Os interesses comuns são decididos e geridos coletivamente
e a representação é atribuída por escrutínio popular, é pessoal, temporária e
retirada a qualquer momento.
Sumário
4 - O princípio da subsidiariedade
5 – Expressão democrática tem na base as assembleias
6 – O que é uma representação democrática
7 - Direito de voto a partir dos 16
anos
A dimensão da Humanidade, superior a 7000 milhões de seres, faz-se
acompanhar pelo desenvolvimento de plataformas que possibilitam às pessoas uma
cada vez mais fácil e aprofundada interligação, no âmbito de um processo de
integração com alguns milénios, que se vem acelerando de modo exponencial, mais
recentemente.
Essas conexões efetuam-se através dos vários tipos de trocas, que abrangem
bens físicos, serviços e a comunicação em geral, com particular relevo para as
trocas culturais e de afetos, em particular. Para além de tudo isso, somos
responsáveis comuns pela saúde e sustentabilidade do planeta, enquanto habitat e
ainda pela imperiosa racionalidade que se exige à utilização dos seus recursos.
A hierarquização ou a verticalização das decisões concernentes às nossas
vidas, à satisfação das nossas necessidades – lato senso, pouco distintas – apesar dos sucessos a nível da
produção, foi incapaz de abolir a miséria e a pobreza não pára de aumentar; e
aí estão os estados, as classes políticas, os capitalistas, as troikas e as
guerras para o demonstrar. Nos tempos que correm, os danos que provoca essa
verticalização, com uns quantos pretensos ungidos de poder a decidir por todos,
chocam frontalmente com os conhecimentos acumulados e difundidos em multitude e
com os meios de produção disponíveis para a satisfação das necessidades
coletivas.
Assim, a resolução dos problemas e a satisfação nas nossas vidas exige uma
postura colaborativa, igualitária e solidária nas comunidades em que nos
inserimos, dos assuntos de menor monta até ao nível planetário, dos problemas mais
próximos aos que só globalmente podem ser encarados e resolvidos.
A interação entre os humanos para a satisfação das necessidades coletivas
não poderá continuar a ser baseada em ideologias impostas. Para a resolução
efetiva e prática dos problemas, entre pessoas munidas de um forte espírito
ético, abertas ao diálogo que desenvolve os afetos, é urgente encontrar outras
formas de exercício da política.
4 - O
princípio da subsidiariedade
Não há, no plano europeu ou nos contextos nacionais a afirmação de um
princípio geral de soberania e emancipação populares. Tudo vem de cima, por
delegações sucessivas, tudo surgindo na multitude como já definido, programado,
imposto; as pessoas, de facto não são os sujeitos da decisão. São apenas os
objetos de decisões tomadas algures por classes políticas distanciadas e
repressivas q.b. guiadas pelo sistema financeiro global e por capitalistas de
topo.
Os parlamentos nacionais que foram inventados como a sede do poder
legislativo, são há muito governamentalizados, assumindo um caráter formal,
cosmético, que incute na população a ideia de que elege os seus representantes,
depois de convocado para participar no espetáculo eleitoral. Essa
governamentalização acentua-se sempre que os governos incutem nos parlamentos a
aprovação da legislação proveniente das instâncias da União, em regra, já validada
ou sujeita a validação posterior, para poder entrar em vigor pelo Conselho de
Ministros da UE e pela Comissão Europeia, por sua vez, composta por membros
escolhidos a dedo, pelas classes políticas nacionais, sem qualquer simulacro
que seja, de consulta popular. Tratam-se de actos antidemocráticos impostos aos
“de baixo”, “pelos de cima”.
Neste contexto, seria de espantar que a Assembleia da República portuguesa
levantasse problemas à transmissão de poderes na área orçamental para a
Comissão Europeia, o Eurogrupo[2]
ou a troika; na realidade, a Assembleia
da República aceitou que instâncias internacionais decidam sobre o Orçamento do
Estado português relegando-se, submissamente, ao papel de uma aprovação formal,
sem alternativa admissível. Tudo em família, portanto, no seio dos eurogangs
PPE e S&D, com pacífica aceitação em S. Bento, onde dezenas de gelatinosos causídicos,
ligados a escritórios globais de advogados, ocupam boa parte do hemiciclo.
