sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Ucrânia – Uma realidade pobre e volátil

1 - O que é historicamente a Ucrânia? 

2 - O discreto papel dos EUA na manipulação da classe política ucraniana

3 - A demografia da Ucrânia; um país de …sucesso

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1 - O que é historicamente a Ucrânia? 

A designação do território e dos seus habitantes surgiu nos séculos XI/XII, como um ramo dos povos rus que viviam na larga região que se estende do Báltico oriental até ao mar Negro, com os Cárpatos a marcarem a separação face aos Balcãs; e um amplo campo aberto a leste, por onde chegaram mongóis, turcos e, um ramo destes, os pechenegues. A ausência de grandes obstáculos naturais gerou povos com grandes afinidades, mesmo que concorrentes quanto à posse de territórios e às hierarquias do poder. 

Com as invasões dos tártaros nos séculos XIII/XIV os povos rus, a ocidente, foram incorporados na Mazóvia e depois, na Polónia. A união dinástica polaco-lituana, no século XV dominou as terras habitadas, não só por polacos mas também por russos e ucranianos, todos conscientes das excelentes terras (ditas negras) a norte do mar Negro; e cuja produção cerealífera, ainda recentemente, gerou acordos internacionais, para o seu escoamento para o mundo. 

No século XVII, os cossacos de Chmielnicki venceram os polacos e tentaram efemeramente criar uma Ucrânia autónoma que só durou … dois anos… até ao pedido de proteção ao czar russo que, se não fez rogado em tomar conta da “Pequena Rússia”… a Ucrânia. Quando aquele chefe cossaco morreu seguiu-se uma guerra de oito anos, entre russos, por um lado e polaco-lituanos do outro, que usaram o rio Dnieper como fronteira entre duas parcelas do que seria então a Ucrânia. 

A derrota sueca em Poltava, no início do século XVIII veio consolidar o poder russo, de Pedro o Grande. Mais especificamente… Mazepa, um chefe cossaco-ucraniano, depois de várias vassalagens – entre elas perante os suecos e os polacos - acabou por se refugiar junto de um sultão da Moldávia. No final do mesmo século, com a segunda partilha da Polónia, a área ucraniana ficou incluída no império russo; e, após alguma tolerância nacionalista por parte do czar, no final do século XIX a repressão acentuou-se e foi proibido o ensino da língua ucraniana. 

Essa repressão também se observou na Galícia por parte do poder polaco, perante ucranianos, rutenos e outros grupos étnico-linguísticos. Vivia-se no tempo da formação dos estados-nação (como entes agregadores de capitalistas em concorrência), dos nacionalismos, das taras patrióticas que colocam os seres humanos em conflitos sangrentos, em ações de rapina, na afirmação de distinções só porque nasceram em lugares distintos mas, com a imposição de um estúpido rótulo nacional.

 No rescaldo da revolução de 1917 foi proclamada a república ucraniana e proposta uma assembleia constituinte, logo abandonada porque se formou em Kharkov uma administração ucraniana comunista. Em 1918, a Alemanha concluiu uma paz separada com o governo ucraniano, com a imediata destituição do governo, criando uma mais que efémera república da Ucrânia Ocidental; com uma curta existência depois da derrota dos impérios centrais. Entretanto a Rússia soviética criava uma República Socialista Soviética da Ucrânia, nos escombros da derrota do general “branco” Denikin que iria perdurar até 1991, quando a URSS se desmantelou. 

É na Ucrânia que surge o exército guerrilheiro dirigido por Mahkno que, em simultâneo procurava, derrotar o exército “branco” de Denikin e criar uma nova sociedade ancorada na autogestão e alheia à afirmação da propriedade privada. Trotsky, inicialmente, aliou-se aos makhnovistas contra os “brancos” e, vencidos estes, lançou-se numa escalada repressiva contra os milicianos de Makhno que foram dizimados, com o seu líder refugiado na Suíça, onde morreu. Seguiu-se o consulado estalinista com a quase totalidade dos ucranianos inseridos numa República Socialista Soviética da Ucrânia, fundadora da ONU e que veio a ser palco de uma coletivização forçada da indústria e da agricultura; incluía a Crimeia embora esta não tivesse grandes afinidades com a Ucrânia, como se veio a verificar mais recentemente.

A instabilidade histórica que envolve a território e a população do que se designou por ucraniana prende-se também com a presença na margem norte do Mar Negro de um vasto território que durante séculos foi atravessado e povoado por diversos povos ou ocupantes. Esse território foi devassado pelos nazis desejosos de se apossarem do petróleo do Cáucaso uma vez que o existente na Roménia era escasso para fazer mover um exército motorizado. 

Os nazis cobiçavam também as denominadas terras negras da margem norte do Mar Negro para alimentar a tropa e a população dos territórios europeus ocupados. A importância global da produção cerealífera obrigou a uma concertação recente para o escoamento de cereais por Odessa. 

