quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

BPN - exemplo prático do que é o capitalismo

«Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo Americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que os seus pais conquistaram.»                                         Thomas Jefferson, 1802

Dito de outra forma, os bancos são uma espécie de gangrena que só a amputação resolve. Ou, como os ácaros que estão em toda a parte; Deus também mas, esse não chateia.

Os factos

No dia 2 de Novembro, na paróquia lusa, a crise financeira internacional passou para segundo plano, com nacionalização do BPN – Banco Português de Negócios, nome aliás muito adequado às práticas da instituição… negócios. Sobre esse facto, pretendemos anotar as seguintes questões:

  1. Como é inquestionável, o descalabro do BPN estava à vista há bastante tempo e evoluiu independentemente da crise dos mercados desencadeada pelo “subprime” americano. No contexto daquela crise o governo Sócrates propôs-se (14/10) entrar no capital dos bancos com dívidas e cavalgou a onda das intervenções dos Estados na banca para, de boleia, justificar a nacionalização do banco;
  1. Não acreditamos que seja por estupidez que o governo não nacionalizou todo o grupo SLN – Sociedade Lusa de Negócios, onde se inscrevia o BPN, passando a controlar todas as empresas (cerca de 200). Cortado o cordão umbilical com o BPN, o grupo SLN poderá desfazer-se, aumentando a parcela de mal-parado no BPN (já nacionalizado), seu principal credor, que ficará “a arder” e acrescentando mais 4500 desempregados à lista do Vieira da Silva. E dá margem a todas as manobras dos seus accionistas, para se servirem do que sobrar até fartar; no fim do festim estará a CGD para pagar o banquete e os estragos. Cautelarmente, a CGD já foi buscar os 85 quadros de Miró, para garantir o seu empréstimo de 200 M euros. Os accionistas do BPN porventura, sentir-se-ão confortados por a CGD ter colocado na administração do BPN, Norberto Rosa, ex-secretário de estado do Durão;
  1. A tese da salvaguarda do dinheiro dos depositantes para justificar a nacionalização é falsa, pois para situações de falta de liquidez existe o Fundo de Garantia. Antes da nacionalização já a CGD havia colocado no BPN 200 M euros para assegurar a liquidez, prejudicada pela fuga de grandes depositantes (empresas e empresas da área financeira, até então atraídas pelos altos juros pagos pelo BPN e que de 6 a 10 de Outubro levantaram 350 M euros). Entre os fiéis ao BPN encontra-se o impagável Cavaco, dito pelo próprio, sem que ninguém lhe perguntasse ou isso fosse relevante;
  1. Outro argumento governamental foi o perigo de uma crise sistémica. Isso desmente o Teixeira dos Santos quando, a propósito da crise internacional afirmou ser a banca portuguesa muito sólida; se assim é, então o 11º banco presente em Portugal, com 2% dos activos totais pode afectar um sistema tão sólido, com a sua derrocada?
  1. De facto, a solidez da finança lusa deixa muito a desejar por mais vários motivos:
    1. Passam a ser exigidos ratios de solvabilidade de 8 a 10% a todos os bancos quando o BdP até agora só vinha exigindo 4%! Mais astutos e para satisfazer as empresas de “rating”, os banqueiros até tinham ratios de 6 a 7%, muito acima do exigido pelo distraído Constâncio. Para atingirem aqueles patamares de solvabilidade, a CGD, o BCP, o BES e o BPI vão ter de angariar 2300 M euros;
    1. O compreensivo Estado disponibiliza 4000 M euros aos bancos para a melhoria da solvabilidade, com um juro mínimo de 8% condicionado ao controlo das políticas de dividendos e de remunerações aos administradores, em troca de acções sem direito a voto. A ideia é acompanhar o reforço dos outros bancos, apoiados pelos respectivos Estados. Se os sólidos banqueiros portugueses não quiserem podem recorrer aos fundos soberanos (os árabes emprestam a 14%, sem condições). Em contrapartida, as pessoas normais que recorrem ao crédito só podem submeter-se às regras do mercado, do “euribor” e do “spread” dos agiotas nacionais e o Estado apenas os desajudou, anos atrás, acabando com as bonificações. Ser banqueiro tem, portanto, muitas vantagens… para quem disso se não tenha apercebido;
    1. Já em 12/10 o governo anunciou a possível concessão de garantias aos bancos no valor de 20000 M euros para que eles se pudessem refinanciar no exterior, como é habitual, uma vez que a poupança nacional desaparece nos bolsos dos bancos internacionais que financiam Portugal ou em contas abertas em “offshores”, dos esforçados e patriotas empresários portugueses;
    1. Em todas estas medidas fica bem claro que o objectivo da intervenção do Estado é apoiar os banqueiros. Cremos que Sócrates e Teixeira dos Santos se esqueceram de incluir nas contrapartidas formas de apoio às pessoas, como por exemplo, taxas de juro mais baixas;
    1. O Banco Efisa, do grupo BPN, não é nacionalizado e é notória a sua fragilidade depois de separado do BPN pois, sendo banco de investimento, não tem balcões abertos por aí, a colher poupanças;
    1. O Banco Privado Português dedica-se ao negócio obscuro de “gestão de fortunas”, não recebendo depósitos nem concedendo crédito, nada tendo, na realidade, de banco. A actividade do “banco” é canalizar para “off-shores” dinheiro dos seus 3000 clientes para aplicação em títulos de alto risco nas bolsas internacionais o que, está bem de ver, é um “investimento”. Nessas contas “off-shores” o banco é minoritário e procede à gestão sendo os seus clientes, maioritários. Dadas as perdas de 400/500 M euros o banco canalizou para lá dinheiro descapitalizando-se e sem poder evitar grandes perdas aos seus estimados clientes.
Com um capital de 150M de euros e dívidas de 1400M o banco estaria falido mas, o incansável Constâncio conseguiu que os grandes bancos da paróquia emprestassem 700 M de euros ao BPP para evitar que toda a banca portuguesa fique mal vista “lá fora”, tendo de pagar juros mais altos. O que faz correr Constâncio não é a ingestão de “red-bull” mas, a pressão dos grandes clientes e accionistas do BPP, em pânico. Entre os seus accionistas contam-se Steffano Saviotti, Balsemão (o nº 1 do PSD), Diogo Vaz Guedes da Somague e do Compromisso Portugal, a FLAD, onde pontifica Rui Machete e ainda Joaquim Coimbra (PSD, da comissão política do Menezes) também accionista de relevo no grupo SLN/BNP, demonstrando-se assim que um certo mundo é pequeno;

