A grande dependência das
autarquias face às transferências do Estado central é uma forma de controlo. A
tradição centralista, mantendo o controlo financeiro da grande maioria das autarquias,
evita a regionalização e mostra a sua aversão à democracia
Sumário
1 - A distribuição do
produto do saque fiscal
2 - Transferências
estatais substituem receitas fiscais autárquicas
3- Receitas fiscais –
grandes disparidades na evolução em 2004/15
4 - As transferências da
administração central
5 – A dependência das
transferências do Estado
6 – Necessidade de um
novo modelo de representação
O capitalismo gera, por natureza, desigualdades sociais e
regionais, devido à sua paranoia pela acumulação, pela aceitação religiosa de
que os mecanismos de mercado tudo resolvem, tudo equilibram, bastando para o
efeito que cada pessoa inche de empreendedorismo e seja competitivo; o que só
acontece com alguns, nomeadamente
desde que possuam capital já acumulado e capacidade de obter favores do Estado.
desde que possuam capital já acumulado e capacidade de obter favores do Estado.
No âmbito de uma incessante e jamais satisfeita necessidade de
meios financeiros, as várias instâncias do Estado desenvolvem lutas para a
repartição do dinheiro dos impostos e do poder para o gastar, reproduzindo as
desigualdades sociais e regionais; em regra, com prejuízo para a população,
afastada dessa repartição, decidida pela classe política através de um
não-democrático modelo de representação política. As próprias políticas de
desenvolvimento regional, comportam particularmente os interesses de empresas
de obra pública ou de algumas empresas interessadas na exploração de recursos
naturais ou humanos, surgindo os interesses da população como subproduto de
adorno dos estudos. Quando os governos ou os autarcas anunciam um investimento
gostam de referir o número de “postos de trabalho”, pouco referindo os níveis
de qualificação e salariais ou os vínculos laborais; e, sobretudo, depois de
realizado o investimento ninguém irá cotejar a propaganda ex ante com a realidade
ex post.
1 – A distribuição do produto do saque fiscal
Vamos prosseguir a publicação de alguns textos sobre as finanças
municipais, para que se observe a quantificação de alguns dos fluxos de fundos
no seio das instituições do actual regime cleptocrático e empobrecedor da
maioria.
Toda a punção fiscal é exercida sobre a população, sempre
através de uma máquina única, fechada, com uma burocracia kafkiana e
centralizada junto do governo nacional; referimo-nos à Autoridade Tributária,
entidade de caráter estratégico para o regime e para a vigência do típico
centralismo do poder em Portugal. O produto da punção fiscal e de recursos
financeiros com outras fontes, mormente provenientes da UE é objeto de uma
cascata de redistribuições;
· uma primeira redistribuição do pecúlio processa-se entre as
instituições centrais, regionais e autárquicas, sob a suserania das primeiras,
com elevado protagonismo do Ministério das Finanças e tendo, no seu conjunto,
como agentes, as várias estirpes de membros da classe política;
· procede-se, em seguida a uma segunda redistribuição, no seio de
cada um daqueles níveis da administração estatal, no âmbito dos quais se
observa uma luta acerada pelo aumento do respetivo quinhão, nomeadamente entre
ministérios e também jogos de sedução exercidos por autarcas junto do poder
central e das instâncias partidárias;
· num terceiro círculo, contempla-se a satisfação dos interesses
das estruturas partidárias locais, das famiglias
que beneficiam de obras e serviços e ainda, no caso da administração central,
dos negócios mediados por lobbys de
advogados e de grandes empresas, habituais beneficiários de isenções,
subvenções, contratos e despachos avulsos, a troco de corruptas transferências
para os mandarins e partidos convenientes, para além de colocações em conselhos
de administração a elementos das mafias.
Todas essas movimentações de fundos colocados à disposição da
classe política, têm como garantida a inexistência de qualquer real avaliação
da sua distribuição e aplicação por parte das vítimas da punção fiscal, da
população. Aliás, a população é institucionalmente colocada à margem porque a
Constituição empurra o direito de voto na direção de instituições nada
modelares como os partidos, tratando, em simultâneo, de complicar com uma
pesada burocracia o aparecimento de listas fora de chapéu partidário; a não ser
quando esses independentes apresentam a sua ligação partidária encoberta ou se
apresentam em rotura com as suas origens partidárias mas, com o mesmo propósito
de rapina e manipulação.
