A possibilidade dos casamentos
de pessoas do mesmo sexo foi recentemente rejeitada na AR devido ao bloqueio do
PS/PSD. Como o assunto, em breve, irá voltar à ribalta, entendemos abordar
algumas questões.
Na história do casamento
cruzam-se duas lógicas: a do sagrado e a do profano. Quanto à primeira, que nas
sociedades ocidentais vai perdendo relevância, nada temos a acrescentar
porquanto se enquadra nas convicções religiosas de cada um. Já quanto à
segunda, as coisas são distintas uma vez que o Estado, pela mão das forças
políticas e religiosas tende a impor regras sob a forma de lei, a tal ponto de
o casamento e a sua irmã, a herança, constituirem peças essenciais do
ordenamento jurídico.
O casamento do ponto de vista legal,
do Estado, é um contrato, com grandes semelhanças com um contrato de sociedade
e que visa regulamentar os direitos e os deveres das partes contratantes, tendo
como principal atenção, a propriedade e a sua transmissão, mormente em relação
aos filhos. Quando se constitui um contrato de sociedade, que tem as devidas
incidências patrimoniais, que estatui sobre a transmissão das partes sociais ou
a alienação de bens, o Estado não exige que os sócios sejam um par
heterossexual, nem sequer que seja um conjunto de duas pessoas, existindo mesmo
a figura de sociedade unipessoal, fórmula imaginosa de limitação das
responsabilidades assumidas por uma pessoa.
A figura do adultério, condição
de rescisão do contrato de casamento (a que se dá o nome de divórcio) tende
apenas a ser um argumento que uma das partes utiliza quando o entende,
sabendo-se, na prática, da vulgar existência de actos e situações de adultério
unilateral e bilateral, a que a sociedade não dá relevo nem, muitas vezes, os
próprios membros do casal valorizam. Uma vez que a médio prazo, a rescisão do
contrato de casamento deixará de necessitar a apresentação de causas
específicas e culpados, cessará também a intrusão do Estado na vida afectiva
das pessoas através da alegação do adultério.
A íntima e ancestral ligação
entre o Estado e as entidades zeladoras da moral (igrejas, sacerdotes, etc)
tende a reduzir-se, por um lado, à medida em que a cidadania impõe direitos
universais e, por outro, que o Estado desvaloriza o apoio das religiões, face
ao papel assumido por outras instâncias de controlo das consciências, como os
media. Assim, num contrato de casamento, a relação pessoal entre as partes
contratantes, os seus afectos, tal como a forma e com quem exercem a sua
sexualidade deixam de ser relevantes; dessacralizado o casamento, a tradição
jurídica que vem legislando sobre o contrato, apenas quando efectuado entre
pessoas de sexo diferente, passa à categoria de facto histórico.
A homossexualidade, como se
sabe, era tolerada no mundo greco-romano, como uma opção individual. O
cristianismo introduziu a ideia de que a mesma seria uma aberração, da mesma
maneira que considerou os ateus como animais que só se interessavam pelos
prazeres da carne. A punição surgiu, quanto mais não seja, porque uma ligação
homossexual não produz descendência, assunto importante em tempos de elevada
mortalidade infantil, curta longevidade e de grande necessidade de trabalho
braçal. O controlo populacional permitido fazia-se com a neutralização da
possível reprodução, através do ingresso na vida eclesiástica, onde os ricos,
com um dote adequado, enfiavam os filhos que pudessem atrapalhar a unidade do
património; e onde os pobres colocavam os rebentos (para servir os ricos,
naturalmente) de modo conveniente para a redução do número de participantes na
parca alimentação familiar. Nessas épocas mais recuadas, já as uniões de facto
eram frequentes e objecto de outra tolerância, porque a ausência da bênção
religiosa ou estatal não constituía óbice à reprodução humana e adequada oferta
de força de trabalho.
Apesar de severamente proibida,
a homossexualidade vingou clandestinamente na vida eclesiástica, que nunca foi
um modelo de castidade. Mais recentemente, elementos da sucursal vaticana em
Portugal divertiam-se na Madeira (Ponta de S. Lourenço, caso padre Frederico),
enquanto o cardeal Ratzinger, valente arcanjo homofóbico, emitia, nos anos 80,
instruções para o encobrimento de crimes de pedofilia cometidos por padres.
Também entre soldados e marinheiros, submetidos a longos períodos de afastamento
de mulheres, o ambiente se tornou propício ao desenvolvimento das relações
homossexuais, estando a presença de militares, ligada à tolerância gerada em S. Francisco durante
e após a guerra de 1939/45.
Actualmente, a reprodução
humana tende a ser dificultada pela relação de trabalho, monopolizadora das
atenções de cada indivíduo, que retardan a idade dessa reprodução e onera
brutalmente os custos inerentes à existência de filhos. Por outro lado, nos
países desenvolvidos, as necessidades de mão de obra, são mais rentáveis se
cobertas pela imigração de países de natalidade mais forte, que portanto,
exportam uma mão de obra adulta e com a formação necessária de acordo com as
carências do importador e que não será paga por este.
Neste contexto, até existe uma
base económica para a aceitação de ligações entre pessoas do mesmo sexo, uma
vez que está assegurada a reprodução da mão de obra. E, assim sendo, estão
criadas as condições para que essas ligações afectivas se exprimam livremente e
sem constrangimentos, não se diferenciando assim, das ligações entre pessoas de
sexo diferente.
Mais importante, porque se
refere à vida das pessoas, é o direito elementar de cidadania que atribui a
cada um a livre expressão dos seus sentimentos e do exercício da sua sexualidade,
sem que dai resultem dificuldades negadas às pessoas heterossexuais, como o
direito à transmissão de bens gerados em comum, o direito de aquisição em comum
de propriedade imobiliária (ou aluguer), o direito de receber pensão por morte
do companheiro/a, o direito de adoptar crianças. Neste último capítulo, é
particularmente cínico admitir-se que um casal de pessoas do mesmo sexo não
será, à partida, capaz de acarinhar e educar convenientemente uma criança, uma
vez que ninguém questiona se um casal heterossexual tem capacidade para tratar
devidamente uma criança, mesmo que filho biológico.
Quanto às pessoas de direita,
confirmamos com toda a sinceridade que a homossexualidade não é contagiosa tal
como o aborto não tem efeitos retroactivos. Estejam descansados.
2 - O carácter autoritário do PS/PSD
A propósito dos casamentos de
pessoas do mesmo sexo, evidenciou-se o carácter totalitário dos partidos
políticos, mormente do PS como partido do poder absoluto. Assim, deputados com
opinião distinta do gang dirigente foram obrigados a votar de acordo com a
orientação do referido gang e todos acataram obedientemente, tementes da perda
dos privilégios inerentes à função. Todos, com a meritória excepção de Manuel
Alegre, pois o dirigente da JS que também votou a favor das moções, foi objecto
de uma permissão específica do fuhrer Pinto de Sousa.
Sobressai deste episódio que se
pretende que os deputados sejam meros papagaios, que soletrem as ordens do dono
evidenciando-se assim a total falta de real independência do deputado enquanto
representante dos eleitores. Porque é assim, nenhum se lembra de sair à rua
para falar com a população que o elegeu, vivendo refugiados e acantonados em
cima das alcatifas dos corredores do poder, replicando o que lhes deixam ou
encomendam para dizer. A multidão paga da mesma moeda, revelando um olímpico
desprezo pelo mandarinato, percebendo implicitamente que se vive numa falsa
democracia.
Outubro 2008
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