Sumário
1 – Um plano global onde a democracia não
mora
2 - Uma Assembleia da República como peça
chave da democracia
2.1 – A nocividade da
classe política
2.2 - Quem é eleitor e quem poderá ser eleito
para a Assembleia da República?
2.3 - Um deputado por cada circunscrição eleitoral
2.4 - Limitação do número de mandatos
2.5 – Campanhas eleitorais e seu financiamento
2.6 - Ausência de privilégios ou imunidades
2.7 – Exclusividade
2.8 - Cessação de mandatos
2.9 - Constituição do governo
2.10 - Governo e administração pública
2.11
- As funções da Assembleia da República
1 – Um plano global onde a democracia
não mora
Nos cinco textos já divulgados[1] sobre o tema da revisão da CRP - no âmbito da
organização política e do modelo de representação - considerámos duas traves
mestras de suporte a uma democracia verdadeira;
· o
princípio da subsidiariedade, segundo o qual, as decisões sobre a vida coletiva
são tomadas pelos seus beneficiários diretos, dentro das suas capacidades
materiais de concretização.
· e a
expressão democrática baseada em assembleias e no livre acesso de qualquer
pessoa a funções políticas.
Tecemos arquiteturas alternativas ao actual
modelo oligárquico e excludente no capítulo das autarquias – as freguesias e os
municípios. Não nos deteremos, para já, na arquitetura política a nível das
regiões autónomas, presente nos Açores e na Madeira; tal como deixaremos para
altura própria, a figura do presidente da república que, hoje é preenchida pelo
sinistro elemento que ocupa, com todo o mérito, o papel histórico da maior
nocividade de todo o tempo de duração da República, somente ultrapassado por
Salazar.
As regiões autónomas têm uma abundante
presença na CRP. Entre as autarquias, surgem as inexistentes regiões
administrativas (nº1, artº 236 da CRP) tipificadas nos artº 255º a 262º,
esperando oportunidade de nascimento e que se apresentam, como letra morta, há
cerca de 40 anos. O regime e a classe política que o mantém, contudo, afadigam-se,
cinicamente, em protestos do mais estrito cumprimento das leis, com relevo para
a constitucional[2],
possuidores do mais elevado quilate democrático.
Não havendo movimentação popular no sentido
da criação das regiões administrativas, não parece encontrar-se quem queira
repetir o referendo de 1998 que as rejeitou.
Esta situação demonstra que o regime não
cumpre as suas próprias leis, evidenciando que está escancarada a porta para
todas as arbitrariedades, conluios e comportamentos desviantes por parte da
classe política[3],
com todos os custos inerentes à predação fiscal, à ausência de serviços
públicos condignos e à inexistência de instituições efetivamente democráticas,
onde a população possa exercer as suas prerrogativas criadoras e corretoras.
Ir-se-á realizar no dia 4 de outubro mais
uma feira eleitoral que, com elevada probabilidade, reproduzirá o lodaçal
habitual, se se admitir que a inferência estatística e a percepção da realidade
têm alguma validade.
Se na Grécia e apesar das grandes mudanças
no xadrez partidário a situação económica e social mantém o seu povo em
empobrecimento continuado, não é difícil conceber o que mudará na vida dos
sobreviventes em Portugal, com a ausência de movimentação social, com a
estagnada classe política portuguesa, e a tranquila supervisão da troika. Neste contexto, nada de novo
surgirá na vida das pessoas; as eleições serão um placebo legitimador da
continuidade da austeridade e da corrupção. O processo eleitoral está viciado
na forma, configurando uma paródia de democracia; e somente um empoderamento
popular que altere profundamente o sistema político e o modelo de representação
poderá abrir caminho a um contributo para uma solução democrática e
anticapitalista na Europa.
Como dissemos no segundo texto deste conjunto
sobre a revisão da CRP[4] “os elementos centrais
da expressão democrática, no contexto dos vários círculos de agregação
territorial das pessoas, são as assembleias”. A própria CRP terá de conter não
só as atribuições de cada instituição democrática, de caráter nacional,
regional ou local como ainda regras claras, para que não haja interferências
por parte das instâncias com maior abrangência, sobre outras com competências
territorialmente mais circunscritas, como vem sendo a prática histórica dos governos.
A soberania em cada instância cabe aos residentes, só estes tendo capacidade
legal de interferir nos órgãos aos quais dão poderes de representação delegada.
2 - Uma Assembleia da República como peça
chave da democracia
A existência de uma Assembleia da República
é necessária para a discussão e a decisão sobre os assuntos que dizem respeito
a todos, de modo indivisível territorialmente, devendo constar na CRP as
decisões que obrigatoriamente deverão ser referendadas. A Assembleia não pode
ser um areópago cosmético, que se dedica à mediatização de um espetáculo frouxo
com atores de baixo gabarito e que pouco decide, depois de transitar as suas
competências para o governo através de autorizações legislativas.
