A criação e a
manutenção dos SSS durante algumas décadas, na Europa, alicerçou-se em vários
factores:
·
Estabelecimento
de uma relação directa e estreita entre as receitas e o volume da mão de obra
trabalhadora
Uma vez que no início, eram
dominantes as actividades de trabalho intensivo, a criação de riqueza
evidenciava uma ligação mais visível, directa e proporcional com a prestação de
trabalho.
·
Dimensionamento
das receitas, de molde a permitir o pagamento de pensões no escasso número de
anos que mediariam a retirada da vida activa e o óbito do trabalhador.
A esperança de vida, ligeiramente
superior à idade da reforma bem como a fixação de pensões com valores
inferiores ao produto da capitalização dos descontos permitiu até que os
sistemas financiassem, como em Portugal, infra-estruturas energéticas ou a
construção de habitações.
·
Uma
afirmação muito marcada dos espaços nacionais, com a criação de ordenamentos
económicos fechados sobre o território. A U E, inicialmente com seis países, só
se abriu aos alargamentos a partir de 1973, com o fim das taxas elevadas de
crescimento.
A carga tributária ou contributiva
onerava então, de modo relativamente igualitário as empresas, num quadro
nacional. Se as exportadoras poderiam ter dificuldades aqui ou ali para a
colocação dos seus produtos, por dificuldades competitivas, os Estados-nações
forneciam apoios financeiros, regulavam as taxas de juro, etc; por seu turno,
as que competiam internamente, com bens importados achavam-se relativamente
defendidas por barreiras alfandegárias. Por outro lado, o proteccionismo
acentuava a importância do mercado interno e não o comércio externo.
·
No
contexto das necessidades de pacificação social, após várias décadas de acesos
conflitos, os sistemas foram instituídos primeiro, no âmbito do New Deal, nos
EUA e, de seguida, foi-se gerando o modelo social europeu, nas suas várias
acepções (nórdica, anglo-saxónica, renana e mediterrânica) que privilegiava uma
coexistência harmónica entre o trabalho e o capital.
Esse modelo vigorou nos chamados
países desenvolvidos durante o período que se estendeu do final da última
guerra até à crise petrolífera de 1973 quando terminaram as taxas de
crescimento económico elevado baseadas em petróleo barato e confiança no dólar.
A correspondente queda das taxas de lucro gera o período do declínio do modelo
social aqui subjacente, com a afirmação das teses neoliberais na gestão
económica, (estreadas no Chile de Pinochet), mais acentuada após a queda do
Muro e o fim da concorrência geo-estratégica entre as duas superpotências.
B - A
produtividade e o excedente
Os progressos
científicos e tecnológicos adoptados na produção de bens e serviços, mais
recentemente materializados pelas novas possibilidades de tratamento de
informação e da comunicação alongaram, diversificaram, segmentaram e aumentaram
a complexidade dos processos produtivos. Essas modificações da base técnica e a
grande concentração de meios num número relativamente pequeno de empresas
transnacionais provocaram grandes aumentos da produtividade do trabalho.
Por outro lado, essa
concentração reorganizou a circulação a nível mundial de pessoas, mercadorias,
capitais e tecnologias eliminando ou reduzindo substancialmente as capacidades
de intervenção dos Estados nacionais na política económica. Essa acelerada
instituição de regras globais protagonizadas por organizações especializadas e
fora do controlo dos Estados nacionais (OMC, FMI, BCE…) vieram a facilitar, a
fornecer os instrumentos para o processo de globalização em curso. Essa
concentração de recursos e a reorganização do chamado mercado mundial, por sua
vez, acentuou a produção de grandes ganhos de produtividade.
|
O custo laboral
associado à produção de cada unidade de produto tem crescido, nos principais
países desenvolvidos de modo muito menos marcado do que a produção. As razões
para este aumento situam-se na substancial melhoria das qualificações,
consequente, por sua vez do maior período de aprendizagem e formação; na
inclusão na órbita do capital global de novos sectores da multidão, numa lógica
de trabalho extensivo e miseravelmente pago; e ainda na incorporação de
equipamentos e conhecimento, por sua vez produto do trabalho prévio da multidão.
