quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O delírio capitalista e a deriva climática - 1


  
Em meados do século XIX, Feuerbach dizia que os filósofos até então se tinham esforçado na compreensão do mundo; e que era chegada a hora de o transformar. Dezassete décadas depois, essa ideia grita aos nossos ouvidos.

Dito de outra maneira: não há solução para os problemas ambientais dentro do modelo capitalista
Sumário

1-   Introdução
2 - A gestão ambiental dos capitalistas e dos seus funcionários
3 - As alterações climáticas – causas e efeitos
a)     Casos de inelutável ausência de interferência humana
b)     Impactos históricos e atuais do desenvolvimento capitalista
c)     A gestão ambiental das multinacionais e dos seus funcionários

1 - Introdução

A Humanidade, desde os seus mais remotos tempos, deixou marcas no planeta. Porém, nunca na escala e com a profundidade dos tempos atuais. E os efeitos dessa intervenção mostram-se hoje, desastrosos e extremamente perigosos.

Abundam estudos sobre a matéria e, nas várias sociedades surgem há décadas, grupos e instituições que apontam para os danos provocados pelo capitalismo, embora na sua maioria, tomando o capitalismo como um dado, como algo exterior e compatível com a deriva ambiental. Aliás, mesmo que não houvesse a consciência da deriva ambiental, como aconteceu até há uns cinquenta anos, são muitas as razões para promovermos a extinção do capitalismo e o combate às suas pseudo-alternativas. 

Como a imagem abaixo demonstra, o bem conhecido capitalismo neoliberal, o capitalismo “socialmente responsável” - só credível por questões de propaganda ou fé - o capitalismo sustentável ou o capitalismo com rosto humano, têm a mesma face, o mesmo cheiro e muita capacidade e paciência para convencer quem tiver a mente de criança com menos de cinco anos. Em Davos, recentemente, juntaram-se os próceres do capital, sempre abertos a usar qualquer mixórdia ideológica para que tudo siga como dantes. 


O capitalismo corresponde à acumulação de capital, crescente e imparável, caminhando de crise em crise, de guerra em guerra, de destruição em construção ou de construção para destruir; com o grau necessário de destruição de vidas humanas. 

Para acelerar essa acumulação – insuficiente se apenas baseada na produção de bens e serviços – o sistema capitalista desenvolveu os artifícios financeiros que, através de múltiplas e encadeadas operações especulativas sobre mercadorias essenciais à Humanidade, bem como de fantasias numéricas, permitam gerar vultuosos ganhos de capital. Essas operações que beneficiam dos apoios necessários das classes políticas globalizadas ou dos estados-nação geram uma dinâmica frágil, cuja paragem conduz a inversões de marcha ruinosas, para o próprio capital financeiro, para as empresas que produzem bens e serviços e nomeadamente para a base, onde se situam os seres humanos, na sua esmagadora maioria, trabalhadores, ex-trabalhadores ou desempregados. Estes últimos constituem a tal maioria dos 99% da Humanidade[1] que, do outro lado, contém os nefastos 1%, de banqueiros e especuladores, os titulares de grande riqueza e os estratos mais elevados das classes políticas.

Nesse delírio, as pessoas valem pouco e são descartáveis, do trabalho ou da vida, quer sejam anticapitalistas, neutras ou ignorantes do que é o capitalismo; são e serão as vítimas sempre que essa situação for favorável à marcha da acumulação; e o mesmo se passa com a ecúmena como com a atmosfera ou os oceanos. 

Nenhuma área da vida humana deixa de estar condicionada ou conduzida pelo capitalismo; nada nem ninguém, hoje, poderá escapar à sua demente deriva. Daí que haja um enorme perigo para a Humanidade (os atuais 7200 milhões de seres humanos) uma vez que as dificuldades, a pobreza, as desconstruções sociais e os conflitos são imensos; desastres que não irão diminuir se a população humana atingir 9600 milhões de pessoas dentro de trinta anos. E isso, embora se saiba, perante as tecnologias de hoje, que o planeta pode garantir condições condignas de vida, para 12000 milhões, segundo cálculos da Unesco em 1999. Simbolicamente, a questão é: a Bolsa ou a vida.

