Numa tradução escorreita de
documento despachado pelo BCE e do seu “gauleiter” Trichet para o “feldkurat” Constâncio,
sublinhamos aqui algumas questões interessantes ali abordadas.
Assim, segundo o oráculo, o
marcar passo do PIB luso deriva de três aspectos; um é a “redução acumulada do investimento
nos últimos anos”; outro é a “manutenção de um stock de capital humano com
fortes debilidades”; e o terceiro, (… uma verdadeira inovação!) é a “rigidez do
mercado laboral”.
Após esta enésima afirmação de
vulgaridades e falsas explicações não resistimos a proceder a alguns reparos.
Que o sacerdote Constâncio e os seus diáconos nos perdoem a blasfémia.
1 – A redução acumulada do
investimento
O volume da FBCF tem-se mantido
em torno dos 33 mil milhões de euros no período 2000/2006, a preços correntes,
o que representa um verdadeiro decréscimo em termos reais. Essa estagnação,
sabe-se, tem efeitos cumulativos graves, o que é consensual.
Mais importante é referir a
redução do investimento público (3,8% do PIB em 2000 e 2,3% em 2006) pelo
impacto que tem para os fornecedores do Estado e o consequente efeito
multiplicador. Tudo, em sacrifício ao deus Moloch, o deficit, que devora o
poder de compra da multidão.
Estruturalmente importante é
referir a manutenção do peso relativo, na FBCF, da construção e da aquisição de
viaturas (60,7% em 2000 e 59,3% em 2006). Isto é, na estagnação do investimento
produtivo, os chamados empresários, mostram o seu pendor especulativo e
parasitário; e recordemos, apesar da redução do IRC em geral e da sua manutenção
ao habitual baixo nível que brinda o capital financeiro, sempre apontada como
um incentivo ao investimento.
O volume do crédito acumulado
pela banca e a sua evolução em 2006 mostra, também, que a política de crédito
continua basicamente virada à alimentação da máfia da construção e ao incremento
do imobiliário, fonte principal da lavagem de dinheiro de origem duvidosa. Os
sectores adiante seleccionados, representam 83,8% do total em 2006 (81% em
2005) no crédito às empresas:
Mil milhões de euros
|
|||
2005
|
2006
|
Variação %
|
|
Crédito à habitação a particulares
|
79,2
|
91,6
|
15,7
|
Crédito
às empresas
|
|||
Total
|
86,7
|
91,9
|
6,0
|
Imobiliário e serviços às empresas
|
28,2
|
32,8
|
16,3
|
Comércio
|
13,5
|
14,1
|
4,4
|
Construção
|
17,4
|
18,2
|
4,6
|
Indústria transformadora
|
12,2
|
12
|
-1,7
|
Fonte: Banco de Portugal
|
Recordemos que o crédito a
particulares aumenta visto que oferece uma aplicação muito segura para os
bancos; e, apesar dos discursos a favor das necessidades de exportação, o
crédito bancário privilegia, como se vê, os sectores não exportadores.
O crescimento
anual médio do crédito às empresas para o período 2003/2006 corrobora o atrás
exposto:
%
Constru-ção
|
Imobili-ário
|
Comércio e turismo
|
Ind. Transform.
|
Total geral
|
5,6
|
12
|
2,9
|
-3,2
|
3,4
|
Fonte: Banco de Portugal
|
A dependência da marcha da
economia do binómio construção/imobiliário observável em Portugal (e Espanha) evidencia
a aliança com o aparelho PS/PSD em geral e autárquico em particular. Essa
omnipresença do imobiliário está longe de se verificar em França e Alemanha.
A análise do investimento
estrangeiro apresenta elementos muito interessantes. Em 2006 o novo
investimento estrangeiro em Portugal corresponde a 3,8% do PIB e o
desinvestimento somado à saída de capitais pertencentes a portugueses para investimento
no exterior equivale a 1,8% do PIB. Conclusão, uma entrada líquida de fundos
para investimento na ordem dos 2% do PIB.
Paralelamente, a evolução dos
rendimentos do investimento externo mostra o avolumar da saída de lucros nos
últimos anos e, pelo significado da comparação, evidencia-se aqui o saldo
líquido (recebimentos menos pagamentos) das contribuições da UE.
Milhões de euros
|
||||
Rendimentos do
investimento
|
Transferências com a UE
|
|||
Saldo
|
% do PIB
|
Saldo
|
% do PIB
|
|
2003
|
-2302
|
-1,7
|
3509
|
2,5
|
2004
|
-2808
|
-1,9
|
3017
|
2,1
|
2005
|
-3673
|
-2,5
|
2364
|
1,6
|
2006
|
-5219
|
-3,4
|
1856
|
1,2
|
Fonte:
Banco de Portugal
|
O “virtuoso” investimento externo
sempre considerado a abarrotar de tecnologia e inovação representa pouco mais
do que o volume dos capitais saídos a título de rendimentos, conforme o quadro
acima. Dito de outro modo, cada euro que entra a título de investimento
encontra, do outro lado da balança, quase o mesmo valor a sair a título de
lucro.