2.1 – A nocividade
da classe política
Está expresso na CRP (artº 113º nº 2) que o recenseamento
eleitoral é oficioso, obrigatório, permanente e único para todas as eleições
por sufrágio direto e universal, sem prejuízo do disposto nos n.os 4
e 5 do artº 121º. Já anteriormente demos a nossa opinião[5] sobre a forma como a
classe política tem promovido ou calado a adulteração do recenseamento
eleitoral.
Durante o regime fascista, só uma minoria
da população (cerca de 1.8 M de pessoas) podia votar em 1969/73, sendo os
candidatos a eleger indicados pela classe política de então. Depois do 25 de
Abril o número de eleitores passou a 6.2 M de pessoas em 1975, isto é, a toda a
população com maioridade mas… os candidatos a eleger, desde então continuam a
ser indicados pela classe política; o regime cleptocrático actual, porém, em
vez de afastar milhões de potenciais eleitores como faziam os fascistas, passou
a incluir no recenseamento perto de um milhão de eleitores inexistentes! Não há
fome que não dê em fartura…
Curiosamente, em 1969 e apesar da presença
da oposição nas eleições, a taxa de abstenção foi de 37.5%, sabendo-se porém
que o recenseamento não incluía a esmagadora maioria da população trabalhadora.
Ora, em 2011, os dados oficiais da abstenção cifravam-se em 41.9% do
eleitorado, valor certamente inflacionado pela existência de eleitores
“fantasmas”. Uma coisa, no entanto, é querer votar e não poder, como aconteceu
em 1969 com muita gente; outra, é não se votar por se não poder nem querer,
como em 1973, no final da “primavera marcelista”. O que hoje acontece é uma
terceira hipótese, é poder-se votar e achar-se que de nada serve, como acontece
agora para grande parte da população. Compete aos ferozes arautos do voto pelo
voto[6], que tornam os abstencionistas
e equiparados como o inimigo a abater explicar se, numa jaula com vários tigres
iriam escolher o seu devorador.
No tempo do fascismo, como agora, ser
candidato não é um direito inerente à cidadania, é uma benesse atribuída pela
classe política, através das suas agremiações e, mais precisamente, pelos seus
oligarcas.
Numa eleição democrática para a Assembleia
da República, quem tem o direito de eleger também pode ser eleito, como
princípio básico da democracia. Ambos os direitos têm igual dignidade e são
inseparáveis. A diferença é que o exercício do direito a votar é dado por
inerência às pessoas e a concretização do direito a ser eleito depende apenas
de iniciativa ou de aceitação pelo próprio.
Como se sabe, no actual regime
cleptocrático nada se processa dessa maneira. Os candidatos, como potenciais eleitos,
são provenientes dos partidos, depois de previamente escrutinados, escolhidos
ou aceites pelas respetivas estruturas dirigentes, de acordo com os seus
índices de subserviência.
Para eles, a função a ocupar comporta o
exercício de um poder, só longinquamente escrutinado e ainda o usufruto de
benesses pessoais; e por isso, gera-se um acotovelar de candidatos dentro de
cada agremiação partidária, um jogo de sedução e influência junto dos chefes do
partido. Por seu turno, sendo os partidos estruturas essencialmente fechadas,
autoritárias e muito hierarquizadas, os seus chefes têm poder efetivo para a
nomeação do candidato, acompanham o seu desempenho se for eleito, exigindo
serviços e favores em benefício do partido, dos seus clientes e financiadores.
A própria CRP (artº 10º, nº2) define os
partidos como concorrentes “para a organização e para a expressão da vontade
popular” introduzindo esse conjunto de mediadores cuja necessidade ou não,
deveria ser do livre exercício dos direitos elementares de associação de cada
um e que nunca deveria constituir um imperativo constitucional limitador da
liberdade da população no capítulo dos seus direitos políticos. O nº 3 do artº
46º diz que “ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação”; no
entanto, essa pertença torna-se obrigatória para quem queira exercer funções
políticas. Quem se não queira submeter a essa obrigação terá de se limitar, no
âmbito da política, ao exercício do voto numa dessas associações fechadas e
distantes, às quais 97% da população não pertence. Uma vez mais, a CRP
afirma-se como instituinte da oligarquia reinante desde 25 de novembro de 1975,
em indisfarçável continuidade com o caráter autoritário do regime findo com o
25 de Abril.
