terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A tirania da eficácia

Resumo

A eficácia do sistema produtivo depende mais de factores não económicos, como a corrupção do que da gestão, como rezam os manuais. Por outro lado, um sistema em que a riqueza de alguns corresponde à pobreza da maioria só se pode considerar nocivo.

A democracia de mercado incorpora escolhas, debate, como nas democracias reais, mas são truncadas e circunscritas aos defensores do regime, aos partidos que a gerem e aos que participam na sua legitimação junto da multidão, pagos para o efeito a partir do erário público. É a sua maneira de serem eficazes.

Sumário
             1 - A eficácia como instrumento de domínio
             2 - A eficácia que captura a democracia
             3 - O trabalho é uma prisão



1 - A eficácia como instrumento de domínio

A ausência de uma verdadeira democracia, da sua prática quotidiana na política como no trabalho ou mesmo em casa, gera hábitos de aceitação servil do statu quo e a resignação perante as desgraças do dia-a-dia, por parte de muitos. Esse não enraizamento da prática democrática permite que, com toda a desfaçatez e impunidade mediática, se erga e se insinue o discurso tecnocrático da eficácia e da eficiência.

Aqueles dois termos ressaltam no discurso da competitividade, da maximização de lucros, da minimização de custo mormente, neste último caso, no capítulo de custos salariais ou laborais. É evidente que na lógica demente do capital, a sobrevivência de cada capitalista está, teoricamente associada à eficácia e à eficiência da empresa, à excelência da gestão, embora na realidade os resultados dependam de fatores exteriores à gestão dos recursos. O recente caso da PT evidencia um caso onde os mais elementares critérios de gestão foram desprezados em proveito de compadrios mafiosos.

E não é difícil mencionar uns quantos fatores exteriores que são vulgares e empregnam as sociedades quanto menos desenvolvido for o seu capitalismo; diríamos mesmo que são regulamentares pois, estão de tal modo inseridos no sistema e aceites como inevitáveis que se tornam parte inseparável dele. Podemos citar o suborno, a corrupção, a fuga, a evasão ou a fraude fiscal, o benefício fiscal, fórmulas criativas de contabilização, a adjudicação combinada, o não cumprimento de regras quanto à saúde e segurança dos trabalhadores, horas de trabalho não pagas ou pagas em género (por exemplo, automóvel detido pela empresa ou férias pagas a quadros), do respeito para com a qualidade, a segurança, a duração dos produtos vendidos. Estes fatores estranhos à economia apreendida nos manuais e nas escolas de gestão são determinantes para a competitividade das empresas; isto é, os mecanismos da produção capitalista não se baseiam na sã concorrência cantada por Adam Smith mas, nos tais fatores estranhos. E para que esses fatores estranhos sobrevivam e se reproduzam e até gozem de alguma tácita aceitação social - mesmo pelos que nada beneficiam deles, antes pelo contrário, arrostam com os incómodos e prejuízos - é necessária a existência de um grão-regulador do sistema que os aceite e proteja – o Estado, distribuído por uma vasta paleta de reguladores pequenos, médios e grandes.

A eficácia e a eficiência tão gabadas e perseguidas como fatores de excelência dependem portanto, do contexto social, do ordenamento político instaurado, da ligação entre a classe política e os capitalistas na sua global acepção. A classe política, por um lado acha-se hierarquizada entre o governo, o garante da continuidade da vigência daqueles fatores externos e a oposição que espera a sua vez de exercer essa função de garante ou, não tendo esperança de esse papel lhe poder vir a tocar, se contenta com a paga que escorre do orçamento por conta da prestação dos seus serviços de animadores parlamentares e mediáticos, de bufões. Por seu turno, os capitalistas também se acham hierarquizados em função do volume dos seus capitais e também da influência que detêm junto do Estado e da classe política; uns, têm o poder de definir normas orçamentais e legais ou de colocarem protestos nos seus porta-vozes da oposição, enquanto outros só podem pagar alguns euros a um fiscal ou um polícia, para evitar uma multa.

É sabido que por mais eficaz e eficiente que seja um capitalista; por mais “sério” que ele seja no cumprimento das normas laborais, fiscais e de controlo de qualidade, o facto de se apropriar do produto do trabalho alheio inquina totalmente essa seriedade e anula de raiz a eficácia e a eficiência do sistema. Um sistema em que a riqueza de alguns resulta e corresponde à pobreza ou à mediana de muitos não se pode considerar eficaz.