As mesmas instâncias que na área financeira impõem limitações às classes
políticas nacionais para o sacro cumprimento dos tratados, para a eficácia no funcionamento dos mercados, para a
estabilidade do euro, para a redução do deficit, etc, mostram-se absolutamente
desinteressados quanto à vigência da democracia nos vários países; e nem
pestanejam quando os estados aprovam medidas persecutórias e genocidas contra
sem-papéis ou sem-abrigo, a um passo da restauração de fornos crematórios. Na
sequência, nada nem ninguém obsta a que nos estados nacionais a mesma doutrina
hierárquica, autoritária e mercantilista se estabeleça entre os aparelhos
centrais e regionais ou locais, mesmo que em alguns países existam regiões autónomas
ou estados federados (Espanha, Alemanha e, em Portugal, nos casos de Açores e
Madeira[3]),
com relacionamentos não isentos de tensões. Recorde-se ainda, todo o recente
empenho da classe política europeia e das suas congéneres nacionais, no caso do
referendo escocês[4] –
e, em menor grau o catalão – para o qual valeram ameaças de represálias, a
agitação de todas as desgraças supervenientes de uma eventual vitória dos
independentistas, da parte dos parentes próximos dos incendiários da
ex-Jugoslávia, nos anos 90.
O princípio da subsidiariedade presente no artº 5º do Tratado da UE visa a
repartição das competências
partilhadas entre a UE e os Estados‑Membros, deixando para o âmbito destes
últimos uma eventual aplicação do mesmo princípio a nível interno. Trata-se, na
realidade de estabelecer uma demarcação entre escalões de classe política, a
europeia e as nacionais, que consolide os seus respetivos domínios de intervenção;
é uma divisão de mercado.
O nº 2 desse artigo refere que para o nível comunitário só são
transferíveis as competências contidas “nos tratados e para alcançar os
objetivos fixados por estes últimos”. Como se sabe, os tratados estão
concebidos e são apresentados aos povos como resultado da concertação entre a
classe política europeia e as congéneres nacionais, sendo rara a referência a consultas
populares; e, quando o produto dessa consulta não é o conveniente para os
interesses económicos e dos seus agentes políticos, logo se constroem
narrativas antidemocráticas para transformar um veredito popular em mero
contratempo processual, a ultrapassar em breve. Em regra, as várias instâncias
da classe política cingem-se ao cumprimento da formalidade das consultas
parlamentares, para encenar um procedimento democrático, porque sabem o
resultado de antemão, uma vez que os parlamentos e os governos têm composições
muito próximas, com o predomínio de membros dos partidos do PPE e do S&D,
cujas diferenças se assemelham às existentes entre a Coca-Cola e a Pepsi.
O nº 1 do artº 4 refere que “as competências que não sejam atribuídas à
União nos Tratados pertencem aos Estados-Membros” e o nº3 do artº 5º remete
para o nível comunitário, em temas que não sejam de sua exclusiva competência,
os casos em que os objetivos das ações “não possam ser suficientemente
alcançados pelos Estados‑Membros, tanto ao nível central, como ao nível
regional e local…”. Nesse contexto são os parlamentos nacionais os zeladores do
princípio da subsidiariedade a nível interno, “de acordo com o processo
previsto no referido Protocolo”[5],
depois de a UE ter definido as suas áreas de decisão.
Este princípio apresenta uma formulação distorcida, inserida numa acepção
vertical, de cima para baixo, como demarcação do terreno entre o mandarinato
comunitário, cada vez com mais instâncias a seu cargo – Comissão Europeia,
Parlamento Europeu, Presidente do Conselho Europeu, a Alta Representante da
União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, BCE, Banco
Europeu de Investimentos, Eurogrupo, Comité das Regiões, Comité Económico e
Social, Tribunal de Contas Europeu, Tribunal de Justiça da UE, entre outras
menores – deixando-se às classes políticas nacionais a estruturação das
hierarquias entre poderes nacionais, regionais e locais, sempre numa lógica
senhorial, de outorga, de benevolente mercê, de cima para baixo. Um sistema
político antidemocrático, em suma, que as direitas montaram, com a naturalidade
inerente às suas concepções autoritárias e que as esquerdas institucionais
aceitam, displicentes pois as suas concepções da política são igualmente
baseadas na autoridade e no privilégio.
