terça-feira, 13 de julho de 2021

Rendimentos familiares e desigualdades na Europa

A consideração para o cenário europeu dos rendimentos familiares para os últimos quinze anos é um instrumento que permite comparações interessantes entre os países e, indicações sobre o bem-estar da população, aqui representada por um estrato populacional específico e representativo. Tomámos como amostra de agregado familiar um casal com dois filhos e rendimentos líquidos anuais, resultantes de dois salários médios a nível nacional (fonte, Eurostat).

Pretende-se,

  • por um lado, avaliar a evolução dos rendimentos da população trabalhadora entre os países europeus com integração mais longa ou mais recente, para três quinquénios – 2005/2010, 2010/2015 e, 2015/2020;
  •  e, por outro, aferir os níveis das desigualdades entre os rendimentos disponíveis nos vários países, incluindo os resultantes do impacto da inflação.

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1 – Evolução dos rendimentos médios

A relação entre o rendimento afeto ao modelo familiar escolhido para os vários países, mostra as diferenças entre o que cabe a uma família no país mais rico (Luxemburgo) e no mais pobre (Letónia em 2004 e Bulgária nos momentos seguintes) - 10.5 vezes em 2005, 12.3 em 2010, 10.9 em 2015 e reduz-se claramente para 7.5 em 2020.

A evolução do rendimento familiar entre 2005 e 2020 mostra-se mais acentuada na Lituânia (3.4 vezes em 2020 face a 2005), Letónia (3.3) e Estónia (2.7). Inversamente, essa evolução é negativa no caso da Grécia (em 2020 o rendimento era 86% do observado em 2005) mostrando-se também baixo em alguns países ricos como a Grã-Bretanha (1.1), a França, a Irlanda e a Itália (1.2). Portugal apresenta um indicador baixo (1.4), num patamar onde se inclui a maioria dos países ricos e, com valores claramente mais baixos do que os restantes países da UE, excepto a Grécia. (ver gráfico abaixo)

Dito de outro modo, o referido rendimento médio em Portugal mantém-se muito afastado do vigente nos países ricos e é objeto de uma aproximação proveniente dos países mais pobres da UE. 

                                     Relação do rendimento em 2020 face a 2005                      

Como é evidente, esta evolução não nada tem de lisonjeiro para o povo português. Revela a sua tradicional apatia ou conformismo perante as dificuldades, neste momento, bem presente na atitude pachorrenta perante as medidas pouco consistentes do governo face ao covid. Mostra ainda a inutilidade e a ausência de efetiva representatividade dos 230 ungidos que protagonizam a verbosa rotina do circo parlamentar e que ainda contempla, vastas coortes de assessores e adjuntos. Evidencia a ausência de qualquer canal de influência do povo sobre a classe política, entrincheirada no seu púlpito, como fornecedora de informação e deformação a uma imprensa falida e ávida das vacuidades provenientes do poder para fornecer circo à rua e sobreviver. É infantil e quase inútil esperar a melhoria das condições de vida, da repartição de rendimentos, sem instrumentos próprios de decisão sobre a vida da coletividade; e, no âmbito do capitalismo, do funcionamento rotineiro dos mercados eleitorais. Costumamos referir esta situação nas marcas históricas deixadas, em Portugal, por duzentos anos de castração pela Inquisição, cinquenta de fascismo e quase outros tantos no seio do atual regime pos-fascista.

O quadro que se segue evidencia as variações de rendimento para cada um dos três quinquénios – 2005/2010, 2010/2015 e, 2015/2020.

 

Evidencia-se claramente o choque das integrações mais recentes na UE, com elevados aumentos de rendimento, a partir de patamares muito baixos.

Em 2005/10 os acréscimos mais relevantes observam-se na Letónia, na Rep. Checa e na Estónia; e, sublinha-se a perda de rendimento para o agregado familiar selecionado no caso do Reino Unido. Note-se que este período é o mais favorável entre todos os três quinquénios; a crise financeira apresentou a sua principal onda no período seguinte.

No período 2010/15 mostraram-se, de modo mais agudo, os efeitos da crise financeira, das suas sequelas nas contas públicas, como no nível de vida das pessoas comuns; daí que as variações nos rendimentos se mostrem, na generalidade, inferiores às do período precedente. Poucos países apresentam melhorias nos rendimentos face a 2005/10; são os casos da Alemanha, da Suécia e do Reino Unido o qual, como se evidenciou, teve quebras no quinquénio anterior.

Sublinha-se a grande quebra dos rendimentos do grupo social utilizado neste estudo para a Grécia (-4.6%). Nos casos de mais baixos aumentos de rendimento, Portugal colocou-se em primeiro lugar (0.5%), pouco abaixo da Irlanda, outra vítima de burlas financeiras com 0.6%, tal como a Rep. Checa. Neste período, os portugueses, fustigados pelas exigências da troika, arcaram com a benevolência dos sindicatos e dos partidos ditos de esquerda que evidenciaram algum folclore para a fotografia de uma contestação que pretendiam fosse efetivamente controlada para se manter num plano baixo… até à extinção; uma situação que acompanhámos[1]. A nível institucional, o PS arredado do poder, aceitou um governo PSD/CDS colocando como líder do partido uma figura de transição (A. J. Seguro) até que surgisse uma maioria eleitoral liderada por António Costa, com o apoio da “esquerda” parlamentar.

