domingo, 25 de dezembro de 2011

Relatório de Outono/2007 do Banco de Portugal – Exemplo de superficialidade

Sentencioso, o Banco de Portugal, no seu boletim de Outono, emanou para os chamados “agentes económicos” mais um decreto do cardápio neoliberal que, repetido até à exaustão, pretende grudar às cabeças, a inevitabilidade da situação actual da economia. (vide artigos “As missas do sacerdote Constâncio” e “Miséria da economia”, em Julho e Setembro de 2006, neste blog)

Numa tradução escorreita de documento despachado pelo BCE e do seu “gauleiter” Trichet para o “feldkurat” Constâncio, sublinhamos aqui algumas questões interessantes ali abordadas.

Assim, segundo o oráculo, o marcar passo do PIB luso deriva de três aspectos; um é a “redução acumulada do investimento nos últimos anos”; outro é a “manutenção de um stock de capital humano com fortes debilidades”; e o terceiro, (… uma verdadeira inovação!) é a “rigidez do mercado laboral”.

Após esta enésima afirmação de vulgaridades e falsas explicações não resistimos a proceder a alguns reparos. Que o sacerdote Constâncio e os seus diáconos nos perdoem a blasfémia.

1 – A redução acumulada do investimento

O volume da FBCF tem-se mantido em torno dos 33 mil milhões de euros no período 2000/2006, a preços correntes, o que representa um verdadeiro decréscimo em termos reais. Essa estagnação, sabe-se, tem efeitos cumulativos graves, o que é consensual.

Mais importante é referir a redução do investimento público (3,8% do PIB em 2000 e 2,3% em 2006) pelo impacto que tem para os fornecedores do Estado e o consequente efeito multiplicador. Tudo, em sacrifício ao deus Moloch, o deficit, que devora o poder de compra da multidão.

Estruturalmente importante é referir a manutenção do peso relativo, na FBCF, da construção e da aquisição de viaturas (60,7% em 2000 e 59,3% em 2006). Isto é, na estagnação do investimento produtivo, os chamados empresários, mostram o seu pendor especulativo e parasitário; e recordemos, apesar da redução do IRC em geral e da sua manutenção ao habitual baixo nível que brinda o capital financeiro, sempre apontada como um incentivo ao investimento.

O volume do crédito acumulado pela banca e a sua evolução em 2006 mostra, também, que a política de crédito continua basicamente virada à alimentação da máfia da construção e ao incremento do imobiliário, fonte principal da lavagem de dinheiro de origem duvidosa. Os sectores adiante seleccionados, representam 83,8% do total em 2006 (81% em 2005) no crédito às empresas:

                                                    Mil milhões de euros

2005
2006
Variação %
Crédito à habitação a particulares
79,2
91,6
15,7
Crédito às empresas
Total
86,7
91,9
6,0
Imobiliário e serviços às empresas
28,2
32,8
16,3
Comércio
13,5
14,1
4,4
Construção
17,4
18,2
4,6
Indústria transformadora
12,2
12
-1,7
        Fonte: Banco de Portugal    

Recordemos que o crédito a particulares aumenta visto que oferece uma aplicação muito segura para os bancos; e, apesar dos discursos a favor das necessidades de exportação, o crédito bancário privilegia, como se vê, os sectores não exportadores.

 O crescimento anual médio do crédito às empresas para o período 2003/2006 corrobora o atrás exposto: 
                                                                           %
Constru-ção
Imobili-ário
Comércio e turismo
Ind. Transform.
Total geral
5,6
12
2,9
-3,2
3,4
                                                    Fonte: Banco de Portugal


A dependência da marcha da economia do binómio construção/imobiliário observável em Portugal (e Espanha) evidencia a aliança com o aparelho PS/PSD em geral e autárquico em particular. Essa omnipresença do imobiliário está longe de se verificar em França e Alemanha.

A análise do investimento estrangeiro apresenta elementos muito interessantes. Em 2006 o novo investimento estrangeiro em Portugal corresponde a 3,8% do PIB e o desinvestimento somado à saída de capitais pertencentes a portugueses para investimento no exterior equivale a 1,8% do PIB. Conclusão, uma entrada líquida de fundos para investimento na ordem dos 2% do PIB.

Paralelamente, a evolução dos rendimentos do investimento externo mostra o avolumar da saída de lucros nos últimos anos e, pelo significado da comparação, evidencia-se aqui o saldo líquido (recebimentos menos pagamentos) das contribuições da UE.
                       
                         Milhões de euros

Rendimentos do investimento
Transferências com a UE

Saldo
% do PIB
Saldo
% do PIB
2003
-2302
-1,7
3509
2,5
2004
-2808
-1,9
3017
2,1
2005
-3673
-2,5
2364
1,6
2006
-5219
-3,4
1856
1,2
         Fonte: Banco de Portugal

O “virtuoso” investimento externo sempre considerado a abarrotar de tecnologia e inovação representa pouco mais do que o volume dos capitais saídos a título de rendimentos, conforme o quadro acima. Dito de outro modo, cada euro que entra a título de investimento encontra, do outro lado da balança, quase o mesmo valor a sair a título de lucro.