O princípio da subsidiariedade como entendido no Tratado da União Europeia é
exatamente o oposto de quaisquer entendimentos e práticas democráticas.
A liberdade, a autonomia na tomada de decisões pelo próprio fazem parte dos
desejos mais enraizados na natureza humana. A liberdade é um dos direitos pioneiros,
afirmados logo na primeira geração de direitos[6],
na sequência das revoluções democráticas de finais do século XVIII. A autonomia
é como um instrumento de procura livre da satisfação das necessidades, em
contraponto com as concepções em que aquela satisfação depende de mercês
senhoriais, de instituições caritativas ou de aparelhos de estado assentes no
exercício da autoridade, que é um dos seus atributo essenciais. É a autonomia
que permite a escolha e é essa possibilidade que nos torna livres para
perseguir a concretização dos nossos objetivos.
Muitas vezes, a concretização dos nossos objetivos de satisfação de
necessidades não é possível a partir de um esforço individual ou, sendo
possível materialmente, envolveria um esforço tal que inviabilizaria a
concretização de outros objetivos igualmente imprescindíveis. Dessa evidência -
que se vem revelando maior com o decurso da História, como produto da maior
especificidade das necessidades e da complexidade dos processos de
transformação da natureza - surgiu, desde cedo, na evolução humana, a
cooperação; primeiro circunscrita a grupos sociais limitados, como a família,
depois a níveis mais alargados como o clã, a tribo, a comunidade (local, regional,
cultural) até desembocar, hoje, num plano global, como é o caso das questões
ambientais.
A complexidade dessa cooperação acentuou a sua relevância e logo surgiram
aqueles que se procuraram colocar em posição tal que a satisfação das
necessidades deixou de se basear numa cooperação entre seres e grupos autónomos,
para se tornar propriedade de provedores, sejam privados (senhores, empresas)
ou coletivos (estados), entes que se baseiam na autoridade, na segmentação das
pessoas entre detentores de poder e outros, obrigados coercivamente, a
obedecer. A apropriação de recursos e dos processos técnicos ou de gestão para
a produção de bens e serviços, veio a anular a cooperação voluntária,
igualitária de pessoas autónomas, para se basear na coerção e no isolamento do
indivíduo como ente singular, desprovido e dependente de entidades verticais –
empresas – ou artificiais, como os estados. Como se depreende, uma coisa é a
cooperação entre indivíduos autónomos que se organizam para satisfazer as suas
necessidades, numa base de igualdade e outra é a determinação por entidade
estranha, investida em poderes de autoridade (Estado, capitalista ou mercado)
que decide e controla a satisfação das suas necessidades, na sua natureza, na sua
diversidade e no seu preço.
Como diz Montesquieu (O Espírito das Leis), “é uma experiência eterna que
todo o homem ao ter poder é conduzido ao abuso”.
Nas sociedades atuais, o consumismo apresenta-se como um espetáculo,
distrai as pessoas, entranha-se nas mentes, atomiza-as, tende a ocupar-lhes o
tempo depois de jornadas intensivas de trabalho e torna-as pouco ativas no
exercício da satisfação das suas necessidades através de formas autónomas e de
cooperação; preferem a entrega a esse consumo compulsivo mesmo que isso vá
criando uma estrutura de poder muito diversificada, destruidora, impositiva e
cara, constituída pelo binómio empresas-Estado, sob a superior condução do
capital financeiro.
