Reproduzimos aqui, mais abaixo, um texto sobre a escalada repressiva em curso, elaborado pelo colectivo Casa Viva.
Juntamos-lhe
ainda um facto, a apreensão de vários exemplares de um livro com a reprodução
de uma pintura de Gustave Courbet, datada de meados do século XIX, que retrata
uma mulher nua.
A
polícia que, entretanto já devolveu os livros, temia discussões e desacatos
entre os apoiantes e adeversários da exposição pública do livro, devido à sua
capa. Não acreditamos que um cabo de esquadra seja o cérebro da acção policial;
e gostariamos de saber que sensibilidade tão apurada soprou ao ouvido dos
polícias para intervirem daquela maneira que, se não fosse idiota seria
desastrada e, não sendo só desastrada será também premonitória. O programa
repressivo segue dentro de momentos.
Entretanto,
aconselhamos os frequentadores de praias de nudismo, a ir para Carcavelos e
utilizadoras de calças descaidas, decotes ousados e mini-saias a encomendar
"tchadors" e "burkas"
Mordamos-lhes os calcanhares!
A 6 de Dezembro de 2008, em Atenas, Grécia,
um agente da autoridade baleou mortalmente um puto de 15 anos. Alegou
auto-defesa. A 20 de Dezembro, como resposta ao apelo duma universidade da
capital helénica, colocamos, na fachada da CasaViva, o nº. 167 da Praça da
Marquês, uma faixa a dizer "o estado criminaliza, a imprensa aponta, a
bófia dispara! Hoje Grécia, amanhã...". Alegamos solidariedade erepúdio
pela violência policial.
No dia 4 de Janeiro deste ano, à noite, um
agente da portuguesa PSP matou, na Amadora, também a tiro, um outro puto, este
de 14 anos. Alegou que disparou a dois metros em auto-defesa. A primeira
alegação parece ter sido desmentida pelas peritagens e, também por isso,
são-nos permitidas sérias dúvidas sobre a credibilidade da segunda, levantadas
já, aliás, pelos comentários feitos por quem conhecia a vítima do disparo
policial.
No dia seguinte, 5 de Janeiro, pelas 15h00,
a mesma PSP, que não os mesmos agentes, retirou a faixa do 167 da Praça do
Marquês, no Porto. Alegou que incitava à violência. Talvez tenham julgado que o
seu colega da Falagueira, o tal que disparou a matar sobre o tal puto de 14
anos, considerou a faixa como uma inspiração e que, depois de ver o Estado a
fazer leis que protegem os privilegiados e que criminalizam a pobreza, depois
de ver as televisões a apontarem, não aos que têm de mais, mas aos que nada
têm,acabou por ver na faixa a luz que iluminava o caminho a seguir.
Não nos parece. Acreditamos, antes, que, por
azar, a faixa acabou por se revelar premonitória e colocou o dedo na ferida. Na
Grécia, está, ainda neste momento, a acontecer uma revolta popular que junta
estudantes, jovens com contratos e vidas precárias, trabalhadores explorados e
cidadãos que, por serem doutro país, são considerados de segunda. Nas ruas, nos
locais de trabalho e nas escolas, há milhares
de pessoas que dizem Basta! a um sistema que
se baseia no dinheiro, no lucro e na propriedade e tentam inventar novas formas
de organização que lembrem sempre que, no topo das prioridades, têm que estar
as pessoas e o planeta que lhes permite viver. No entanto, os jornais e as tvs,
que, não por acaso, são propriedade dos mesmos que a revolta grega contesta,
limitaram-se a passar notícias e imagens de motins, remetidas para a prateleira
da "violência sem justificação".
Enquanto assim foi, o Estado podia
permitir-se respeitar o direito à livre expressão. Até que as coisas
descambaram assim que surgiu uma situação em que essa liberdade podia levar
alguém a efectivamente pensar e pôr em causa esta merda de mundo em que se diz
que todos nascem iguais, quando, na realidade, a maioria vem ao mundo condenada
à mais abjecta miséria, para que alguns possam nadar no meio da mais
pornográfica opulência.
Os poderosos, nome genérico com que
pretendemos representar todos os que são responsáveis e beneficiários da
organização económica e social da humanidade, sabem que o seu modelo, ao levar
tão longe a exploração, está prestes a atingir um ponto de ruptura. E percebem
que, depois de séculos de espezinhamento, uma grande parte da população não é
mais do que vapor de água numa panela de pressão. Na tentativa desesperada de
conter as águas e manter tudo como está, acham que já não chega manipular as
opiniões, através do controlo dos meios de comunicação. É preciso cortar pela
raiz qualquer tentativa não institucional de dissidência e resistência.
Este início de 2009, com uma carga
repressiva pouco habitual, é sintomático. Para além dos episódios já referidos
do assassinato na Falagueira, Amadora, e da censura da faixa na CasaViva, há
ainda a acrescentar, pelo menos, mais dois no Porto e um terceiro em Almada.
O primeiro, o julgamento de pessoas
envolvidas numa manifestação contra a alteração das carreiras e dos horários
dos autocarros da STCP. Quando não se consegue criminalizar o acto de
protestar, arranjam-se esquemas para criminalizar as pessoas, alegando-se que a
licença para protestar não foi pedida em tempo útil. Demonstrando como, nesta
democracia, protestar contra uma decisão da administração da STCP que não tem
em conta os utilizadores dos transportes é menos legítimo do que essa própria
decisão.
O segundo, a transferência do julgamento de
activistas pelos direitos dos migrantes para um tribunal potencialmente mais
"duro", fazendo com que a moldura penal possa ir de 2 a 8 anos de
cadeia. Isto, lembremos, por terem decidido que foram os actuais arguidos os
responsáveis por um panfleto onde se denunciava a atitude racista do então
director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Porto. Demonstrando que, nesta
democracia, uma denúncia sobre práticas racistas é menos legítima do que essas
próprias práticas.
Por fim, quando alguns almadenses decidiram
sair para a rua a exigir que um determinado espaço pedonal fosse efectivamente
respeitado como tal, a polícia, sem ter havido qualquer tipo de provocação,
começou a carregar indiscriminadamente, ferindo pessoas, ameaçando outras,
pondo-as em perigo a todas. Demonstrando, enfim, que, nesta democracia, a
polícia se parece muito com a de outros tempos, a polícia é quem mais ordena.
A liberdade de expressão, tal como todas as
outras liberdades, só é respeitada desde que não ponha em causa a paz dos
poderosos, em que andamos todos a tentar comer-nos uns aos outros para ver quem
apanha mais migalhas da refeição dos gajos lá de cima. Nesta altura em que até
as migalhas já são poucas, está na hora de lhes mordermos os calcanhares, para
que percebam que a refeição não é só deles e é para ser bem dividida de forma a
dar para todos. Vão mandar a polícia impedir-te de os ferrares. Insiste! Se se
sentirem apertados, pode ser que até te ofereçam da sopa. Mas, ainda assim, não
vão querer partilhar o conduto. Há que lutar até que o tomemos! Para todos!
25/2/2009
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