    1. O BCP que saiu da ribalta obscurecido pelo caso BPN está em má situação e, só num ano, as suas acções desvalorizaram-se cerca de 70%, mostrando como são negativas as perspectivas do “mercado”. Ao que parece os seus barões continuam sem sofrer grandes incómodos, para além do desgaste em descobrir como gastar as suas pornográficas reformas e indemnizações.

O funcionamento do “mercado”

O comprometimento de Constâncio com “determinado” funcionamento das instituições é normal, e é válido para quem assumir o seu cargo, quem quer que seja. Talvez por isso um governador do BdP é principescamente pago.

No sistema financeiro pululam vigaristas de alto coturno, cheios de dinheiro para comprar silêncios ou gritarias mediáticas; para pagar bem a advogados bem relacionados; para enformar a produção legislativa, mormente na área fiscal.

O campo de actuação do regulador BdP é a área mais sensível e poderosa do capital – o capital financeiro – que domina a economia global e o mandarinato aos mais elevados escalões. Por isso, é evidente a penetração do Estado por elementos aí destacados pelo sistema financeiro e a cooptação por este, de mandarins bons conhecedores das altas estruturas dos partidos do poder.

Os banqueiros sempre gostaram de ser discretos e detestam a publicidade dos seus negócios, particularmente das suas trafulhices. E quando querem publicidade chamam um, dos muitos servis plumitivos que empestam os media e que logo se sentem como que ungidos pelo Senhor (leia-se capital). Por isso, o BdP é sempre discreto e procura limitar a sua notoriedade aos comunicados e análises regulares sobre o estado da economia ou, melhor, sobre a economia que interessa divulgar pelo governo.

No caso de outros reguladores mais ou menos inúteis para a multidão (Anacom, Erse, Autoridade da Concorrência, etc), a sua actividade também se pretende discreta. Inversamente, a pândega ASAE até gosta da aparecer nos jornais, contente por ter apanhado um restaurante com uma casca de batata no chão da cozinha.

Por outro lado, sendo poucos, os banqueiros conhecem-se muito bem uns aos outros e às várias instituições pautando a sua actuação por uma acesa concorrência subordinada a um acordo basilar de salvaguarda do sistema que lhes permite enriquecer a todos.

