1 - A actual situação de
bloqueio empobrecedor
Sobretudo para as pessoas menos
inseridas na política institucional, a realidade está aí, bem em frente e
doendo bem na carne.
Ano após ano a ladainha dos
mandarins mantém-se; atrás do pano, o empresariato sussurra o texto. É a
ladainha do sacrifício para pobres e trabalhadores, da crença na retoma da
economia, considerada, inevitavelmente dependente da exportação, que depende da
competitividade, dependendo esta da produtividade, que depende da flexibilidade
do “mercado de trabalho” que equivale a despedimentos e perda de salários reais
os quais, por sua vez, originam redução do poder de compra, do consumo....
Neste circuito fechado e que tresanda a banha da cobra. não entra o sacrifício
dos ricos, o investimento privado produtivo, uma menor corrupção dos mandarins,
nem contam os fechos de empresas, o desemprego ou a precariedade. Ninguém vê as
exportações a aumentar, o investimento estrangeiro (sempre virtuoso!) a chegar;
o que é patente são os sacrifícios que continuam a ser pedidos, em paralelo com
o não crescimento do PIB. No entanto, os trabalhadores trabalham mais, perdem
poder de compra, vêm a riqueza a ser produzida e o produto do seu esforço a
acumular-se nos bolsos de alguns. Um espectáculo, um regabofe.
Sondagem recente (dando de
barato a sua representatividade) indicava que os inquiridos não consideravam a
mafia socratóide capaz de equilibrar o barco mas, também dava como evidente não
ser vista uma alternativa saída do actual sistema partidário, mormente no PSD,
agora capitaneado pela Balela Ferreira Leite, alter ego de Cavaco. Cheira a
podre, parece indicarem os inquiridos.
De facto,a tralha PS/PSD já deu
o que tinha a dar e nada há a esperar senão uma maior pulsão cleptocrática, à
medida que forem chegando novas fornadas de gente, mais incompetente, mais
servil e mais cúpida. Não sabemos, como o professor Marcelo, se o transgénico
Jaime é ou não o mais incompetente ministro da agricultura do mundo mas, ... de
facto, no actual governo não abundam as competências. E, se em alguns casos, há
secretários de estado tecnicamente competentes, isso em nada contribui para a
felicidade do povo, uma vez que essas competências estão hipotecadas à
satisfação dos interesses do capital. As nossas avozinhas também diziam que
Salazar era inteligente... E quem se aproveitou disso?
De facto, não há saida no
actual quadro institucional de democracia de mercado, alicerçado no capitalismo
globalizado em que vivemos, guiados ambos pela axiomática do mercado, da livre
concorrência, funcionando esta como garante do funcionamento das sociedades,
das economias e, porque não, da própria reprodução humana. Sem esquecer a total
instrumentalização do Estado e do dinheiro dos impostos, a despeito da poeira
de anti-estatismo lançada pelo mandarinato lançada e pelo telecomando de alguns
parasitas auto-designados empresários.
2 - O bloqueio resulta da
incompetência ou é estrutural ?
Os governos em Portugal são, naturalmente,
incompetentes e é mera ilusão esperar que poderão vir aí uns que o não sejam,
no capítulo dos interesses da multidão. A probabilidade de a Senhora de Fátima
aparecer no Rossio é maior.
