quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Universidade como instrumento do poder




Durante quase toda a sua história a Universidade produziu o discurso conveniente ao Estado onde se insere – o discurso hegemónico - e continua a fazê-lo agora, com as adequações próprias introduzidas pelo capitalismo de hoje. 

A Universidade funciona como guardião do templo, a arca do conhecimento legitimado (o que for herético é silenciado) mesmo que tenham sido substituídos os representantes de Deus, pelos arautos do sistema financeiro e das multinacionais. A Universidade é um instrumento do poder e, como tal, pratica uma rígida hierarquia, impõe o autoritarismo e o afunilamento ideológico, tal como acontece nas restantes escolas, no trabalho, nos quartéis e nas prisões.



Muito recentemente, assistimos a dois catedráticos defenderem a aprovação do TTIP e convénios conexos, com um argumentário frouxo e ideológico onde ressaltou o seu papel como objetivos arautos do poder das multinacionais; só assim se compreende porque  tomam como irrelevante que as pessoas sejam compelidas a ingerir carne com hormonas, frangos tratados com cloro ou vegetais de origem transgénica. Nada disto é estranho pois os quadros  universitários são a principal fonte de recrutamento de governantes, nacionais ou comunitários, estando ainda bem representados nas instituições par(a)lamentares.

O discurso do poder é fabricado na Universidade e tende a ignorar, depreciar ou perseguir o pensamento não oriundo da Universidade; isto é, não consagrado na catedral do conhecimento. 

Spinoza nunca passou pela universidade e o desconhecimento da sua fecunda obra, pouco conveniente para o poder, gerou o espanto em figuras como Nietzsche quando soube da sua existência dois séculos depois da morte do filósofo. Darwin desprezou a Universidade e o que observou e estudou feriu de morte o criacionismo reinante. Einstein teorizou a relatividade e só depois teve direito a um lugar na universidade, onde fora impedido de entrar pelo establishment. Robert Kurz era jornalista e foi o indivíduo mais entendido em marxismo da nossa época. Foucault teve de esperar pelo Maio francês para lhe reconhecerem os méritos e lhe permitirem lecionar numa universidade, abandonando o ignorado liceu de Tunes. Graeber teve de se mudar para Londres depois de excluído de uma universidade americana. E há, certamente, muitos mais casos, onde a inovação e a criatividade foram e são geradas fora dos claustros universitários.

Em contrapartida, um ilustre reitor de Coimbra quando soube que Newton “descobrira” a gravidade, negou-se a reconhecê-la uma vez que a Bíblia não referia tal coisa. Tchekov não terá certamente, sabido desse facto mas, disse que a Universidade desenvolve todas as qualidades incluindo a da estupidez.

A Universidade continua a ser uma forja de obediência, de uniformização, até mesmo exacerbada sob formas bestiais como as praxes, ou ridículas como as fardas, encaradas com tolerância e bonomia pelas “autoridades” universitárias. Aliás, nem seria de esperar outra atitude, pois nas sessões solenes da Universidade, os seus mais altos hierarcas envergam uma farda negra para mostrarem bem a sua dissemelhança face aos mortais comuns. Recentemente observámos que numa dessas solenidades, um hierarca de topo tinha enfiado na cabeça um chapéu azul que mais parecia um abat-jour, enquanto proferia um discurso; como é evidente, naquele tão selecionado ambiente, ninguém viu o ridículo. 

Como exemplo, dessa fábrica de subserviência, divulgamos a experiência de um antigo aluno de um tal Cavaco Silva, sobre este último. Cavaco, no final dos anos 60 era um assistente do actual ISEG que ensinava algo tão científico como encontrar rubricas específicas de receita ou despesa pública em pesados e enormes volumes que continham o orçamento do Estado. O seu chefe era um catedrático vaidoso e arrogante de nome Alves Martins, cujo brilho não consta nos anais dos economistas portugueses mas, que obtinha de Cavaco um respeito tão subserviente que o colocava a rir perante piadas insípidas do lente ou a corroborar alguma vacuidade do mesmo. Cavaco veio a copiar mimeticamente a postura do Alves Martins, nas suas relações com os “ajudantes” (ministros) e a afirmar que “nunca se engana e raramente tem dúvidas”. Assim se configurou a figura mais nefasta do último século português, depois de Salazar.

Não deixa de ser curioso e contraditório que os adolescentes repudiem os uniformes a que são obrigados nos colégios, como um sinal de despersonalização mas, que poucos anos depois, enverguem a farda universitária como uma pertença que eleva e distingue. O ridículo é um elemento especificamente humano que mais nenhuma outra espécie reconhece; será que, inversamente, a não distinção do ridículo é um sintoma de menoridade cultural? 
 