Em suma e no âmbito
da esfera produtiva gera-se, constantemente um excedente económico global de
enormes dimensões de onde saem os meios para a prossecução do investimento e os
recursos que, vocacionalmente públicos, são aplicados na gestão social,
ambiental e política da multidão de indivíduos que povoa o planeta. E ressalta
ainda a enorme parcela que é absorvida pelos capitalistas, apropriada pelo
mandarinato político, aplicado de forma improdutiva em gastos militares, de
segurança e publicitários, actividades especulativas na bolsa e no imobiliário
ou desviado para os diversas áreas de negócio mafioso.
Por outro lado, a
utilização das tecnologias, a concentração de capitais, a circulação das
mercadorias e a instituição do mercado global consubstanciam uma tendência para
uma maior integração da multidão mundial, para a unidade da sua acção, para a
geração de uma racionalidade sistémica. Inversamente, a actual gestão da
realidade social por parte das multinacionais, do sistema financeiro e do capital
mafioso, não evidencia capacidades que não para a acentuação das imensas
deficiências na gestão social, ambiental e política globais, no âmbito da qual
se vem atrofiando o papel dos Estados-nação, da sua crescente imersão no
estreito padrão do “pensamento único”, neoliberal.
Simultaneamente, as
transformações que vêm, sumariamente, a ser descritas, a globalização da
actividade económica, com as aberturas de fronteiras, os fenómenos de
integração económica, as deslocalizações da produção, mormente industrial, têm
vindo a procurar um nivelamento por baixo no ordenamento salarial e laboral dos
países chamados desenvolvidos. Assim, naqueles países, o desemprego elevado com
carácter permanente e o empobrecimento de fatias muito vastas da multidão
conduzem a custos acrescidos dos sistemas de protecção social.
Por seu turno, no
capítulo dos países ditos periféricos, o desenvolvimento fica bloqueado pela
aliança entre as multinacionais e as corruptas oligarquias locais. E aí, cresce
a desestruturação das economias, um brutal desemprego, um subemprego extensivo,
uma emigração maciça, num quadro em que o modelo social nunca foi
particularmente vantajoso para a multidão.
A mesma globalização
ao eleger a competitividade externa como condição única de sobrevivência para
as empresas cria diversos tipos de problemas. Inserida no mercado global, a
empresa, mesmo que nem opere muito para além dum restrito âmbito geográfico,
sofre uma concorrência proveniente, potencialmente de qualquer origem.
Submetidas a uma enorme pressão proveniente do mercado, dos capitais
financeiros ou bolsistas, acentua-se a tendência para a compressão de custos,
nomeadamente dos salários, dos custos fiscais ou contributivos, ambientais, ou
dos custos sociais, de modo mais lato.
C -
Panorama político e social actual e os Sistemas de Segurança Social (SSS)
Comparando os
momentos da instauração dos SSS com o tempo presente, verificam-se diferenças
nítidas, entre as quais ressaltam as seguintes:
·
Passou-se
de um período em que o excedente económico, sendo comparativamente escasso,
estabelecia uma relação linear com o volume da mão de obra, para uma época em
que a incorporação indirecta do trabalho (equipamento fabril, de computação ou
comunicacional, software, etc) na produção transforma completamente a relação
entre o volume da mão de obra o excedente económico.
·
A
longevidade humana cresceu de modo muito marcado enquanto a natalidade se vem
pautando por níveis tão baixos que colocam a renovação das gerações, na Europa
ocidental ou nos EUA, pendente das vagas migratórias, provenientes das regiões
periféricas.
·
As
exigências de qualificação alargaram o tempo de escolaridade média e de
formação profissional pelo que a entrada na actividade produtiva se verifica
mais tarde do que antes mas, constituindo esse investimento, em contrapartida,
a indispensável base para níveis muito elevados de produtividade.
·
As
desigualdades sectoriais na aplicação de novas tecnologias e no crescimento da
produtividade criaram uma estratificação entre aqueles sectores em que é
elevado o peso dos custos da mão de obra na facturação, dos sectores de
trabalho intensivo, mais tradicionais e, aquelas actividades mais modernas,
menos recorrentes de trabalho menos qualificado e com forte incorporação de
trabalho cristalizado.