Neste contexto, todas as abordagens parcelares, segmentadas da realidade são curtas, como se disse recentemente, sendo necessária a sua integração, a geração de sinergias, colocando de fora, como inimigos declarados, os capitalistas e as classes políticas, gestoras – em acto ou em potência - dos aparelhos de Estado, cujas funções são as de aplanarem o terreno para a consecução da acumulação de capital e a vigilância ou a repressão desapiedada para submeter a multidão. 

2 - A gestão ambiental dos capitalistas e dos seus funcionários

A acumulação de capital provoca danos colaterais como a produção de lixos mais ou menos tóxicos, oriundos das residências, das fábricas ou dos hospitais; mas sempre em quantidades crescentes e de gestão mais complicada e cara. Os letais resíduos provenientes das centrais nucleares são suscetíveis de demorar 10000 anos a desaparecer; entretanto, andam por aí, empurrados, deslocalizados para países desestruturados e pobres. Os  gases tóxicos, circulam livremente, produzidos em centrais elétricas que queimam petróleo ou carvão ou pelos motores de automóveis, camiões, barcos ou aviões, instrumentos da produção segmentada inerente às deslocalizações, vitais para gerar maiores taxas de lucro, para além do turismo. A integração de produtos químicos na alimentação de humanos, animais e plantas, tem implicações mal estudadas ou menosprezadas mas, aumentam a rendabilidade dos negócios. Os resíduos abandonados das minas contaminam águas e solos. As cadeias logísticas essenciais para a circulação de bens, de toda a parte para toda a parte, alimentam negócios, rebaixam salários, condições de vida e de trabalho, para darem resposta a um consumismo induzido para gerar lucros e um fugaz bem-estar freneticamente comprado a crédito. Os impactos que daí resultam nos aquíferos, nos rios e nos mares são evidentes. Tudo isto e muito mais, em função de uma suprema fixação no crescimento abstrato (do PIB) que, mais técnica e politicamente, se traduz por acumulação de capital, a ser objeto de posterior redistribuição. 

Mais mediáticas do que a poluição – embora esta seja mais palpável, visível, melhor conhecida e, claramente com origens na descuidada atuação humana - são as alterações climáticas, com uma abrangência global, mais imunes a atuações espacialmente estritas ou à atuação isolada de grupos de pessoas, instituições estatais, nacionais, regionais ou locais; e, sobretudo, não havendo um acervo consensualizado no capítulo das relações causa-efeito.

Essa realidade global, tende a ser monitorada por governos ou em fora internacionais, onde se cruzam técnicos, cientistas, ONG, políticos, membros ou consultores contratados pelas grandes multinacionais. A interferência de Estados e multinacionais garante situações de abastardamento e enviesamento das experiências e conclusões retiradas de trabalhos científicos; tendo por detrás, razões que se prendem com  estúpidos nacionalismos, a fixação na subordinação à lógica da rendabilidade, da criação de valor, da apresentação de lucros, para gáudio dos acionistas. 

Dessa promiscuidade surge um caldo de cultura pouco agressivo e mesmo colaborante com a ação daqueles Estados e multinacionais. Dentro da lógica do capitalismo e armados com a crença absurda de que os Estados e as classes políticas existem para ajudar os povos, há grupos que se focam numa tara inerente ao capitalismo – o crescimento – como que admitindo que curada a doença o mundo viverá a paz e a bem-aventurança eterna… em capitalismo.

3 - As alterações climáticas – causas e efeitos

Há uma grande diversidade de opiniões quanto às alterações climáticas, às suas causas e os seus ritmos de concretização. O IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change aponta as causas humanas como as mais importantes mas, há investigadores que consideram sobretudo, as causas de ordem natural. Tudo indica que haverá a considerar, um cruzamento entre causas humanas, por um lado, com outras, próprias do planeta e do seu enquadramento no espaço circundante.