Essa opção contudo não é muito virtuosa pois o trabalho tende a ser a única
forma de rendimento da grande maioria e esse rendimento tende a ser orientado
para uma subsistência com pouca folga; e, para mais, a apropriação dos ganhos
de produtividade não tem conduzido a reduções do tempo ou do esforço de
trabalho. Esse contrato implícito em que as pessoas empenharam a sua autonomia
e a gestão das suas vidas nas mãos de capitalistas e do Estado revela-se
portanto, uma burla porque não se materializa em ganhos consolidados de
bem-estar, nem de segurança, nem de tempo disponível para a livre fruição da
vida, uma vez que o trabalho se tornou contingente e uma escravatura, mesmo
quando se está fora do “mercado de trabalho”.
A cooperação entre os indivíduos para ser livre tem de ser voluntária e é esse
poder de arbítrio e o estabelecimento de relações solidárias entre iguais que a
legítima; onde a articulação de esforços individuais é conseguida pela força ou
pela sujeição económica ou psicológica, o que existe é uma relação de
desigualdade, de uns submetidos à vontade e ao serviço de outros. Daí que todas
as estruturas que emanam do capitalismo, (das empresas ao Estado, da escola ao
quartel), baseando-se na desigualdade e na sujeição, estando ontologicamente
feridas de ilegitimidade, merecem toda a contestação.
Tendo em consideração que a multitude, o conjunto dos indivíduos, é marcado
pela heterogeneidade mais extensa e pela posse de todo o conhecimento humano, é
no seu seio que se encontra a solução para a satisfação das necessidades
coletivas, tendo presentes as restrições da quantidade e da sustentabilidade
dos recursos existentes, bem como das capacidades científicas e técnicas
disponíveis. Como o trabalho é, por natureza, penoso, dada a sua
obrigatoriedade e a apropriação alheia do produto desse esforço, ele não pode
constituir a principal ocupação das pessoas ou um género de culpa a expiar enquanto
não surge no horizonte um enviado divino; a ocupação das pessoas deve
inserir-se no princípio da fruição coletiva e individual da vida, de acordo com
as aptidões de cada um e com escolhas baseadas na discussão democrática.
O verdadeiro princípio da subsidiariedade baseia-se na consideração de que
as necessidades de uma comunidade deverão ser satisfeitas tanto quanto possível
com os meios de que dispõe, de acordo com a sua vontade coletiva, com opiniões
livremente expressas por todos (isegoria) e com decisão democrática emanada dos
membros dessa comunidade.
Quanto maior for a comunidade – e tendo em consideração os recursos
existentes – maior será a diversidade dos bens e serviços que poderá ser
destinada à satisfação das suas necessidades.
Por exemplo, uma comunidade de 5000 pessoas poderá satisfazer as suas
necessidades alimentares básicas mas, dificilmente poderá viabilizar um
hospital ou uma universidade baseados no seu volume populacional. Isto
significa que essa comunidade terá de se articular com comunidades próximas
para atingir umas 100000 pessoas que poderão ser o volume populacional
susceptível de viabilizar a construção desse hospital[7].
Assim, compete ao conjunto dos 100000 habitantes desse território decidir a
criação da estrutura hospitalar que terá um papel subsidiário, delegado, por
parte das pessoas das várias comunidades integrantes do território, que terão o
direito inalienável de participar nas decisões relevantes concernentes à
referida estrutura hospitalar.
A subsidiariedade é, pois a regra segundo a qual se definem, para uma
comunidade local (em Portugal, a mais pequena é a freguesia) vários círculos de
atuação e responsabilização dos seus residentes, nas áreas em que não possa,
isoladamente, suprir as suas necessidades. Esses círculos concêntricos que
refletirão subsidiariamente as necessidades e os interesses definidos pelos
residentes de uma freguesia, serão o concelho (como conjunto de freguesias), a
região[8]
(como agregado de concelhos), o país (articulação das regiões) e ainda o âmbito
europeu/internacional.
5 – Expressão
democrática tem na base as assembleias
Pretende-se com a aplicação do princípio da subsidiariedade utilizá-lo como
instrumento de expressão democrática para a satisfação das necessidades
coletivas. Sublinhamos esse caráter instrumental porque mesmo a satisfação das
necessidades coletivas deve ser compreendida como ambiente útil para o
desenvolvimento da sociabilidade humana, contrariando os impulsos para o
isolamento e a atomização das pessoas como pretende o capitalismo e ainda, como
modo de permitir a exteriorização da afetividade e o enriquecimento ético dos humanos.
