quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Qimonda - a  armadilha do investimento estrangeiro

O capitalismo está em plena época de monda, limpando o terreno à custa dos indesejáveis trabalhadores. E, nessa actividade que está para durar, participa, inteirinha a Qimonda.

Porém, a situação da Qimonda só (e não é pouco) vale pelo infortúnio dos seus quase dois mil trabalhadores, que em nada contribuiram para o eventual fecho da empresa. Não é caso único mas, é o acontecimento do género de maior dimensão social em Portugal onde, para o bem ou para o mal, não abundam grandes empresas.

A situação em que está a Qimonda é trivial; só no dia 27 de Janeiro foram anunciados 72000 despedimentos nos países desenvolvidos, a indústria automóvel perdeu em 3 dias 41 mil empregos e já a OIT aponta para 40 milhões o número dos novos desprovidos de emprego em 2009, a somar aos 190 milhões vindos de 2008 (Nov). No caso Qimonda, dizem que a causa é a redução do mercado final dos bens em que os seus produtos se incorporam; como poderia ser se, algures na Alemanha, alguém tivesse feito umas contas e decidisse fechar a Qimonda em Portugal, abrindo outra, numa qualquer China. Os argumentos tornam-se dispiciendos quando no fim, o que se concretiza é uma tragédia social.

Pela sua clareza, transcrevemos afirmações do Van Zeller, presidente da CIP,  ao Jornal de Negócios:

"Os chineses não querem fazer nada daquilo. Querem é ficar com a patente e outras coisas. Agora é o mundo dos abutres. Vão ali depenicar e apanhar bocados". Para van Zeller, o que vai é acontecer à Qimonda é que aparecerá alguém para ficar com a patente dos semicondutores, "valiosíssima", outro contrata os engenheiros e um terceiro "leva cinco máquinas e fica tudo desfeito". O líder da CIP [que à data desta entrevista desconhecia o interesse eventual de um alemão na empresa] diz que a Qimonda só veio para Portugal por causa da mão-de-obra ser barata e avisa que agora "não tem nenhuma viabilidade".

O governo, pela boca do desastrado Pinho, informa a plebe que a Qimonda vale 5% das exportações para assustar e justificar o seu empenho, sem revelar quanto pesam nas importações os bens incorporados provenientes da Alemanha e que, em Portugal, nada mais se acrescenta que o trabalho, nem todo qualificado. Assim, a valia da empresa, no seu todo só existe pela sua inserção na lógica produtiva do grupo em que se enquadra (que lhe fornecia todos os bens a transformar e lhe adquiria toda a produção), sem a qual pouco vale.

É também trivial o coro da oposição contra o governo e a defesa deste de que fêz e fará tudo o que lhe for possível. Se os protagonistas trocassem os seus papéis, a situação redundaria exactamente como está: uma séria ameaça para 1900 trabalhadores e suas famílias.

A questão Qimonda é sintomática da forma como se tem mistificado a questão do investimento estrangeiro, menosprezado o papel do mercado interno e ignorado a precariedade das vidas dos trabalhadores que, são quase sinónimo de género humano. Também é sintomática a ilusão relativa ao poder e ao papel do Estado nestas questões.

Como funciona o capital no âmbito do investimento estrangeiro

Na realidade, o investimento estrangeiro, sobretudo onde sejam protagonistas empórios multinacionais, envolve várias características processuais mais ou menos típicas mas, não únicas:

  • Negociação prévia de incentivos fiscais específicos para além das benesses genéricas que os Estados oferecem para interessar os capitais estrangeiros, incluindo a mobilização de fundos comunitários e formação, em Portugal, a cargo do IEFP. São intervenientes obrigatórios nestas negociações, entidades governamentais (áreas da economia, das finanças, ambiente, autarquias…), consultores e grandes  escritórios de advogados, como se vem observando no caso Freeport. Em negócios chorudos, são incontornáveis pagamentos de luvas ao partido e aos intervenientes directos, do aparelho central ou da autarquia;
  • Intervenção de agências governamentais para agilizar os processos. Em Portugal existe a API – Agência Portuguesa de Investimentos presidida por um tal Basílio Horta (CDS) que já referiu recentemente, ser a actual situação muito difícil para a captação de investimentos. Como os socratóides não podiam deixar de controlar a API, Basílio não dá um ai sem que se pronuncie o controleiro do PS, um imbecil de nome Gomes da Silva, ministro da agricultura de Guterres, que se celebrizou quando, em plena crise da BSE, afirmou para tranquilizar a plebe, andar a comer mioleira…
  • A escolha da localização é negociada pela API e os autarcas oferecendo estes terrenos, infraestruturas e o que podem para garantir postos de trabalho para os seus conterrâneos. Pelo caminho pode ser aprovado um PIN (projecto de interesse nacional) onde o património ambiental é em regra desprezado, em nome do progresso, da inovação, da criação de riqueza, bla bla....
Toda a gente fica contente por ter empresas gigantescas na localidade, pelo menos até que estas, inopinadamente, decidirem ir embora, deixando um terreno quase vazio e trabalhadores no desemprego e com uma experiência que pouco lhes servirá, pois não encontrarão nas imediações outras empresas do ramo; bons exemplos disso são a Qimonda, em Vila do Conde, a Delphi em Ponte de Sor e, talvez nos próximos anos, a Autoeuropa em Palmela ou a Citroen em Mangualde;

Consideramos interessante abordar a lógica do investimento estrangeiro e das deslocalizações:

  • O objectivo do investimento estrangeiro é, essencialmente, a maximização de uma equação que envolve várias variáveis; apoios públicos, matérias primas, dumping social, laboral, salarial e ambiental e qualificação do trabalho, principalmente. Em termos concretos, isso significa uma pressão a nível global para um empobrecimento e redução de direitos dos trabalhadores e da população em geral, particularmente na Europa, Japão e América do Norte, no sentido de uma aproximação com os padrões da Ásia; porém, aqueles caem mais depressa do que ascendem os últimos. E, dentro em breve o capitalismo poderá concluir que as suas fábricas se deverão situar em África quando este continente oferecer bons parâmetros para aquelas variáveis, que permitam a maximização da tal equação num patamar superior.
  • A complexidade técnica do processo produtivo permite segmentá-lo em várias fases e separar a produção dos diversos componentes, repartindo-a por várias empresas, em locais distintos. Assim, a empresa-sede, distribui a produção e aquisição de peças e componentes por vários locais do mundo, mantendo toda a logística sob seu controlo. A própria produção do bem final pode ser deslocalizada para longe do país da empresa-sede ficando aí o “cérebro” do sistema, isto é, a gestão global, o controlo financeiro, a investigação;
  • Essa segmentação tornou-se facilitada pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação e tratamento da informação. Mas exige enormes investimentos públicos em auto-estradas, plataformas logísticas, portos, para que as mercadorias circulem rapidamente; essa foi a razão para que, logo depois da absorção portuguesa pela UE, os fundos comunitários financiassem tão fartamente esse tipo de investimentos. Nesse modelo, tem ficado, em toda a parte, subalternizado o impacto ambiental dessa hipertrofia do sistema de transportes, cujos danos não são repercutidos no custo das mercadorias mas, socializados, pagos com os impostos e com a saúde de todos;
A total mobilidade geográfica desejada para as mercadorias e para os capitais não é aplicada aos trabalhadores. Hoje, como sempre, o capital sempre considerou os trabalhadores como seus tornando-os objecto de controle, moldáveis às suas necessidades de acumulação; e é para esse efeito condicionador que foram criadas fronteiras, “Schengens”, leis da imigração e leis condicionadoras da mobilidade social e profissional.