Os elementos acima expostos revelam ainda que, nos últimos anos, o saldo positivo das transferências da UE se vem reduzindo drasticamente, compensando, no último ano, pouco mais de um terço das saídas de fundos a título da exportação de lucros.

Incapaz de gerar desenvolvimento económico devido ao seu carácter subalterno, a burguesia portuguesa esforça-se por atrair capitais estrangeiros e, para isso, a máfia socratóide sacrifica o nível de vida da multidão, eternizando o velho paradigma da mão de obra barata, como factor competitivo.

2 –As debilidades do “stock de capital humano”

Há dezenas de anos que se conhece à saciedade as fraquezas do nível educativo e de formação profissional de muitos trabalhadores portugueses. Que isso foi uma herança do ruralismo beato de Salazar é uma parte já recuada da história pois, hoje, quem tem menos de 40 anos recebeu educação já após o 25 de Abril.

Temos assistido, conduzidos pelo PS/PSD, ao facilitismo na atribuição das notas, à desautorização dos educadores e da escola e aos manuais escolares virados para a memorização, repletos de imagens e pequenos textos, para não sobrecarregar as crianças, olhadas como débeis mentais. Esse desvirtuar do esforço educativo associado ao semi-analfabetismo de base, em vigor no início dos anos 70 do século passado, não alicerçou, na população em geral, hábitos de leitura e reflexão e impôs a televisão como factor dominante na aquisição de conhecimento, resultando daí muita da iliteracia que caracteriza mais de metade dos portugueses.

Diligentes, os ministros, com a actual varejeira à cabeça, tornam-se criativos em inventar formas de não fazer má figura nas estatísticas do Eurostat, quanto ao abandono escolar, às reprovações, etc. E, nisso são ajudados pelo esquema de Bolonha que, aos antigos bacharelados chama licenciados e aos licenciados passa a chamar mestres.

Quando vieram os fundos comunitários, no consulado do Cavaco (exemplo de catedrático iletrado), muito do dinheiro do FSE foi desbaratado em cursos orientados para engordar empresários, as suas associações, o magote de empresas de “formação de recursos humanos” e formadores biscateiros, sendo de nomear o empenho de sindicatos com pendor tecnocrático para colmatar a falta de ligação à massa, incluindo aí as trafulhices do Torres Couto e comparsas, ainda por julgar, segundo nos parece.

Entretanto, surgiram as prestigiadas falsas universidades, privadas, instituições financeiras patrocinadas por interesses mais ou menos mafiosos para fornecer diplomas enquanto o Estado se demitia de uma política de educação. O resultado está à vista; cursos e licenciados em coisa nenhuma, de que é exemplo acabado o estimável primeiro-ministro. E médias estupidamente elevadas nos cursos de medicina, tornada uma área de comércio onde a vocação é irrelevante, pois assim foi decretado pelos barões da medicina, aquartelados na Ordem.

Guterres em 1995, declarou do púlpito a sua paixão pela educação mas, como é sabido, as paixões são fortes mas, passageiras e passou, posteriormente, a ser moda referir as competências da Finlândia ou da Irlanda, o chamado “tigre celta” que iniciou uma funda reforma educativa em … 1967.

A burguesia e o mandarinato mandam os seus rebentos para escolas de elite, aqui no estrangeiro, como sucedeu com o Paulo Azevedo, o Totó Mexia ou aquele menino que é o socratóide de Estado da Segurança Social; a plebe pouco lhes interessa, desde que forneça motoristas, seguranças e mulheres para a indústria da noite.

Em suma, as debilidades dos recursos humanos são intencionais pois, afinal que importa uma população instruída e capaz se o modelo económico persiste na tecla da mão de obra barata, na instalação dum cantinho de sudeste asiático na Europa? Para carregar tacos de golfe e servir as refeições aos turistas não é preciso mais do que 500 palavras em inglês.

3 – A rigidez laboral

Nada há de novo aqui; o sacerdote Constâncio passa para a linguagem litúrgica os anseios do van Zeller, do Ludgero e afins. São a síntese das liberdades magnanimamente concedidas pelo capital, na sua infinita misericórdia; de despedir, de pagar o que quer, de gerar os horários e tempos de trabalho que lhe convém, de considerar a total mobilidade geográfica do trabalhador, de postergar a idade da reforma, de colocar o trabalhador como o único pagante da futura pensão de reforma, de reduzir as condições para baixa médica, etc. Tantas palavras para quê ? A designação de escravatura resume tudo isso.

Ao Banco de Portugal, como delegação do BCE, compete-lhe supervisionar o sistema bancário (riam-se, à vontade) e acompanhar a conjuntura por causa das tensões inflacionistas. Se se mete nestas coisas do mercado de trabalho é porque sabe serem na relação capital/trabalho que se joga a competitividade da Lusitânia e a sobrevivência da burguesia nativa.

Resumindo, o relatório de Outono não passa de um papaguear da cartilha neoliberal, de um “economês”, de um “patois” que mais parece o zurrar de burros para burros.

Dezembro 2007

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