Entre os cientistas sente-se a necessidade de colmatar as deficiências nos métodos da aferição utilizados e/ou as insuficiências quanto aos dados recolhidos. E daí que se venha apostando na compilação de dados sobre o clima para mais longos períodos, no sentido de tornar o modelo de circulação global (GCM) mais robusto, com a procura  de maior consistência dos resultados obtidos nas simulações.
É muito insuficiente e incerto o actual conhecimento sobre o clima[2]. Os principais fatores usados para o efeito baseiam-se em ciclos de 3.36 anos e de 22.6 anos, tomados independentemente e que, sendo muito curtos, admitem variações proporcionalmente grandes. 

O primeiro daqueles ciclos está relacionado com o ENSO - El Niño–Southern Oscillation, que se baseia na irregular variação nos ventos e na temperatura à superfície do Pacífico oriental, que afeta o clima, principalmente nas áreas tropicais e subtropicais, provocando ali altas pressões atmosféricas em paralelo com baixas pressões na Indonésia. Essas altas pressões e o aquecimento através do El Niño revezam-se com o arrefecimento que acompanha La Niña, chamando-se ao conjunto, a circulação de Walker.

O segundo ciclo prende-se com o Hale sunspot cycle, isto é, com as variações registadas nas manchas solares, que se associam a fortes campos magnéticos e cujos ciclos são irregulares, com uma muito difícil possibilidade de previsão e de relacionamento com a temperatura da Terra. Embora se saiba que o campo magnético da Terra desvia parte substancial da radiação vinda do Sol.

Podem-se ainda considerar os efeitos de um ciclo milenar resultante da conjunção entre o Sol, Júpiter e Saturno e da influência específica que, além do Sol, enormes massas planetárias - como as daqueles dois planetas – se exercem sobre os mais pequenos, como a Terra.

Sabe-se ainda que a Terra tem um leve movimento oscilatório face ao Sol, parcialmente compensado pela atração da Lua e que essa oscilação provoca alterações na temperatura, num ciclo calculado em 41000 anos.

As erupções vulcânicas (ver mais adiante) libertam CO2 para a atmosfera mas aquele tende a ser absorvido pelas rochas e reenviado para a crosta terrestre; e, num lapso de tempo de milhões de anos, é fundido no magma do interior da terra de onde retorna à atmosfera através de erupções vulcânicas. E, neste caso, é evidente a negativa interferência humana, com a acelerada desflorestação e a emissão de CO2 através, nomeadamente, das atividades industriais e dos transportes, para além do irracional uso do automóvel.

Os que apontam para a preponderância de causas não humanas podem constituir três tipos de razões para o efeito:

Ø  Cálculos científicos incontestáveis sendo alguns, efetivamente atendíveis, como atrás se referiu;
Ø  Como instrumentos de países em processo acelerado de desenvolvimento capitalista, ansiosos de recuperar o seu atraso histórico nesse processo, mormente a China e a Índia (ver adiante os consumos de energia), encobrindo as suas responsabilidades por detrás de causas não humanas;
Ø  E um terceiro caso, composto pela articulação entre as grandes multinacionais da energia que, associadas às classes políticas dos seus países, procuram ocultar as suas responsabilidades atrás de inelutáveis alterações emanadas do próprio planeta e do seu enquadramento no sistema solar. Esta situação é, portanto, em tudo semelhante á enunciada no ponto anterior.

a)     Casos de inelutável ausência de interferência humana

·        Em 939/40 o vulcão islandês Eldgja teve a maior erupção conhecida nos dois últimos milénios e provocou no hemisfério norte um verão particularmente frio; e foi aproveitada na Islândia, para o enterro dos “ineficazes” deuses pagãos favorecendo a adopção do cristianismo[3]. As suas emissões do venenoso dióxido de enxofre foram equivalentes a 33/78 milhões de toneladas e calcula-se que tenha provocado no hemisfério norte um arrefecimento de 0.7/1.5o, constituindo, então, o segundo verão mais frio em 1500 anos. 