  • As empresas fornecedoras do investidor estrangeiro umas vezes pertencem ao mesmo conglomerado multinacional (caso da Qimonda) ou são empresas juridicamente independentes. Neste útimo caso, comum no têxtil do norte de Portugal, os bens intermédios são fornecidos pelo cliente, os prazos, os preços e as condições de pagamento são definidas pela multinacional. Em Portugal, as multinacionais colocam as empresas portuguesas em tal estado de penúria que estas, frequentemente deixam de pagar os impostos e a segurança social, submetendo-se a tudo, para evitar o inevitável fecho, com a conhecida complacência dos governos. Estes, dentro da mesma onda das multinacionais, criam códigos de trabalho para fragilizar, explorar, escravizar os trabalhadores enquanto hipocritamente negam defender o modelo económico dos baixos salários; vistas as coisas deste ângulo reentrámos, subreptíciamente no salazarismo e nas suas corporações, pela mão do “democrático” PS/PSD.
  • O objectivo da redução de custos para a multinacional está sempre presente e a referida repartição do processo produtivo por várias empresas, tanto facilita o controlo de todo o processo produtivo, como retira todo o poder sobre o bem final, a esses produtores de componentes. Quanto maior é a empresa detentora do negócio mais dependentes e fragilizados ficam os seus fornecedores. O caso típico é o da produção automóvel e das muitas empresas especializadas que produzem componentes que, de nada servem se a multinacional os não comprar. Em caso de crise, como a actual, qualquer quebra ao nível da procura final desencadeia uma cascata de dificuldades e falências a montante;
Os capitalistas procuram permanentemente justificar a sua relevância no processo produtivo e promover ideologicamente a sua necessidade junto dos trabalhadores; paralelamente, procuram desvalorizar as capacidades técnicas e de gestão detidas pelos trabalhadores para que estes aceitem a supremacia e o domínio do capital.

  • Ao nível do trabalhador, as lutas são difíceis quando o seu trabalho tem um só comprador que se situa a milhares de quilómetros de distância. Se é aquele também o fornecedor da matéria-prima, a questão ainda se complica mais, como no caso da Qimonda; e se algures existem outras empresas que fornecem o mesmo bem à multinacional, esta em nada se sente molestada se houver uma luta parcelar e localizada. E não são abundantes os casos de concertação entre trabalhadores de vários países, contra uma mesma multinacional. Está-se bem longe dos tempos em que coexistiam numa mesma fábrica, localidade ou mesmo país, os trabalhadores de quase todos os bens necessários à produção de um certo produto final.
  • A pretendida atomização do trabalhador individual estende-se ao seu grupo de trabalho, aos seus congéneres próximos. Para ajudar a esse isolamento o capital, os seus mandarins e media cultivam ou incentivam aos patriotismos, aos nacionalismos mais tacanhos, colocando trabalhadores contra trabalhadores enquanto os accionistas e os gestores das multinacionais gozam o espectáculo. Nesse contexto que ninguém se admire quando se declaram abertamente atitudes xenófobas, emanação fedorenta da diabolização do “outro” que, por sua vez, faz parte da matriz ideológica do fascismo.
  • A complexidade do processo técnico de produção exige uma multiplicidade de componentes, de funções e qualificações específicas aos trabalhadores. E todas elas, componentes e qualificações, só têm, realmente, utilidade pela integração da sua necessária quota parte, na produção do bem ou serviço final; dito de outro modo, o carácter colectivo, social, da produção global tornou-se mais evidente e intenso que nunca e a actual globalização alargou-a na sua escala geográfica.
As qualificações especializadas dos trabalhadores podem servir de pouco quando desligadas da fase específica em que intervêm, na produção de um bem concreto. Se a empresa multinacional que o fabrica fecha, daí podem surgir centenas de trabalhadores com qualificação mas, nem sempre adaptáveis à produção de outras coisas. E, as multinacionais sabem muito bem disso, como sabem que podem pressionar os trabalhadores, para obter maiores lucros, pois as alternativas de emprego não são fáceis de obter.

·    A referida complexidade gerida pelo capital torna a necessária integração das diversas funções desempenhadas pelos trabalhadores, dependente das decisões e interesses do capital, em regra, distintos dos da sociedade humana. E, portanto, o processo produtivo, privatizado, socializado no seio da classe dos capitalistas, acaba por fragilizar a posição dos trabalhadores nas manifestações de antagonismo contra o capital, de emancipação. Daí resulta, no conjunto dos trabalhadores, uma exploração acrescida, uma precarização no âmbito do trabalho e da sua extensão a todas a áreas da vida, conduzindo a uma implícita escravização do trabalhador que, apesar de tudo, se considera livre e é formalmente considerado como livre.