Nenhum capitalista pensa seriamente na injustiça do sistema em que está inserido; pode pensar nas formas de aumentar a frequência na sua cafetaria de bairro, pode pensar a nível regional ou nacional na distribuição espacial da sua rede de supermercados, podem alguns avaliar e intervir no comércio global de cereais, podem outros equacionar as transferências da produção material para a Ásia mas, nenhum colocará o sistema em causa. Mesmo o magnata Soros ou as Fundações Melinda & Bill Gates, com os seus financiamentos filantrópicos, batem-se através deles para a perpetuidade do sistema ao mesmo tempo que embolsam milhões em benefícios fiscais.

Pelo contrário, apostam nas ferramentas do costume; a exportação servida pela competitividade, o crescimento obtido pela exportação, a liberalização dos mercados, os incentivos ao investimento, a redução dos deficits ou dos gastos públicos, a redução dos impostos sobre as empresas, a liberalização do “mercado” de trabalho e ainda a fuga de capitais, os tráficos mafiosos e a guerra. Como não é possível exportar para o espaço nem vender telemóveis a marcianos, o sistema bloqueia pois não há capacidade física ou de rendimento, nem há recursos naturais ou ambientais que alimentem infinitas necessidades de crescimento, de exportação. A eficácia e a eficiência potencialmente maximizáveis a nível de cada empresa não são somáveis a nível global, como produto da irracionalidade lançada sobre o planeta pelo conjunto dos capitalistas com o concurso interessado dos seus mandarins.

A habitual promiscuidade entre o Estado e as empresas, a troca de cadeiras pelos mesmos oligarcas, ora em empresas ora nos ministérios, gera uns híbridos políticos que adoram a gestão empresarial e empresários que querem agilizar o funcionamento do Estado, assumindo funções políticas. São diferentes como Dupond e Dupont na disposição para baixar custos às empresas, custos de contexto, custos com pessoal e burocracia, estabelecer formas de livre escolha mas, pagas pelo erário público, tudo para incutir nos reputados broncos da administração pública o espírito da competitividade, da eficácia, da eficiência, a golpes de bengala, se necessário.

2 - A eficácia que captura a democracia

É o espírito da eficácia que esvazia os parlamentos, em detrimento dos poderes executivos, nacionais e comunitários, transformando aqueles em maus teatros com bons atores, cujo papel é convencer as pessoas de que a democracia se resume ao teatro. Os media transmitem a esgrima oral dos atores em plenário ou inócuas audições par(a)lamentares mas, jamais as reuniões do conselho de ministros onde a aprovação de leis e regulamentos merece o recato dos bastidores para que resulte em eficácia, eficiência e competitividade das empresas, intermediados com umas quantas nomeações e mordomias em proveito próprio da classe política. Em poucas palavras, a legitimação de uma burla política e do roubo de milhões de pessoas, através do Estado.

É a adopção da lógica da eficácia que torna os governos, os quase únicos e formais emissores de decisão com impactos públicos – sem esquecer as máfias autárquicas; e daí que os parlamentos nacionais ou autárquicos e os actos eleitorais que sacramentam a eficácia e a eficiência, se tornem ridículos rituais, com uma larga assistência de quedos figurantes, indignados ou distraídos.

Os partidos políticos que se ocupam da farsa e do roubo, para se tornarem eficazes são estruturas piramidais, hierárquicas, verdadeiras alcateias cujos membros se devoram a si mesmos, eliminando os animais feridos ou …ineficazes. O líder é um roberto que tudo sabe e sobre tudo argumenta pois é mais eficaz essa polarização no écran da tv do que a consulta das “bases” sobre as questões; logo a primeira república soube criar presidentes para substituir reis, como figuras de pai exemplar e severo aos olhos da plebe, que se pretende obediente e trabalhadora. Os tecnocratas concedem incorrer nos custos da paródia democrática embora saibam que, matematicamente, o limite da eficácia se atinge na ditadura de um déspota apontado como iluminado, como Frederico II da Prússia cuja cultura não o impediu de protagonizar um reinado de guerras.

Ora, um déspota iluminado pode perder a ilustração em qualquer momento e nunca se sabe quando ou, a que propósito, se observa essa perda de eficácia; e por outro lado, acaba sempre num panteão. Demasiadas vezes a oligarquia encontra para a sucessão um déspota desqualificado e eficaz apenas no roubo.