No tempo do fascismo, a União Nacional,
mais tarde rebatizada como Ação Nacional Popular não era propriamente um
partido e só surgia à tona em momentos eleitorais (no entanto, continha alas,
sensibilidades, em luta pelo reconhecimento do chefe). Salazar detestava
querelas partidárias e sentia-se um predestinado com poder pessoal, acima de
tudo e todos. No regime actual, radicado nos equilíbrios posteriores a 25 de
novembro de 1975, a legitimação viria a passar pelo afunilamento da vida
política em partidos, como acontecia “lá fora”, passado o prazo de validade dos
caudilhos. Embora formalmente diferente do que se passava durante a ditadura, a
decisão política continuou exclusiva de uma classe política, também excludente
do povo e hierarquizada, como os mandarins do fascismo; e até, inchados no seu
modernismo, copiaram o método de Hondt para a CRP (nº 1, artº 149º para a
Assembleia da República e artº 260º para as regiões) para facilitar a
constituição de maiorias estáveis, como os mercados gostam.
Para além de impor os partidos como
elementos incontornáveis para o exercício das funções políticas, o regime
institui limitações ponderosas à sua criação, com um processo burocrático
moroso e dispendioso, submetido a veredito do Tribunal Constitucional que, por
sua vez, é uma emanação dos partidos dominantes em Portugal, da concorrência já
instalada – um género de condicionamento eleitoral, inspirado no
condicionamento industrial do fascismo. Mesmo que um grupo de pessoas consiga
vencer essas dificuldades, não conseguirá vencer a discriminação mediática a
favor dos grémios do “arco da governação”. O concurso em eleições é uma luta
desigual em exposição mediática, em meios financeiros, em acesso à informação,
configurando, apenas uma colaboração na legitimação do actual regime
cleptocrático.
Para que se mantenha o simulacro de
democracia, o regime oferece meios financeiros, retirados do erário público a
todos os partidos que ultrapassem uma dada fasquia de votos. Os partidos
grandes dedicam-se à mentira e ao roubo e os pequenos animam as romarias
eleitorais, procurando crescer; e como isso não acontece, na realidade
limitam-se a legitimar o regime. Nas cortes medievais, para além de reis,
marqueses e barões também havia bobos para animar os serões.
O espetro partidário em Portugal é
preenchido por três naipes de partidos.
· O partido-estado PSD/PS e o seu acólito
CDS, constituem o chamado “arco da governação”, o fulcro da gestão da
perpetuidade do regime, englobam os funcionários do sistema financeiro
dominante, são os donos da punção fiscal e os magnos agilizadores da corrupção;
· Segue-se a esquerda do regime (PCP/BE) que
tem o papel de animador das sessões da Assembleia da República, de oposição
legitimadora do regime, de organizador implacável do controlo social e, sendo
paga para o efeito, funciona como um dueto afinado de entidades empregadoras;
· Finalmente, um vasto e heterogéneo leque de
pequenos grupos que funcionam como os decorativos balões coloridos das marchas
populares, durante os pleitos eleitorais, na sua maioria tão inúteis que nem
têm direito a financiamento pelo regime.
O conjunto dos partidos portugueses[7] terá cerca de 300000
inscritos, isto é cerca de 3% da população merecendo, até pela sua baixa
representatividade na população, o título de classe política. Entre esses
inscritos, uma grande parte não exerce atividade política alguma; outros, pagam
quotas quando há eleições internas ou comparecem nos jantares locais de lombo
de porco para recolha de fundos, quando o grande chefe visita a paróquia;
sobra, no topo, um grupo limitado com desempenho efetivo na estrutura
partidária e/ou nas instituições políticas ou, com cargos empresariais
influentes. A mobilidade na hierarquia das estruturas partidárias é difícil e
sujeita a altos e baixos, de acordo com as sortes eleitorais ou as apostas nas
disputas internas.
A CRP (artº 147º) define que a Assembleia
da República “é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses”,
que é composta por deputados (artº 148º) eleitos por círculos e que são
elegíveis os “cidadãos portugueses” (artº 150º). Porém, logo o nº 1 artº 151º
refere que “as candidaturas são apresentadas… pelos partidos políticos”
precisando que as pessoas só são elegíveis através da mediação partidária e não
por sua própria e livre vontade. Esse condicionamento visa a manutenção de uma
classe política, fechada, cujos dirigentes detêm, de facto, o poder de decidir
quem poderá ser deputado. A mesma disposição da CRP, talvez para disfarçar o
caráter oligárquico do regime, informa que as listas (partidárias, por
impositivo constitucional) podem “integrar cidadãos não inscritos nos
respectivos partidos”, como se essa inclusão pudesse passar ao lado dos chefes
partidários. Estes, desta forma, podem apresentar-se como condescendentes
democratas que até aceitam pessoas não inscritas nos seus partidos como candidatos…
mas, depois de filtrados de impurezas populares ou ideológicas.