·        A estreita ligação entre os trabalhadores intervenientes na produção de um bem ou serviço concreto é, de facto, uma imprescindibilidade comum, uma solidariedade objectiva e obrigatória. Por outro lado, o crescente nível de conhecimentos residentes nos trabalhadores e na multidão em geral, evidencia que no seu conjunto, na sua interacção e constante conexão, os trabalhadores podem facilmente garantir a produção social, sem as decisões distorcedoras e irracionais dos capitalistas, desligadas do objectivo do bem estar-social, do desenvolvimento harmónico da sociedade humana.

Do ponto de vista da política económica, coisa herética numa época em que somente o que dá vantagens para as empresas tem dignidade, a premência, a prioridade para a entrada de investimentos estrangeiros, a todo o custo, não acautela a sua qualidade, a criação efectiva de trabalho, a entrada de tecnologias incorporáveis no “know-how” dos trabalhadores, a criação de riqueza para a comunidade. Tudo é deixado ao arbítrio dos investidores, sendo estes os abençoados criadores de riqueza, os determinantes do santificado mercado.

No século XVIII, a Inglaterra, empunhando a sua conveniente teoria das vantagens comparativas mandou os portugueses tratar das vinhas do Douro, em ambiente sadio, assumindo ela a brutalidade e a poluição da produção industrial, provavelmente como penitência imposta pela doutrina calvinista. Bem ou mal, Portugal tinha uma especialização produtiva, embora geradora do subdesenvolvimento; porém, hoje, não há especialização, nem desenvolvimento.

O mandarinato fala muito da dependência portuguesa da exportação e que só esta podem levar à redenção. Ora para se vender “lá fora” é preciso ser competitivo e, para esse fim, o mandarinato frisa a fulcral importânica dos custos salariais, embora os trabalhadores no seu conjunto sejam uns seres pouco recomendáveis quando comparados com os diligentes e laboriosos empresários, esquecendo-se de referir a histórica incapacidade técnica e de gestão dos capitalistas lusos.

Se as exportações portuguesas para Espanha caíram 27,5 por cento até Novembro e se a Qimonda, em toda a sua precariedade representava 5% das exportações, alicerçar o desenvolvimento e a produção de riqueza nas vendas ao exterior, sacrificando o poder de compra da multidão a esse objectivo é criminoso e suicida.

Sumária avaliação do investimento estrangeiro em Portugal

Vejamos agora alguns dados caracterizadores do investimento estrangeiro (IDE), divulgados pelo Banco de Portugal, através da comparação entre vários indicadores médios relativos aos periodos 1996/2001 e 2002/2008 (até Novembro)

Em termos globais, nos últimos anos, o registo da entrada de meios financeiros associados ao IDE tem estabilizado em cerca de 30000 M euros e, como a saída anual se cifra em torno dos 25000 M euros, o saldo, em termos financeiros, de balança de pagamentos, exprime-se apenas em 1 euro por cada 6 euros entrados para investimento.

Aqueles valores, porém, devem ser reavaliados na sua dimensão e significado. E isso, porque na entrada de fundos, como na saída, pesam sobremaneira os empréstimos de curto prazo e os seus reembolsos relativos, na maioria, a créditos comerciais que, realisticamente, se não podem considerar verdadeiros investimentos ou desinvestimentos mas, antes operações relativas a fundo de maneio. A sua importância relativa tem aumentado, como se pode verificar adiante, ultrapassando nos últimos anos, mais de metade do que o Banco de Portugal classifica de IDE

                              Empréstimos de curto prazo (% no total)

Empréstimos
Reembolsos
1996/2001
44,9
57,9
2002/2008 (Nov)
50,1
60,5




Por outro lado, no total do IDE inclui-se, naturalmente, o reinvestimento de lucros, o que pode constituir, de facto, um reforço do investimento estrangeiro mas, sem corresponder a uma entrada real de valores em Portugal. O seu quantitativo médio no periodo 2002/2008 (Nov) equivale a 10,2% das entradas registadas de IDE, contra 12,9% no periodo anterior aqui considerado.

