Resumo
A eficácia do
sistema produtivo depende mais de factores não económicos, como a corrupção do
que da gestão, como rezam os manuais. Por outro lado, um sistema em que a
riqueza de alguns corresponde à pobreza da maioria só se pode considerar nocivo.
A democracia de
mercado incorpora escolhas, debate, como nas democracias reais, mas são
truncadas e circunscritas aos defensores do regime, aos partidos que a gerem e aos
que participam na sua legitimação junto da multidão, pagos para o efeito a
partir do erário público. É a sua maneira de serem eficazes.
Sumário
1 - A eficácia como
instrumento de domínio
2 - A eficácia que
captura a democracia
3 - O trabalho é uma
prisão
1 - A eficácia como instrumento de domínio
A ausência de uma
verdadeira democracia, da sua prática quotidiana na política como no trabalho
ou mesmo em casa, gera hábitos de aceitação servil do statu quo e a resignação perante as desgraças do dia-a-dia, por
parte de muitos. Esse não enraizamento da prática democrática permite que, com
toda a desfaçatez e impunidade mediática, se erga e se insinue o discurso
tecnocrático da eficácia e da eficiência.
Aqueles dois termos
ressaltam no discurso da competitividade, da maximização de lucros, da
minimização de custo mormente, neste último caso, no capítulo de custos
salariais ou laborais. É evidente que na lógica demente do capital, a
sobrevivência de cada capitalista está, teoricamente associada à eficácia e à
eficiência da empresa, à excelência da gestão, embora na realidade os
resultados dependam de fatores exteriores à gestão dos recursos. O recente caso
da PT evidencia um caso onde os mais elementares critérios de gestão foram
desprezados em proveito de compadrios mafiosos.
E não é difícil
mencionar uns quantos fatores exteriores que são vulgares e empregnam as
sociedades quanto menos desenvolvido for o seu capitalismo; diríamos mesmo que
são regulamentares pois, estão de tal modo inseridos no sistema e aceites como
inevitáveis que se tornam parte inseparável dele. Podemos citar o suborno, a
corrupção, a fuga, a evasão ou a fraude fiscal, o benefício fiscal, fórmulas
criativas de contabilização, a adjudicação combinada, o não cumprimento de
regras quanto à saúde e segurança dos trabalhadores, horas de trabalho não
pagas ou pagas em género (por exemplo, automóvel detido pela empresa ou férias
pagas a quadros), do respeito para com a qualidade, a segurança, a duração dos
produtos vendidos. Estes fatores estranhos à economia apreendida nos manuais e
nas escolas de gestão são determinantes para a competitividade das empresas;
isto é, os mecanismos da produção capitalista não se baseiam na sã concorrência
cantada por Adam Smith mas, nos tais fatores estranhos. E para que esses
fatores estranhos sobrevivam e se reproduzam e até gozem de alguma tácita
aceitação social - mesmo pelos que nada beneficiam deles, antes pelo contrário,
arrostam com os incómodos e prejuízos - é necessária a existência de um
grão-regulador do sistema que os aceite e proteja – o Estado, distribuído por
uma vasta paleta de reguladores pequenos, médios e grandes.
A eficácia e a
eficiência tão gabadas e perseguidas como fatores de excelência dependem
portanto, do contexto social, do ordenamento político instaurado, da ligação
entre a classe política e os capitalistas na sua global acepção. A classe
política, por um lado acha-se hierarquizada entre o governo, o garante da
continuidade da vigência daqueles fatores externos e a oposição que espera a
sua vez de exercer essa função de garante ou, não tendo esperança de esse papel
lhe poder vir a tocar, se contenta com a paga que escorre do orçamento por
conta da prestação dos seus serviços de animadores parlamentares e mediáticos,
de bufões. Por seu turno, os capitalistas também se acham hierarquizados em
função do volume dos seus capitais e também da influência que detêm junto do
Estado e da classe política; uns, têm o poder de definir normas orçamentais e
legais ou de colocarem protestos nos seus porta-vozes da oposição, enquanto
outros só podem pagar alguns euros a um fiscal ou um polícia, para evitar uma
multa.