Umas dessas razões são comuns a
todos os governos europeus, tais como:
l
A política económica é determinada do exterior, com
o PEC imposto por Bruxelas, com as taxas de juro e os níveis de inflação
decretadas pelo BCE, restando apenas o detalhe da política fiscal, num quadro
devidamente auditado pelo FMI, pela OCDE e pelas empresas de “rating”;
l
O enquadramento estratégico, político e ideológico
é fornecido pelo G-8, pelas cimeiras de Davos, pelo grupo Bilderberg e
alicerça-se na liberalização do comércio, na desregulamentação do trabalho, na
despudorada integração e instrumentalização do Estado, na criminalização dos
imigrantes, na liberdade dos movimentos de capitais, na financiarização da
economia, no acentuar das desigualdades, na luta “anti-terrorista”, etc;
l
O mandarinato não se pretende particularmente
competente na gestão da res publica, pela sua visão e iniciativa mas, pelas
suas funções de domésticos atentos e cumpridores das instruções das
multinacionais e do capital financeiro. O seu manual de instruções – o tal
tratado de Lisboa – ajusta-se perfeitamente ao perfil de um Cherne fedorento
retirado da lixeira após três dias ao sol, com um bando de moscas a esvoaçar à
sua volta;
l
O aumento do custo da energia, independentemente
das flutuações conjunturais, é um factor estrutural descurado totalmente pelo
mandarinato, mais atento às necessidades da indústria em amortizar as suas
linhas de montagem, à distribuição dos lucros ou à valorização das acções, do
que pela investigação ou pela inovação.
l
As burguesias europeias inserem-se neste contexto,
com variáveis margens de manobra, de acordo com o seu poder económico e
político, saindo umas mais beneficiadas que outras, de acordo com uma
hierarquia conhecida, encimada pela Alemanha;
Outras razões prendem-se com as
específicidades da formação económica e social portuguesa, tais como:
l
A crescente periferização no contexto europeu e
ibérico torna Portugal cada vez mais impotente face às exigências e ao poder
das multinacionais; desarmado perante a lotaria dos mercados financeiros, o
endividamento externo, a subida do preço do dinheiro, o custo crescente da
energia; mais acantonado em actividades excluidas da concorrência mundial,
abandonando a indústria e a agricultura, para se centrar, nas áreas
financeiras, no imobiliário e no turismo, etc;
l
A economia tem um perfil produtivo atrasado em
termos europeus, com fraca incorporação de capital ou conhecimento, muito
marcado pelos ciclos baseados na despesa pública, mormente em infraestruturas e
no imobiliário, por seu turno
fornecedores de empresas, partidos e dignitários políticos, alargando
assumidamente as desigualdades;
l
Há uma hipertrofia do capital financeiro que detém
um papel determinante no encaminhamento de capitais para o exterior e na
lavagem do dinheiro obtido na corrução e em tráfegos diversos, em paralelo com
um sistema fiscal labiríntico e uma administração tributária convenientemente
complacente;
l
o custo da energia é um factor de fragilização da
economia que pouco se alterou depois dos choques petrolíferos dos anos 70 do
século passado, mantendo-se intocável o império do carro individual para todo e
qualquer trajecto;
l
A corrupção é histórica, endémica, impune e
assumida, numa escala que só encontra paralelo europeu na Itália e na Grécia,
que tem o cuidado de pagar bem aos juizes para garantir a sua neutralidade “técnica”
como elementos centrais de um sistema de justiça, burocrático e ineficaz.