Os elementos acima expostos
revelam ainda que, nos últimos anos, o saldo positivo das transferências da UE
se vem reduzindo drasticamente, compensando, no último ano, pouco mais de um
terço das saídas de fundos a título da exportação de lucros.
Incapaz de gerar desenvolvimento
económico devido ao seu carácter subalterno, a burguesia portuguesa esforça-se
por atrair capitais estrangeiros e, para isso, a máfia socratóide sacrifica o
nível de vida da multidão, eternizando o velho paradigma da mão de obra barata,
como factor competitivo.
2 –As debilidades do “stock de
capital humano”
Há dezenas de anos que se conhece
à saciedade as fraquezas do nível educativo e de formação profissional de
muitos trabalhadores portugueses. Que isso foi uma herança do ruralismo beato
de Salazar é uma parte já recuada da história pois, hoje, quem tem menos de 40
anos recebeu educação já após o 25 de Abril.
Temos assistido, conduzidos pelo
PS/PSD, ao facilitismo na atribuição das notas, à desautorização dos educadores
e da escola e aos manuais escolares virados para a memorização, repletos de
imagens e pequenos textos, para não sobrecarregar as crianças, olhadas como
débeis mentais. Esse desvirtuar do esforço educativo associado ao
semi-analfabetismo de base, em vigor no início dos anos 70 do século passado,
não alicerçou, na população em geral, hábitos de leitura e reflexão e impôs a televisão
como factor dominante na aquisição de conhecimento, resultando daí muita da
iliteracia que caracteriza mais de metade dos portugueses.
Diligentes, os ministros, com a
actual varejeira à cabeça, tornam-se criativos em inventar formas de não fazer
má figura nas estatísticas do Eurostat, quanto ao abandono escolar, às
reprovações, etc. E, nisso são ajudados pelo esquema de Bolonha que, aos
antigos bacharelados chama licenciados e aos licenciados passa a chamar
mestres.
Quando vieram os fundos comunitários,
no consulado do Cavaco (exemplo de catedrático iletrado), muito do dinheiro do
FSE foi desbaratado em cursos orientados para engordar empresários, as suas
associações, o magote de empresas de “formação de recursos humanos” e
formadores biscateiros, sendo de nomear o empenho de sindicatos com pendor
tecnocrático para colmatar a falta de ligação à massa, incluindo aí as
trafulhices do Torres Couto e comparsas, ainda por julgar, segundo nos parece.
Entretanto, surgiram as
prestigiadas falsas universidades, privadas, instituições financeiras
patrocinadas por interesses mais ou menos mafiosos para fornecer diplomas
enquanto o Estado se demitia de uma política de educação. O resultado está à
vista; cursos e licenciados em coisa nenhuma, de que é exemplo acabado o
estimável primeiro-ministro. E médias estupidamente elevadas nos cursos de
medicina, tornada uma área de comércio onde a vocação é irrelevante, pois assim
foi decretado pelos barões da medicina, aquartelados na Ordem.
Guterres em 1995, declarou do
púlpito a sua paixão pela educação mas, como é sabido, as paixões são fortes
mas, passageiras e passou, posteriormente, a ser moda referir as competências
da Finlândia ou da Irlanda, o chamado “tigre celta” que iniciou uma funda
reforma educativa em … 1967.
A burguesia e o mandarinato
mandam os seus rebentos para escolas de elite, aqui no estrangeiro, como sucedeu
com o Paulo Azevedo, o Totó Mexia ou aquele menino que é o socratóide de Estado
da Segurança Social; a plebe pouco lhes interessa, desde que forneça
motoristas, seguranças e mulheres para a indústria da noite.
Em suma, as debilidades dos
recursos humanos são intencionais pois, afinal que importa uma população
instruída e capaz se o modelo económico persiste na tecla da mão de obra
barata, na instalação dum cantinho de sudeste asiático na Europa? Para carregar
tacos de golfe e servir as refeições aos turistas não é preciso mais do que 500
palavras em inglês.
3 – A rigidez laboral
Nada há de novo aqui; o sacerdote
Constâncio passa para a linguagem litúrgica os anseios do van Zeller, do
Ludgero e afins. São a síntese das liberdades magnanimamente concedidas pelo capital,
na sua infinita misericórdia; de despedir, de pagar o que quer, de gerar os
horários e tempos de trabalho que lhe convém, de considerar a total mobilidade
geográfica do trabalhador, de postergar a idade da reforma, de colocar o
trabalhador como o único pagante da futura pensão de reforma, de reduzir as
condições para baixa médica, etc. Tantas palavras para quê ? A designação de
escravatura resume tudo isso.
Ao Banco de Portugal, como
delegação do BCE, compete-lhe supervisionar o sistema bancário (riam-se, à
vontade) e acompanhar a conjuntura por causa das tensões inflacionistas. Se se
mete nestas coisas do mercado de trabalho é porque sabe serem na relação
capital/trabalho que se joga a competitividade da Lusitânia e a sobrevivência
da burguesia nativa.
Resumindo, o relatório de Outono
não passa de um papaguear da cartilha neoliberal, de um “economês”, de um
“patois” que mais parece o zurrar de burros para burros.
Dezembro 2007
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