As receitas correntes das autarquias cresceram – em valor - nos
últimos quatro anos quase tanto como nos sete anos anteriores, em franco
contraste com os rendimentos do trabalho e do PIB do país. Esse crescimento é
mais elevado no capítulo das transferências do Estado, mesmo que tenha
abrandado no último quadriénio, ao contrário do que se verificou com as
receitas fiscais. (ver quadro abaixo)
Quanto às receitas fiscais, o IMI
é a grande mina que o regime cleptocrático descobriu para principal receita
fiscal das autarquias; em 2004 correspondia a um terço daquelas receitas e em
2015 chega aos 60% do total, numa evolução que se inicia antes das exigências
da troika. Como há uma evolução
aproximada na taxação dos veículos, não é difícil concluir o caráter senhorial
da administração autárquica, vivendo do rendimento predial de casas que foram
construídas totalmente ao arrepio de uma política de habitação que nunca
existiu e a despeito dos encargos camarários faraónicos[1]
que oneram a construção de habitações. Com a mesma lógica, com autoestradas
pagas em todo o lado, o regime participou no negócio privado das portagens e
incentiva a compra de automóvel… para mais importados; não fomenta a utilização
de transporte público (e onde fomenta, cobra em estacionamentos, camarários e
privados); e ainda incide sobre o registo do automóvel um imposto único de
circulação (IUC), com elevadas taxas de crescimento nos últimos onze anos. Toda
esta azáfama tributária para munir as autarquias, não evitou o aumento da
relevância das transferências vindas da administração central, nem se traduziu
em melhorias substantivas nos serviços prestados.
O imposto municipal sobre as transmissões (IMT) tem um baixo
crescimento no primeiro período, que aumenta claramente no segundo,
precisamente no tempo em que a crise endémica na formação económica portuguesa
atingiu o ponto mais baixo. Por seu turno, as derramas, com taxas de 0.5% a
1.5% sobre os lucros tributáveis das empresas, revelam um decrescimento
contínuo.
M euros
|
var anual (%)
|
||||
2.004
|
2.011
|
2.015
|
2004/11
|
2011/15
|
|
Receitas correntes
|
4.554
|
5.642
|
6.519
|
3,4
|
3,9
|
Vendas bens e
serviços
|
603
|
704
|
809
|
2,4
|
3,7
|
Transferências
|
1.504
|
2.136
|
2.504
|
6,0
|
4,3
|
- da
Admin. Central
|
1.479
|
2.097
|
2.470
|
6,0
|
4,4
|
Rendimentos
propriedade
|
121
|
259
|
254
|
16,3
|
-0,5
|
Taxas e
multas
|
214
|
234
|
189
|
1,3
|
-4,8
|
Receitas fiscais
|
2.253
|
2.452
|
2.847
|
1,3
|
4,0
|
- Impostos
diretos
|
1.887
|
2.112
|
2.566
|
1,7
|
5,4
|
-
IMI/Contrib Autárquica
|
631
|
1.169
|
1.533
|
12,2
|
7,8
|
- IUC/IS
Veículos
|
114
|
184
|
241
|
8,8
|
7,7
|
-
IMT/Sisa
|
467
|
507
|
583
|
1,2
|
3,8
|
-
Derrama
|
380
|
251
|
208
|
-4,8
|
-4,3
|
-
Abolidos
|
293
|
7
|
1
|
-13,9
|
-22,1
|
- Impostos
indiretos
|
366
|
134
|
122
|
-
|
-2,2
|
-Taxas
|
206
|
160
|
-
|
-5,6
|
Fonte primária
– DGAL
2 - Transferências estatais substituem receitas fiscais
autárquicas
No gráfico abaixo observa-se que até 2007 as receitas fiscais
apresentaram um crescimento superior às transferências, sabendo-se que nestas
há uma grande predominância das provenientes da administração central, como
evidenciado no quadro anterior. A situação muda no ano seguinte porque, com o
início da crise financeira internacional, há uma quebra significativa no IMT -
ligado às transações imobiliárias - e na derrama, paga pelas empresas aos
municípios mas, sem que se reduza a ascensão das transferências; o que só deixa
de acontecer em 2011, ano em que o descalabro das contas públicas vem a nu,
motivando a intervenção da troika.