Sócrates ao elogiar o prestígio de Angola e do seu presidente mais não revela
que o seu sonho cleptocrático;
l
Após mais de 20 anos de diluição na UE, dos gastos
pouco criteriosos dos fundos comunitários, Portugal é um caso único de não
aproximação aos padrões médios, um país cujos nacionais, particularmente
jovens, continuam a procurar empregos precários e mal pagos no resto da Europa
Ocidental, tal como aconteceu nas décadas de 60 e 70; com a diferença de que os
que emigram não são apenas os elementos
sem qualificações;
l
O perfil educativo e de formação para o trabalho é
manifestamente inadequado em qualquer estratégia de desenvolvimento, como se
pode espelhar no seguinte quadro:
Estrutura do nível de formação
de trabalhadores e patrões em 2006 (%)
Trabalhadores ocupados
|
Patrões com assalariados
|
|||||
Superior
|
Secundário superior e pré-universitário
|
Primário e secundário inferior
|
Superior
|
Secundário superior e pré-universitário
|
Primário e secundário inferior
|
|
Portugal
|
14
|
15
|
71
|
10
|
14
|
76
|
Espanha
|
34
|
23
|
43
|
29
|
23
|
48
|
UE -
27
|
26
|
49
|
25
|
32
|
44
|
24
|
Fonte: INE, A Península Ibérica
em Números, 2007
e revela à saciedade o modelo
económico baseado nos baixos salários, hoje sob o pseudónimo de flexisegurança,
nunca assumido pelo empresariato nem pelos partidos do poder, que procuram
mascarar a sua nefasta acção com o facilitismo escolar para retocar a
fotografia no plano europeu;
l
No contexto europeu, é em Portugal que melhor se
manifesta e se desenvolve a pulsão genocida do capitalismo mundial, onde cerca
de cinco milhões de adultos são tratados como elementos descartáveis, factores
de custo não reprodutivo, objecto de uma programada degradação das condições de
vida (vide “A pulsão genocida da burguesia portuguesa” e “O novo fascismo que
está em marcha”, neste blog);
3 – Política de esquerda e
esquerdas institucionais
Apesar do reconhecimento do
esgotamento das capacidades do PS/PSD, da polarização de todas as
responsabilidades para o governo em exercício, a multidão em Portugal acaba por
se contradizer, participando por rotina, no folclore eleitoral, sabendo de
antemão que com a substituição do gang governamental, não surgirão mudanças
substantivas.
Para essa contradição
contribuem vários elementos:
l
A ausência de um debate sobre o contexto europeu e
a escassa articulação das lutas populares a nível europeu acentuam a noção de
solidão, de isolamento e de impotência junto dos trabalhadores portugueses;
l
A deficiente compreensão do carácter subalterno e
executivo do governo português resulta do não enraizamento da existência de um
capitalismo global e das suas instituições de normalização, com prerrogativas
de Estado, como as da UE, a OMC, o FMI, o G-8, que surgem como distantes, como
que isentos de responsabilidades da situação em Portugal;
l
Os dois elementos anteriores caracterizam também o
discurso e a prática da esquerda institucional que ao afunilarem as análises da
situação e as responsabilidades no quadro nacional contribuem, e de que
maneira, para o bloqueio político e social e para a desesperança que grassa na
multidão;
l
E dessa desesperança beneficia o mandarinato, à
direita ou à esquerda, que se arroga da sua “especialização” remetendo
implicitamente, a esmagadora maioria da população para um alheamento da
realidade política, confundida com o enjoo da política institucional e dos
arrotos mandarínicos nos media.
A actuação da esquerda
institucional, mesmo nesse limitado quadro, não visa que não a perpetuação da
sua existência como simulacro de oposição e de esquerda. Vejamos como:
l
A sistemática recusa de assunção do PS como uma
formação política de direita, gémea do PSD num paralelo contraditório com a
constante acentuação, das suas políticas de direita. Tal atitude visa gerar uma
esperança na regeneração do PS, secção portuguesa do PSE, conglomerado que
agrega os diversos partidos mais ou menos socialistas nacionais. Toda a
história do PS, desde a sua fundação revela um monótono posicionamento à
direita no contexto português que é, na realidade, uma emanação da sua
composição genética. Sem volta a dar;
l
Pretende-se com isso pressionar alguns elementos do
PS a adoptar posições frontais de oposição de esquerda, o que nunca aconteceu