·
No
quadro dos Estados-nações iniciais, no âmbito das suas quase absolutas
competências em matéria de política, económica e social, faltava em necessidade
económica o que sobrava de razões sociais e políticas para a manutenção de SSS
estáveis e até generosos, baseados nos contributos directos dos trabalhadores e
na contribuição patronal, componente do designado salário indirecto.
A globalização altera
este quadro e, não havendo uma regulamentação internacional para as questões
sociais é forte a relutância das empresas em manter as suas responsabilidades
colectivas; é elevada a pressão para a inclusão do dinheiro dos trabalhadores
na volúpia dos mercados financeiros; é clara a tendência para o sacrifício das
contribuições para o SSS como instrumento de competitividade externa.
Nomeadamente, em países onde não existe na memória colectiva uma consciência
das vantagens de um estado de bem estar social ou onde a organização da
multidão é mais débil.
D - Os
SSS de hoje; tendências e alternativas
Perante o espectáculo
da globalização e as premências da competitividade externa, as reformas
estruturais dos SSS têm ficado adiadas. Na resposta às dificuldades financeiras
tem sido privilegiada a redução de direitos e do poder de compra da multidão de
trabalhadores e ex-trabalhadores. O reforço do financiamento de origem fiscal,
apresenta-se limitado pelas “obrigações” de redução dos deficits públicos e
sofre ainda a pressão dos meios empresariais para uma redução da carga
contributiva. Irracionalmente, isto, é com a racionalidade própria do
capitalismo, defende-se, com naturalidade, uma inversão da tendência histórica
para a redução do tempo de trabalho na vida de cada um, numa era em que a
capacidade de geração de riqueza é imensa, susceptível de prover condignamente
a existência do dobro da população mundial de hoje. Também, com desarmante
simplismo se defende que as empresas não podem ser oneradas (antes pelo
contrário) e que fatia crescente do excedente tem que lhes ser afecto ? para
não prejudicarem a sua competitividade.
Neste contexto, a
receita dos SSS continua a ter origem, essencialmente, nos seus beneficiários
directos e na exacta medida dos salários que lhes são pagos. E isso, a despeito
do contínuo aumento da produtividade, do imenso volume dos excedentes criados e
das acrescidas responsabilidades sociais para com os atingidos pela
reestruturação em curso do ordenamento económico global.
Colocam-se, em
resumo, questões de geopolítica que evidenciam o cerne das opções económicas e
sociais no mundo de hoje e no âmbito das quais encontram lugar de relevo os
SSS. Essas opções, podem colocar-se de forma dicotómica:
- Subalternização da Humanidade face à produção de mercadorias com a acentuação da tendência para erigir a competitividade externa como o factor essencial de enriquecimento das sociedades, com a consequente subordinação à mesma, dos elementos de ordem social, ambiental e política
- Colocação da Humanidade como o objecto da actividade humana, com uma maior utilização do excedente económico na prossecução de políticas de bem estar, cuidando das populações mais envelhecidas, como das mais jovens, melhorando globalmente o bem-estar social.
Para a execução do
primeiro conjunto de políticas, aquele que hoje é dominante, existem
instituições com vocação planetária para estender, aprofundar e abreviar a sua
adopção.
No segundo caso, a
situação está muito longe dessa articulação. No entanto, cabe perguntar se,
sendo o excedente cada vez mais gerado a nível planetário, não deverá ser dada
prioridade às políticas sociais aplicadas por instituições vocacionadas para o
efeito, em criados espaços supranacionais.
A existência de um
grande volume de excedente económico, constituído na sua essência por trabalho
indirecto, cristalizado, permite que se coloque em causa o princípio da estrita
ligação das contribuições para os SSS aos salários directos pagos pelas
entidades empregadoras, sem prejuízo da multidão.
A segmentação da
produção e a distribuição do valor gerado no seio dos grupos de empresas e, de
modo mais alargado por todas as unidades produtivas, não permite, de facto um
conhecimento apurado do volume do excedente gerado por um dado grupo de
trabalhadores. Tendo-se globalizado a produção e a geração do excedente, este
torna-se um produto social, da responsabilidade de todos os que participaram na
sua geração.