Da área da economia transborda o primado do neoliberalismo que inclui tretas perigosas como o crescimento infinito do PIB, a competitividade, o empreendorismo e que até atribuiu às contabilidades o título de “ciências contábeis”, como inventou umas “ciências empresariais” e ainda, a moda das Business Schools em qualquer sede de paróquia.

Estas “invenções” atingem toda a sociedade e a Universidade em particular enquanto fábrica de certificações para quem as puder pagar, mesmo em escolas que se dizem públicas. Exigem-se aos professores métricas sobre o número de “papers”, espírito concorrencial, a ligação às empresas para garantir objetivos comerciais e economicistas, relegando para um segundo plano, por escassa “empregabilidade” as artes, as áreas sociais ou a literatura. No âmbito do economicismo[1], se se não gera valor, de forma tão material como a produção de sabão ou, atravessada pela corrupção, como uma concessão de autoestrada, está-se no seio do desperdício; e ainda nesse contexto, não é de estranhar uma elevada precariedade laboral para quem leciona, como acontece com um trabalhador de call-center. Para que este sistema instável funcione, para mais num contexto de penúria de dotações orçamentais, é necessário recorrer à captação de alunos estrangeiros para a recolha de propinas, tornando os reitores mais atentos à tesouraria do que aos conteúdos lectivos.

A empresarialização (outro conceito caro ao neoliberalismo) do ensino superior através de universidades privadas cuja valia ficou marcada pelos escândalos financeiros que provocaram o encerramento de várias das mesmas, a par com os negócios de créditos e o facilitismo instaurado, desde que se paguem as propinas. Essa empresarialização favoreceu a contratação de elementos dos estratos médios e inferiores da classe política (com graus variáveis de valia académica) pois é uma forma de ligação ao aparelho de estado; e, inversamente, para esses elementos, o estatuto de professor universitário – mesmo em part-time - é um fator de distinção para os media e de afirmação junto de um povo cuja cultura nem sempre vai além do que é apresentado no telejornal.

O economicismo não tem apenas face neoliberal; apresenta também, ainda que minoritários, alguns perfis keynesianos, tão desfasados e ridículos hoje, como destrutivo é o paradigma neoliberal[2]. É conhecido um ativo naipe de românticos professores universitários que advogam uma ressurreição da soberania nacional, com regresso a moeda própria e saída da UE; talvez, com os seus ares de uma esquerda próxima do PC, não tenham percebido que reproduzem o programa da Le Pen.

Há uns dez anos a IBM consultou 765 gestores de topo a nível global para que indicassem as “fontes mais importantes de ideias inovadoras”[3] e os resultados não foram muito lisonjeiros para a Universidade neoliberal:

Empregados – 45%
Parceiros de negócio – 40%
Clientes – 38%
Consultores – 21%
Concorrentes – 20%
Associações, feiras e conferências – 19%
I&D interno – 19%
Academia – 15%

Para terminar, numa sociedade opressiva marcada pelo controlo biopolítico, a liberdade de pensamento e de criação tenderá a subsistir essencialmente fora da Universidade ou de outras instituições do capital, perante o cerco de silêncio dos media corporativos, em grupos autónomos e nas áreas mais relevantes para a geração de um espírito anticapitalista.

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2 comentários:

  1. O ensino superior em Portugal com a particular mentalidade retrógrada que acaba sempre por transbordar e difundir para o resto da sociedade, foi e continua a ser o maior fator de atraso relativamente a outros países europeus, atraso esse que é sobretudo cultural. Veja-se o seguinte artigo do Diário Económico de Junho de 2015:

    http://economico.sapo.pt/noticias/saiba-porque-e-que-as-empresas-devem-contratar-doutorados_221057.html

    O título original não era este, mas "Como convencer o Zé das PME a contratar doutorados". Como houve referências nos comentários ao título insultuoso do artigo este foi à posteriori alterado para o supramencionado. Insultam quem lhes pagou o curso e depois lhes paga o salário.

    O sistema de ensino superior em Portugal é onde a estupidez sempre fez o melhor ninho.

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  2. Grazia Tanta suponho que tenha uns escribas com nome próprio, seria interessante saber a quem pertence a palha acima despejada.
    Para o escriba existe uma grande diferença entre marie lepen e a merkel, deduz-se que a divida é do povo Português, e ainda que deveremos amochar perante a lança do germanismo substituto das divisões panzer de hitler o euro.é de esperar que continuem a descarregar palha para confundir o pagode.Morte aos traidores!

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