Fonte primária – DGAL
Assim, o ano de 2012 apresenta o ponto mais baixo dos últimos
anos, quer para as receitas fiscais, quer para as transferências estatais
destinadas às autarquias; esse ano, em contrapartida, foi o ponto alto do
governo Passos e do magarefe Vítor Gaspar. Porém, em 2013, há um reforço
significativo das transferências e um crescimento anémico da parcela da punção
fiscal de que as câmaras são beneficiárias. E isso, uma vez que alicerçada
na atividade económica e nos rendimentos da população, aquela punção ficou
submetida às agruras da grande onda de redistribuição
de rendimentos levada a cabo para beneficiar
a competitividade das empresas em solo português; isto é, a intervenção da troika. Nos dois últimos anos, as
receitas fiscais recuperam e atingem o nível observado em 2007, acompanhadas,
em compensação, de alguma estagnação das transferências.
No âmbito destas mudanças, as transferências iniciam o período
considerado com um valor correspondente a 70% das receitas fiscais, atingem o
seu mais baixo nível comparativo em 2006 (63%), crescendo daí em diante até
quase atingirem a paridade (98%) em 2013; decaem, desde então, para atingirem
86.8% em 2015, com a recuperação das receitas fiscais que, só em 2015 igualam
os valores de 2007.
É evidente uma solidariedade do Estado central para as
autarquias, provavelmente com assimetrias entre as últimas mas, reveladora de
uma grande dependência daquelas face ao orçamento do Estado. Isso foi,
certamente, validado pela troika e,
simultaneamente, aproveitado pelos governos para promoverem um maior controlo
financeiro sobre as autarquias, discriminando, obviamente, entre os vários
segmentos da classe política autárquica, os amigos e os adversários do partido
reinante em S. Bento.
Por outro lado, nenhum mecanismo, órgão administrativo ou
político atua preventivamente ou com eficácia nos casos de autarquias sobre-endividadas
ou com práticas
nocivas ou danosas de gestão; e menos ainda se se observam actos de
responsabilização material e criminal de autarcas corruptos, incompetentes ou
levianos. Por exemplo, a criação de empresas municipais, constitui uma forma de
instituição de áreas fora das regras da administração pública e que podem
funcionar como “saco azul”, sede de endividamento, ou colocação de familiares e
amigos, contratações a esmo, fora das contas municipais, privatização de facto
de certas áreas da competência das câmaras, como o abastecimento de água,
gestão de parques, pavilhões desportivos ou espaços dedicados à cultura. Na
novilíngua neoliberal replicada por autarcas e economicistas, trata-se da
empresarialização, a adopção da filosofia do mercado para a satisfação de
necessidades coletivas, contra a burocracia, o despesismo e epítetos
depreciativos afins, contemplados no dicionário neoliberal.
As Assembleias Municipais, seriam um órgão vocacionado para essa
fiscalização mas, na realidade, funcionam como tribunas de jogos florais entre
grupos políticos, nas quais a população é colocada de lado, sem poderes
decisórios e com escassa possibilidade de intervenção; ou, mesmo sem direitos
de presenciar os referidos jogos que, por norma, são palhaçadas de mandarins
locais com a pretensão de imitar os de maior gabarito. A oligarquia
pós-fascista em pleno, manifesta-se também através do burlesco.
A grande fatia de transferências do Orçamento de Estado torna as
autarquias grandes dependentes dos humores políticos e financeiros do gang
governamental com a chave do pote, cujo enraizado centralismo se manifesta em
querer transferir funções para as autarquias mantendo o garrote financeiro
apertado… em nome de uma chamada descentralização que mais não é que a
transformação das autarquias em serviços locais do governo. Colocar no terreno
autarquias de nível superior, de caráter supraconcelhio é coisa que ficou perdida
na Constituição e que nem a “esquerda” parlamentar reclama apesar da sua
veneração pelo documento fundamental, por muito oligárquico que seja.
Muitas autarquias não estão particularmente endividadas e a sua
situação como devedoras, globalmente, reduziu-se significativamente nos últimos
anos, ao contrário do que aconteceu com a dívida pública nacional.
Dívida autárquica e
estatal per capita (em euros)
|
‘* 24464 em junho/2017
O quadro atrás revela a centralização no Estado central da
captação de fundos. Mesmo que não esgotada a capacidade de aumento da carga
fiscal, com o baixo nível da atividade económica no período e a despeito da perda
de significado dos rendimentos do trabalho, a dívida
pública nacional mantém-se em nível muito elevado não havendo reestruturação
que lhe valha, por razões políticas e financeiras. O Estado, como último
elemento com capacidade de financiamento no exterior, depois da falência do
sistema financeiro português, tornou-se o grande
distribuidor de dinheiro para os ditos empresários, para o abastecimento da
classe política e, no caso das autarquias, através das já referidas
transferências. Uma vez mais, ocorre à memória um género de mutualização de
dívida e da sua gestão, através da criação de regiões administrativas, ao invés
de tudo ficar dependente de um aparelho concentracionário que tudo controla a
partir de Lisboa.