Deste modo, a geração
global do excedente e a transformação numa verdadeira comunidade, do conjunto
daqueles que contribuem para a sua formação, torna a questão da segurança
social uma questão global; se não (ainda) no âmbito geográfico, pelo menos no
contexto social dentro dos espaços mais ou menos uniformes que existem.
Quando as finanças
públicas assumem a responsabilidade por parcela elevada de custos de protecção
social enquadrados em direitos de cidadania assumem o carácter social dessa
função, sem ligação com as contribuições para os SSS baseados nos salários dos
trabalhadores.
Existindo a base
material para a geração de receitas para o municiamento dos SSS, a questão
torna-se num factor de ordem política sobre a aplicação do excedente social,
sobre as funções que o mesmo deve financiar. E, uma vez mais se chega ao âmago
da vida política, económica e social; a parcela do excedente que é
disponibilizado em benefício da multidão e aquele que é roubado pelos
capitalistas em conivência com os seus mandatários políticos.
Existindo essa base
material é possível equacionar fórmulas de protecção social mais concordantes
com as aspirações da multidão e com as próprias conveniências da produção
global:
·
É
inquestionável a legitimidade do fornecimento do equivalente a remunerações
para períodos mais prolongados de vida, terminado o período activo, tornando,
assim os indivíduos os verdadeiros beneficiários do aumento da longevidade
humana;
·
A
entrada mais tardia na actividade produtiva, como resultado do alongamento do
período de formação educacional e profissional é compensado, durante a vida
activa pelo acréscimo de produtividade daí resultante, não se justificando, a
priori, um deslocamento, em contrapartida, do período activo para, fases mais
adiantadas do ciclo biológico de vida; justificando menos ainda que a acrescida
capitação do contributo para a produção, reverta essencialmente para os
detentores do capital
·
Um
indivíduo depois de atingidas as condições para a retirada pode continuar
produtivo, se assim o entender, se for essa a sua opção e, isso não pode
constituir uma penalização adicional imposta;
·
A
população retirada do mercado de trabalho, para além do apoio familiar que pode
prestar, pela inserção em redes de solidariedade local em que pode participar,
gera um rendimento social que, embora não computado, não deixa de ter uma
dimensão económica apreciável;
·
O
usufruto da longevidade para além da vida activa pode permitir o
desenvolvimento de actividades económicas relevantes, entre as quais se
destacam a cultura e o turismo;
·
O
retardamento do início do período não activo da vida limita o acesso das novas
gerações ao trabalho, com a evidente perda de aproveitamento da sua vitalidade,
de conhecimentos mais actualizados, de postergação no tempo do período de
maturidade produtiva e com custos de períodos mais dilatados de desemprego; ou,
no mínimo, pode dificultar a progressão profissional dos mais novos,
dificultando a substituição das gerações e potenciando conflitos
inter-geracionais.
Tendo como objectivo
o fortalecimento dos SSS imanentes a políticas inequívocas de bem estar, podem
ser definidas, como fontes de fundos, de forma compósita, evolutiva e ajustável
às necessidades das populações abrangidas, as seguintes:
- Parcela proporcional ao salário realmente pago
- Contributo patronal identicamente proporcional ao salário directo
- Taxa com incidência sobre o volume de facturação, o valor acrescentado ou a dimensão do imobilizado das empresas
- Contributo retirado das receitas fiscais
sem esquecer, como
elemento basilar, a pré-existência de sistemas fiscais e de arrecadação de
receitas para o SSS equitativos e adequados aos rendimentos reais dos
contribuintes.
Possivelmente, as
virtualidades de um sistema fiscal ou parafiscal serão maiores se o âmbito da
sua aplicação se não restringir ao quadro de um Estado nacional. A aplicação
restrita a um só Estado-nação perde, comparativamente, eficácia, tendo em conta
a globalização da actividade económica, a sua liberalização e a
desregulamentação a que se vem assistindo.
E - A
ineficácia da redução dos custos de protecção social para o desempenho das
economias
O mandarinato
político, os media que os apoiam e a os poderes económicos que os detêm não
cessam de frisar a necessidade de contenção de custos, num ladainha em que se
repetem uns aos outros, quando não cantam em afinado coro.