Em lugar cimeiro do sistema financeiro português encontra-se Vítor Constâncio ao qual já por diversas vezes nos referimos, nunca por boas razões. Aliás, quando um mandarim toma uma medida acertada, que favorece a multidão, entendemos não bater palmas pois é para esse efeito que eles devem usar os seus cargos, não devendo, portanto merecer comentários; a não ser em casos muito especiais, que revelem particular mérito. Devemos antes, acentuar a nocividade da sua actuação que, infelizmente, é mais regra que excepção.

Manter ou não Constâncio é irrelevante. Reparem que a Ferreira Leite não pede a sua cabeça, até porque foram colegas durante muitos anos no ISEG e, em contrapartida Portas, que nada tem a perder, esganiça-se contra o sacerdote. Sócrates não quer assumir que o seu lugar-tenente Teixeira dos Santos também tem altas responsabilidades nos temas do momento. Demitir Constâncio (PS) e manter Teixeira dos Santos (PS) e Carlos Tavares da CMVM (PSD) seria injusto e cheiraria a assado de bode expiatório, fragilidade ou cobardia política.

Constâncio será um mau palhaço mas, o circo não é dele; foi elevado ao sumo-sacerdócio mas, não é o profeta que criou a religião da alta finança. E, como o circo é mau, ele tem de entreter a plateia com infantilidades tais como:

  1. Colocar supervisores em cada banco é ridículo independentemente de só haver 60 pessoas na supervisão do BP, para “controlar” 320 instituições financeiras. Os felizes contemplados com o banco X vão observar os documentos que lhes derem, ouvir o que lhes quiserem contar e, naturalmente, não vão ter acesso aos computadores portáteis com acesso ultra-secreto onde figura a contabilidade paralela (como apurado no BPN), nem à informação fundamental do negócio. Quando estoirar um escândalo (porque algum invejoso decidiu bufar para a imprensa, por exemplo), os supervisores dedicados ao banco X serão acusados, no mínimo, de incompetência e os seus directores e governadores lavam daí as mãos, contribuindo até para as acusações aos técnicos. O sacerdote, vistas as coisas deste ângulo, continua a querer safar-se de responsabilidades.
  1. Constâncio não reage a rumores porque convém que seja surdo que nem uma porta. Mas, há rumores e rumores e, em alguns casos abriu investigações com base em denúncias anónimas. A qualquer supervisor compete ordenar investigações, sempre que o entender e, no caso do BPN era do conhecimento público que havia irregularidades. Por outro lado, a PGR quando detectou irregularidades em 2007 relativas ao Banco Insular e que eram laterais ao seu objectivo, deixou essa informação na gaveta? Não informou o regulador BdP? E se informou, porque não actuou Constâncio?
  1. Ao que parece, a norma na supervisão do BdP, durante muitos anos dirigida pelo administrador António Marta (PSD), era mandarem umas cartinhas bem educadas a pedir elementos e hibernar, em seguida, meses, à espera de resposta. Rotina em que casavam bem a inércia de burocratas com os interesses da poderosa alta finança.
Porque não foram lá directamente buscar a papelada comprometedora? Com a demora dão tempo a que gente pouco escrupulosa falsifique ou desencaminhe documentos, como é óbvio.

Para se mostrar as profundas diferenças de actuação, referimos que, anos atrás, entraram num grande banco alemão, bem cedo pela manhã, 200 (duzentos) quadros das finanças, cada qual dirigindo-se a um local preciso dentro da instituição, suspeita de movimentações ilegais de capitais.

  1. A Operação Furacão foi desencadeada em 2005 e vem criando um volumoso espólio de documentos e apuramentos de factos ilícitos, mormente de índole fiscal. Entre as muitas empresas envolvidas, o BPN é um elemento destacável tendo-se descoberto no Parque das Nações um apartamento de luxo cheio de documentos e a referência a 90 contas “off-shore”; porém, só em 2007 é que o BdP conhece a situação do BPN e para mais, de forma quase casual através do banco central cabo-verdiano que veio a referir a existência no país de bancos “off-shore” da CGD, do BES, do Montepio, …? Acredite quem quiser que o BdP de nada sabia.
  1. Convém, no entanto, a propósito de reguladores, ter em conta que o criminoso é sempre mais criativo que o polícia. O legislador e os reguladores são essencialmente reactivos e, quando descobrem um esquema de fraude ou vigarice têm por garantido que existem potenciais criminosos a congeminar como se poderão adaptar perante os conhecimentos ou procedimentos dos “defensores da lei”. Quando se trata da alta finança, a sua interpenetração com o poder político, os meios técnicos e financeiros que possuem, garantem-lhes, não só a concepção das regras, como ainda a forma de as tornear.
Os figurões do BPN