Os elementos centrais da expressão democrática, no contexto dos vários
círculos de agregação territorial das pessoas, são as assembleias, de onde
emanarão os órgãos executivos, como instrumentos de aplicação prática das
decisões das assembleias e que serão perante aquelas, responsáveis. Nada que se
não saiba mas, cuja aplicação prática se não vê nas sociedades atuais.
Essas assembleias poderão ser presenciais ou com a utilização de conhecidas
tecnologias quando o número dos potenciais participantes for muito elevado ou a
sua dispersão dificultar deslocações para um único lugar. Em caso algum, as
pessoas com direito a participar nessas assembleias poderão deixar de se
informar sobre os assuntos, diretamente ou recorrendo a especialistas, técnicos
nas matérias em discussão, como ocorria na democracia grega do século de
Péricles e cujo exercício desenvolveu e apurou a própria linguagem, a produção
literária e artística[9].
6 – O
que é uma representação democrática
Nos casos em que seja pouco operacional a decisão diretamente proveniente
das pessoas, pode considerar-se a questão da representação, longe do quadro
irrestrito e irresponsabilizante a que assistimos todos os dias e cuja prática
desinteressa as pessoas pelo processo político, uma vez que sabem nada poderem
fazer para que sejam consideradas as suas propostas junto dos omnipotentes
representantes e, menos ainda, para o substituírem, por dolo ou incapacidade.
Quando exista, essa representação politica deve caraterizar-se pelos
seguintes elementos:
· Uma igualdade absoluta, para cada pessoa, entre o direito de eleger
representantes e o de ser eleito como tal;
· A capacidade de eleger um representante existe, em paralelo com o direito
de lhe retirar o representação e substitui-lo por outra pessoa eleita para o
efeito;
· Qualquer eleição de um representante dirige-se a uma pessoa individual e
não a pessoas coletivas, mormente a associações políticas;
· Qualquer representante tem um período limitado de exercício de funções (um
ou dois mandatos), sem possibilidades de repetição desse exercício, durante um
lapso dilatado de tempo;
· O exercício de uma representação, não é cumulável com outra, a não ser como subsequente, derivada, da originária;
· Como dever de cidadania, a representação não dá direito a diferenciações
face às pessoas comuns em termos de privilégios materiais ou de imunidades;
· Como dever de cidadania e em condições específicas, admite-se a
possibilidade do sorteio de um representante;
7 – Direito de voto a partir dos
16 anos
Defendemos o voto a partir dos 16 anos como forma de alargar o exercício da
democracia. Atualmente a idade mínima para votar é de 18 anos e isso, não só é uma
discriminação, como uma afirmação de cinismo perante outras realidades
contempladas na lei.
Como é evidente, o voto pode ser útil e necessário onde haja verdadeiramente
democracia, onde as pessoas, de facto, possam decidir e gerir os assuntos
respeitantes à satisfação das suas necessidades, sem a captura das decisões por
classes políticas.
Entendemos que esse alargamento, afastando a discriminação de jovens com
16/17 anos, de per si, pouco alterará, a (falta de) qualidade da sociedade em
que vivemos. Mas, é uma forma de respeitar os jovens e de os responsabilizar
pela construção do seu futuro.
No pobre espetáculo que
é a política nas denominadas democracias de mercado, não se exige um
conhecimento específico e aprofundado da realidade social e política, nem nenhuma
maturidade particular ao eleitorado; apenas se fomenta que, num dia de domingo,
a entrada numa sala que terá, como um altar, algo semelhante a uma Caaba
miniaturizada onde as pessoas colocam um papelinho dobrado a preceito, como os
judeus fazem no Muro das Lamentações.
Nos dias anteriores a
esse domingo são feitos repetidos apelos ao espírito cívico dos potenciais
eleitores, espírito esse que o sistema judiciário não aplica aos corruptos e
todos os praticantes de gestão danosa para os interesses da plebe, a qual nada
beneficia da existência da classe política a concurso pagando ainda, pelos seus
desmandos.