Considera-se como
único princípio sustentável de filosofia política que a economia existe para
servir a multidão e não que a economia constitui uma nova transcendência,
tributária de uma submissão por parte da multidão. Dentro dessa filosofia, as
questões ligadas com a sustentabilidade dos SSS colocam-se mais ao nível das
receitas do que ao nível da despesa. Se se der o primado às políticas de bem
estar social, a despesa socialmente necessária determina o nível de receitas
adequado, dentro das capacidades de geração, globais, de rendimento. Sem
prejuízo da adopção de medidas de racionalização administrativa, da constante
preocupação no aumento da produtividade dos serviços, os sistemas mostram-se,
hoje, contudo, mais afectados pelo subfinanciamento do que com factores
compressíveis de despesa.
No plano lógico
daqueles que privilegiam uma actuação sobre a despesa surgem as ideias comuns
sobre os impactos benéficos na competitividade a partir da redução dos encargos
patronais com a segurança social ou, mais genericamente, da carga fiscal e da
despesa pública. Os resultados, quando se verificam, não ultrapassam o curto
prazo, pelos seguintes motivos:
- Primeiro, porque a redução de custos tributários ou equiparados num país conduz a uma breve resposta dos países que se acham em concorrência com aquele. O efeito benéfico tende a anular-se, a prazo, tal como as desvalorizações monetárias nunca contribuíram para o crescimento sustentado das nações;
- Segundo, não está demonstrado que a competitividade externa se consiga a partir de reduções do bem estar dos beneficiários dos SSS ou de reduções significativas da carga fiscal, como aliás se verifica nos países mais desenvolvidos da Europa, com destaque para os escandinavos. Se assim fosse, o limite estaria na ausência de preço para a aquisição dos factores produtivos, o que não passa de uma extrapolação matemática. Factores como o nível educacional e de formação e a especialização produtiva são, de longe, mais eficazes e de efeitos duradouros;
- Terceiro, o sublinhar do impacto positivo na competitividade induzido por reduções nos custos salariais e sociais em geral, oculta o seu efeito de factor recessivo no volume do mercado interno, fomenta a economia informal, traduz-se na deterioração dos indicadores de nível de vida e prejudica, de modo duradouro o desempenho das empresas, fechando-se o ciclo, passado um curto lapso de tempo. Não se conhecem casos de sociedades desenvolvidas e socialmente equilibradas com baixos salários e baixos níveis de protecção social.
Tradicionalmente, as
eventualidades que dão origem a despesas de carácter social (pagamento de
pensões, subsídios de doença, desemprego?) têm uma maior sensibilidade social e
portanto maior visibilidade do que os aspectos relativos à arrecadação de
receitas para os SSS. As sociedades, pelas vozes dos media, tendem a dar mais
relevo aos custos do exercício dos direitos de muitos e a minorar o impacto do
incumprimento das obrigações de alguns.
F - A
situação em Portugal
A manutenção em
Portugal, durante muitos anos, de despesas com uma evolução relativamente
regular alterou-se, devido a vários factores:
- O impacto da maior longevidade dos beneficiários no aumento do volume das pensões;
- A extensão do direito a pensão a indivíduos com carreiras contributivas curtas ou inexistentes, cujo peso no total, contudo, vem regredindo;
- As reestruturações sectoriais ou empresariais geraram um número considerável de indivíduos precocemente retirados do trabalho. Nos casos em que houve efectiva reinserção na vida activa, a mesma procedeu-se de formas que não aligeiraram as responsabilidades da Segurança Social nem aumentaram particularmente as suas receitas (economia informal, trabalho independente)
- A estabilização das dificuldades estruturais que conduziram à criação de fórmulas institucionais de apoio social aos segmentos populacionais mais atingidos (RMG/RSI) e o reforço dos programas de acção social;
- Subfinanciamento duradouro durante o período cavaquista por incumprimento da Lei de Bases que previa o pagamento, via OE, de despesas com acção social, por exemplo, a expensas dos fundos destinados, maioritariamente, a pagamento de pensões
- O crónico desajustamento estrutural da economia e a banalização do desemprego arrostaram também com um acréscimo consolidado e avultado de custos, constituindo, em contrapartida, uma bolsa de receitas duradoura e meramente potenciais.