desde o 25 de Abril, com um significado político útil e duradouro; pelo contrário,
o que se tem assistido é a movimentação em sentido contrário, da defecção no
sentido do “tacho”, do PS. O crescimento de uma esquerda faz-se através do
enraizamento e consolidação de uma base social de trabalhadores e não na
cooptação ou convencimento de elementos isolados do PS sobre a grandiosidade
das lutas populares;
l
Pretende agitar a possibilidade de uma maioria de
“esquerda” na AR que, de facto, nunca serviu para nada a não ser para que a
esquerda institucional (PC/BE) apresente, responsáveis com que possa encobrir a
sua própria e rotineira inoperância, para obviar às dificuldades sentidas pelos
trabalhadores e pela multidão. Fazê-lo é enredar os trabalhadores, os
desempregados e os precários em torno de uma quimera, que é a retirada de benefícios
pela actuação dos “seus representantes” nas instituições da democracia
cleptocrática de mercado;
l
Essa prática tem fundas raízes históricas. Durante
o regime fascista foi alimentada a ficção da existência de uma burguesia
liberal susceptível de uma aliança com os trabalhadores para a adopção de
formas eficazes de combate anti-fascista. E, como se sabe, a queda do regime
saiu de uma das mais representativas instituições do poder, a tropa,
aproveitada e de que maneira, por um movimento de massas multiforme que escapou
aos esforços repressivos e disciplinadores, até estes se congregarem no 25 de
Novembro de 1975. Ficou aí institucionalizada a democracia de mercado, e
consolidado o caminho da “Europa connosco”, da CEE, de Maastricht, da UE, do
euro, do PEC e do actual tratado de Lisboa.
l
Atribuem demasiada dignidade à AR que mais não é
que um palco que encobre a sede da instância política que conta - o governo que
tudo decide e os partidos que controlam os deputados a eleger e mesmo depois de
eleitos, pagando em contrapartida escandalosas mordomias a esse conjunto de
advogados, juristas e professores que constituem mais de metade do
hemiciclo(131 em 230 deputados).
l
Se a AR é um palco de mau teatro de revista, as
suas sessões são um entretenimento barato para a multidão que assim fica
“convencida” da representatividade dos seus interesses por aquela gente e que,
portanto, se esquece que a resolução dos seus problemas só pode surgir das suas
próprias mãos, do seu esforço e não através da delegação em marionetas políticos;
l
As experiências governativas de “esquerda” em
alianças com o PS, em Lisboa, naturalmente, em nada resultaram de bem estar
para a população da cidade, nem geraram qualquer movimento de apoio de massas
capaz de criar uma alternativa credível.
Não foi estranho, portanto, que João Soares tenha sido derrotado por um
imbecil como o Santana; que a base eleitoral do PC se tenha esboroado,
entretanto; e que o BE pouco tenha para
apresentar como fruto do seu acordo com o Costa, para além da integração dos
precários, estando ainda por ver a mais-valia do pusilânime Sá Fernandes como
candidato do partido. Estão bem à vista os resultados da gestão autárquica do
PS/PSD que transformou Lisboa numa das cidades portuguesas com menos qualidade
de vida e verdadeira montra do desleixo nacional para os turistas, onde
coabitam alegremente quarteirões abandonados, habitações degradadas,
conglomerados de prédios de escritórios e condomínios fechados, envolvidos por
uma teia caótica de trânsito.
Reafirmamos aqui, os nossos
princípios:
1 –
Aposta principal na acção política fora das instituições da democracia de
mercado com o desmascaramento do seu papel de anestesiante e de factor
resignativo e de diversão para os reais interesses da multidão;
2 –
Amplificação dos protestos, da desobediência, da contestação permanente como
formas de desgastar o inimigo socratóide ou quem lhe possa vir a suceder e
dificultar, prejudicar ou evitar o saque capitalista;
3 –
Organização autónoma, troca de experiências, colaboração e coordenação dos
grupos e colectiivos de perfil anti-capitalista e anti-autoritário
4 – Integração dessa
prática de luta com uma melhor compreensão do mundo actual, através da
discussão franca e descomplexada, sem protagonismos e sem atitudes religiosas
de posse da verdade, sobre temas como o capitalismo de hoje, o Estado, a
representação democrática, o papel do Estado-nação, etc Julho 2008
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