Antes desse dia solene e
durante os anos que separam romarias eleitorais, a classe política e os media
infantilizam as pessoas, encerrando-as numa visão deturpada da realidade e num
leque reduzido e falso de alternativas (as suas). A classe política
carateriza-se pela mentira ou pela vacuidade e apresenta o à-vontade típico dos
antecipadamente dados por imunes às consequências dos seus actos; e para que a
situação se perpetue é importante a infantilização dos votantes e o obscurecimento
da crescente realidade abstencionista.
Neste contexto de
infantilização, será que as opções disponíveis ou que o grau de real
esclarecimento do eleitorado maior de 18 anos é muito diferente do possuído
pelo conjunto dos jovens de 16/17 anos? Será que se pretende manter os jovens
isentos dessa infantilização induzida, uma vez que se consideram suficientes os
eventuais laivos de ingenuidade que possam ter? Será ainda que o regime não
confia na escola como local de formatação ideológica?
Em Portugal, quem tiver
uma idade de 16/17 anos pode casar, ainda que com autorização dos pais ou de
equiparados; porém, se tiver filhos, o exercício da parentalidade é dispensado
de autorização prévia nem é limitado por ninguém a posteriori, assumindo-se que
algo tão importante como os cuidados e a educação de uma criança cabe dentro da
maturidade típica de quem tem 16 ou 17 anos.
Mais cinicamente, o
Código do Trabalho contém toda a sua Subsecção V (15 palavrosos artigos)
dedicada ao trabalho de menores. Define-se taxativamente (artº 68º) que a idade
mínima para trabalhar é de 16 anos (nº 2) mas, admite-se que numa empresa
familiar se possa trabalhar com menos de 16 anos (nº 4). Com o aumento da
escolaridade obrigatória até ao 12º ano (que mereceu o desacordo do CDS/PP),
dentro de alguns anos não será aplicável o disposto no mesmo artigo (nº 1) que
exige com uma idade superior a 16 anos, dado que não é possível atingir a
escolaridade obrigatória com aquela idade.
Por outro lado, o
contrato de trabalho celebrado com alguém com 16/17 anos tem validade, (artº
70º) admitindo-se a devida maturidade do jovem para o efeito que, no entanto,
não lhe é reconhecida para efeitos de exercício do voto. Enfim, o Estado
considera que o mercado não pode dispensar a mão-de-obra dos jovens mas, não
lhes dá a capacidade de se poderem expressar politicamente, mesmo que, na
realidade actual, sejam muito limitadas as opções.
Na Europa, os maiores de
16 anos somente podem votar na Áustria, sendo nos restantes países seguida a
típica regra dos 18 anos. Fora da Europa há vários casos de voto a partir dos
16 anos – Argentina, Brasil, Cuba, Indonésia e, no Irão, o voto é exercido a
partir dos 15 anos. Note-se a relevância
do voto jovem em países como os referidos com estruturas etárias muito largas
na base; por outro lado, em áreas envelhecidas e de baixa natalidade como a
Europa, a classe política não teria certamente sobressaltos, com a extensão do
direito de voto a quem tem 16/17 anos.
[2] Contempladas no Tratado de Lisboa
(artº 137 do Tratado de Funcionamento da UE) ou no Protocolo, no caso do Eurogrupo
[3] Recorde-se como a classe política
reagiu mal à ideia da regionalização do Continente português, concedendo num
referendo, sabendo de antemão que só uma minoria do mandarinato defendia a
regionalização; a rejeição desta, serviu para que, desde 1998, nenhum movimento
se tenha afirmado para a repetição do referendo ou sequer o assunto tenha sido
seriamente colocado.
[5] Protocolo
Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade
[7] Os quantitativos referidos não
pretendem, neste contexto, corresponder a qualquer rigor técnico
[8] Defendemos a existência de regiões
autónomas para além das já existentes, dos Açores e da Madeira, com os
contornos das atuais NUT-2 ou outros a decidir democraticamente pela população
[9] http://www.slideshare.net/durgarrai/sobre-a-democracia-a-democracia-e-a-sua-usurpao-1a-parte
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