A contribuição das
receitas dos impostos para o financiamento de diversas situações (acção social,
RMG/RSI, desemprego, etc) revela até que ponto as necessidades de protecção
social ultrapassam em muito as disponibilidades geradas pela arrecadação
específica de receitas para o SSS. E manifesta a assunção real da integração
numa visão globalizante, nacional das questões sociais mais candentes.
Por outro lado, no
âmbito das receitas gerou-se um conjunto variado de situações nem sempre com
vantagens para o SSS:
- O esmagamento do nível dos salários, como produto da globalização, tem naturalmente um impacto nas receitas do sistema muito inferior aquele que resultaria de uma proporcionalidade aos aumentos da produtividade e da inflação;
- A vulgarização da precariedade, para além de manter baixos os níveis salariais dos atingidos pela mesma, provoca uma alternância nas carreiras contributivas entre períodos de trabalho e períodos com subsídio de desemprego. Essa precariedade não alimenta a regularidade na formação das receitas nem estabiliza o nível das despesas inerentes a cada indivíduo;
- Um benefício contributivo, não contabilizado, com a desoneração das empresas de pagamentos à segurança social resultantes da banalização da contratação de trabalhadores “a recibo verde”, em que só estes procedem a descontos, reduzindo-se, portanto a receita do SSS português.
Um exercício simples
permite uma avaliação dessa punção a favor das empresas e de quanto os
trabalhadores pagam em excesso relativo. Sendo cerca de 400000 os trabalhadores
a “recibo verde” e admitindo uma remuneração média actualmente declarada de 360
euros mensais a receita anual propiciada ao SSS é da ordem dos 346 M euros, sendo nulas as
contribuições patronais.
Se esses mesmos
trabalhadores estivessem integrados sob o regime de trabalhadores por conta de
outrem, admitindo o mesmo nível de remuneração, a receita do SSS seria de 670 M euros dos quais 190 M de dedução directa nos
salários. Na situação actual, portanto, o SSS prescinde de 310 M euros por ano
(670-360), o patronato não paga 480
M euros (670-190 a cargo dos trabalhadores) e estes últimos
pagam mais 170 M
euros (310-190). Será preciso comentar ? E isso, não considerando o “dumping”
salarial que a precaridade induz no nível das remunerações.
- O recurso extensivo a mão de obra imigrada constitui um clima geral de nivelamento por baixo das remunerações e, na parte que corresponder à formação de bolsas de trabalho informal, não traz qualquer benefício financeiro para o SSS;
- Os trabalhadores estrangeiros, enquanto regularmente inscritos no SSS, constituem até um elemento francamente positivo do ponto de vista financeiro, pois para um mesmo nível de contribuição, produzem menos custos do que um trabalhador português;
- A tradição de uma relativa impunidade face ao incumprimento contributivo por parte das empresas em dificuldades constitui, por seu turno, um financiamento, muitas vezes sem retorno, de numerosas entidades de vários sectores, por parte do SSS (vg. o têxtil).
- É conhecida a pressão do sistema financeiro para a captação das receitas dos SSS, pelo menos em parte e transitoriamente estando na agenda a sua gestão privada, sob o argumento já gasto da “ineficiência” do sector público?
Experiências recentes
com fundos de pensões privativos, de trabalhadores pertencentes a grandes
empresas (vg Enron), entretanto falidas, conduziram à evaporação das garantias
previstas para os seus beneficiários.
Por outro lado, a
gestão privada tende à colocação de fundos nos mercados financeiros, nas bolsas
esperando obter aí a rendabilidade que formas mais prudentes e mais seguras não
permitem. Ficam, portanto, as pensões futuras dos trabalhadores dependentes das
flutuações da especulação ou das manobras arriscadas ou de contabilidade
criativa dos seus gestores, com efeitos nefastos semelhantes.