Na realidade, nenhuma pessoa, fora de
representação ou mediação partidária terá possibilidades de exercer funções
políticas; essa é uma das grandes linhas antidemocráticas da CRP.
A CRP contém mesmo preciosidades como a de
que nenhum candidato pode concorrer em vários círculos eleitorais “exceptuando
o círculo nacional quando exista” (nº 2, artº 151º). Este último, quando exista
será único, não? Outra dessas preciosidades está contida no nº 1 do artº 155º
onde se afirma a garantia institucional dada aos deputados, de procederem ao
“indispensável contacto com os cidadãos eleitores e à sua informação regular”.
Alguém conhecerá um local onde, regularmente deputados do seu distrito compareçam
junto das pessoas comuns para um diálogo? Quantos já tiveram a experiência de
ir à Assembleia da República abordar questões com deputados, sem encontrarem
gente apressada e desinteressada pela frente? Nas deslocações aos distritos, os
deputados confraternizam com as estruturas partidárias locais, com mandarins
autárquicos, com empresários e nada mais. O povo comum, desconhecerá esses
encontros e nem terá à-vontade para estar nessas tertúlias de mafiosos.
No nº 2 do artº 152º, informa-se que os
deputados representam o país “e não os círculos por que são eleitos”. Admite-se
que deva haver uma visão do país como um todo, embora seja comum e natural que
um deputado coloque questões com maior relevância ou específicas da região de
onde seja proveniente. Esse problema não se coloca para as vedetas partidárias
que podem surgir como candidatos onde seja conveniente para o partido, só lá
comparecendo em campanha eleitoral. Porém, as pessoas votam em listas
partidárias que se apresentam como adstritas ao seu círculo eleitoral, neste
caso o distrito[8];
e como constitucionalmente não representam os círculos eleitorais onde foram
eleitos, a responsabilização dos deputados perante a população que os elegeu,
não existe. Os eleitores votam em listas partidárias distritais mas, os eleitos
nem formalmente são seus mandatários e portanto as pessoas têm, também aí, uma
evidência da ausência de poder de obviar a más decisões dos “seus” deputados. A
concepção de democracia dos constituintes mostra-se, uma vez mais, pobre e enviesada.
2.2 - Quem é eleitor e quem poderá ser
eleito para a Assembleia da República?
Num regime democrático em Portugal, serão
eleitores e potenciais candidatos a deputados, os residentes em Portugal há
mais de 5 anos, (de qualquer nacionalidade) e emigrantes portugueses a residir
fora do país há menos de 5 anos, todos com mais de 16 anos[9]. Em 2014 estavam
registados cerca de 9.7 milhões de pessoas (com mais de 18 anos) sabendo-se que
os “fantasmas” serão cerca de 893000. Para efeitos práticos, o número dos eleitores
e potenciais eleitos, com mais de 16 anos situar-se-á entre 9 e 9.5 milhões de
pessoas.
2.3 - Um deputado por cada circunscrição
eleitoral
Entende-se que deve haver uma relação
biunívoca de representação, entre o deputado eleito numa dada circunscrição
eleitoral e o conjunto dos residentes naquela. O actual modelo de apresentação
de listas partidárias não estabelece essa relação e exclui a candidatura da
esmagadora maioria das pessoas, não pertencente a organizações partidárias.
Uma representação,
para conter uma grande proximidade e interação entre a população de uma dada
circunscrição e o deputado eleito por essa população, exige a consideração de
conjuntos populacionais não muito dilatados.
Consideramos que o número potencial de deputados na Assembleia da República se
deveria situar entre os 450 e os 600, consoante a dimensão atribuível às
circunscrições que os elejam (20000 ou 15000 pessoas, respetivamente, com
capacidade eleitoral).
O aumento do número de deputados aqui
proposto, aliado ao modo da sua eleição, como adiante se observará, bem como
devido às prerrogativas dos eleitores sobre o desempenho dos seus
representantes, são elementos que permitem uma maior proximidade entre
representantes e representados, a verificação de um verdadeiro mandato, um
enorme reforço da democracia; nomeadamente, perante a situação actual em que a
democracia foi aprisionada por uma classe política, parasitária, corrupta, de
gente medíocre, acomodada e arrogante, inchada pelas prerrogativas a que se
acha com direito.
Existem pessoas, por incompreensão do que é
a democracia[10]
e por critérios economicistas que se materializam em poupanças insignificantes,
que defendem a redução do número de deputados na actual Assembleia da República
(230, o máximo concedido na CRP). Como se observará adiante, ao aumento
sugerido correspondem novas funções, uma nova prática para os deputados,
diferentes condições de desempenho, não sendo forçoso que custem
proporcionalmente mais do que os atuais.
Os candidatos a deputado deverão residir no
território da circunscrição eleitoral onde concorrem e há mais de um ano,
contado até à data da eleição.