Sem esquecer o que se referiu nos parágrafos anteriores e que diminui drásticamente o significado dos valores tomados como IDE, a repartição por sector de actividade do seu total, bem como das saídas de capitais relacionadas, fornece os seguintes elementos:
                                                                                                                         
                % do total

Indústrias extract. e transform.
Comércio, restaur. e hotelaria
Construção, Imobil. e serviços às empresas
Outros sectores
ENTRADAS DE CAPITAL (IDE)
   1996/2001
40,3
23,1
23,2
13,5
2002/2008 (Nov)
30,5
27,1
27,8
14,6
SAÍDAS DE CAPITAL
   1996/2001
51,6
21,9
16,5
10,0
 2002/2008 (Nov)
35,0
34,7
20,7
9,6

No capítulo do IDE, como se denota há um claro reforço de áreas que visam essencialmente a colocação em Portugal de bens ou serviços produzidos no exterior ou, o aproveitamento das facilidades concedidas aos projectos imobiliários. No seu conjunto, estas actividades não são tecnicamente grandes introdutoras de novas tecnologias, factor sempre muito referido pelo mandarinato.

A indústria, potencialmente o sector mais carenciado de novas tecnologias e onde o seu impacto melhor se faria sentir, decai nitidamente entre os dois periodos cotejados; e, na verdade, não se denota por aqui se o IDE na indústria traz consigo condições para uma melhoria das capacidades produtivas ou, se se trata de um simples aproveitamento de trabalho barato.

Quanto às saídas de capital, a indústria, apesar da redução do seu peso no total, manifesta a tendência europeia para a desindustrialização, a despeito dos baixos salários pagos em Portugal. O elevado crescimento da saída de capitais investidos no comércio e hotelaria revelará que a atrofia do mercado interno ajuda à concentração das actividades distribuidoras em Espanha. Uma tendência semelhante poderá observar-se no imobiliário e nos serviços, mormente nos últimos.

O saldo entre os fluxos financeiros de entrada (IDE) e saída de capitais relacionados com o investimento estrangeiro, para os dois periodos estudados evoluem positivamente, de 3,5 M euros para 4,2 M euros. Os contributos percentuais dos principais sectores de actividade para aqueles valores contudo, não são portadores de boas notícias:
                                                                                                                                                       %

Indúst extract. e transform.
Comércio, restaur. e hotel.
Constr, Imobil e Serv às empresas
Intermediação financeira
1996/2001
- 1,3
28,2
49,5
10,8
2002/2008 (Nov)
3,2
-19,5
73,3
20,7

As saídas e entradas de investimento na indústria quase se equilibram e, no comércio, poderão as causas do saldo negativo estar relacionadas com a concentração em Espanha da distribuição para a Península (tomada como mercado único pelos capitais externos), sobretudo nos


tempos mais recentes, de perda de peso relativo do mercado interno português, como fruto da anémica conjuntura.

Particularmente relevante é que o referido saldo positivo global dependa em exclusivo do facto de haver mais investimento externo no imobiliário, nos serviços às empresas e na intermediação financeira; o que revela bem quais os sectores que em Portugal são atractivos para o capital estrangeiro. Coloca-se desde logo a questão se ser atractivo para o capital estrangeiro constitui forçosamente um benefício para os trabalhadores, para a criação de empregos ou a melhoria das capacidades produtivas; o que não parece constituir.

Note-se ainda que o ratio entradas (IDE)/saidas passou de 1,29 em 1996/2001 para apenas 1,17 no periodo seguinte, o que revela um evidente estreitamento do excesso de IDE face às saídas de capital, onde se inclui o desinvestimento.