É sabido que por mais eficaz e eficiente que seja um
capitalista; por mais “sério” que ele seja no cumprimento das normas laborais,
fiscais e de controlo de qualidade, o facto de se apropriar do produto do
trabalho alheio inquina totalmente essa seriedade e anula de raiz a eficácia e
a eficiência do sistema. Um sistema em que a riqueza de alguns resulta e
corresponde à pobreza ou à mediana de muitos não se pode considerar eficaz.
Nenhum capitalista pensa seriamente na injustiça do
sistema em que está inserido; pode pensar nas formas de aumentar a frequência
na sua cafetaria de bairro, pode pensar a nível regional ou nacional na
distribuição espacial da sua rede de supermercados, podem alguns avaliar e
intervir no comércio global de cereais, podem outros equacionar as transferências
da produção material para a Ásia mas, nenhum colocará o sistema em causa. Mesmo
o magnata Soros ou as Fundações Melinda & Bill Gates, com os seus
financiamentos filantrópicos, batem-se através deles para a perpetuidade do
sistema ao mesmo tempo que embolsam milhões em benefícios fiscais.
Pelo contrário,
apostam nas ferramentas do costume; a exportação servida pela competitividade,
o crescimento obtido pela exportação, a liberalização dos mercados, os
incentivos ao investimento, a redução dos deficits ou dos gastos públicos, a
redução dos impostos sobre as empresas, a liberalização do “mercado” de
trabalho e ainda a fuga de capitais, os tráficos mafiosos e a guerra. Como não
é possível exportar para o espaço nem vender telemóveis a marcianos, o sistema
bloqueia pois não há capacidade física ou de rendimento, nem há recursos
naturais ou ambientais que alimentem infinitas necessidades de crescimento, de
exportação. A eficácia e a eficiência potencialmente maximizáveis a nível de
cada empresa não são somáveis a nível global, como produto da irracionalidade
lançada sobre o planeta pelo conjunto dos capitalistas com o concurso
interessado dos seus mandarins.
A habitual
promiscuidade entre o Estado e as empresas, a troca de cadeiras pelos mesmos
oligarcas, ora em empresas ora nos ministérios, gera uns híbridos políticos que
adoram a gestão empresarial e empresários que querem agilizar o funcionamento
do Estado, assumindo funções políticas. São diferentes como Dupond e Dupont na
disposição para baixar custos às empresas, custos de contexto, custos com
pessoal e burocracia, estabelecer formas de livre escolha mas, pagas pelo
erário público, tudo para incutir nos reputados broncos da administração
pública o espírito da competitividade, da eficácia, da eficiência, a golpes de
bengala, se necessário.
2 - A eficácia que
captura a democracia
É o espírito da eficácia que esvazia os parlamentos,
em detrimento dos poderes executivos, nacionais e comunitários, transformando
aqueles em maus teatros com bons atores, cujo papel é convencer as pessoas de
que a democracia se resume ao teatro. Os media transmitem a esgrima oral dos
atores em plenário ou inócuas audições par(a)lamentares mas, jamais as reuniões
do conselho de ministros onde a aprovação de leis e regulamentos merece o
recato dos bastidores para que resulte em eficácia, eficiência e
competitividade das empresas, intermediados com umas quantas nomeações e
mordomias em proveito próprio da classe política. Em poucas palavras, a
legitimação de uma burla política e do roubo de milhões de pessoas, através do
Estado.
É a adopção da
lógica da eficácia que torna os governos, os quase únicos e formais emissores
de decisão com impactos públicos – sem esquecer as máfias autárquicas; e daí
que os parlamentos nacionais ou autárquicos e os actos eleitorais que
sacramentam a eficácia e a eficiência, se tornem ridículos rituais, com uma
larga assistência de quedos figurantes, indignados ou distraídos.