Como a eficácia seria maximizada com a ditadura, a democracia surge para muitos mandarins e empresários como inconveniente pois acarreta custos, a decisão é mais demorada e nem sempre a mais eficiente, havendo apenas que encontrar um déspota de máxima iluminação. Recordamos o célebre “deixem-nos trabalhar!” desse execrável déspota chamado Cavaco.

Essa pulsão autoritária de mandarins e capitalistas torna-se hoje bem presente quando utilizam a dívida pública (nunca assumida como impagável) para condicionar o futuro da população durante décadas, retirando-lhe quaisquer ideia de mudança, apoiados em tratados desenhados por burocratas iluminados e tomados como inibidores de alternativas. Se não há hipótese de alternativa, se tudo está definido nos tratados e a gestão pública é determinada em Bruxelas e Frankfurt, o teatro parlamentar e as romarias eleitorais só servem mesmo para distração, entre o trabalho ou a falta dele, o futebol ou as novelas.

A lógica da eficácia encontrou na dívida um elemento precioso para justificar a suspensão da democracia como proposto por Manuela Ferreira Leite[1] que antecipou em vários anos o seu correligionário Machete[2] que defendeu restrições nos direitos fundamentais até o desenvolvimento económico se tornar compatível com a sua vigência. E o amolecimento social, a habituação a uma democracia pouco mais que nominal, não motivou qualquer reação, nomeadamente das “esquerdas” que se gostam de apresentar com lídimos representantes e condutores das classes populares.

Carl Schmitt, ideólogo do nazismo exprime claramente a importância de homens providenciais na condução dos estados, capazes de decidir o que convém à nação, em situações de urgência e o desprezo pelos parlamentos, focos de indecisão, irracionalismo… ineficácia. O caráter anti-democrático que define as estruturas da UE, as suas emanações legislativas que colocam as instituições nacionais com limitados poderes e ainda os ordenamentos políticos locais, tornam grotesca qualquer designação de democracia para os regimes vigentes, associados ao neoliberalismo. Schmitt, curiosamente (ou talvez não) estava próximo do ordoliberalismo, um antepassado da escatologia (na sua acepção não teológica) neoliberal de hoje.

Na sua defesa de uma figura tutelar que tome as decisões, Schmitt opunha-se a Kelsen que defendia, nos anos 30 a existência de um tribunal constitucional; por aqui também se vê o pendor fascista do actual governo quando se esganiça contra um ordeiro e pacato grupo de juristas – o Tribunal Constitucional – mesmo que emanados e validados pelo partido-estado PSD/PS.

Schmitt pretendia um Estado acima dos interesses económicos e dos capitalistas, uma aproximação ao corporativismo que Salazar importou da Itália fascista; e ainda com semelhanças face ao capitalismo de estado de tipo soviético, todos polarizados em torno de líderes supremos, divinizados e sanguinários.

A democracia de mercado incorpora escolhas, debate, como nas democracias reais, só que aquelas escolhas e debates estão truncadas e circunscritas aos defensores do regime, aos que o gerem e os que participam na sua legitimação junto da multidão, pagos para o efeito a partir do erário público. Nas farsas eleitorais que conhecemos as mudanças, quando existem, são formais, podendo até acarretar trocas no elenco corrupto instalado, o que obriga a demorada e cuidadosa reformulação da matriz das influências. O exercício da democracia de mercado transforma-se assim, em períodos de instabilidade política (?), num sentido que faz lembrar o tinir das espadas em vésperas de golpe militar; trata-se de lutas entre gangs pelo controlo do “pote”, de modo semelhante às disputas de território entre cartéis da droga, convenhamos que de modo menos brutal. Os empresários de maior gabarito financeiro, cautelarmente, tratam de financiar vários partidos, sobretudo do arco da governação, para assim garantirem parceiros para a prossecução da eficácia conveniente.

A democracia na lógica da eficácia é um período de paragem, de ausência de decisões, um custo, uma chatice, um momento de reação dos sagrados mercados e jamais encarada como um momento de renovação na representação, de aferição da inteligência coletiva, da criatividade dos povos, na procura de soluções para a satisfação das suas necessidades. A eficácia de uma escolha democrática é sempre precária porque a passagem do tempo e a renovação das gerações, das tecnologias, coloca sempre em presença novas condições de satisfazer essas necessidades; porém, por definição de democracia, não será tomada em função de interesses particulares ou de conluios entre uma inútil classe política e uma parasitária classe de capitalistas.