Dizer que a estrutura produtiva portuguesa apresenta características muito penalizantes, no contexto do formato para a criação de riqueza,  montado pelos padrões neoliberais, é uma afirmação com vasta concordância. Com as adequações e equiparações necessárias (cuja explicitação não faremos aqui, por economia de texto mas, que disponibilizaremos a quem o solicitar) procedemos à comparação da estrutura média do IDE em 2002/2008 (Nov) com a do emprego nas actividades essencialmente privadas (Anuário Estatístico 2007, INE) e obtivemos as seguintes conclusões, que dispensam comentários:

  • 34% do IDE destina-se a actividades financeiras ou imobiliárias e serviços às empresas que representam apenas 10,6% do emprego em 2006;
  • A construção, a agricultura e a pesca que representavam, em conjunto, 29,1% do emprego em 2006 somente atraem 1,5% do IDE no periodo 2002/2008 (Nov)
  • A indústria extractiva ou transformadora que ocupa 23,8% do emprego constituiu o destino de 31,5% do IDE no periodo referido.
Por outro lado, a comparação da estrutura do IDE com a criação sectorial de valor acrescentado (VAB) ou a parcela neste último dos salários, mostra que:

  • Em 2006, as actividades financeiras ou imobiliárias e serviços às empresas que atraem 34% do IDE são aquelas onde a capitação do VAB é mais elevada (excluida a produção de electricidade), com 118 e 59 mil euros, respectivamente, comparando com 25 mil para o total dos sectores essencialmente privados: por outro lado, a parcela dos salários no VAB daquelas duas actividades é de, respectivamente, 40 e 27% contra 50% para o total dos sectores essencialmente privados;
  • Por seu turno, as indústrias, contituem um atractivo aliciante para o capital estrangeiro (31,5% do IDE) por razões que se prendem com as baixas remunerações médias (13500 euros anuais), pese embora a elevada parcela dos salários no VAB (64%)
A comparação da referida estrutura sectorial do IDE para o periodo 2002/2008      (Nov)   com a estrutura do FBCF global das diversas actividades, evidencia diferenças claras:
  • A indústria, se no IDE representa 31,5% a nível global, na FBCF apenas absorve 16,4% do total das actividades fundamentalmente privadas. Se o capital em geral investe na indústria num contexto de distribuição internacional da produção, a burguesia portuguesa, prefere outras actividades, mormente as subtraidas à concorrência externa, em situação de oligopólio, ou o investimento industrial no exterior, numa manifestação da hierarquia própria do capital; a Alemanha pode investir em Portugal e na China, por exemplo mas, dificilmente o capital industrial português se instala na Alemanha. Nesse contexto, recordemos que Ilídio Pinho se desfez do seu património industrial e se tornou rentista, sendo essa também a principal fonte de riqueza de Berardo; e que na conhecida Sonae, a actividade industrial que lhe deu o nome (Sociedade Nacional de Estratificados) é hoje, marginal, cedendo o passo ao imobiliário, à distribuição retalhista e às vulgares telecomunicações.
  • Se em Portugal a FBCF no comércio e hotelaria apenas corresponde a 8,7% do total dos sectores essencialmente privados, no IDE essas actividades absorvem 28% do total. Como atrás se disse, tal representa a necessidade do capital estrangeiro em estabelecer pontes para a colocação da sua produção e, em menor escala, para o encaminhamento de exportações portuguesas
  • As actividades imobiliárias e de prestação de serviços às empresas,  compreendem o principal destino da FBCF global dos sectores vocacionalmente privados (39,8%) revelando-se assim a sua conhecida preferência por actividades menos submetidas à concorrência exterior ou especulativas. No IDE, esses sectores são também muito relevantes (27,4% do total) mas, perdem peso específico dada a importância manifestada pela indústria e o comércio.

Rendimentos do investimento externo

A avaliação da contabilização dos rendimentos do investimento estrangeiro na balança de pagamentos revela o grau de subalternidade do capitalismo português. O volume dos lucros das empresas estrangeiras em Portugal, saídos para remuneração dos seus accionistas, apesar das entradas de fundos provenientes do exterior para remunerar capitalistas portugueses, traduz-se numa perda líquida de riqueza para o país, situação que se repete ano após ano.  