Com a chegada do novo regime de Maidan (2014) e a ascensão dos fascistas, estes logo procuraram prejudicar, em nome de uma homogeneidade linguística impossível, os falantes de outras línguas; mormente o russo mas também o húngaro e o romeno. Porém, o novo regime ter-se-á esquecido da grande concentração de falantes de russo no Donbass e que estes iriam ter o apoio da Rússia, como se viu; e daí a ocupação russa da Crimeia e a formação das repúblicas de Donets e Luhansk, de maioria russófona, através de referendos. 

2 - O discreto papel dos EUA na manipulação da classe política ucraniana

É altura de introduzir neste texto a sombria figura de Victoria Nuland , com funções em 2013/17 de assistente da Secretaria de Estado para os Assuntos Europeus e da Eurásia, no âmbito do Departamento de Estado dos EUA; e ainda Representante Permanente dos EUA na NATO. Filha de pai judeu ucraniano, estudou literatura, história russa e os assuntos soviéticos. Em 2014 encaminhou $ 1000 M (um bilião no conceito dos EUA) para equipamento não letal para militares e guardas fronteiriços ucranianos. 

Em 2016, Nuland levanta-se contra a corrupção na Ucrânia que, naturalmente, prosseguiu, serenamente com novas caras; e daí surgiu o seu apoio a um ex-banqueiro milionário, Arseniy Yatsenyuk, para primeiro-ministro, cargo que cessou em 2016. E, de permeio, Victoria incitava políticos europeus para tomarem uma atitude mais agressiva contra a Rússia. 

 Com a chegada de Trump à Casa Branca, Nuland sai do Departamento de Estado, no âmbito da mudança nas relações com a Rússia, em que se evidenciam Steve Bannon, figura grada da extrema-direita, com conexões na Europa; Jared Kushner, genro de Trump e ainda Donald Trump Jr. 

Nuland foi a arquiteta de uma política de exclusão da Rússia de um quadro europeu, organizado política e economicamente em torno da NATO e da UE, respetivamente; essa exclusão tendia a isolar os países da Europa Ocidental no âmbito de uma integração de subalternidade política perante os EUA, tendo estes como principal caudatário no espaço europeu, o decadente Reino Unido. Note-se ainda que, excluindo a Alemanha, os países europeus têm relações comerciais exteriores centradas no cenário europeu, apresentando-se, portanto como potências menores inseridas num quadro geográfico circunscrito.

A fascização do novo regime, bem vincada depois de 2014, voltou a elevar o nome de Stepan Bandera como herói nacional, defensor de uma Ucrânia etnicamente “pura” e mono-linguística; isto é, as habituais taras que facilmente despontam na cabeça dos fascistas. Bandera aproveitara a ocupação nazi para criar um estado independente, russófobo, com um exército ucraniano dentro da mesma linha fascista, com alargamento do território à Bielorrússia e à Polônia. Mesmo depois do final da II guerra, sobraram restos dos grupos fascistas de Bandera mormente na Polónia, até 1956; e, foi essa “gloriosa” atividade que reanimou os fascistas de Maidan e levou um tal Zelensky a extinguir vários partidos que lhe eram avessos. Ainda no seguimento de Maidan, a Verkhovna Rada (Assembleia Nacional) aboliu a lei sobre as línguas minoritárias, que só poderiam ter o estatuto de língua oficial no caso de serem faladas por mais de 10% da população; com evidente prejuízo para os falantes de russo nas áreas oriental e meridional do país e ainda as minorias de falantes de húngaro ou romeno. Zelensky tornou-se presidente em maio de 2019, vencendo Petro Poroshenko, um outro banqueiro bilionário corrupto, conhecido como “rei do chocolate”. 

Zelensky, dentro da mesma linha tradicional de saque do erário público quando chegado à presidência - segundo os Pandora Papers - começou a receber fundos de várias empresas offshore, sendo-lhe apontados bens imobiliários de luxo, mormente em Londres. 

3 - A demografia da  Ucrânia; um país de …sucesso

A evolução demográfica é um indicador essencial para se medir o grau de bem-estar de um povo.

A Ucrânia apresenta um perfil demográfico a longo prazo, claramente regressivo, correspondente à instabilidade geográfica e política observadas durante séculos, como atrás referimos. A sua população cresceu em cerca de 11 M no período 1955/1990, um ano muito especial para o país – a véspera da independência, na sequência do desmembramento da URSS. Segue-se um período de quebra demográfica contínua que evolui para valores praticamente constantes desde 2010, depois da quebra observada em 1990, ano do seu mais elevado valor. Posteriormente a 1990, a população reduziu-se em cerca de 8 M de pessoas.