Os partidos
políticos que se ocupam da farsa e do roubo, para se tornarem eficazes são
estruturas piramidais, hierárquicas, verdadeiras alcateias cujos membros se
devoram a si mesmos, eliminando os animais feridos ou …ineficazes. O líder é um
roberto que tudo sabe e sobre tudo argumenta pois é mais eficaz essa polarização
no écran da tv do que a consulta das “bases” sobre as questões; logo a primeira
república soube criar presidentes para substituir reis, como figuras de pai
exemplar e severo aos olhos da plebe, que se pretende obediente e trabalhadora.
Os tecnocratas concedem incorrer nos custos da paródia democrática embora
saibam que, matematicamente, o limite da eficácia se atinge na ditadura de um
déspota apontado como iluminado, como Frederico II da Prússia cuja cultura não
o impediu de protagonizar um reinado de guerras.
Ora, um déspota
iluminado pode perder a ilustração em qualquer momento e nunca se sabe quando
ou, a que propósito, se observa essa perda de eficácia; e por outro lado, acaba
sempre num panteão. Demasiadas vezes a oligarquia encontra para a sucessão um
déspota desqualificado e eficaz apenas no roubo.
Como a eficácia
seria maximizada com a ditadura, a democracia surge para muitos mandarins e
empresários como inconveniente pois acarreta custos, a decisão é mais demorada
e nem sempre a mais eficiente, havendo apenas que encontrar um déspota de
máxima iluminação. Recordamos o célebre “deixem-nos trabalhar!” desse execrável
déspota chamado Cavaco.
Essa pulsão
autoritária de mandarins e capitalistas torna-se hoje bem presente quando
utilizam a dívida pública (nunca assumida como impagável) para condicionar o
futuro da população durante décadas, retirando-lhe quaisquer ideia de mudança,
apoiados em tratados desenhados por burocratas iluminados e tomados como
inibidores de alternativas. Se não há hipótese de alternativa, se tudo está
definido nos tratados e a gestão pública é determinada em Bruxelas e Frankfurt,
o teatro parlamentar e as romarias eleitorais só servem mesmo para distração,
entre o trabalho ou a falta dele, o futebol ou as novelas.
A lógica da eficácia
encontrou na dívida um elemento precioso para justificar a suspensão da
democracia como proposto por Manuela Ferreira Leite[1] que antecipou em vários
anos o seu correligionário Machete[2] que defendeu restrições
nos direitos fundamentais até o desenvolvimento económico se tornar compatível
com a sua vigência. E o amolecimento social, a habituação a uma democracia
pouco mais que nominal, não motivou qualquer reação, nomeadamente das
“esquerdas” que se gostam de apresentar com lídimos representantes e condutores
das classes populares.
Carl Schmitt,
ideólogo do nazismo exprime claramente a importância de homens providenciais na
condução dos estados, capazes de decidir o que convém à nação, em situações de
urgência e o desprezo pelos parlamentos, focos de indecisão, irracionalismo…
ineficácia. O caráter anti-democrático que define as estruturas da UE, as suas
emanações legislativas que colocam as instituições nacionais com limitados
poderes e ainda os ordenamentos políticos locais, tornam grotesca qualquer designação
de democracia para os regimes vigentes, associados ao neoliberalismo. Schmitt,
curiosamente (ou talvez não) estava próximo do ordoliberalismo, um antepassado
da escatologia (na sua acepção não teológica) neoliberal de hoje.
Na sua defesa de uma
figura tutelar que tome as decisões, Schmitt opunha-se a Kelsen que defendia,
nos anos 30 a existência de um tribunal constitucional; por aqui também se vê o
pendor fascista do actual governo quando se esganiça contra um ordeiro e pacato
grupo de juristas – o Tribunal Constitucional – mesmo que emanados e validados
pelo partido-estado PSD/PS.
Schmitt pretendia um
Estado acima dos interesses económicos e dos capitalistas, uma aproximação ao
corporativismo que Salazar importou da Itália fascista; e ainda com semelhanças
face ao capitalismo de estado de tipo soviético, todos polarizados em torno de
líderes supremos, divinizados e sanguinários.