A debilidade das finanças da grande maioria das autarquias,
enquadrando populações envelhecidas e pobres, necessitadas de apoios públicos e
com as baixas receitas inerentes ao seu tecido económico formal, não facilita o
recurso ao crédito bancário direto mas, quanto muito, alguma margem de manobra
para esticar os prazos de pagamento a fornecedores.
3- Receitas fiscais – grandes disparidades na evolução em
2004/15
As receitas fiscais no período 2004/15 tiveram um crescimento de
26.4%, muito aquém das transferências feitas pelo Estado, 67%; e para isso
contribuiu a sua quebra no período inicial e a lenta recuperação a partir de
2007, como atrás se referiu.
Há mesmo 17 autarquias cujo montante de receitas fiscais se
reduziu e, nessas preponderam câmaras PS e, em segundo plano, algumas dirigidas
pelo PCP, Nos restantes escalões construídos com intervalos construídos a
partir de valores múltiplos da média nacional de evolução das receitas fiscais
há a registar a preponderância do PS – natural dado o seu maior peso autárquico
– seguido pelo PSD que, juntamente com as situações de aliança com o CDS,
domina claramente no número de casos onde as receitas fiscais aumentaram mais
de 105.6%; isto é, mais de quatro vezes a média de crescimento nacional em
2004/15. É notória, também a fraca representação relativa do PCP nos dois
escalões onde os aumentos foram mais acentuados, (ver quadro abaixo)
O facto de haver apenas 85 câmaras com um indicador inferior à
média nacional, refere-se ao baixo crescimento ou mesmo redução das receitas
fiscais em autarquias de grande relevância em termos demográficos e
financeiros, como por exemplo, Oeiras, Porto, Matosinhos, Loures, Almada, Faro
ou Braga, situando-se Lisboa com valores pouco acima da média global (30.8%).
Receitas Fiscais - variação 2004/15(%)
|
||||||
Presidências
|
Câmaras
|
< 0
|
0-26,3%
|
26,4-52,7 %
|
52,8-105,6 %
|
> 105,6 %
|
CDS
|
5
|
2
|
1
|
2
|
||
LISTAS
|
13
|
1
|
4
|
1
|
4
|
3
|
PCP
|
34
|
5
|
9
|
14
|
2
|
4
|
PSD-CDS-PPM/ MPT
|
3
|
2
|
1
|
|||
PS
|
149
|
10
|
32
|
35
|
39
|
33
|
PS-BE-PND-MPT-PTP-PAN
|
1
|
1
|
||||
PSD
|
87
|
1
|
16
|
17
|
23
|
30
|
PSD-CDS
|
16
|
5
|
1
|
6
|
4
|
|
Total
|
308
|
17
|
68
|
72
|
75
|
76
|
Média
nacional - 26,4 %
|
Na identificação das situações de maior aumento da receita
fiscal, assinala-se a presença de cinco autarquias açorianas nas cinco
primeiras posições, seguidas de câmaras do interior norte. Predominam naquele
conjunto, as geridas pelo PS, com o PSD no lugar seguinte tratando-se, em todos
os casos, de concelhos com pouca população. No que se refere aos dez
decrescimentos mais notórios, eles recaem em concelhos da Área Metropolitana de
Lisboa e na área do Ribatejo; são, na sua maioria geridas pelo PS e o PCP surge
em segundo lugar, embora a sua representatividade na totalidade seja bem
inferior à do PSD, só presente em Óbidos no contexto dos dez casos de maior
redução das receitas fiscais.