A maximização da eficácia é com um führer supremo e incontestado ou com a perpetuação de um partido-estado como o bem português PSD/PS, um género de führer coletivo; não havendo margem ou visibilidade para a discussão, a eficácia está univocamente garantida, é o TINA – There is no alternative. O pendor do capitalismo para o fascismo acontece à medida que o mundo se não ajusta à rendabilidade desejada para os capitais, mesmo com os Estados a arcar com a dívida pública conveniente e a considerarem o pagamento de capital e juros como a grande prioridade dos destinos das receitas orçamentais. Essa prioridade associada à culpabilização da multidão por “ter vivido acima das suas posses!” faz com que seja aceite, como fatalidade e justa punição, a brutal redução de direitos e que a democracia figure como um penhor do pagamento da divida.

Se o Estado e a classe política que são definidos como os grandes provedores do bem-estar coletivo falham absoluta e resolutamente nesse objetivo, então para que serve o Estado[3]? Torna-se claro que o anarquismo é a única saída para a humanidade[4].

O capitalismo vive da apropriação do trabalho e portanto, não lhe é possível eliminar o uso do trabalho nem anular-lhe a remuneração, por razões próprias da acumulação capitalista, dos seus limites absolutos e jamais, por qualquer sentimento humanitário. Hitler nunca poderia ter construído o III Reich instalando um campo de concentração em cada fábrica, paredes meias com uma câmara de gás e os SS como gestores do capital; da mesma forma que a abolição da escravatura aconteceu pois o desenvolvimento da tecnologia e as necessidades de escoamento da produção não se coadunavam com milhões de pessoas pouco “competitivas” e fracos consumidores.

Na realidade, não tem sido preciso uma ditadura assumida para essa pretensa garantia de eficácia e eficiência, embora a separação existente entre os dignitários dos regimes e a plebe, se tenha vindo a acentuar com a presença de várias estirpes de centuriões, gorilas e rambos públicos ou privados, veículos blindados, condomínios privados; dois mundos num mesmo território, como na era medieval.

A democracia está tão afastada da nossa prática quotidiana que existem elementos basilares para a sua caraterização, definidos por palavras provenientes da Grécia antiga e que são quase desconhecidas - embora adaptadas para a língua portuguesa - dado o reiterado atropelo dos princípios democráticos que representa um recuo face à prática observada no largo período da democracia ateniense[5]

A democracia verdadeira, direta, de base, tem como elementos constituintes e não exclusivos, a isegoria e a parrésia que, como se verá de seguida, não são usados nessa burla chamada democracia representativa - a que também designamos por democracia de mercado - apontada como uma das grandes realizações do mundo ocidental, com exportação obrigatória para o resto do planeta. Como as comparações se fazem com regimes despóticos, feudais, monárquicos, não é injusto referir que na democracia dita representativa haja maior tolerância quanto às opiniões ou quanto ao exercício dos direitos, logo no capítulo dos de primeira geração (humanos e políticos). A isegoria consiste na possibilidade de todos poderem emitir opiniões próprias e contestarem opiniões alheias em total igualdade; a parrésia é o direito de emissão de qualquer opinião, de modo claro e sem riscos de exclusão ou represália.

A isegoria não é prática corrente nas sociedades capitalistas mesmo na forma de um seu adereço designado por democracia representativa. É certo que o elementar direito de expressão verbal não é objeto de repressão primária mas, na realidade, a discussão e a decisão sobre os assuntos que interessam a todos, ou a grandes grupos sociais, estão restritos aos gangs políticos mormente dos “arcos de governação” com grotescos esforços dos vários naipes de “esquerda” para se incluírem no grupo dos decisores. Entre esses gangs e as redações dos media com maior audiência (sobretudo televisivos) há uma promiscuidade evidente para o acentuar dessa discriminação. São comentadores nos media dezenas de membros da classe política, ouvidos reverentemente pelos repórteres a propósito de tudo, sejam temas candentes da economia e da política, como do futebol. Já o direito de manifestação sofre de limitações, que vão desde a exigência de uma notificação ao poder, à repressão contida na Ley Mordaza do sacripanta Rajoy, passando por autorizações ou detenções discricionárias sempre que as autoridades policiais o achem por conveniente.