A democracia de
mercado incorpora escolhas, debate, como nas democracias reais, só que aquelas
escolhas e debates estão truncadas e circunscritas aos defensores do regime,
aos que o gerem e os que participam na sua legitimação junto da multidão, pagos
para o efeito a partir do erário público. Nas farsas eleitorais que conhecemos
as mudanças, quando existem, são formais, podendo até acarretar trocas no
elenco corrupto instalado, o que obriga a demorada e cuidadosa reformulação da
matriz das influências. O exercício da democracia de mercado transforma-se
assim, em períodos de instabilidade política (?), num sentido que faz lembrar o
tinir das espadas em vésperas de golpe militar; trata-se de lutas entre gangs
pelo controlo do “pote”, de modo semelhante às disputas de território entre
cartéis da droga, convenhamos que de modo menos brutal. Os empresários de maior
gabarito financeiro, cautelarmente, tratam de financiar vários partidos,
sobretudo do arco da governação, para assim garantirem parceiros para a
prossecução da eficácia conveniente.
A democracia na
lógica da eficácia é um período de paragem, de ausência de decisões, um custo,
uma chatice, um momento de reação dos sagrados mercados e jamais encarada como
um momento de renovação na representação, de aferição da inteligência coletiva,
da criatividade dos povos, na procura de soluções para a satisfação das suas
necessidades. A eficácia de uma escolha democrática é sempre precária porque a
passagem do tempo e a renovação das gerações, das tecnologias, coloca sempre em
presença novas condições de satisfazer essas necessidades; porém, por definição
de democracia, não será tomada em função de interesses particulares ou de
conluios entre uma inútil classe política e uma parasitária classe de
capitalistas.
A maximização da
eficácia é com um führer supremo e
incontestado ou com a perpetuação de um partido-estado como o bem português PSD/PS,
um género de führer coletivo; não
havendo margem ou visibilidade para a discussão, a eficácia está univocamente
garantida, é o TINA – There is no
alternative. O pendor do capitalismo para o fascismo acontece à medida que
o mundo se não ajusta à rendabilidade desejada para os capitais, mesmo com os
Estados a arcar com a dívida pública conveniente e a considerarem o pagamento
de capital e juros como a grande prioridade dos destinos das receitas
orçamentais. Essa prioridade associada à culpabilização da multidão por “ter
vivido acima das suas posses!” faz com que seja aceite, como fatalidade e justa
punição, a brutal redução de direitos e que a democracia figure como um penhor
do pagamento da divida.
Se o Estado e a
classe política que são definidos como os grandes provedores do bem-estar
coletivo falham absoluta e resolutamente nesse objetivo, então para que serve o
Estado[3]? Torna-se claro que o
anarquismo é a única saída para a humanidade[4].
O capitalismo vive
da apropriação do trabalho e portanto, não lhe é possível eliminar o uso do
trabalho nem anular-lhe a remuneração, por razões próprias da acumulação
capitalista, dos seus limites absolutos e jamais, por qualquer sentimento
humanitário. Hitler nunca poderia ter construído o III Reich instalando um
campo de concentração em cada fábrica, paredes meias com uma câmara de gás e os
SS como gestores do capital; da mesma forma que a abolição da escravatura
aconteceu pois o desenvolvimento da tecnologia e as necessidades de escoamento
da produção não se coadunavam com milhões de pessoas pouco “competitivas” e
fracos consumidores.
Na realidade, não tem sido preciso uma ditadura
assumida para essa pretensa garantia de eficácia e eficiência, embora a
separação existente entre os dignitários dos regimes e a plebe, se tenha vindo
a acentuar com a presença de várias estirpes de centuriões, gorilas e rambos
públicos ou privados, veículos blindados, condomínios privados; dois mundos num
mesmo território, como na era medieval.