Num país menos mafioso a nacionalização teria sido acompanhada da prisão preventiva dos facínoras. Não foi assim, ou não fora Portugal um dos países mais corruptos da Europa ocidental, Sócrates o xico-esperto que sabemos e Teixeira dos Santos o pior ministro das finanças, de acordo com o Finantial Times. Recordamos que, em Espanha, no passado, o primeiro-ministro Felipe Gonzalez, também “socialista” nacionalizou o grupo Rumasa e pôs, de imediato na cadeia, o seu responsável, Ruiz Mateo.

Oliveira e Costa, a cabeça do polvo (PSD)

Depois de buscas policiais às suas casas muito estranharemos que lá encontrem peças importantes para o incriminar, uma vez que ele, não sendo parvo, já terá tido todo o tempo necessário para se desfazer de tudo o que seja comprometedor. Com aquilo que saberá de figuras gradas do PSD e do dinheiro que distribuiu por esses áreas do espectro político, deve estar tranquilo e seguro de que nada se apurará de concreto; ou talvez encontrem um Bibi para assumir as culpas, daqui a uns dez anos. Não nos parece é que Oliveira e Costa venha a ser esse Bibi, embora tenha ficado preso desde 21 de Novembro; se o soltarem, sabemos que a mansão do Vale e Azevedo, em Londres tem lá lugar reservado. Porém, a prisão até poderá ser uma forma de encontrar o ambiente menos desfavorável para a sua saúde a não ser que algum amigo lhe mande um bolo adoçado com raticida.

Não fora o capitalismo uma escola de ausência de virtudes e muito nos espantaria que tivesse assumido as responsabilidades que teve no sector bancário. De facto, como comissário dos Assuntos Fiscais por indicação de Cavaco, em 1990, brilhou quando perdoou várias dívidas fiscais, entre outras, à Metaltorres, 350 000 euros à Caves Aliança e 1,2 M euros à Cerâmica Campos que, por coincidência se situa na terra dele (Esgueira-Aveiro). Para o efeito chamou a si os processos ao seu gabinete, prescindindo do parecer técnico da DGCI.

Na ocasião, reconhecendo o carácter humanitário de bom católico deste Costa, a investigação, conduzida por Rui Machete (PSD), actual presidente do Conselho Superior da SLN, ilibou-o. Nos desagravos ao benemérito participaram duas graciosas flores chamadas Gilberto Madail e Marques Mendes, ambos do PSD, naturalmente.

Porque o ar estava pesado, em 1992, foi arejar para o Luxemburgo, para o BEI- Banco Europeu de Investimentos, como controleiro dos financiamentos aos países da então CEE, lugar de muita importância para Cavaco, sedento de fundos comunitários para distribuir das formas que sabemos (arremedo de formação profissional e betão).

Em 1994 cai na AR, depois no Finibanco e, em 1998, no BPN onde reina até princípios deste ano quando o naufrágio estava à vista. Como é que um Estado dito de direito permite que um indivíduo tão chamuscado possa assumir a direcção de um banco e gerir dinheiro alheio de modo tão capcioso?

A Deloitte descobriu que pouco antes da nacionalização havia perdas associadas ao BPN de 332 M euros, dos quais 120 M relativas a empresas do grupo e ainda 407 M euros detectados no célebre Banco Insular, num total superior a 700 M euros. Cadilhe pretendeu arrumar a casa mas, não encontrou ninguém que se chegasse à frente, com dinheiro fresco, naturalmente; é que os ratos abandonam o barco mal este adorna. Paralelamente, accionistas do BPN devem ao banco quase 300 M euros, de empréstimos obtidos com taxas de juro muito favoráveis, que a CGD parece estar a rever.