Após a independência (1991) verifica-se uma quebra demográfica contínua, com o elenco populacional em 2020 (43.7 M), apenas superior ao registado em 1960 (42.7 M); … após um intervalo de sessenta anos. Por outro lado, o volume demográfico registado em 1990 (o desmembramento da URSS foi no ano seguinte) é o mais elevado (51.5 M) entre toda a série de dados de que dispomos. Sumariamente, apontaremos alguns elementos sobre a demografia do país;

·     A população decresce cerca de 8 M no período 1990/2020, no seguimento de um aumento superior a 11 M entre 1955 e 1990. Daí que o seu peso na população mundial tenha evoluído de 1.41% para 0.56%, entre 1960 e 2020; e que o lugar da Ucrânia entre os países mais populosos tenha passado do 15º para o 35º. Certamente que a chamada explosão demográfica do Terceiro Mundo constitui o elemento com mais impacto na descida da Ucrânia na hierarquia demográfica.

·     Na Ucrânia, a média da idade na população passou de 29 anos em 1960 para 41.2 em 2020, o que continua (?) a configurar uma população jovem;

·     A taxa de fertilidade decresce de modo quase contínuo, passando de 2.7 em 1960 para 1.44 em 2020

·     A população urbana cresce de 46.8% em 1960 para 69.4% em 2020

A histórica irregularidade dos limites entre Ucrânia e Rússia - para além da variabilidade geográfica da Polónia - prosseguiu, disputando-se entre os dois países os territórios pretendidos. Releva-se a diferença entre a secular estabilidade da Rússia como estado multinacional e a fragilidade histórica da Ucrânia que continua instável na sua configuração geográfica e demográfica.

Vejamos agora a estranha evolução do comércio externo ucraniano, com uma forte quebra em 2015 e uma recuperação quase total nos últimos anos.


2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

Exportações

68,7

63,3

53,9

38,1

36,4

43,4

47,3

49,9

65,9

Importações

84,7

77,0

54,4

37,5

39,2

49,4

57,2

60,7

70,0

                                                                                               (milhões de euros)

Observando as maiores discrepâncias no comércio externo ucraniano, sublinhamos os seguintes factos, referentes ao período designado (2012/2021);

·       A exportação ucraniana decaiu 4% no período. Quanto às importações ucranianas em geral, elas decaem 17.4% em 2013/21;

·       A China tornou-se o principal destino da exportação ucraniana com um aumento de 4.5 vezes superior ao valor de 2012, seguindo-se-lhe os Países Baixos (2.5 vezes), a Polónia (1.9 vezes), referindo-se ainda os EUA com um aumento, no período de 50% perante o mesmo ano de referência. Em contrapartida, a exportação para a Rússia decai 81% no período considerado, certamente na sequência do ódio fascista à Rússia que veio à tona em Maidan;

·       Destacam-se entre os principais fornecedores externos da Ucrânia, a China (+35% da importação registada em 2012), a par da Polónia (+37%) e ainda da Suíça e da Turquia, cujos aumentos das exportações para a Ucrânia foram da ordem dos 111% e 62%, respetivamente;

·       Quanto aos EUA, em 2021, as suas vendas para a Ucrânia passaram de 3.4% do total para 4.9%, cifrando-se neste último ano com um valor de € 3.4 M. Por comparação, observe-se que as vendas chinesas à Ucrânia, no último ano, correspondiam a 15.2% do total - cerca de € 70 M - contra 9.3% em 2012.

Como se denota nos elementos numéricos divulgados, o papel dos EUA na Ucrânia, no âmbito comercial, não é relevante; nem para os EUA nem, de modo especial, para a maioria dos estados-nação da região leste-europeia. Um interesse geopolítico não tem de coincidir forçosamente com um interesse comercial; situa-se, sobretudo na consideração e estudo de espaços onde se cruzem interesses comerciais, demográficos, militares, políticos e, tendo em conta o que a História nos disponibiliza e ensina.

O interesse dos EUA na Europa centra-se na monitorização e controlo político e ideológico da turma europeia – cuja menoridade estratégica e política – tem sido bem evidente; sobretudo quando passados mais de 75 anos da II Guerra Mundial se tolera a existência de tropas e bases militares com armas nucleares no seio da Europa; como na Coreia ou, no Japão. As bases militares dos EUA polvilham quase todo o planeta para o exercício de um papel de gendarme; um gendarme que gera a todo o momento títulos de dívida (com o nome de dólar) que jamais poderá pagar mas que os estados-nação, em geral aceitam, falsos distraídos perante essa forma demente de geração de rendimento.

O interesse dos europeus deverá contemplar as periferias fronteiriças, com a estabilização no Mediterrâneo, passados os conflitos nos Balcãs; uma autonomia popular para a Líbia que contemple a apropriação das suas riquezas energéticas pelo seu povo; e, a manutenção de uma situação podre na margem leste do Mediterrâneo que se estende da Líbia ao Afeganistão, tendo como elementos essenciais a cessação da entidade sionista e a libertação do povo palestiniano, com a tomada de posse do seu território ancestral.

 

Este e outros documentos, aqui:

http://grazia-tanta.blogspot.com/                               

https://pt.scribd.com/uploads

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents   

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