A democracia está tão afastada da nossa prática quotidiana
que existem elementos basilares para a sua caraterização, definidos por
palavras provenientes da Grécia antiga e que são quase desconhecidas - embora
adaptadas para a língua portuguesa - dado o reiterado atropelo dos princípios
democráticos que representa um recuo face à prática observada no largo período
da democracia ateniense[5]
A democracia
verdadeira, direta, de base, tem como elementos constituintes e não exclusivos,
a isegoria e a parrésia que, como se verá de seguida, não são usados nessa
burla chamada democracia representativa - a que também designamos por
democracia de mercado - apontada como uma das grandes realizações do mundo
ocidental, com exportação obrigatória para o resto do planeta. Como as
comparações se fazem com regimes despóticos, feudais, monárquicos, não é
injusto referir que na democracia dita representativa haja maior tolerância
quanto às opiniões ou quanto ao exercício dos direitos, logo no capítulo dos de
primeira geração (humanos e políticos). A isegoria consiste na possibilidade de
todos poderem emitir opiniões próprias e contestarem opiniões alheias em total
igualdade; a parrésia é o direito de emissão de qualquer opinião, de modo claro
e sem riscos de exclusão ou represália.
A isegoria não é
prática corrente nas sociedades capitalistas mesmo na forma de um seu adereço
designado por democracia representativa. É certo que o elementar direito de
expressão verbal não é objeto de repressão primária mas, na realidade, a
discussão e a decisão sobre os assuntos que interessam a todos, ou a grandes
grupos sociais, estão restritos aos gangs políticos mormente dos “arcos de
governação” com grotescos esforços dos vários naipes de “esquerda” para se
incluírem no grupo dos decisores. Entre esses gangs e as redações dos media com
maior audiência (sobretudo televisivos) há uma promiscuidade evidente para o
acentuar dessa discriminação. São comentadores nos media dezenas de membros da
classe política, ouvidos reverentemente pelos repórteres a propósito de tudo,
sejam temas candentes da economia e da política, como do futebol. Já o direito
de manifestação sofre de limitações, que vão desde a exigência de uma
notificação ao poder, à repressão contida na Ley Mordaza do sacripanta Rajoy,
passando por autorizações ou detenções discricionárias sempre que as
autoridades policiais o achem por conveniente.
Se se pensar que os membros inscritos nos vários
partidos em Portugal não atingirão 300000 pessoas e que os jornalistas com
direito efetivo de opinião sobre temas “sensíveis” são poucas centenas, poder-se-ia
pensar que 3% da população monopoliza a opinião e a decisão política. E esse é,
sem dúvida, um cálculo excessivo.
As inscrições nos partidos não atribuem privilégios de
opinião ou decisão à esmagadora maioria dos seus membros, que funcionam como os
adeptos do futebol, com o limitado direito a passear bandeiras e autocolantes
em cerimoniais mediáticos ou jantares de carne assada nas parvónias, onde se
processam recolhas de fundos. Portanto, a isegoria exclui quase toda a
população, remetida a desabafos aqui e ali, confinada a demonstrar a sua
eficácia laboral enquanto o emprego durar ou, na heróica gestão de magras
pensões e subsídios.
A parrésia é outra grande ausência, indo pouco além
das opiniões sobre futebol, no âmbito do qual peroram dezenas de comentadores
nos media, para além de milhões de outros, ditos de bancada. Nas empresas, as
células básicas do capitalismo, a eficácia produtiva não pode ser prejudicada,
valendo particularmente a opinião do patrão, do chefe, da hierarquia, havendo várias
formas de prejudicar os emissores de opiniões que “afetem” a produtividade – os
que sejam discordantes de normas internas, do sistema social e político, os
verdadeiros sindicalistas - que terão apontadas as armas do despedimento, da “prateleira”,
da não valorização profissional, da estagnação salarial. As empresas são um
espaço típico de não democracia, de hierarquia e repressão, um espaço
militarizado.