Será eleito o candidato mais votado desde
que votem mais de metade dos inscritos. Se isso não acontecer será realizada
uma segunda votação um mês depois, com os candidatos que se apresentarem para o
efeito (os anteriores ou quaisquer outros). Se se mantiver uma votação inferior
a metade dos inscritos, a circunscrição não estará representada na Assembleia
da República.
Se um
eleito, desistir de tomar posse como deputado, se resignar durante o mandato ou
ainda, se ocorrer doença incapacitante ou óbito, haverá lugar a novas eleições
na sua circunscrição. Não existirá a figura da substituição, como atualmente,
em que os presentes na Assembleia da República podem, potencialmente, ser
elementos não eleitos no acto eleitoral. O mandato é pessoal e intransmissível.
Sabemos a
grande e preocupada unidade existente na classe política quanto aos
abstencionistas, acusados de todas as infâmias, irresponsabilidades e conluios.
Mas também sabemos que nunca – em quarenta anos - se assistiu a qualquer
evolução técnica na expressão do voto, ainda baseada na deslocação até ao local
da votação, do papelinho colocado na urna, da contagem levada a cabo por gente
dos partidos e outros, obrigados a colaborar nos actos eleitorais, numa
logística pesada cujos custos costumam ser apontados por economicistas fascistóides,
sempre disponíveis para a redução da democracia. O regime, que gasta muitos
milhões de euros para montar aplicações informáticas escrutinadoras das nossas
vidas, para proceder ao extrativismo fiscal, não cuida de gerar fórmulas ágeis
e cómodas do exercício do voto, pela internet. Pode ir-se à junta de freguesia
entregar por via eletrónica a declaração do IRS mas, usar a internet para votar
não, só com métodos arcaicos.
Convém à
classe política o arcaísmo técnico nas eleições. A votação pela internet
colocaria na agenda algo de francamente revolucionário, que colocaria em
evidência o caráter parasitário da classe política. A votação pela internet
poder-se-ia dirigir a propostas colocadas pelas pessoas, discutidas previamente
entre si, de forma aberta e transparente; nesse contexto, para que serviria a
classe política e mesmo a representação se as pessoas pudessem, elas próprias,
decidir, sem intermediários?
2.4 - Limitação do número de mandatos
A prática a que se vem assistindo na actual
Assembleia é a de que os deputados se mantêm em exercício sem qualquer
limitação no número de legislaturas, bastando para o efeito manterem-se nas
boas graças do chefe partidário e como bons prestadores dos serviços
convenientes para poderosos interesses económicos que, só ocasionalmente,
coincidirão com os interesses da população.
Defendemos
legislaturas como as atuais, de quatro anos, não podendo um deputado ser eleito
em mais de duas de cada conjunto de quatro legislaturas, num total de quatro
mandatos na sua vida. Pretende-se que o exercício de uma representação seja
parte de uma atitude cívica de contributo para o bem comum, que compete a todos
e em que muitos devem participar. Pretende-se evitar, a todo o transe, o
enquistamento de uma classe política que a prática demonstra ser a base para a
corrupção.
2.5 – Campanhas eleitorais e seu
financiamento
Como as candidaturas se apresentam a nível
local, de circunscrição eleitoral, compete às autarquias organizar os debates
entre os candidatos, as apresentações dos programas de cada um, a
disponibilidade de locais para a propaganda, sem custos para os candidatos, com
total imparcialidade e igualdade de oportunidades entre aqueles.
Neste contexto, não haverá dissemelhanças
resultantes das diferenças de capacidades económicas pessoais entre os
candidatos, sendo excluídos os que aceitem financiamentos privados para o
efeito. Aos municípios será disponibilizado um fundo para despesas de campanha,
a repartir por todos os candidatos nas circunscrições eleitorais que o
território municipal abranja. Pretende-se que numa campanha eleitoral as
desigualdades se restrinjam às ideias e à sua formulação pelos candidatos.
2.6 - Ausência de privilégios ou imunidades
Os atuais privilégios, imunidades e
subsídios vitalícios que os deputados têm, contribuem para a degenerada imagem
que o povo tem da Assembleia da República e da classe política em geral;
sobretudo porque são os próprios beneficiários a aprovar essas benesses, em
total contraste com as agruras e o empobrecimento que atinge a esmagadora
maioria da população. Esta última, nunca inquirida sobre cortes e perdas de
direitos, apresentados como inevitabilidade.