Quanto ao sucedido no período mais recente (2015/20) – e apesar de o quinquénio anterior não ter sido uma maravilha, abundam os casos de mais modestos aumentos de rendimento, comparativamente a 2010/15. O contrário, com acréscimos percentuais de rendimentos mais interessantes, colocam-se essencialmente os países situados a Leste, com entrada mais recente na UE; no restante território o caso de aumento mais interessante, é o caso português, com uns imensos 2.5%. As reduções de rendimentos, ainda que pouco significativas, mostram-se em França e Itália e, com um volume mais acentuado, no Reino Unido.

2 – O papel da inflação na redistribuição dos rendimentos

Procedemos em seguida a uma comparação entre a variação do rendimento líquido anual para o agregado familiar escolhido e, a inflação registada. A pressão sobre salários, rendimentos do trabalho, em regra, evidencia-se sob duas formas; uma, é a redução do montante do salário líquido de impostos (por acréscimos da carga fiscal) e, outra, corresponde à delapidação do rendimento através da inflação. Assim, há situações em que o acréscimo de rendimento supera a perda inerente à inflação dos preços e, casos em que a inflação supera  e absorve os aumentos do rendimento obtido através do trabalho.

O gráfico acima apresenta as variações do rendimento anual; o quadro abaixo reproduz as taxas médias de inflação para cada quinquénio.

Se a taxa de inflação se situa aquém do crescimento das remunerações dir-se-á que aumenta o poder de compra dos trabalhadores… se a gula tributária dos governos não absorver essa diferença. Inversamente, a taxa de inflação pode superar os aumentos nas remunerações mesmo que estas não sofram aumentos na carga tributária, como contributo adicional para uma redistribuição dos rendimentos em desfavor do trabalho.

No quadro que se segue ressaltam a vermelho os períodos em que a taxa de inflação foi superior ao acréscimo de rendimento do grupo socio-económico que escolhemos. Assim, no primeiro caso que surge no quadro (Alemanha) a taxa anual média de inflação em 2005/10 foi de 1.7% enquanto no mesmo período, os rendimentos do estrato social adoptado se situaram em 1.3%, como média anual. No caso de Portugal, no quinquénio 2010/15, o rendimento de uma família do estrato social considerado cresceu, anualmente uns 0.5% enquanto a taxa de inflação média foi de 1.4 %; viveu-se, nesse período, um tempo em que a troika (FMI/BCE/Comissão Europeia) manipulou o submisso governo (PSD/CDS) no sentido da austeridade, da venda de bens públicos, como os indicadores enunciados evidenciam…; em paralelo, os outros partidos esperavam a passagem do tempo para prosseguir a política económica e social ditada pela troika ao governo anterior.

Note-se que a maioria dos casos em que a inflação se superiorizou à evolução dos rendimentos foi constituída por países de maior pujança económica e financeira; os de menor foram poucos; além de Portugal, como referido, essa situação observou-se na Grécia, na Hungria e na República Checa. Por outro lado, países como a Bélgica, a Finlândia e a França utilizaram a taxa de inflação como elemento de perda real de rendimentos durante dez anos (2010/2020); o mesmo aconteceu com a Grécia e a Hungria, mais pobres do que os citados mas, para 2005/2020; finalmente, no Reino Unido, a mesma política de combinação de uma taxa de inflação superior à dos rendimentos do trabalho, foi aplicada em dois períodos separados (2005/2010 e 2015/2020).

 

Inflação anual média (%)

2005/10

2010/15

2015/20


2005/10

2010/15

2015/20

UE - 28

2,3

1,7

1,1

Italie

2,1

1,6

0,5

Allemagne

1,7

1,5

1,1

Lettonie

6,8

1,0

1,4

Autriche

1,9

2,1

1,5

Lituanie

4,8

1,5

1,6

Belgique

2,2

1,8

1,4

Luxembourg

2,7

2,0

1,0

Bulgarie

6,4

1,1

0,9

Malte

2,4

1,8

1,2

Chypre

2,3

1,3

-0,3

Pays-Bas

1,5

1,6

1,2

Croatie

3,0

1,5

0,5

Pologne

2,8

1,7

1,3

Danemark

2,0

1,4

0,5

Portugal

1,8

1,4

0,7

Espagne

2,6

1,4

0,6

Roumanie

6,7

3,3

1,7

Estonie

4,8

2,6

1,6

Royaum-Uni

2,6

2,5

1,5

Finlande

1,8

1,9

0,6

Slovaquie

2,4

1,6

1,3

France

1,7

1,3

0,9

Slovénie

2,9

1,4

0,7

Grèce

3,3

0,9

0,0

Suède

1,9

0,9

1,4

Hongrie

5,0

2,7

2,1

Tchéquie

2,5

1,5

1,9

Irlande

1,3

0,4

0,2

 

 

 

 

 Este e outros documentos, aqui:

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