3 - O trabalho é
uma prisão
A velocidade introduzida no trabalho, na circulação
das mercadorias e na informação - é duvidosa a designação de informação para
muito do que circula na imprensa ou nas redes sociais - serve para a eficácia
se colocar à frente de qualquer maturação ou participação nas decisões. A
escassez de tempo inculcada na cabeça do Papalagui[6] é exigida pela eficácia
que se lhe impõe permanentemente, obsessivamente, desde que o mercado decretou
que “time is money”; o tempo
tornou-se um recurso escasso e, como tal, a sua poupança exige a quem trabalha,
jornadas extensivas que mobilizam todas as forças físicas e anímicas das
pessoas, impedindo-as de exercer cabalmente uma vida social e afetiva. O caso
dos distribuidores de encomendas, uns 250/300000 na Europa, é revelador, sem
ser uma excepção; trabalham 14 h por dia, pagos no máximo a € 5/hora, guiando
um veículo e entregando pacotes e embrulhos, sofrendo penalização se o
destinatário não estiver disponível. Essas cadências e o desgaste físico fazem
com que raros trabalhadores se mantenham mais de quatro anos na atividade, mesmo
sendo emigrantes muitos deles.
A questão do tempo
como recurso escasso, a exigir todas as atenções e empenho no sentido da sua
poupança, mostra a irracionalidade do capitalismo que trata algo tão
criticamente escasso ou frágil como o meio ambiente, a água, as florestas, os
solos aráveis, a diversidade da vida, como “recursos” que podem ser usados como
se inesgotáveis fossem; como se o planeta tivesse sido objeto de apropriação
privada pelo capital.
O tempo de vida de
cada pessoa deve ser utilizado de forma tranquila, na satisfação das suas
necessidades materiais, de convívio social, no enriquecimento cultural, nas
interações afetivas ou no lazer; e não numa relação doentia, em que cada um
sofre de falta de tempo e encaminhado para se dedicar à produção de riqueza,
para se mostrar produtivo, competitivo, tomando essa dedicação como objeto
primordial da existência. Por essa razão, o capitalismo, sobretudo na sua
versão neoliberal, procura encurtar em cada um de nós, o tempo disponível de
vida não ativa, maximizando o tempo de vida profissional; espremer em cada um o
produto das suas capacidades remetendo-nos para uma reforma diminuta quando a
nossa “produtividade marginal” encolhe, para se utilizar um termo caro de um
subproduto economicista, a teoria marginalista; no final da vida, quando os
cuidados de saúde aumentam e a produção de valor é nula, cada pessoa passa à
categoria de custo social a eliminar, sendo entregue à sanha genocida de
paulosmacedos ou motassoares.
A competitividade resulta da produtividade elevada, da
eficácia do processo “produtivo” e é isso que gera mercado, sustenta as
empresas que promovem o emprego, num salmo neoliberal que Paulo Portas emite
pela cloaca instalada logo abaixo do nariz. A lógica da eficácia – mais, mais
depressa, mais barato, mais longe.
A captura do tempo pelo trabalho não permite espaço
para a reflexão pessoal ou conjunta. É em nome da eficácia que se comprime informação
na forma de imagem, embora se saiba que somente uma parte pequena da mensagem
nela contida pode ser retida, no lapso de tempo disponível, não sendo prático
nem havendo disponibilidade para uma nova observação. Para que a mensagem não
exija um tempo demasiado ao destinatário a densidade de informação contida é
elevada, por unidade de tempo, impressiva o suficiente para atrair a atenção
mas, superficial para se compatibilizar com um lapso de tempo normalmente
curto, admissível para a apreensão da mensagem. A imagem simples ou o vídeo têm
ocupado maior espaço na vida das pessoas, em detrimento da conversa ou da
leitura, mais exigentes em temos de reflexão e… tempo. A eficácia, como
compressor, exige superficialidade, ideias feitas, ausência de tempo para a
reflexão e apenas para a execução, criando novas figuras na linguagem, como as
“leituras em diagonal”. O papel simplificador da publicidade orienta o consumo,
poupando tempo ao comprador e, para além do seu papel de indutor de falsas
necessidades, permite maior eficácia na concretização da compra. Por seu turno,
é no espaço da política institucional que se pré-definem as escolhas que, sendo
complexas e consumidoras de tempo são remetidas para os vazios debates
parlamentares, para os talk-shows
onde se promovem concentrados de decisões eficazes, a aceitar com indiferença.