Evolução das receitas fiscais (%) –
2004/15
|
|||||
Os 10 mais elevados crescimentos
|
Os 10 maiores decrescimentos
|
||||
NORDESTE
|
PS
|
447,7
|
CONSTÂNCIA
|
PCP
|
-35,9
|
CORVO
|
PS
|
400,4
|
VILA FRANCA DE XIRA
|
PS
|
-30,3
|
LAJES DAS FLORES
|
PS
|
386,9
|
PALMELA
|
PCP
|
-28,6
|
LAJES DO PICO
|
PS
|
360,9
|
CARTAXO
|
PS
|
-24,1
|
CALHETA (SÃO JORGE)
|
L
|
352,3
|
AVIS
|
PCP
|
-16,3
|
RIBEIRA DE PENA
|
PS
|
316,0
|
ENTRONCAMENTO
|
PS
|
-16,1
|
VILA POUCA DE AGUIAR
|
PSD
|
300,9
|
ÓBIDOS
|
PSD
|
-15,8
|
PENEDONO
|
PSD
|
275,4
|
SINES
|
PS
|
-13,5
|
FREIXO DE ESPADA À CINTA
|
PSD
|
273,5
|
TOMAR
|
PS
|
-11,5
|
ALJUSTREL
|
PS
|
263,4
|
MONTIJO
|
PS
|
-10,7
|
Média nacional – 26,4
|
4 - As transferências da administração central
A
evolução das transferências da administração central entre 2004 e 2015 é muito
distinta entre os municípios portugueses. Globalmente e repetindo o que
dissemos atrás, as transferências correntes cresceram substancialmente,
enquanto as receitas fiscais tiveram um período de quebra partir de 2007, só
recuperando o valor deste último ano, em 2015.
A média
nacional da variação das transferências da administração central para as
câmaras, no período 2004/15 foi de 67% mas, a desigualdade entre as várias
autarquias é muito grande. No quadro seguinte, observa-se que em cerca de 60%
das câmaras, a evolução dessas transferências foi inferior à média nacional,
sendo essa situação mais evidente nas autarquias de presidência PSD e PCP;
inversamente, as câmaras PS ou detidas por Listas apresentam maior representatividade
das situações em que o indicador é superior à média nacional.
Transferências da Adm. Central - variação 2004/15(%)
|
||||||
Presidências
|
Câmaras
|
< 0
|
0-33,5%
|
33,6-67,0 %
|
67,1-102 %
|
> 102,1 %
|
CDS
|
5
|
4
|
1
|
|||
LISTAS
|
13
|
1
|
6
|
4
|
2
|
|
PCP
|
34
|
1
|
21
|
11
|
1
|
|
PSD-CDS-PPM/ MPT
|
3
|
1
|
1
|
1
|
||
PS
|
149
|
4
|
4
|
70
|
57
|
14
|
PS-BE-PND-MPT-PTP-PAN
|
1
|
1
|
||||
PSD
|
87
|
3
|
6
|
52
|
24
|
2
|
PSD-CDS
|
16
|
11
|
4
|
1
|
||
Total
|
308
|
7
|
12
|
166
|
102
|
21
|
Média
nacional - 67 %
|
No seio
da situação global, refletem-se as profundas desigualdades na afetação de
recursos estatais ao funcionamento das câmaras; e vamos proceder, em seguida, à
personalização das situações mais extremas. Nos casos cimeiros de elevado
crescimento das transferências, quase todos os municípios têm um volume
significativo de população e pertencem às áreas metropolitanas de Lisboa e
Porto; inversamente, os casos de maior redução dessas transferências recaem
sobre autarquias com pouca população, na sua maioria do interior ou das Regiões
Autónomas, com a notória excepção de Lisboa.
Evolução das transferências estatais
(%) – 2004/15
|
|||||
Os 10 mais elevados
crescimentos
|
Os 10 mais baixos
crescimentos
|
||||
VILA NOVA DE GAIA
|
PS
|
812,6
|
VILA NOVA DE PAIVA
|
PS
|
-77,7
|
VILA NOVA DE FAMALICÃO
|
PSD/CDS
|
487,3
|
VILA FRANCA DO CAMPO
|
PS
|
-60,4
|
VILA DO CONDE
|
PS
|
384,2
|
VILA NOVA DE FOZ CÔA
|
PSD
|
-46,7
|
VILA FRANCA DE XIRA
|
PS
|
347,7
|
VILA DO PORTO
|
PSD
|
-45,5
|
PRAIA DA VITÓRIA
|
PS
|
231,7
|
LISBOA
|
PS
|
-4,4
|
VILA FLOR
|
PS
|
164,4
|
PORTO SANTO
|
PS
|
-4,1
|
MAFRA
|
PSD
|
147,3
|
VILA DE REI
|
PSD
|
0,1
|
ODIVELAS
|
PS
|
143,8
|
CASTRO MARIM
|
PSD
|
3,7
|
LOURES
|
PCP
|
137,4
|
ALJEZUR
|
PS
|
4,4
|
PAREDES
|
PSD
|
132,5
|
ANSIÃO
|
PSD
|
12,9
|
Média nacional – 67 %
|
Como cada
autarquia é um caso específico, só com uma análise mais detalhada se poderia
aferir se é verdade ou não, que as transferências do Estado para as autarquias
tendem a acentuar as conhecidas clivagens territoriais; se os acrescidos fluxos
para concelhos populosos da faixa litoral atendem a necessidades específicas e
se a sua redução ou estagnação corresponde a regressão populacional e/ou
económica.