Se se pensar que os membros inscritos nos vários partidos em Portugal não atingirão 300000 pessoas e que os jornalistas com direito efetivo de opinião sobre temas “sensíveis” são poucas centenas, poder-se-ia pensar que 3% da população monopoliza a opinião e a decisão política. E esse é, sem dúvida, um cálculo excessivo.

As inscrições nos partidos não atribuem privilégios de opinião ou decisão à esmagadora maioria dos seus membros, que funcionam como os adeptos do futebol, com o limitado direito a passear bandeiras e autocolantes em cerimoniais mediáticos ou jantares de carne assada nas parvónias, onde se processam recolhas de fundos. Portanto, a isegoria exclui quase toda a população, remetida a desabafos aqui e ali, confinada a demonstrar a sua eficácia laboral enquanto o emprego durar ou, na heróica gestão de magras pensões e subsídios.

A parrésia é outra grande ausência, indo pouco além das opiniões sobre futebol, no âmbito do qual peroram dezenas de comentadores nos media, para além de milhões de outros, ditos de bancada. Nas empresas, as células básicas do capitalismo, a eficácia produtiva não pode ser prejudicada, valendo particularmente a opinião do patrão, do chefe, da hierarquia, havendo várias formas de prejudicar os emissores de opiniões que “afetem” a produtividade – os que sejam discordantes de normas internas, do sistema social e político, os verdadeiros sindicalistas - que terão apontadas as armas do despedimento, da “prateleira”, da não valorização profissional, da estagnação salarial. As empresas são um espaço típico de não democracia, de hierarquia e repressão, um espaço militarizado.

3 - O trabalho é uma prisão

A velocidade introduzida no trabalho, na circulação das mercadorias e na informação - é duvidosa a designação de informação para muito do que circula na imprensa ou nas redes sociais - serve para a eficácia se colocar à frente de qualquer maturação ou participação nas decisões. A escassez de tempo inculcada na cabeça do Papalagui[6] é exigida pela eficácia que se lhe impõe permanentemente, obsessivamente, desde que o mercado decretou que “time is money”; o tempo tornou-se um recurso escasso e, como tal, a sua poupança exige a quem trabalha, jornadas extensivas que mobilizam todas as forças físicas e anímicas das pessoas, impedindo-as de exercer cabalmente uma vida social e afetiva. O caso dos distribuidores de encomendas, uns 250/300000 na Europa, é revelador, sem ser uma excepção; trabalham 14 h por dia, pagos no máximo a € 5/hora, guiando um veículo e entregando pacotes e embrulhos, sofrendo penalização se o destinatário não estiver disponível. Essas cadências e o desgaste físico fazem com que raros trabalhadores se mantenham mais de quatro anos na atividade, mesmo sendo emigrantes muitos deles.

A questão do tempo como recurso escasso, a exigir todas as atenções e empenho no sentido da sua poupança, mostra a irracionalidade do capitalismo que trata algo tão criticamente escasso ou frágil como o meio ambiente, a água, as florestas, os solos aráveis, a diversidade da vida, como “recursos” que podem ser usados como se inesgotáveis fossem; como se o planeta tivesse sido objeto de apropriação privada pelo capital.

O tempo de vida de cada pessoa deve ser utilizado de forma tranquila, na satisfação das suas necessidades materiais, de convívio social, no enriquecimento cultural, nas interações afetivas ou no lazer; e não numa relação doentia, em que cada um sofre de falta de tempo e encaminhado para se dedicar à produção de riqueza, para se mostrar produtivo, competitivo, tomando essa dedicação como objeto primordial da existência. Por essa razão, o capitalismo, sobretudo na sua versão neoliberal, procura encurtar em cada um de nós, o tempo disponível de vida não ativa, maximizando o tempo de vida profissional; espremer em cada um o produto das suas capacidades remetendo-nos para uma reforma diminuta quando a nossa “produtividade marginal” encolhe, para se utilizar um termo caro de um subproduto economicista, a teoria marginalista; no final da vida, quando os cuidados de saúde aumentam e a produção de valor é nula, cada pessoa passa à categoria de custo social a eliminar, sendo entregue à sanha genocida de paulosmacedos ou motassoares.