Um dos buracos mais fundos é o da empresa brasileira Ergi Empreendimentos. O BPN tinha, há dois anos, 20% da empresa cujo restante capital pertencia a uma Swiss Finance que mais não é que um “off-shore” da SLN. A empresa, foi então vendida por 135 M euros mas, nas contas do BPN apenas estão registados… 5,5 M euros. O Banco Insular, por seu turno, registou um empréstimo à Ergi de 242 M euros que nunca foi efectivado, pelo que o dinheiro estará algures, a bom recato.

Tavares Moreira, o banqueiro condenado (PSD)

Foi inibido do exercício de funções bancárias e a pagar 180 000 euros de multa, por decisão do tribunal de pequenas instâncias (não existe um de grandes instâncias?) de Julho último, depois de ter sido ilibado, em 2006, de ilícitos criminais como presidente do Central – Banco de Investimentos, numa acção interposta, imaginem, pelo BdP!. Trata-se de mais um católico fervoroso, adorador da Senhora de Fátima.

Tavares Moreira lidera o angolano BAI - Banco Africano de Investimentos (Europa) que pertence à Sonangol (a mina do autocrata Eduardo dos Santos) e que detém 20% do BPN Brasil. Tudo bons rapazes.

Uma sanção num pais, num contexto de globalização, deveria estender-se a todo o sistema financeiro uma vez que a actuação de um gestor bancário sancionado pode afectar, a partir de qualquer ponto do globo, o país que o condenou. Curiosamente, a globalização ainda se não estendeu à prevenção contra os vigaristas da finança.

Daniel Sanches, o ex-polícia (PSD)

Os ministros do tonto Santana, Bagão Félix e Sanches, este da Administração Interna, assinaram um contrato de 600 M euros, três dias depois das eleições que Sócrates ganhou, com um consórcio dirigido pela SLN, para a produção de uma serviço de gestão de redes de emergência e segurança, conhecido por Siresp. Ainda em 2003, quatro dos cinco principais fabricantes mundiais de telecomunicações, convidados pelo governo, desistem do concurso deixando o campo livre à SLN, o que é questionado na AR.

António Costa, sucessor do Sanches no ministério pediu à PGR um parecer, que veio a considerar nulo o negócio mas, o magnânimo Costa (o António), decidiu manter o acordo com o consórcio, por troca com uma redução do preço para 485 M euros, mesmo assim, considerado muito exagerado por técnicos conhecedores do assunto. 

Contudo, as suspeitas de corrupção e tráfico de influências levaram a buscas policiais na SLN. É que, por mero acaso, o adjudicante Sanches, antigo director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) era, antes de ser ministro do Santana, administrador da Plêiade, sub-holding do grupo SLN, o qual tinha na administração o Dias Loureiro. Como o mundo é pequeno!

Dias Loureiro, o venerável conselheiro (PSD)

Muito ligado a Cavaco e conselheiro de Estado, o seu perfil não deixa de mostrar o que é o Estado e a verdadeira camorra que liga os que o dominam. Ninguém lhe reconhece valia profissional, cultural ou política relevante para tais funções, excepto quem o nomeou.

Comprou posição no BPN em 2000 depois de ter vendido as suas acções na Plêiade, empresa que, integrada no grupo SLN, vai protagonizar a adjudicação do Siresp em 2005. Utiliza os seus contactos com Espanha utilizando como intermediário o genro de Aznar e convida Daniel Sanches para o BPN, bem como um tal Lencastre Bernardo, ex-militar conselheiro de Eanes, convertido ao PSD.

Loureiro contrata em 2002 Alejandro Agag, o tal genro de Aznar, com 31 anos, ex-vice-presidente do Partido Popular Europeu e portador das mais-valias profissionais que facilmente se adivinham. Em meados de 2003, amuado com Oliveira e Costa, deixa o BPN como administrador executivo mas, mantêm-se lá como não-executivo, para além de liderar a SLN.

O ilustre conselheiro, com o seu amigo Oliveira e Costa foram a Porto Rico, em 2001, comprar uma empresa sem actividade (New Technologies) e outra que faliu três meses depois da compra (Biometrics Imagineerin). O vendedor foi uma Fuentes Participações, com sede no Brasil controlada por uma firma inglesa, cujos accionistas são empresas de Gibraltar. A transacção fez-se por 71,5 M euros com pagamentos efectuados pelos “sacos azuis” – Banco Insular e BPN-Cayman, tendo essa compra ficado fora dos balanços do grupo SLN-BPN. O laborioso causídico Loureiro decerto saberá explicar estas triangulações e ocultações, envolvendo tanto dinheiro por empresas que ninguém sabe o que efectivamente produziam. Nós, que somos crentes na bondade do Loureiro até suspeitamos que o dinheiro foi parar a uma ONG empenhada na luta contra a fome…

