1.
A existência de forças armadas (FA) constitui um elemento unificador da
burguesia, sacralizado e algo que os trabalhadores tendem a não discutir,
muitas vezes devido à influência de um nacionalismo serôdio em tempos de
unificação europeia e de desagregação dos estados-nação.
2.
Exigir a extinção das FA portuguesas é uma jogada forte contra o militarismo.
Denunciar o Bush e a pulsão militarista americana e esquecer a sua delegação em
Portugal é uma posição de meias tintas que encobre o carácter subalterno da
burguesia portuguesa e descobre as insuficiências das forças da esquerda
"distraídas" face ao assunto.
3.
Discute-se até à exaustão a importância da redução do deficit mesmo que isso
conduza a desemprego, redução de poder de compra, aumento do IVA e dos preços
dos transportes. E isso tornou-se um factor, não conjuntural mas, de estrutura,
pois em seu nome se vai procedendo a uma enorme redistribuição do rendimento e
à reformulação das condições de vida e dos direitos, sempre em desfavor dos
trabalhadores.
Mais
detalhadamente:
4.
Portugal é, entre os países da Nato um dos que mais gasta com as FA - 2,3% do
PIB, apenas superado pelos EUA, Turquia, Grécia, França e Inglaterra enquanto
que a Espanha apenas gasta 1,2% do PIB. A existência de FA custa a cada cidadão
cerca de 300 euros por ano.
5.
Mais, as intenções do governo PPD/CDS, em revisão pelo executivo de Sócrates
correspondem só em "investimento", a 356 M euros em aviões de
transporte, 445 M
em helicópteros, 382 M
em blindados, 75 M
em espingardas, 40 M
em navios-patrulha e 973 M
nos célebres submarinos. Se a isto se acrescentar despesas de funcionamento e
manutenção, formação... E para quê ?
6.
Desses equipamentos quase nada é produzido em Portugal que, desde há 30 anos
vem reduzindo a suas indústrias da morte. Portugal não tem dimensão para uma
indústria militar e não dispõe de um complexo militar industrial para o
desenvolvimento de tecnologias guerreiras. Existem apenas algumas empresas
(porventura já deslocalizadas para a Ásia) fabricantes de pendões, bandeiras,
condecorações, galões e botões amarelos, daqueles com que a oficialidade tanto
gosta de se ataviar. E as exportações de armamento existentes dirigem-se a
países com regimes duvidosos e financiam negociatas cobertas pela figura do
segredo de Estado.
7.
Os programas de equipamento das FA portuguesas visam a viabilização das
indústrias militares americana e europeias e de canalização de material
obsoleto, consumíveis e sobresselentes. Desta forma, os impostos pagos pelos
trabalhadores contribuem para a promoção dos lucros dessas indústrias. Todos
observámos o carácter ostensivamente militarista do Portas e é de esperar que a
política do governo PS nesta área (como em muitas outras) apenas se diferencie
no estilo, eventualmente, menos exibicionista, do novo ministro.
8.
Em 2004 foi extinto o serviço militar obrigatório, típico dos tempos de
consolidação do estado-nação, substituído pela profissionalização. Isso
significa a criação de uma milícia ao serviço da burguesia e do capital que se
diferencia da GNR porque é mais abrangente no que se refere ao equipamento
9. A
profissionalização das FA acentua o tradicional cariz reaccionário difusor do
militarismo e de hábitos de "trabalho" pouco enquadráveis nas
preocupações do momento sobre a produtividade nacional. Muitos oficiais
superiores são adestrados em cursos-Nato para a defesa da ordem (das
multinacionais e da especulação financeira), da civilização ocidental (contra a
Rússia e os muçulmanos, como prega Huntington), contra o terrorismo, os
esquerdistas, os imigrantes e as lutas dos trabalhadores e pelos direitos
democráticos.
10.
Esses oficiais enformam o SIS e os serviços de informações face aos quais
qualquer cidadão pode ser um inimigo a controlar ou mesmo a abater, se
conveniente como no caso da jornalista italiana no Iraque. Eles procedem ao
abastecimento das bases de dados americanas e são uma ameaça permanente para os
direitos democráticos, da esquerda e dos trabalhadores em geral.
11.
Essas teses anti-democráticas e fascizantes manifestam-se na redução do
exercício dos direitos sindicais dos trabalhadores civis e afastam qualquer
hipótese de organização sindical de forças militares ou mesmo policiais. No
entanto, a oficialidade reforma-se cedo, muito antes dos reais trabalhadores e
muitos alistam-se como mercenários nos exércitos privados que actuam no mundo
ou em empresas de segurança. A oficialidade e as FA em geral, são um foco de
totalitarismo cortejado pelo poder e pela esquerda bem comportada.
12.
As FA, mesmo em situações de calamidade, como no caso dos fogos florestais, são
pouco utilizadas. A droga chega pelo mar e pelo ar impunemente, para
distribuição na Europa e os petroleiros lavam os tanques perto da costa
portuguesa. O carácter subalterno e parasitário da burguesia portuguesa
(protagonizado pela banca) gera uma grande tolerância face ao tráfego e à
circulação do dinheiro da droga; e para isso é preciso que militares e polícias
se mostrem distraídos tal como é esterilizado em burocracia o aparelho
judicial, para evitar a repressão do crime de colarinho branco.
13.
Mais, no contexto geoestratégico actual, as ameaças para Portugal só podem
resultar do alinhamento acrítico pelas posições americanas e da inclusão na
Nato, como se verificou em Espanha em Março de 2004. As ameaças a existirem são
voluntárias, resultantes da existência do poder frágil de uma burguesia inútil
que, no seu miserabilismo, mesmo com os dólares do aluguer das Lajes não
consegue evitar serem os Açores a mais pobre das regiões portuguesas.
14.
E, do ponto de vista da História, o que têm sido as FA em Portugal ? Papel de
carne para canhão em La Lys
para servir os ingleses e conseguir garantir o triângulo de Quionga em Moçambique. Papel
detonante na instauração do fascismo com o golpe de estado de Maio de 1926.
Protagonista dos massacres de Pidgiguiti e Wiriamu, num contexto de 13 anos de
guerra colonial e depois da qual ninguém foi acusado sequer de crimes contra a
humanidade. E mais recentemente, o papel de auxiliar dos americanos na Bósnia
ou no Iraque (aqui sob o uniforme da GNR). A única acção meritória das FA, de
uma parcela minoritária dos seus quadros, melhor dizendo, foi de facto o contributo
para o enterro do fascismo de origem salazarenta.
15.
No âmbito da inclusão na UE, as FA portuguesas de hoje nem sequer servem para
fazer golpes de estado, considerados politicamente incorrectos, uma vez que a
democracia de mercado é o regime obrigatório. Até ver.
Conclusão:
16.
Porque não levanta a esquerda parlamentar a questão da extinção das FA? No
contexto de uma conciliação com a burguesia, parte da esquerda portuguesa, mais
sentimental, ainda se sente em dívida com os militares que fizeram o 25 de
Abril, esquecendo que os protagonistas já foram todos afastados e que as FA de
hoje são uma corporação reaccionária, plenamente integrada nas suas funções ao
serviço do capital.
17.
Vamos discutir o assunto, gerar a controvérsia, abanar a modorra com que o
governo de Sócrates quer adormecer as consciências. Porque não um referendo? É
preciso animar a malta !
Maio
2005
Este e outros textos em:
http://pt.scribd.com/documents#all?sort=date&sort_direction=ascending&page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
www.esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt
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