5 – A dependência das transferências do Estado
Se a evolução das transferências da Administração central foi
muito mais notória do que a das receitas fiscais, isso significa que em 2004 as
primeiras representavam 65.6% das segundas, tendo passado para 86.8% em 2015.
Isto é, a autonomia financeira das autarquias representada pelas receitas
fiscais que lhes são afetas reduziu-se, assumindo, com maior relevância, a
componente de transferências estatais, no total das receitas correntes dos
municípios.
Vejamos, relativamente a 2015 o número de câmaras que mantinham
um volume de transferências inferior a 86.8% das receitas fiscais e aquelas que
apresentaram indicadores superiores, com limites baseados em múltiplos daquele
valor nacional. (ver quadro seguinte)
Somente 55 câmaras mantêm indicadores inferiores à média
nacional sendo de assinalar a forte presença relativa de autarquias com
presidências PCP nesse conjunto; são essas as menos dependentes de
transferências estatais. É significativo que o maior subconjunto de câmaras
(118), seja o das situações de mais elevado grau de dependência face às
transferências, em que estas correspondem a mais de quatro vezes o indicador
calculado para o total do país (a vermelho no mapa mais abaixo).
Relação entre transferências e
receitas fiscais (%) - 2015
|
||||||
Presidências
|
Câmaras
|
< 86,8
|
86,8-173,6%
|
173,7-260,3 %
|
260,4-347,2 %
|
> 347,3 %
|
CDS
|
5
|
2
|
1
|
2
|
||
LISTAS
|
13
|
4
|
1
|
2
|
3
|
3
|
PCP
|
34
|
10
|
5
|
2
|
3
|
14
|
PSD-CDS-PPM/ MPT
|
3
|
3
|
||||
PS
|
149
|
22
|
32
|
23
|
13
|
59
|
PS-BE-PND-MPT-PTP-PAN
|
1
|
1
|
||||
PSD
|
87
|
12
|
16
|
13
|
11
|
35
|
PSD-CDS
|
16
|
3
|
5
|
3
|
5
|
|
Total
|
308
|
55
|
61
|
44
|
30
|
118
|
Média nacional - 86,8 %
|
Apresentam-se nos quadros seguintes os valores das
transferências provenientes da Administração Central em percentagem do total
das receitas fiscais, para os casos mais extremos, de menor e maior dependência
das receitas correntes face às transferências; e para os anos de 2004 e 2015.
Os 10 casos de menor
dependência de transferências
|
|||||
2004
|
2015
|
||||
VILA NOVA DE GAIA
|
PS
|
6,4
|
LISBOA
|
PS
|
8,8
|
VILA FRANCA DE XIRA
|
PS
|
9,2
|
CASCAIS
|
PSD/CDS
|
14,4
|
VILA DO CONDE
|
PS
|
10,8
|
ALBUFEIRA
|
PSD
|
14,5
|
LISBOA
|
PS
|
12,0
|
LAGOS
|
PS
|
17,3
|
OEIRAS
|
L
|
14,4
|
LOULÉ
|
PS
|
18,5
|
LOULÉ
|
PS
|
15,3
|
LAGOA
|
PS
|
19,3
|
CASCAIS
|
PSD/CDS
|
15,9
|
PORTIMÃO
|
PS
|
24,2
|
VILA NOVA DE FAMALICÃO
|
PSD/CDS
|
16,7
|
OEIRAS
|
L
|
27,1
|
LAGOS
|
PS
|
17,7
|
SEIXAL
|
PCP
|
27,6
|
PALMELA
|
PCP
|
17,8
|
SETÚBAL
|
PCP
|
27,8
|
As dez câmaras com menores índices de dependência em 2004
apresentam valores algo abaixo das que se situam nessas posições em 2015. Isso
significa que mesmo nos casos de continuidade de baixos níveis de
transferências, relativos às receitas fiscais, em 2015 eles surgem com valores
mais elevados do que onze anos atrás.
Há vários casos de continuidade nas listas dos menos dependentes
de transferências em 2004 e 2015 – Lisboa, Cascais, Lagos, Loulé e Oeiras.
Porém, Loulé e Oeiras aumentam o seu grau de dependência no período, enquanto
Lisboa e Cascais o reduzem. Quanto ao leque partidário representado, as
alterações têm pouco significado.