Em 2003, dois anos depois, essas empresas foram encerradas com prejuízo que, segundo Dias Loureiro, foram registados nas contas do grupo, embora a sua compra não o tenha sido. Para estes “empresários” o registo de um prejuízo está longe de ser problema. Na vida real das pessoas honestas ninguém envolve 71,5 M euros num negócio que se revela inviável passados dois anos; apesar de gestores experimentados, Oliveira e Costa ou Dias Loureiro não é certo que se tenham baseado num apurado estudo de viabilidade económica e financeira…

Segundo comentário colocado no Público no dia 22 último, Dias Loureiro vendeu em 2002 a sua participação no grupo SLN por 9 M euros, não se sabendo qual o capital investido susceptível de se ter multiplicado até atingir aquele valor. Esse valor terá sido colocado numa empresa familiar DL – Gestão e Consultadoria SA que, como o nome indica, poderá fazer um pouco de tudo. O seu capital é de apenas 50 000 euros em 2006, transferindo a sua sede em 2007 para casa do Loureiro, no Estoril. Não é vulgar uma empresa deste tipo, com activos de pelo menos 9 M euros, ter um capital social de 50 000 euros. Algo se passa no reino da Dinamarca, diria Shakespeare…

O nosso conselheiro, que se tornou figura de cartaz neste filme de gangsters aparece na TV evidenciando-se como homem impoluto que até entrou pelo gabinete adentro do António Marta, responsável da supervisão do BdP, para o alertar para as irregularidades no BPN; o que o segundo, prontamente negou, como é óbvio. E, no seguimento, Cavaco, ridiculamente, emite um comunicado sem nada acrescentar nesta trama mas, que se supõe tenha servido de demarcação da porcaria que ainda vai a circular no adro mas, que poderá atingir o seu amigo Loureiro.

Em 2005, Loureiro foi ainda acusado publicamente por ter, enquanto ministro, recusado comprar aviões para o combate de incêndios dado que teria interesses numa empresa que procedia ao aluguer desses aviões. Nesse mesmo ano, o compadre Daniel Sanches, ministro de Santana, aceita um aumento de 90% na contratação dos referidos meios aéreos, naturalmente, também alicerçado em detalhados estudos.

Joaquim Coimbra, o investidor (PSD)

Membro da Comissão Política de Menezes, grande accionista do BPN, tem fortes interesses imobiliários na Madeira e em Cabo Verde em parceria com Sílvio Santos, ex-deputado regional de Jardim. Ambos criaram uma empresa de energias renováveis, a Nutroton Energia, cujo administrador é Marques Mendes;

Rui Machete, a parda eminência (PSD)

Fugaz líder do PSD, conseguiu há muito estacionar na FLAD, fundação criada no âmbito das contrapartidas americanas à utilização da base das Lages, tornando-se presidente do conselho superior do BPN em 2001 e do BPN SGPS em 2003. Acto de gratidão do Oliveira e Costa por Machete o ter absolvido no caso dos perdões fiscais dos anos 90?

Arlindo de Carvalho, o magnata da saúde (PSD)

O ex-ministro da Saúde de Cavaco e mandatário de Santana é um dos accionistas do BPN e de várias empresas imobiliárias (mais um que a política transformou em empresário) e ainda beneficiário de um empréstimo de 20 M euros por parte do BPN. Arlindo e outros sócios da SLN eram, de acordo com um relatório da Deloitte, beneficiários de empréstimos num total de cerca de 300 M euros, muitos dos quais concedidos sem o cumprimento dos procedimentos regulamentares.

Em Junho, mais de 100 moradores da Mata Guia, em Cascais movimentam-se contra a ilegalidade da construção de uma clínica de cuidados continuados com seis blocos de três a quatro pisos e caves numa área residencial. O promotor da clínica é o endinheirado Arlindo de Carvalho e a sua esposa.

Arlindo foi também presidente do conselho fiscal (isso mesmo, fiscal) da Dinensino, proprietária desse expoente do conhecimento, da alta cultura e da trafulhice que foi a Universidade Moderna.