Relatos da época, alemães, irlandeses, árabes e chineses, referem invernos muito frios com rios e lagos gelados, na época que se seguiu à erupção do Eldgja; o Nilo apresentou um anormal baixo caudal, como resposta ao efeito aerossol; houve quebras na produção agrícola derivadas do frio, com fugas de soldados e camponeses esfomeados registadas na Sicília, na Itália, o mesmo acontecendo no atual Benelux, na Alemanha e em partes de França e Suíça, como ainda em Bagdad e no Magreb. Na China, a muito maus anos agrícolas sucederam-se inundações motivadas pelo degelo qie se seguiu a extraordinárias quedas de neve, a montante. A seca na primavera/verão nos anos seguintes foi particularmente grave no Atlas, no norte do Alpes e na China oriental, onde é conhecido terem havido muitos milhares de mortos (este tema está tecnicamente desenvolvido aqui).

·        Mais grave do que a do Eldgja foi a erupção do Toba, em Samatra, há uns 70000 anos - a mais violenta num intervalo de dois milhões de anos - que provocou sucessivos e frios invernos (quedas de 10o na temperatura) e a quase extinção da espécie humana.

·        A chamada Pequena Idade do Gelo terá durado entre os séculos XIII e XVII embora ainda houvesse picos de frio em 1650, 1770 e 1850, ao que parece como resultado de uma quebra das tempestades solares. Nesse período, o Tamisa congelou em 1607 (a primeira vez) e 1814 (a última); em 1780 o gelo permitiu a passagem a pé entre as ilhas de Manhattan e Staten, em Nova York; e a Islândia esteve rodeada de gelo em 1695. No século XV, deixa de haver escandinavos na Groenlândia sendo uma das causas a migração dos inuit para sul, acossados pelo arrefecimento. Em todo esse período dificilmente se poderá encontrar, com algum significado, causas humanas. Em 1783/4, outro vulcão islandês - o Laki - provocou um arrefecimento de 1-2 o.

·        Em 1883 a brutal erupção do Krakatoa provocou abaixamento da temperatura (cerca de 1o) durante anos, na sequência das poeiras e cinzas  que rodearam o planeta; e, no momento imediato, gerou 36000 mortos, com o ruído da explosão a ser ouvido a 5000 km de distância. Passado algum tempo (muito pouco em termos geológicos), os seus efeitos dissiparam-se e hoje, passado mais de um século, resta a memória.

·        Em 2014 o vulcão Bandarbunga, na Islândia, iniciou um período de seis meses de atividade e emitiu mais gases poluentes - dióxido de enxofre - do que toda a Europa durante três anos. Já em 2010 o Eyjafjallajökull havia provocado o fecho do espaço aéreo de vinte países europeus durante uma semana, devido à emissão de cinzas; e por isso teve mais atenção mediática, uma vez que afetou a marcha dos negócios… em plena crise dos mercados financeiros. 

·      Nos exemplos até aqui referidos há sempre uma demonstrável causa para os efeitos que se conhecem; quando não há elementos tão conspícuos, as coisas são bem mais complicadas. Atualmente. os cálculos apontam para ciclos de 140 anos de grande atividade vulcânica na Islândia, com a emanação e gases tóxicos que, certamente têm impacto na temperatura do planeta.

·      Cumprindo-se ou não a regularidade dos ciclos de 140 anos na atividade vulcânica, a verdade é que os vulcões tem sido os grandes agentes ativos na configuração do clima, provocando aquecimento com a emanação de CO2 e outros gases com efeito de estufa; ou, causando arrefecimento com o envio para a atmosfera de cinzas e gotas de aerossóis que refletem os raios solares, impedindo-os de atingir a superfície do planeta.

Estes factos mostram um plano de causas-efeitos que até agora vêm conduzindo a um retorno aproximado à situação já anteriormente conhecida; aliás, nunca houve uma variação homogénea da temperatura para o planeta. Qualquer medida sintética das alterações no clima baseia-se em dados dispersos no espaço geográfico e no tempo, com a introdução de médias e desvios em modelos estatísticos de previsão. Ora, qualquer síntese desses dados localizados, cruzados e ponderados entre si, com margens elevadas de aleatoriedade cada um deles, desemboca numa outra variável que, sendo global, reproduzirá um intervalo maior, onde situará o parâmetro escolhido como indicador dessa síntese. Essa falibilidade conduziu, por exemplo, a que se não tenham cumprido as predições catastróficas de especialistas como Lovelock, anos atrás.