A competitividade resulta da produtividade elevada, da eficácia do processo “produtivo” e é isso que gera mercado, sustenta as empresas que promovem o emprego, num salmo neoliberal que Paulo Portas emite pela cloaca instalada logo abaixo do nariz. A lógica da eficácia – mais, mais depressa, mais barato, mais longe.

A captura do tempo pelo trabalho não permite espaço para a reflexão pessoal ou conjunta. É em nome da eficácia que se comprime informação na forma de imagem, embora se saiba que somente uma parte pequena da mensagem nela contida pode ser retida, no lapso de tempo disponível, não sendo prático nem havendo disponibilidade para uma nova observação. Para que a mensagem não exija um tempo demasiado ao destinatário a densidade de informação contida é elevada, por unidade de tempo, impressiva o suficiente para atrair a atenção mas, superficial para se compatibilizar com um lapso de tempo normalmente curto, admissível para a apreensão da mensagem. A imagem simples ou o vídeo têm ocupado maior espaço na vida das pessoas, em detrimento da conversa ou da leitura, mais exigentes em temos de reflexão e… tempo. A eficácia, como compressor, exige superficialidade, ideias feitas, ausência de tempo para a reflexão e apenas para a execução, criando novas figuras na linguagem, como as “leituras em diagonal”. O papel simplificador da publicidade orienta o consumo, poupando tempo ao comprador e, para além do seu papel de indutor de falsas necessidades, permite maior eficácia na concretização da compra. Por seu turno, é no espaço da política institucional que se pré-definem as escolhas que, sendo complexas e consumidoras de tempo são remetidas para os vazios debates parlamentares, para os talk-shows onde se promovem concentrados de decisões eficazes, a aceitar com indiferença.

A decisão política é concebida para se situar fora do quadro das pessoas comuns, cujos recursos em tempo deverão ser utilizados, canalizados para a execução acéfala, para as tais micro-decisões contidas em protocolos de conduta submetidos a avaliações  criadas com o selo de uma ignota instância superior ou encomendada a uma das big four da consultadoria – Ernst & Young, PWC, KPMG e Deloitte. Os poucos momentos de disponibilidade pós-laboral são utilizados para descanso, após um período de entrega à vacuidade mediática e que resulta da conjugação de écran e sofá. O esgotamento construído no local de trabalho conduz à procura de refúgio em espaços de tranquilidade e isentos de pressão, em casa; e, certamente que o exercício da democracia exige disponibilidade mental, estudo, reflexão, discussão. Para que a prática democrática seja subalternizada, nada melhor do que jornadas enormes e intensivas de trabalho, deslocações diárias longas e demoradas, com o eventual transporte de crianças pela manhã e à noite, com cálculos monetários permanentes na espera do fim do mês.

Enquanto uns se esfalfam a trabalhar mesmo para além das tais oito horas padrão, com os inconvenientes para a sua sociabilidade, para o seu equilíbrio psicológico (a imensa toma de tranquilizantes e a existência de 20% da população com perturbações mentais[7] assim o demonstra) há muitos outros milhares sem trabalho, sem rendimentos próprios vivendo de subsídios, carregados de estigmas e humilhações processuais ou, amparados em familiares. Estes desequilíbrios demográficos e psicológicos induziriam a que se repartisse o trabalho disponível hoje, por todos os que estão em condições de trabalhar, com a redução do tempo de trabalho para todos. pela aplicação de uma lógica de aritmética pura ou no âmbito de um espírito moralista. Não sabemos se o velho Fourier subscreveria este igualitarismo mas, a colocação dessa questão não tem qualquer consistência política e coexiste muito bem com a permanência do capitalismo, amenizada pela caridade protagonizada pela Jonet e pelo carocho Mota Soares. Tal postura – típica das “esquerdas” keynesianas - consiste em esperar que o capitalismo, campeão da formação de desigualdades, aceite o pleno emprego por razões de humanidade, numa altura em que se já esqueceu da luta pelos direitos humanos, em voga décadas atrás. Pior que isso, essa quimérica humanização do capitalismo representa a aceitação deste, a incompreensão de que o capitalismo precisa de segmentar os trabalhadores e de que foi o criador do salariato.
A tecnologia e o aumento dos conhecimentos dos trabalhadores permitem enormes produtividades mas, o aumento de valor gerado vem sendo apropriado pelos capitalistas. Estes, são compelidos a investir mais e mais para aumentar a produtividade, substituindo trabalhadores por equipamentos e ganhar competitividade, para aumentarem o seu quinhão na criação de valor ou defenderem-se das ações dos concorrentes com idêntico propósito. Neste contexto, a eficácia e a eficiência tornam-se obrigatórios, como chave para a manifestação da competitividade tornando-se incontornável o crescimento da produção. Este, não resulta das necessidades das populações, é uma necessidade interna do sistema; e como o rendimento disponível pela grande massa da população nas proximidades é escasso para absorver essa produção crescente, cultiva-se a pulsão exportadora, com custos de transporte, logísticos e ambientais enormes. Como todos os capitalistas pensam da mesma forma, a pulsão exportadora torna-se uma obsessão, o modelo generaliza-se, enforma a globalização e evidencia os limites físicos do capitalismo.