             Valores anuais médios em M euros

1996/2001
2002/2008 (Nov)
ENTRADAS DE CAPITAL – lucros provenientes do exterior
496,9
1891,0
SAÍDAS DE CAPITAL – lucros gerados em Portugal
1431,8
3317,2
Entradas/Saídas (%)
35,1
54,7
SALDO
-935,0
-1426,2
    Em % do PIB
0,85
0,97

Porém, a saída de capitais a título de dividendos não corresponde a todo o volume de lucros registados pelos investimentos estrangeiros em Portugal; uma outra fatia é constituida por lucros reinvestidos, incorporados no capital social ou nas reservas das suas sucursais portuguesas. O quadro seguinte mede o significado conjunto e a evolução dessas duas parcelas dos lucros dos investimentos estrangeiros em Portugal, comparativamente ao PIB.
                                                                                                            M euros

1996/2001
2002/2007
Variação (%)
PIB médio (preços correntes)
110.113
147.722
+34,16
Lucros totais
2.990,9
5.987,1
+100,18
     Lucros  reinvestidos
1.559,1
2.833,1
+81,72
     Lucros saídos de Portugal
1.431,8
3.153,9
+120,27
Lucros totais (% PIB)
2,72
4,05


Sublinhe-se, em primeiro lugar que a dinâmica dos lucros gerados pelas empresas estrangeiras é várias vezes superior à observada para a criação de riqueza em Portugal.

O peso dos lucros reinvestidos em Portugal no total tem vindo a reduzir-se, passando de 52,1% para 47,3% nos dois periodos considerados, devendo ainda registar-se a sua quebra abrupta em 2005/2007 para valores abaixo dos 45%. Refira-se que no Brasil, as empresas estrangeiras são obrigadas a reinvestir no país pelo menos 70% dos seus lucros.

O significado desta tendência é claro. À medida que a recessão se vem arrastando como fruto das debilidades estruturais de Portugal, os capitais estrangeiros instalados aumentam a parcela dos seus lucros aí gerados exportados para o exterior. De outro modo, Portugal vai decaindo na hierarquia das preferências do capital internacional.

Note-se, para efeitos de comparação que o volume dos lucros realizados pelos investidores externos em Portugal supera nitidamente os valores do tão badalado deficit (agora muito menos, pois é preciso acudir aos bancos, apoiar as empresas, pagar dívidas…).

A entrada de tecnologia

Na sua globalidade, a balança tecnológica manifesta-se positiva nos dois últimos anos, invertendo uma longo registo anterior de saldos negativos, em virtude do crescimento da exportação recente de tecnologia no campo das energias renováveis… que, contudo cá, marcam passo na sua aplicação para não molestar os interesses das petrolíferas e da EDP.

Das componentes da balança tecnológica, a que inclui direitos de aquisição ou utilização de patentes, marcas ou similares é bastante negativa (134 M euros em 2007). Naturalmente que estes valores não derivam linearmente do investimento estrangeiro mas, sobretudo do deficit tecnológico das empresas portuguesas, da sua incipiente capacidade de criar tecnologia, da sua elevada dependência do exterior.

Apesar da propaganda sobre a vinda de tanta tecnologia atrelada ao investimento estrangeiro, os governos talvez devam explicar porque é que os pagamentos pela importação de direitos aquisição ou utilização de patentes, marcas ou similares se mantêm praticamente estagnados há muitos anos com 259,5 M euros anuais no periodo 1996/2001 e 297,6 em 2002/2008 (Nov).

Um processo de desenvolvimento numa economia atrasada envolve a incorporação de tecnologias no processo produtivo. Se as  importações de tecnologia não apresentam grande crescimento será porque os bravos empresários portugueses, nos seus centros de investigação empresariais (?) desataram a desenvolver tecnologia para substituir as importações? Se as  importações de tecnologia não apresentam grande crescimento será porque os investidores estrangeiros aqui instalados se esqueceram da tecnologia no bornal (a não ser direitos de utilização de marcas que, em rigor não são tecnologia nenhuma)? Ou então, condoídos com o atraso nacional, oferecem-na sem contrapartidas…

O destacado saldo negativo e a relativa estagnação das importações de tecnologia revelam sobretudo o bloqueamento do reforço das capacidades produtivas do tecido empresarial português e que o investimento estrangeiro tende a ficar mais associado a actividades pouco incorporantes de tecnologia, como atrás se referiu.


25/2/2009

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