b)     Impactos históricos e atuais do desenvolvimento capitalista (ver a segunda parte deste texto, a publicar)

·        Nomeadamente depois da Revolução Industrial o desenvolvimento capitalista efetuou-se completamente alheio aos impactos da produção de bens e serviços para o mercado (como das guerras) e, subsidiariamente, para a satisfação das necessidades das pessoas; um processo em que se inclui a desflorestação, um processo que representa 30% das emissões de gases com efeito de estufa, tanto quanto a atividade global de transportes. E, no entanto, a redução do espaço ocupado pela floresta continua, em nome do progresso; na Amazónia, para a produção de soja ou constituição de pastagens, esperando-se um novo impulso com o governo Bolsonaro[4]; e no Gabão ou no Bornéu para o plantio de palmeiras que irão abastecer os “mercados” com óleo de palma.

·        No último século o planeta tem aquecido de modo mais vigoroso devido à industrialização, mesmo que em processos de repartição “democrática” através das deslocalizações; como resultado do crescimento da circulação de veículos de todos os modos de transporte e ainda, à atividade humana em geral. Os modelos de previsão – com alguma margem de inconsistência dada a estreiteza do lapso de tempo subjacente aos dados recolhidos - dizem que se deveria já ter entrado numa nova era de arrefecimento; no entanto, continuam a preponderar efeitos mais relacionados com o aquecimento, daí resultando uma maior incidência de furacões e secas, com efeitos na vida animal e vegetal.

·        O encolhimento de ilhas com escassa altitude, nas Maldivas ou nas Andaman, os efeitos da acidificação das águas marinhas nos corais, grandes desastres ambientais como os derrames no Golfo do México, a constituição de áreas inabitáveis em Chernobyl ou Fukushima… pouco se relacionarão com as oscilações climáticas inerentes ao planeta. O seu responsável não é a Terra mas o homo economicus, focado na maximização de rendimentos e lucros, por lapso de tempo.

·      
          Na Sibéria, o permafrost mostra os efeitos do ligeiro aquecimento a que se assiste e faz lembrar que pouco milénios atrás – o tempo, na geologia e na climatologia tem uma dimensão diferente daquele que tanto aflige o Papalagui – havia mamutes na Sibéria, em Petra corria um rio, Pasargada ou Persepolis eram grandes cidades inseridas em áreas verdejantes, etc. Para além disso há claros casos de intervenção humana como a extinção dos leões no Médio Oriente, dos auroques que pastavam na Península Ibérica, dos macacos europeus, hoje reduzidos aos resistentes no rochedo de Gibraltar, para além da vergonhosa extinção dos nativos das Caraíbas e do litoral brasileiro, do Leste dos EUA…

c)       A gestão ambiental das multinacionais e dos seus funcionários

Um terceiro caso consiste no encobrimento das responsabilidades das grandes multinacionais da energia na deriva climática – em conluio com as classes políticas às mesmas ligadas - endossando as causas da deriva climática para a dinâmica natural do próprio planeta e do seu enquadramento no sistema solar. E para essa cortina de fumo contribui fortemente a teologia neoliberal, como adiante especificaremos:

·          Nas atitudes das classes políticas está presente a indução da crença nas suas virtudes, no seu empenho e sacrifício a favor do bem-estar do povo, forçosamente vindo da livre iniciativa privada, a fonte de todo o Bem. Nas classes políticas aprecia-se que as pessoas sejam colaboradores passivos, pagantes de impostos, votantes, consumidores compulsivos, devedores, espectadores e patriotas mas, nunca definidores dos seus próprios destinos ou, que tomem qualquer iniciativa que dispense a existência da classe política. Isso, jamais!