Por outro lado, o rendimento que é apropriado pelo conjunto dos capitalistas não é suficiente para assegurar globalmente um consumo adequado às necessidades de venda de bens e serviços, dada a sua reduzida parcela das populações; e para mais, parte desse rendimento, tem de ser investido, aplicado para tornar as empresas mais produtivas e mais competitivas.

Por seu turno, o rendimento distribuído aos trabalhadores tem de ser restringido, segundo a lógica do capital para que haja redução de custos e acrescida competitividade para cada empresa, sabendo-se como essas restrições prejudicam as condições de vida dos trabalhadores.

As limitações à aquisição de bens e serviços ao conjunto dos capitalistas, não é suficiente para absorver toda a orgia de produção, para que cada um dos capitalistas possa repor o capital investido e obter o capital necessário para ampliar o seu investimento ou alargar o seu mercado.

Daí que, à maximização do valor acumulado pelos capitalistas corresponde a uma minimização da parte que é atribuída aos trabalhadores, os únicos que são produtivos.
A acima referida contradição global do capitalismo materializa-se no antagonismo entre as necessidades de crescimento e as limitações para a o consumo e a utilização dos seus produtos e serviços, bem como dos limites do próprio planeta para acarretar com tais dementes necessidades. As formas de superação dessa contradição não passam de tentativas insuficientes, temporárias e geradoras de novos problemas e conflitos criados pelos capitalistas, seus estados, instituições plurinacionais e respetivas classes políticas.

Têm sido criadas várias formas de se tentar ultrapassar essa limitação essencial do capitalismo. Desenvolve-se o crédito em níveis disparatadamente acima das poupanças geradas e o endividamento de empresas, Estados, famílias compromete, com décadas de antecipação, os rendimentos respetivos durante muitos anos de juros e reembolsos, sendo realista dizer-se que a dívida dos Estados e de muitas empresas é eterna ou, se se preferir… impagável – palavra proscrita por banqueiros, capitalistas, classe política e plumitivos de serviço. Assim, criam-se necessidades artificiais através da moda, da publicidade, da obsolescência antecipada, para acelerar consumos e incutir na população a pulsão consumista, daí resultando a constituição de dívidas que redundam em verdadeira escravatura. E ainda se pode considerar a guerra, como modo de imposição, destruição de recursos e de humanos, sabendo-se como ela é uma boa forma de “alavancar” o crescimento económico, antes, durante e depois da sua ocorrência, de eliminar concorrentes, conquistar mercados, etc. Tudo isso pode ser considerado como modos de dotar o capitalismo de maior …eficácia.

Na área do trabalho, o aumento da produtividade está longe de se manifestar em reduções nos tempos de trabalho, em aumentos salariais ou sequer do rendimento líquido de todos os custos inerentes à renovação da capacidade individual de trabalho. Pelo contrário, o trabalho extraordinário - nem todo submetido a pagamentos aumentados ou sequer a ser objeto de pagamento – constitui um alargamento efetivo do tempo de trabalho diário; o que desincentiva, a nível global, ao aumento do número de assalariados e alimentando taxas elevadas de desemprego.

Poderíamos tomar esta situação como uma loucura coletiva; o problema que não é possível estar do lado de fora.

Este e outros documentos em:    

http://grazia-tanta.blogspot.com/                            

http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310





[6] Papalagui é a designação dada por um chefe polinésio ao homem branco, cuja forma de vida em sociedade já então, nos anos 20 do século passado, lhe parecia absurda. Livro com o mesmo nome de Erich Scheurmann
[7]   http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=4277273

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