Em qualquer dos momentos retratados, os concelhos destacados são
áreas com uma população muito significativa, com excepção de Lagos e Lagoa que
se situam em patamares demográficos mais modestos.
Observando os principais casos de maior dependência face a
transferências observa-se que os níveis se reduziram claramente entre os dois
momentos em comparação; o oposto aconteceu, como dissemos atrás para os
concelhos de menor dependência, tornando-se claro que o intervalo de dispersão
dos indicadores, que era de (6.4 - 16103) em 2004 se cingiu, onze anos depois,
a (8.8 – 5148).
Os 10 casos de maior
dependência de transferências
|
|||||
2004
|
2015
|
||||
CORVO
|
PS
|
16103,3
|
CORVO
|
PS
|
5147,1
|
LAJES DAS FLORES
|
PS
|
4550,2
|
BARRANCOS
|
PCP
|
2001,7
|
VILA NOVA DE PAIVA
|
PS
|
3551,1
|
ALCOUTIM
|
PS
|
1551,6
|
BARRANCOS
|
PCP
|
3314,9
|
LAJES DAS FLORES
|
PS
|
1477,5
|
VILA DO PORTO
|
PSD
|
3286,8
|
CRATO
|
PS
|
1255,4
|
VILA NOVA DE FOZ CÔA
|
PSD
|
2745,9
|
MÉRTOLA
|
PS
|
1192,1
|
PENEDONO
|
PSD
|
2490,9
|
ARRONCHES
|
PSD
|
1120,4
|
LAJES DO PICO
|
PS
|
2150,6
|
VINHAIS
|
PS
|
1083,8
|
NORDESTE
|
PS
|
2020,4
|
AVIS
|
PCP
|
1082,8
|
FREIXO DE ESPADA À CINTA
|
PSD
|
1914,2
|
MONFORTE
|
PCP
|
1067,3
|
Também aqui há casos de concelhos que se mantêm entre os dez
mais elevados níveis de dependência, ainda que mais atenuados do que em 2004 –
Corvo, Lages das Flores e Barrancos; estes e os restantes encontram-se em áreas
periféricas ou em processo de desertificação, com destaque para os Açores em
2004 e para o Alentejo em 2015. Esta situação, que abrange muitos mais
concelhos revela que as transferências são um elemento de solidariedade no
contexto nacional, muito marcado pelas assimetrias mas, não evita a continuação
da concentração de gente numa faixa estreita, próxima do mar, a par com a maior
parte do território, com populações envelhecidas e evanescentes, já sem
capacidade sequer para manter a floresta. Um processo
acelerado de desertificação que abordámos no texto anterior
A observação do mapa evidencia que as situações de maior
dependência das transferências estatais se manifestam em toda a faixa interior
e ainda nas Regiões Autónomas. Inversamente, os mais baixos níveis de
transferências, comparativamente às receitas fiscais, encontram-se em áreas bem
definidas, nas faixas litorais, ocidental e sul.
Essa situação, retratada no mapa, evidencia não só as conhecidas
e grandes desigualdades mas também a debilidade da atividade económica na
grande maioria do território, incapaz de gerar, através de carga fiscal, as
receitas adequadas à gestão das necessidades comuns a cargo das autarquias. E
daí a sua falta de autonomia, uma vez que se tornam dependentes da afetação de
meios transferidos pela administração central, para que se garanta uma
qualidade mínima de vida da população local, para além do desperdício com a
cara mediação das antenas locais dos gangs partidários, suas redes de subornos,
compadrios e de colocação de familiares e amigos na burocracia autárquica.
6 – Necessidade de um novo modelo de representação
O controlo do território pelos governos, do ponto de vista
financeiro não é caro. As transferências estatais para as câmaras - € 2470 M em
2015 – ou mesmo as receitas fiscais - € 2850 M no mesmo ano – são, como se vê,
ninharias no contexto das contas do Estado central que, em 2016, só de impostos
diretos e indiretos arrecadou cerca de € 41000 M. Esse mesmo Estado, em
contrapartida, com o pagamento de juros de dívida, beneficia o capital
financeiro com um valor que é mais de três vezes superior ao transferido para
as autarquias. As suseranias cobram sempre dos vassalos.