Duarte Lima, com mais contas bancárias do que cabelos  (PSD)

Há alguns anos Duarte Lima então estrela de primeira grandeza no PSD foi investigado por movimentos bancários estranhos, entre ele e uma sobrinha; e, tão estranhos que a polícia desistiu de entender a sua lógica. O recurso a sobrinhos veio também a ser adoptado pelo Isaltino evidenciando ambos um elevado sentido de família.

Também foi ao BPN e recebeu um crédito de 5 M euros.

PSD, um dos gangs mais poderosos da paróquia

Toda esta gentinha é do PSD e ao mais alto nível. Porém, parece que as sucessivas direcções da agremiação nunca souberam de nada. Mais, nunca terá escorrido um só sestércio para os cofres do partido, para ajudar a tanta tolerância? O prolongado silêncio da Ferreira Leite sobre o caso BPN foi só para aliviar a pressão sobre os seus amigos e correligionários?

E, essas direcções também desconhecerão as relações entre o BPN/Banco Efisa com o PSD-Madeira e o governo regional, a intervenção de deputados regionais do PSD na intermediação entre o BPN/Efisa e o governo regional, num exemplo de promiscuidade a céu aberto?

Conclusões e ensinamentos

Estas relações entre mandarins e negócios fornecem elementos concretos para se aquilatar como se constroem as relações de poder nas sociedades capitalistas, com base nas conexões mafiosas entre empresas, partidos e Estado. E, para sobreviverem, os protagonistas dessas conexões precisam de roubar, explorar, agredir e eliminar selectivamente elementos do outro lado da barricada – a multidão de trabalhadores, ex-trabalhadores e pobres.

  • Na maior parte dos casos os protagonistas são indivíduos de origens sociais modestas, sem grandes qualidades políticas ou profissionais, cuja introdução no sistema mafioso começa pela ligação a um gang partidário, da área do poder, no caso português, dessa camorra bicéfala que designamos por PS/PSD;
  • Esses protagonistas apresentam-se como gente desprovida de quaisquer escrúpulos, sem ética nem cultura democrática que rapidamente ficam deslumbrados pelo poder e pelas potencialidades da rede de relações pessoais e institucionais em que se inserem;
  • Essa matriz de relações associada à relativa impunidade derivada de um sistema de justiça pesado, sonolento, dócil ou domesticado engrandece uma cupidez que atinge uma temeridade demencial;
  • Ganham a notoriedade com a nomeação para cargos governamentais e/ou partidários inserindo-se nas diversas redes mafiosas já existentes e em constante recomposição. Na fase seguinte, afastam-se da política activa ou visível, dedicando-se a actividades empresariais pouco claras, duvidosas consultadorias ou cargos mais ou menos honoríficos. Os seus nomes começam a ficar ligados a negócios envolvendo milhões de euros e no qual são partes interessadas como “investidores”. Esses percursos duram poucos anos, ninguém questionando as causas desse enriquecimento tão repentino;
  • O Estado constitui veículo essencial neste circuito, permitindo nomeações, aberturas de concursos viciados, adjudicações fraudulentas, consultadorias suspeitas, subsídios, subornos, produção legislativa e regulamentar, despachos, supervisões aligeiradas ou omissas e ainda favorecimentos familiares ou de gente “lá da terra”; em suma, acolhendo, sob o seu manto, mais do que a exploração capitalista típica mas também a mais declarada rapina;
  • Em todo este circuito e para além dos enriquecimentos individuais há a considerar a comissão para o partido, que, como uma Cosa Nostra, constitui o elemento fornecedor do atestado de garantia que acredita e apoia os mafiosos. O BPN e quejandos constituem verdadeiras escolas para o alto crime, uma universidade para o crime financeiro ou de colarinho branco, cujas propinas são a contribuição para o partido.
Todo o caso BPN envolve essencialmente o PSD embora haja ligações marginais com entulho do PS. No âmbito do PS as coisas funcionam de modo semelhante, deixando nós, aqui o caso do ridicularizado “magalhães”. Existe uma empresa - JP Sá Couto - cujos donos Sócrates disse não conhecer… embora os manos Sá Couto sejam os controleiros e benfeitores da secção do PS da Póvoa de Varzim. E, para que a fraude de IVA (5 M euros) em que estão envolvidos ficasse ao largo, o Estado negociou com os operadores de telemóveis que, por sua vez contrataram a JP Sá Couto. Tudo muito claro, digamos mesmo, muito transparente.

Novembro 2008


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