·          Dentro dessas atitudes dos Estados e das classes políticas está a lógica de que cada pessoa deve isoladamente procurar as soluções de problemas que são coletivos, no âmbito da diretiva ideológica e política decretada por Thatcher, nos alvores da subversão neoliberal – “não existe essa coisa de sociedade”. Esta tirada conduz a que os problemas coletivos de cuja resolução o Estado se isenta, sejam deixados diretamente à sacrossanta iniciativa privada; ou colocados aos indivíduos e às famílias que acarretarão diretamente com os custos da resolução dos problemas[5]

Assim, quem quiser recusar comida de plástico, terá de pagar mais por comida saudável porque o tal Estado neoliberal só pretende que o mercado funcione, com uma “saudável” concorrência entre comida de plástico e comida saudável; sabendo-se que a primeira, menos criteriosa na escolha de ingredientes, com produção mais massiva e induzida pela publicidade, será a primeira escolha[6].

A utilização da energia solar a nível doméstico é empurrada para a competência e vontade dos núcleos familiares, cujo investimento será maior, pois os fornecedores de equipamentos saberão explorar a atomização dos seus clientes para aplicar preços mais elevados; no caso português, sem que o Estado prescinda da cobrança do IVA … pela taxa máxima. A alternativa é o recurso a empresas majestáticas de fornecimento de energia que, apesar de incorporarem uma parcela de origem renovável, saberão incluir na fatura, aumentos regulares dos preços, com o adereço IVA acoplado, entre outros encargos; e que não existem na captação direta, pelas famílias, da energia solar. Provavelmente, porque a “matéria-prima” extraída do sol está cada vez mais cara… 

·          O discurso global não se cinge a esperar com benevolência que a iniciativa familiar surja. Aponta cada indivíduo como culpado de todos os males; seja pelo aumento da dívida pública ou do deficit, da falta de competitividade, da poluição, pelas alterações climáticas, através das suas pequenas ações correntes e quotidianas. Quem não se lembra, em Portugal, durante o tempo da troika, do discurso do “gastámos acima das nossas possibilidades”? Esse plural é francamente ofensivo para a esmagadora maioria da população!

Para afastar essa culpa (aliás, bem contida na escatologia cristã) - as famílias deverão proceder ao reequipamento da sua casa, substituir as lâmpadas e o carro, comprar comida com o rótulo bio que… por acaso é alternativa mais cara e… tudo isso em contraste flagrante com rendimentos estagnados ou encolhidos, em nome da crise, recorrente nos discursos políticos. Isso, tanto se aplica a quem pelo mercado é considerado competitivo e qualificado (rico), como para quem é considerado vocacionado para tarefas pesadas e desqualificadas (pobre). 

Esse maior custo é, ao mesmo tempo, um castigo sobre os indivíduos, descuidados e poluidores que não investem o suficiente nas tecnologias verdes. Esse discurso de poupança energética, de práticas saudáveis, alimenta “mercados” mais sofisticados e bens mais caros e empurra para o consumo e para o endividamento; o que não é, de modo algum, uma contradição. Essas soluções fazem sorrir a indústria e o sistema financeiro e têm efeitos positivos no PIB, como convém…

·          Muito pior é algo que os media e as classes políticas silenciam, para que as multinacionais e os grandes empórios energéticos possam continuar a poluir impunemente, evitando alterações tecnológicas e investimentos que afetariam os lucros e as cotações das suas ações. Por isso, é bom que se saiba quem tem maiores responsabilidades nas alterações climáticas[7].

o  Em 1988/2015 a emissão de CO2 foi de 833 Giga tons. ligeiramente mais do que todas as emissões entre o início da Revolução Industrial e 1988;

o  No mesmo período iniciado em 1988, as 100 maiores empresas envolvidas na produção de combustíveis fósseis promoveram 71% das emissões industriais de gases com efeito de estufa; e entre aquelas, 25 empresas privadas, estatais ou países, foram responsáveis por 51% das emissões. Os dez principais e os respetivos contributos são:

1
China (Coal)
14.32%
2
Saudi Arabian Oil Company (Aramco)
4.50%
3
Gazprom OAO
3.91%
4
National Iranian Oil Co
2.28%
5
ExxonMobil Corp
1.98%
6
Coal India
1.87%
7
Petroleos Mexicanos (Pemex)
1.87%
8
Russia (Coal)
1.86%
9
Royal Dutch Shell PLC
1.67%
10
China National Petroleum Corp (CNPC)
1.56%

o Estes elementos não são divulgados pelos corporativos media. As grandes instituições globais e nacionais que gerem a produção energética não podem ser penalizadas – com regulamentos e impostos - porque atingiriam os difusos interesses do mercado bolsista e os níveis de preços do já volátil mercado dos combustíveis. São, não apenas too big to fail mas intocáveis pois uma crise financeira, de confiança no funcionamento do sistema capitalista, é algo que o sistema financeiro, os muito ricos, os especuladores e as classes políticas não desejam, de todo.


