quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O  casamento de pessoas do mesmo sexo
A possibilidade dos casamentos de pessoas do mesmo sexo foi recentemente rejeitada na AR devido ao bloqueio do PS/PSD. Como o assunto, em breve, irá voltar à ribalta, entendemos abordar algumas questões.
Na história do casamento cruzam-se duas lógicas: a do sagrado e a do profano. Quanto à primeira, que nas sociedades ocidentais vai perdendo relevância, nada temos a acrescentar porquanto se enquadra nas convicções religiosas de cada um. Já quanto à segunda, as coisas são distintas uma vez que o Estado, pela mão das forças políticas e religiosas tende a impor regras sob a forma de lei, a tal ponto de o casamento e a sua irmã, a herança, constituirem peças essenciais do ordenamento jurídico.
O casamento do ponto de vista legal, do Estado, é um contrato, com grandes semelhanças com um contrato de sociedade e que visa regulamentar os direitos e os deveres das partes contratantes, tendo como principal atenção, a propriedade e a sua transmissão, mormente em relação aos filhos. Quando se constitui um contrato de sociedade, que tem as devidas incidências patrimoniais, que estatui sobre a transmissão das partes sociais ou a alienação de bens, o Estado não exige que os sócios sejam um par heterossexual, nem sequer que seja um conjunto de duas pessoas, existindo mesmo a figura de sociedade unipessoal, fórmula imaginosa de limitação das responsabilidades assumidas por uma pessoa.
A figura do adultério, condição de rescisão do contrato de casamento (a que se dá o nome de divórcio) tende apenas a ser um argumento que uma das partes utiliza quando o entende, sabendo-se, na prática, da vulgar existência de actos e situações de adultério unilateral e bilateral, a que a sociedade não dá relevo nem, muitas vezes, os próprios membros do casal valorizam. Uma vez que a médio prazo, a rescisão do contrato de casamento deixará de necessitar a apresentação de causas específicas e culpados, cessará também a intrusão do Estado na vida afectiva das pessoas através da alegação do adultério.
A íntima e ancestral ligação entre o Estado e as entidades zeladoras da moral (igrejas, sacerdotes, etc) tende a reduzir-se, por um lado, à medida em que a cidadania impõe direitos universais e, por outro, que o Estado desvaloriza o apoio das religiões, face ao papel assumido por outras instâncias de controlo das consciências, como os media. Assim, num contrato de casamento, a relação pessoal entre as partes contratantes, os seus afectos, tal como a forma e com quem exercem a sua sexualidade deixam de ser relevantes; dessacralizado o casamento, a tradição jurídica que vem legislando sobre o contrato, apenas quando efectuado entre pessoas de sexo diferente, passa à categoria de facto histórico.
A homossexualidade, como se sabe, era tolerada no mundo greco-romano, como uma opção individual. O cristianismo introduziu a ideia de que a mesma seria uma aberração, da mesma maneira que considerou os ateus como animais que só se interessavam pelos prazeres da carne. A punição surgiu, quanto mais não seja, porque uma ligação homossexual não produz descendência, assunto importante em tempos de elevada mortalidade infantil, curta longevidade e de grande necessidade de trabalho braçal. O controlo populacional permitido fazia-se com a neutralização da possível reprodução, através do ingresso na vida eclesiástica, onde os ricos, com um dote adequado, enfiavam os filhos que pudessem atrapalhar a unidade do património; e onde os pobres colocavam os rebentos (para servir os ricos, naturalmente) de modo conveniente para a redução do número de participantes na parca alimentação familiar. Nessas épocas mais recuadas, já as uniões de facto eram frequentes e objecto de outra tolerância, porque a ausência da bênção religiosa ou estatal não constituía óbice à reprodução humana e adequada oferta de força de trabalho.
Apesar de severamente proibida, a homossexualidade vingou clandestinamente na vida eclesiástica, que nunca foi um modelo de castidade. Mais recentemente, elementos da sucursal vaticana em Portugal divertiam-se na Madeira (Ponta de S. Lourenço, caso padre Frederico), enquanto o cardeal Ratzinger, valente arcanjo homofóbico, emitia, nos anos 80, instruções para o encobrimento de crimes de pedofilia cometidos por padres. Também entre soldados e marinheiros, submetidos a longos períodos de afastamento de mulheres, o ambiente se tornou propício ao desenvolvimento das relações homossexuais, estando a presença de militares, ligada à tolerância gerada em S. Francisco durante e após a guerra de 1939/45.
Actualmente, a reprodução humana tende a ser dificultada pela relação de trabalho, monopolizadora das atenções de cada indivíduo, que retardan a idade dessa reprodução e onera brutalmente os custos inerentes à existência de filhos. Por outro lado, nos países desenvolvidos, as necessidades de mão de obra, são mais rentáveis se cobertas pela imigração de países de natalidade mais forte, que portanto, exportam uma mão de obra adulta e com a formação necessária de acordo com as carências do importador e que não será paga por este.
Neste contexto, até existe uma base económica para a aceitação de ligações entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que está assegurada a reprodução da mão de obra. E, assim sendo, estão criadas as condições para que essas ligações afectivas se exprimam livremente e sem constrangimentos, não se diferenciando assim, das ligações entre pessoas de sexo diferente.
Mais importante, porque se refere à vida das pessoas, é o direito elementar de cidadania que atribui a cada um a livre expressão dos seus sentimentos e do exercício da sua sexualidade, sem que dai resultem dificuldades negadas às pessoas heterossexuais, como o direito à transmissão de bens gerados em comum, o direito de aquisição em comum de propriedade imobiliária (ou aluguer), o direito de receber pensão por morte do companheiro/a, o direito de adoptar crianças. Neste último capítulo, é particularmente cínico admitir-se que um casal de pessoas do mesmo sexo não será, à partida, capaz de acarinhar e educar convenientemente uma criança, uma vez que ninguém questiona se um casal heterossexual tem capacidade para tratar devidamente uma criança, mesmo que filho biológico.
Quanto às pessoas de direita, confirmamos com toda a sinceridade que a homossexualidade não é contagiosa tal como o aborto não tem efeitos retroactivos. Estejam descansados.
2 - O carácter autoritário do PS/PSD
A propósito dos casamentos de pessoas do mesmo sexo, evidenciou-se o carácter totalitário dos partidos políticos, mormente do PS como partido do poder absoluto. Assim, deputados com opinião distinta do gang dirigente foram obrigados a votar de acordo com a orientação do referido gang e todos acataram obedientemente, tementes da perda dos privilégios inerentes à função. Todos, com a meritória excepção de Manuel Alegre, pois o dirigente da JS que também votou a favor das moções, foi objecto de uma permissão específica do fuhrer Pinto de Sousa.
Sobressai deste episódio que se pretende que os deputados sejam meros papagaios, que soletrem as ordens do dono evidenciando-se assim a total falta de real independência do deputado enquanto representante dos eleitores. Porque é assim, nenhum se lembra de sair à rua para falar com a população que o elegeu, vivendo refugiados e acantonados em cima das alcatifas dos corredores do poder, replicando o que lhes deixam ou encomendam para dizer. A multidão paga da mesma moeda, revelando um olímpico desprezo pelo mandarinato, percebendo implicitamente que se vive numa falsa democracia.
Outubro 2008

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