Dessa imagem se alimenta o populismo, com a
defesa da redução do número de deputados. A diminuição do custo inerente a essa
redução não fere a ilegitimidade de privilégios, que continuariam, só que
aplicados a um leque mais reduzido de indivíduos; em termos orçamentais não
seria particularmente relevante. Por outro lado, não havendo alterações
profundas no funcionamento, na composição e nas responsabilidades efetivas dos
deputados, a redução do seu número não traria qualquer impacto na qualidade da
democracia em Portugal. Essa redução não evitaria a presença de mafiosos, as
ligações a escritórios de advogados ou outros interesses económicos, como não
modificaria o caráter cosmético da Assembleia, comparativamente ao executivo.
Numa lógica democrática, cada deputado terá
direito a um salário condigno, com a mesma carga tributária e os descontos para
a Segurança Social que oneram os trabalhadores em Portugal. O tempo de
exercício de deputado contará integralmente para efeitos de aposentação, sendo
os benefícios para os riscos de doença e acidente também semelhantes aos dos
restantes trabalhadores. Terminado o exercício da representação como deputado,
o indivíduo regressará às suas anteriores funções, não podendo ser objeto de
despedimento por razões que se possam imputar àquela presença na Assembleia da
República.
As despesas com telecomunicações,
deslocações e estadas em serviço serão, naturalmente, pagas pelo orçamento da
Assembleia. Para os deputados que vivam longe de Lisboa, a Assembleia da
República dotar-se-á de edifícios com apartamentos devidamente equipados e
destinados ao seu alojamento, como acontece na Suécia[11].
A Assembleia da República será munida de um
conjunto de funcionários, técnicos e administrativos, escolhidos em concursos
públicos, para proceder ao apoio dos deputados, na sua globalidade; não
havendo, portanto assessores e funcionários privados ou grupais ou, menos
ainda, gente de perfil partidário, como hoje, em estágios pagos pelo erário
público. Os serviços da administração pública, nacional, regional e municipal,
encarregar-se-ão de fornecer a informação solicitada pelos deputados para estes
procederem aos estudos necessários para o desempenho das suas funções.
No âmbito da atividade parlamentar, cada
deputado estará disponível para ouvir e dialogar com as pessoas da
circunscrição por onde foi eleito, localmente, uma ou duas vezes por mês, sem
prejuízo de comunicações por correio eletrónico. Um avanço democrático
relevante será o deputado decidir o seu sentido de voto em questões concretas,
em conjunto com a população, pessoalmente ou, em listas abertas, de discussão.
Consideramos que um deputado, pela sua
exposição pública e responsabilidades de representação deve ser um cidadão
exemplar; e, nesse contexto, as exigências que lhe são imputáveis, do ponto de
vista ético, não lhe devem propiciar vantagens ou isenções de
responsabilidades, comparativamente às pessoas comuns.
Compreende-se que os deputados não possam
nem devam ser indiciados por opiniões que emitam no exercício das suas funções
parlamentares, como referido na CRP (nº 1, artº 157º).
O nº 2 do mesmo artigo exige a autorização
da Assembleia da República para que um deputado seja ouvido como arguido em
casos que possa conduzir a pena de prisão com pena superior a três anos; essa autorização
é dispensada se o caso configure situação de flagrante delito (nº3º).
Entendemos que em nenhum caso um deputado deva ter o direito de se furtar ao
dever de colaborar com a justiça e daí que, nos casos previstos na CRP, não
devam existir obstáculos colocados pela própria Assembleia.
2.7 – Exclusividade
O respeito que o bem-estar dos residentes
em Portugal merece exige a dignificação da função da sua representação política;
assim, essa função não se compagina com trabalho a tempo parcial, exige dedicação
exclusiva.
Essa dignificação não existe com deputados
que passeiam em S. Bento de manhã e pela tarde exercem as suas funções de
tráfico de influências em escritórios de advogados, numa promiscuidade em que
sai a perder o interesse público; e, para mais, quando essa promiscuidade
acasala com sucessivos mandatos na Assembleia da República, configurando uma
continuada prática mafiosa.
2.8 - Cessação de mandatos
Para além do cabal cumprimento dos
mandatos, como acima se referiu há, naturalmente, a possibilidade de renúncia
ao mandato por parte do deputado e ainda a possibilidade de o mesmo ser
afastado pela população. Neste caso, o mandato poderá ser cassado em referendo,
proposto por um mínimo de 5% dos eleitores e no qual vote mais de metade do
eleitorado da circunscrição eleitoral.
O deputado
eleito tem apenas contas a prestar às pessoas da circunscrição eleitoral por
onde foi eleito. Na actual configuração da CRP, um deputado, depois de eleito,
fica sem qualquer controlo democrático por parte de quem o elegeu, na ausência
de dispositivos de cassação do mandato, por mais incompetente, mentirosa e
nociva seja a sua atuação. Um deputado eleito na actual CRP é um usurpador, um
ditador, na melhor das hipóteses, com termo certo.