A tara liberalizadora
e privatizadora dos SSS também está contemplada no AGCS (Acordo Geral para o
Comércio de Serviços) na forja da OMC e manifesta-se nos planos de Bush em
entregar a cada trabalhador os fundos a que tem direito para uma utilização
privada, como lhe aprouver. O problema é que não existe disponível nos cofres
do governo americano tão colossal verba que se pretendia viesse a engrossar os
fundos de pensões privados ou injectada nos mercados financeiros.
- A recente proposta dos bancos para a transferência dos fundos de pensões (descapitalizados) dos seus trabalhadores para o SSS institucional encontrou a natural compreensão por parte dos seus mandatários no governo, com relevo para o invertebrado Teixeira dos Santos . Nem se podia esperar outra coisa.
A ideia de congregar
num único SSS a gestão dos direitos dos trabalhadores portugueses, na reforma,
na doença, etc não é negativa, como princípio, a não ser se a prática revelar
formas de exercer o roubo ou de onerar o erário público com custos privados do
tão “eficiente” sistema bancário.
O SSS português está
em processo de descapitalização por total incúria política do mandarinato e dos
seus mandantes, o empresariato mais culturalmente indigente da Europa. Causas?
- A crise económica gera pouca criação de emprego e, quando isso acontece é emprego precário ou sob a forma de “recibos verdes” no âmbito do qual o SSS recebe apenas 20% da remuneração (era 15% antes do governo Sócrates), contra quase 34% se for um trabalhador normal, por conta de outrem. (ver exercício atrás)
- O aumento do desemprego reduz a receita e aumenta a despesa com o subsídio, ampliando portanto o impacto no orçamento do SSS, tal como acontece com o incremento dos apoios no âmbito do rendimento mínimo. Sendo o PS uma agremiação tão defensora da solidariedade (??) nem se compreende que as medidas que toma neste contexto, sejam de redução de rendimentos, de períodos de aplicação, de penalizações, restrições, algumas delas verdadeiramente maníacas dado o seu escasso impacto financeiro;
- A crise económica acentua a histórica propensão do empresariato português para a fuga ou não pagamento de contribuições declaradas e as campanhas de recuperação só permitem uns trocos. Se Vieira da Silva soubesse o que anda a dizer, diria que a dívida à SS está mais próxima dos 5500 M? do que dos 3400 M que propala junto dos media, solícitos e pouco analíticos; e diria que a recuperação de dívida está ao nível da efectuada em 2001, último ano de que se dispõe de dados. Seria bom que Vieira da Silva referisse quanto cobra da execução de penhoras e nos processos de ilícitos criminais ou nos acordos de regularização de dívida, para nos rirmos todos, com tão baixos indicadores. E que diga que da dívida das empresas ao SSS, 40% é incobrável uma vez que se refere a falidas há anos;
- O aparelho do SSS está profundamente infestado de militantes do PS, como antes o estava por parasitas do PSD sendo isso a única alteração introduzida pelo governo Sócrates no aparelho. O nível técnico e de gestão dos dirigentes do SSS é aferido pela capacidade de apor uma assinatura no cartão do partido. Não há sistema de informação condigno e actualizado e as contas correntes estão pejadas de erros, produto de operações de concepção e migração de dados entregues a consultoras diversas, sem enquadramento, cuja finalidade é arrastar os processos para irem facturando;
- A operação de titularização da dívida em 2003, nódoa que eternizará na História o nome de M. Ferreira Leite corresponde a uma redução de receita futura, nos próximos 10 anos. É sabido que a contrato com o Citygroup pressupunha potencialidades de cobrança de dívidas muito superiores às reais e, para honrar os compromissos, o SSS vai entregando dívida posterior a 2004, com muito maior ratio de cobrança, para substituir aquela que se mostra incobrável. Essa afectação, reduz, naturalmente, as cobranças correntes de 2004 em diante e durante muitos anos
Cabe a todos a
promoção e organização de atitudes adequadas ao arrepio das medidas que se vão
tomando, defender um SSS afastado da pilhagem e da incompetência do governo
Sócrates, acompanhado, no íntimo pelo PSD e CDS, pese embora o alarido destes,
para cumprirem o seu papel formal de “oposição”. Cabe às forças de esquerda,
aos sindicatos demonstrar que não afinam pelo mesmo diapasão, com acções
concretas mobilizadoras da multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores.
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