos.
Os empresários utilizam o volume
de postos de trabalho sempre e da forma que lhes convém. Se uma empresa está em
dificuldades pede apoios ao Estado argumentando com a manutenção dos postos de
trabalho; se quer apoios públicos acena com a criação de postos de trabalho.
Nesta última lógica, a Liscont doura o negócio com a promessa de criar mais 250
empregos a juntar aos actuais 130; alguém acredita que numa actividade de
capital intensivo, a triplicação da capacidade triplica as necessidades de
pessoal? Se todas as promessas de postos de trabalho dos chamados empresários
não fossem grosseiras aldrabices para impressionar, o desemprego não existia.
Um erro com possibilidades de
se agravar – a Trafaria
Uma outra imbecilidade
estratégica já no terreno é a dos silos da Trafaria, com uma capacidade
francamente excedentária para a procura nacional uma vez que o projectado
transbordo de cereais, com destino final na Europa ocidental e do sul, falhou.
E, por isso, a sua privatização vem sendo adiada há vários anos, pois os bravos
privados sabem que aquilo não tem viabilidade.
Esse erro estratégico em termos
de negócio junta-se o impacto ambiental e paisagístico. No princípio dos anos 90 a Trafaria andou na moda com
a ideia de lá se construir um grande terminal de contentores e, num registo
diferente, uma ponte sobre o Tejo a amarrar na zona da Trafaria. Tudo temas
brandidos periodicamente por alegados especialistas com muita audiência mediática.
Em carta dirigida a Helena Roseta
o ex-professor do IST, António Brotas defende e bem, que da Trafaria saem 300
camiões por dia, o que deixa atrás de si uma evidente peúgada de poluição, que
contribui para o engarrafamento da ponte 25 de Abril. Brotas defende também a
construção de 10km de linha ferroviária entre os silos e a linha Pragal-Setúbal
para o obviar; e aí estraga tudo.
Naturalmente, razões ambientais e
de custo levam à preferência pelo comboio face ao camião como transporte pesado.
Porém, há uns “pequenos” óbices para projectos portuários na Trafaria.
Não é nada fácil construir uma
linha férrea naquele espaço, porque entre o cais da Trafaria e a linha
Pragal-Setúbal há um desnível de altitude que não é possível tecnicamente, ultrapassar
em 10km. Uma linha férrea só pode percorrer traçados quase planos (pendentes de
2%, sabendo-se da existência de um excepcional troço com 4% nos Alpes suíços);
e, no transporte de mercadoras, isso é ainda mais limitativo.
A construir-se, esse ramal teria
de percorrer um longo percurso para vencer o desnível do terreno; teria de desenhar
uma curva larga (os comboios não fazem viragens de 90 graus nem contornam
rotundas), com a penetração na zona da Costa da Caparica, e na parte superior
da arriba fóssil repletas de casario; para além de ofender a já degradada
arriba, entrar em conflito com uma zona de turismo, etc;
A Trafaria precisa mais de uma
recuperação urbana e regeneração social e menos que lhe incrustem betão e
megalomanias.
Um pano de fundo global a não esquecer, por causa do
betão
Portugal não tem dimensão para
ter grandes portos, pese embora a importância relativa do seu comércio externo.
Grande fatia desse comércio faz-se com a Espanha, é tendencialmente efectuado
por vias terrestres e é também muito forte a participação dessas vias, mormente
da rodoviária, com os outros países europeus.
Mesmo a estafada ideia de servir
o interior espanhol, nomeadamente Madrid, não é consistente. A relevância dos
portos espanhóis e a sua distância e acessos face a Madrid (mercado mais
apetecido) dificulta a penetração dos portos portugueses. As regiões espanholas
mais próximas da fronteira têm pouca população, são pobres e servidas pela via
rodoviária, nomeadamente a partir de França. Neste contexto, a linha férrea a
construir entre Sines e Badajoz é um empreendimento muito arriscado quanto à
viabilidade económica mas, está na carteira de encomendas feitas às grandes
construtoras.
A organização do tráfego marítimo
tende a concentrar-se em alguns mega-portos com carácter regional,
procedendo-se à distribuição ou concentração de carga, com grande predominância
da via rodoviária. Os grandes portos peninsulares de carga contentorizada são
Algeciras, Valência e Barcelona que concentram 2/3 do total, como se pode observar
no quadro acima.
Excluindo os portos que são
essencialmente placas giratórias de distribuição de carga (por exemplo Gioia
Tauro, na Itália), não é fácil erguer um grande porto de carga contentorizada
inserido numa região sem grande riqueza, em fase de desindustrialização, com
pequena área geográfica de influência e sem uma população elevada, como é o
caso dos portos portugueses.
Uma visão realista da realidade mas, pouco exigente de
betão
A Área Metropolitana de Lisboa (AML)
é para o gang PS/PSD uma entidade abstracta e desconexa para a qual não há nada
de estruturado em termos de ordenamento do território ou planeamento de
transportes. Para eles tudo cabe a São Mercado. E, como a AML é, para o tal
gang, apenas um nome, não surgem algumas evidências:
- Que Lisboa e Setúbal são dois portos que servem uma mesma região;
- Que Lisboa e Setúbal devem ser considerados como que dois cais de um mesmo porto, distanciados menos de 40 km;
- Que Setúbal tem capacidade de fundos, terraplenos, vias ferroviárias e rodoviárias sem conflito com a malha urbana e que pode constituir a principal área para a expansão das necessidades de movimentação de contentores da AML.
A visão que o PS/PSD tem, é a do
betão que favorece a Mota-Engil, a da absorção descuidada de fundos comunitários,
a da manutenção dos interesses da “comunidade portuária” de Lisboa, fornecedora
de elevados custos de transporte e logística, a dos projectos nebulosos para a
frente ribeirinha a cargo da dupla Costa/Salgado.
PS – Afirmações de Mário Lino
Quando terminávamos este texto
tomámos conhecimento de uma brilhante alocução do ministro garantindo que o
terminal projectado para Alcântara terá um “mínimo impacto visual”. Um idiota
que viu na Margem Sul um deserto tem capacidade para falar de alguma coisa que
se veja?
N ovembro 2008
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