Se os
eleitores não têm poder sobre o deputado este, no entanto, não está isento de
controlo, no âmbito da CRP. Primeiro, porque é eleito numa lista partidária,
submetido a um crivo prévio, antes de subir as escadas da Assembleia da
República. Depois, como todos os da sua agremiação, insere-se num grupo
parlamentar, que terá forçosamente um chefe, cuja função é homogeneizar as
posições dos componentes do grupo, nomeadamente através da “disciplina de
voto”. Tendo em conta as raras situações de rebeldia verificadas, é fácil
imaginar que a unidade de voto do grupo é obtida pela subserviência de muitos,
pela imposição a alguns ou, através da acefalia oportunista dos restantes.
Os chefes
dos grupos parlamentares, das bancadas, reúnem entre si para traçar as agendas
do plenário, a atividade das comissões parlamentares (também elas com chefes
específicos, do “arco da governação”) e, determinam para os seus subordinados,
o que lhes compete fazer, votar, dizer ou calar (al. b) artº 159º). Nas
comissões parlamentares, os relatórios veiculam, naturalmente, as posições do
que convêm ao “arco” e aos seus mandantes do sistema financeiro, da troika ou do grado empresariato luso.
O nº 1º,
al. c) do artº 160 prescreve, taxativo, que um deputado perde o mandato se se
inscrever em partido diverso daquele pelo qual foi eleito. Em contrapartida,
nada está previsto para os que defenderam posições e avançaram com promessas
junto do eleitorado e que, depois de eleitos, aprovaram algo de antagónico.
Como se vê a mentira é aceite como acto banal pela CRP; o oportunismo é, desse
modo, estimulado.
É assim a
liberdade dos deputados; subordinação aos poderes e menosprezo pelos interesses
da plebe. É assim a democracia de mercado que é necessário desmantelar.
2.9 - Constituição do governo
Eleitos os deputados em eleições gerais, é
da sua competência escolher, entre si, os membros do governo, com elenco
limitado a um número de 7 a 11 ministros, incluindo o primeiro-ministro (se a
figura existir) e a um conjunto de secretários de estado entre 15 e 25,
igualmente escolhidos entre os eleitos para a Assembleia. Assim sendo, não
haverá lugar à nomeação de pessoas para cargos governativos, que não as eleitas
para a Assembleia da República[12].
Existem alternativas ao acima descrito,
quanto a um primeiro-ministro. Uma, é ele ser escolhido entre os ministros
previamente selecionados pela Assembleia, para essas funções. A outra é os
ministros tomarem as decisões coletivamente, sem a necessidade de um elemento
coordenador, como acontece na Suiça[13]. O papel das regiões e
dos municípios, com funções alargadas e larga autonomia, em simultâneo com uma
administração autónoma e independente do governo, reduz as funções ministeriais
às grandes linhas estratégicas, às relações externas, às questões de cariz
nacional, aos grandes projetos não enquadráveis num âmbito regional/local ou
administrativo.
O governo é constituído no início de cada
legislatura, a priori para um mandato
que não excederá a duração daquela, quatro anos. Qualquer membro do governo (ou
todos de uma só vez), pode a todo o momento ser destituído dessas funções pela
Assembleia da República, por um referendo de âmbito nacional, como pode ainda,
um membro do governo ter o seu mandato cassado pelos eleitores da sua
circunscrição. Nessas circunstâncias, a Assembleia escolherá, entre os seus
membros, os novos elementos do governo.
Os deputados escolherão entre si a mesa da
Assembleia da República, cabendo a quem desempenhar as funções de presidente, a
representação externa da República, num contexto de revisão profunda das
funções do Presidente da República contidas na actual CRP.
Um deputado com funções no governo, numa
dada área não poderá, durante os dois anos que se seguirem ao fim do seu
mandato no executivo, exercer funções de direção ou assessoria em empresas
privadas da mesma área.
2.10 - Governo
e administração pública
O
governo constituído como acima se propôs é uma emanação executiva da Assembleia
da República perante a qual responde, em permanência, tal como cada um dos seus
membros, individualmente. Para apoio específico nessas funções executivas, cada
membro do governo será assessorado por quadros técnicos (um máximo de três por
cada membro, em média) e um quadro administrativo de apoio, para além do apoio
logístico dos trabalhadores da Assembleia da República ao conjunto dos
deputados. Esses assessores específicos serão quadros da administração pública
especializados em áreas técnicas e/ou políticas, requisitados para o efeito.
Por outro lado, compete aos órgãos da administração pública informar, apoiar e
colaborar com os deputados e o governo em particular, na prestação de
informação e elaboração de estudos.
A
administração pública não é propriedade do governo, como acontece atualmente.