As autarquias deveriam e poderiam ter um papel mais relevante na
vida das pessoas e isso deveria ser feito com uma intervenção muito mais
extensa e profunda da população; em detrimento de uma administração central,
enorme e tentacular, quiçá com saudade dos tempos do fascismo em que as câmaras
eram meras delegações locais do governo. Essa propensão centralista e
totalitária revela-se também no desinteresse em criar as regiões
administrativas, como previsto na Constituição, havendo uma verdadeira
unanimidade de facto no seio da classe política e que se revela no seu silêncio
sobre o assunto. E mostra-se também pelo papel decisivo que tem o Ministério
das Finanças no controlo de todos os níveis da administração, incluindo a
Segurança Social, cuja inserção no aparelho de estado constitui de per si um
abuso de confiança; os fundos daquela instituição não pertencem ao Estado mas
aos que descontam ou descontaram para esse fundo coletivo dos trabalhadores.
Porém, esse processo de aproximação entre a gestão autárquica e
a população está perturbado, infetado pela presença de uma classe política –
nacional e local - que se insere ou submete, claramente, na lógica centralista.
Consideramos que só há democracia se cada comunidade gere
diretamente a satisfação das suas necessidades coletivas prioritariamente a
partir dos rendimentos gerados no seu seio; e que a deliberação sobre as
prioridades quanto a bens coletivos e serviços comuns, disponíveis ou a
disponibilizar, pertence à própria comunidade, possuidora do poder de decisão
absolutamente democrática tomada pelos seus membros. Usando as designações
surgidas na antiga democracia ateniense devem vigorar: a isonomia (igualdade
quanto a direitos, perante as leis), a isocracia (igualdade na capacidade de
indicar um representante da comunidade e de ser o próprio a ser escolhido como
tal), a isegoria (igualdade na expressão de opinião), para além da parrésia
(capacidade de emitir opinião sem represálias ou sanções).
Como é evidente, a autossuficiência é muito difícil de se
conseguir e, cada comunidade – freguesia, município, região - terá de se
articular com outra ou outras e desenvolver com elas uma matriz de relações
para adquirir uma dimensão útil e adequada para a satisfação das necessidades
dessa comunidade.
- Isso significa que deverá vigorar uma lógica de solidariedade e ajuda mútua, entre as comunidades com mais recursos e as menos providas daqueles; fora dos paradigmas capitalistas de despersonalização das relações entre pessoas ou comunidades, em favor do deus Mercado que tudo (dizem) equilibra e despidas da pulsão destrutiva pelo enriquecimento a todo o custo.
- Significa ainda que uma comunidade terá de afetar uma parte dos seus recursos para investimentos ou manutenção de serviços de âmbito multicomunitário, de impossível ou inconveniente execução num plano meramente local.
- Por outro lado, haverá necessidade de ocorrer a situações extraordinárias – desastres naturais, por exemplo – que possam afetar a comunidade ou comunidades vizinhas, no âmbito de solidariedades despidas do espírito capitalista.
Toda esta arquitetura se baseia no princípio da subsidiariedade
que confere ao âmbito local, à decisão coletiva tomada diretamente pelos seus
habitantes e beneficiários, a prioridade na resolução dos seus próprios
problemas, com os seus próprios recursos, sem a interferência e, menos ainda de
imposição, de estruturas autoritárias, hierárquicas, provenientes de uma classe
política.
Qual a dimensão demográfica adequada para um município, por
exemplo. Sem se cair num comunitarismo identitário e excludente, nem no
gigantismo das grandes metrópoles cujo (dis)funcionamento levanta enormes
problemas de circulação, ambientais, etc. considera-se, em geral, que um
município que vá além dos 40/50000 habitantes coloca necessidades de
infraestruturas muito além do que é proporcionalmente exigível dentro daqueles
limites.
Quanto
ao funcionamento, em geral, das instituições políticas e, em consonância
com o que há uns anos dissemos, a decisão coletiva deveria alicerçar-se em algo
deste tipo:
· Órgãos de carater executivo constituídos por indivíduos
residentes há mais de um ano, votados pela população;
· Eleição de indivíduos, não de listas e, com limitação do número
de mandatos
· Possibilidade de cessação de mandatos por iniciativa dos
eleitores
· Abertura e facilitação de referendos com caráter, obviamente, de
resultados vinculativos
· Total ausência de mordomias e imunidades para quem exerça
funções de representação
· Administração pública e aparelho judicial independentes do
governo
· Acesso gratuito e facilitado a todos os arquivos e decisões dos
órgãos públicos
· Moldura penal agravada e sem prescrição para casos de corrupção
Este e outros textos em:
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] Um
caso concreto que conhecemos contempla uma vivenda modesta, avaliada em €
46000, numa rua com mau asfalto e sem passeios, tendo a câmara local onerado
aquela casa com € 11000 de “encargos de urbanização”
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