·          Em paralelo com a cimeira do G20, em 2017, foi divulgado um relatório[8] revelador do papel dos Estados no apoio ao grande capital, contrariamente ao pensamento escolástico de que o Estado cumpre a satisfação do bem comum. Pois bem, esse apoio às energias fósseis é quatro vezes superior àquele que é dispensado às energias renováveis, como se pode ver neste extrato dos dados publicados (média anual em 2013/15, em milhões de dólares).


Energias limpas (a)
Energias fósseis (b)
(b)/(a) vezes
África do Sul
229
352
1,5
Alemanha
2357
3461
1,5
Arábia Saud.
13
1276
98,2
Austrália
524
152
0,3
Brasil
1165
2985
2,6
Canadá
171
2953
17,3
China
85
13532
159,2
Coreia Sul
92
8907
96,8
EUA
1271
6008
4,7
França
650
609
0,9
Grã-Bretanha
172
972
5,7
Itália
123
2149
17,5
Japão
2657
16466
6,2
México
235
288
1,2
Rússia
0
1092
-




















Quanto ao financiamento multilateral através de bancos de desenvolvimento, a situação é menos gravosa.

ADB (África)
132
166
1,3
ADB  (Ásia)
935
674
0,7
ERDB  (Europa)
919
1012
1,1
EIB/BEI   (Europa)
4011
3485
0,9
I-A DB (Inter-Americ.)
532
151
0,3
Grupo Banco Mundial
2428
3228
1,3









E a situação global mostra o que acima dissemos, que o financiamento das energias fósseis é claramente preferido face às energias limpas, com o alto patrocínio das classes políticas, gestoras do santificado Estado.

TotaL Geral
18739
71781
3,8





(continua)
Em breve, O delírio capitalista e a deriva climática - 2

Este e outros textos em:



[1]  O marcado e objetivo antagonismo entre os 99% de seres humanos e os 1% de grandes capitalistas e dos elevados níveis das classe política foi popularizado a partir do movimento horizontal de massas, Occupy Wall Street, em 2011 

[2]  Seguimos de perto “Identification of the driving forces of climate change using the longest instrumental temperature record” contida na conceituada revista Nature assumindo a nosso parco conhecimento nestas matérias de ordem científica https://www.nature.com/articles/srep46091

[3] Os novos deuses, contudo, não livraram, os islandeses das catastróficas erupções do Hekla, em 1300; nem da peste negra em 1350; nem do aprisionamento dos habitantes de Reikjavik, levados como escravos por piratas mouros, no século XVII…

[4]  No período anual iniciado em agosto/2012 a Amazónia perdeu 5843 km2 de floresta e o assassínio de índios já no consulado de Bolsonaro não é um bom presságio; nem para o ambiente nem para os nativos.

[5]  Mesmo que os problemas sejam verdadeiras idiotices. Anos atrás, uma conhecida associação ecologista aconselhava as famílias a apagarem as luzinhas distribuídas pela árvore de natal, sempre que saíssem de casa. A poupança energética é … enorme!
[6]  Em Portugal a recente taxa sobre as bebidas açucaradas visou obter receitas fiscais toleráveis pela plebe – e que os produtores tratarão de repercutir nos preços, sem dificuldades. Porém, qualquer um que esteja nas filas das caixas de supermercado terá um verdadeiro manancial de guloseimas, pejadas de açúcar e corantes que aliciarão, particularmente crianças

[7]  Conforme “The Carbon Majors Database” – Report 2017

[8]  TALK IS CHEAP: HOW G20 GOVERNMENTS ARE FINANCING  CLIMATE DISASTER  

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