Assim, os governos não poderão demitir nem nomear os dirigentes da
administração pública que serão escolhidos entre os próprios trabalhadores ou
por concurso público, por períodos limitados de tempo.
2.11 - As funções da Assembleia da
República
Tendo em conta o princípio da
subsidiariedade, à Assembleia da República cabem todas as funções que não
possam ser desempenhadas nas autarquias, mormente nos municípios e nas regiões.
Assim, compete-lhe, entre outras funções:
- Aprovar alterações
à CRP e submetê-las a referendo;
- Aprovar os
estatutos das regiões autónomas, das regiões administrativas e das
autarquias;
- Elaborar e aprovar
novas leis, bem como alterações às existentes;
- Aprovar os
documentos de planeamento com âmbito nacional, os orçamentos anuais ou
plurianuais, o programa do governo e zelar pelas suas execuções;
- Avaliar propostas
de recurso a dívida pública, que terão, forçosamente de estar afetas a
projetos concretos com rendabilidade económica e social comprovada, em
benefício do povo;
- Apreciar todas as
questões estruturais relacionadas com as relações com o exterior –
tratados, acordos, participação em intervenções humanitárias e outras –
que poderão ser objeto de referendo, em casos de especial relevância para
a vida e as capacidades de decisão própria dos portugueses;
- Aprovação dos
parâmetros de separação entre as receitas e despesas públicas que cabem a
instituições de caráter nacional, regional ou local;
- Aprovação dos
parâmetros de viabilização de uma Segurança Social pública e autónoma, não
incluída no perímetro consolidado das contas públicas;
- Aprovação de novos
impostos ou de alterações aos existentes, que representem aumentos da
carga fiscal sobre os trabalhadores e outros estratos sociais
desfavorecidos;
- Aprovação de
propostas de privatização de bens, empresas ou serviços públicos e também
de nacionalização de empresas ou bens privados.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[2] O Tribunal Constitucional tem apenas um
papel subsequente, reativo, a queixas de outras entidades do regime,
nomeadamente do Presidente da República. Não tem poderes de iniciativa própria
e, mesmo que os tivesse, a nomeação dos seus membros pelo partido-estado
(PSD/PS) seria um garante da conveniente docilidade. Mesmo nos casos – como o
das regiões administrativas - em que a CRP não é cumprida por omissão (nº 1,
artº 283º), o Tribunal terá de ficar à espera de iniciativa exterior.
[6] http://www.noticiasaominuto.com/politica/431766/campanha-contra-abstencao-vai-custar-167-mil-euros
http://sicnoticias.sapo.pt/especiais/legislativas-2015/2015-07-23-APRE-promove-campanha-contra-abstencao-nas-eleicoes-legislativas neste ultimo
caso protagonizada por Rosário Gama, do PS que muitas vezes surge com a máscara
do já finado APRE
[8]
O distrito é uma figura transitória segundo a CRP (nº 1, artº 291º)
enquanto não estiverem instituídas as regiões administrativas que esperam,
pacientemente o seu nascimento há mais de 40 anos, não aprovadas no referendo
de 1998 e entretanto torpedeadas pelo PSD/CDS com a criação das comunidades
intermunicipais, não-autarquias, preenchidas com quadros partidários. Na
administração central reina a diversidade, com lógicas regionais (saúde,
educação) e distritais (impostos e segurança social)
[9]
Expressámos em textos anteriores a nossa dúvida se um jovem com menos de
18 anos terá a maturidade suficiente para exercer funções políticas, embora nos
pareça pacífico que deve poder votar em todas as eleições
[12] Totalmente oposto ao estatuído na
CRP (nº 1, artº 154º) que substitui deputados nomeados para o governo, por
outros da lista partidária por onde foram eleitos; e que se não opõe a que
funções governamentais sejam desempenhadas por pessoas sem comprometimentos
eleitorais… se é que eles existem em Portugal
[13] https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Federal_(Su%C3%AD%C3%A7a)
Excelente texto e excelente informação na generalidade. Resta um pergunta sobre uma omissão que nos parece particularmente grave : Porque não tornar o voto obrigatório para todos os eleitores inscritos ??? Haveria , entre muitas outras , e logo à partida uma grande vantagem: iriam desparecer os "eleitores fantasmas". Recorda-se que há países em que o voto é obrigatório como na Grécia e como na Bélgica. Na Grécia, no entanto, há ainda uma significativa abstenção ilegal mas consentida. Mas na Bélgica NÃO HÀ ABSTENÇÃO, qualquer eleitor inscrito e que não vá votar está sujeito a pesada multa. Todos votam ! ( a menos que haja justificação de ordem clínica por exemplo e mesmo assim é aceite o voto por correspondência) Onde todos votam , aí sim, é que nos parece haver uma verdadeira participação democrática.
ResponderEliminarhttps://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Belgium