A decisão política é concebida para se situar fora do
quadro das pessoas comuns, cujos recursos em tempo deverão ser utilizados,
canalizados para a execução acéfala, para as tais micro-decisões contidas em
protocolos de conduta submetidos a avaliações criadas com o selo de uma ignota instância
superior ou encomendada a uma das big
four da consultadoria – Ernst & Young, PWC, KPMG e Deloitte. Os poucos
momentos de disponibilidade pós-laboral são utilizados para descanso, após um
período de entrega à vacuidade mediática e que resulta da conjugação de écran e
sofá. O esgotamento construído no local de trabalho conduz à procura de refúgio
em espaços de tranquilidade e isentos de pressão, em casa; e, certamente que o
exercício da democracia exige disponibilidade mental, estudo, reflexão,
discussão. Para que a prática democrática seja subalternizada, nada melhor do que
jornadas enormes e intensivas de trabalho, deslocações diárias longas e
demoradas, com o eventual transporte de crianças pela manhã e à noite, com
cálculos monetários permanentes na espera do fim do mês.
Enquanto uns se esfalfam a trabalhar mesmo para além
das tais oito horas padrão, com os inconvenientes para a sua sociabilidade,
para o seu equilíbrio psicológico (a imensa toma de tranquilizantes e a
existência de 20% da população com perturbações mentais[7] assim o demonstra) há
muitos outros milhares sem trabalho, sem rendimentos próprios vivendo de
subsídios, carregados de estigmas e humilhações processuais ou, amparados em
familiares. Estes desequilíbrios demográficos e psicológicos induziriam a que
se repartisse o trabalho disponível hoje, por todos os que estão em condições
de trabalhar, com a redução do tempo de trabalho para todos. pela aplicação de
uma lógica de aritmética pura ou no âmbito de um espírito moralista. Não
sabemos se o velho Fourier subscreveria este igualitarismo mas, a colocação
dessa questão não tem qualquer consistência política e coexiste muito bem com a
permanência do capitalismo, amenizada pela caridade protagonizada pela Jonet e
pelo carocho Mota Soares. Tal postura – típica das “esquerdas” keynesianas - consiste
em esperar que o capitalismo, campeão da formação de desigualdades, aceite o
pleno emprego por razões de humanidade, numa altura em que se já esqueceu da
luta pelos direitos humanos, em voga décadas atrás. Pior que isso, essa
quimérica humanização do capitalismo representa a aceitação deste, a
incompreensão de que o capitalismo precisa de segmentar os trabalhadores e de
que foi o criador do salariato.
A tecnologia e o aumento dos conhecimentos dos
trabalhadores permitem enormes produtividades mas, o aumento de valor gerado
vem sendo apropriado pelos capitalistas. Estes, são compelidos a investir mais
e mais para aumentar a produtividade, substituindo trabalhadores por
equipamentos e ganhar competitividade, para aumentarem o seu quinhão na criação
de valor ou defenderem-se das ações dos concorrentes com idêntico propósito.
Neste contexto, a eficácia e a eficiência tornam-se obrigatórios, como chave
para a manifestação da competitividade tornando-se incontornável o crescimento
da produção. Este, não resulta das necessidades das populações, é uma
necessidade interna do sistema; e como o rendimento disponível pela grande
massa da população nas proximidades é escasso para absorver essa produção crescente,
cultiva-se a pulsão exportadora, com custos de transporte, logísticos e
ambientais enormes. Como todos os capitalistas pensam da mesma forma, a pulsão
exportadora torna-se uma obsessão, o modelo generaliza-se, enforma a
globalização e evidencia os limites físicos do capitalismo.
Por outro lado, o rendimento que é apropriado pelo
conjunto dos capitalistas não é suficiente para assegurar globalmente um
consumo adequado às necessidades de venda de bens e serviços, dada a sua
reduzida parcela das populações; e para mais, parte desse rendimento, tem de
ser investido, aplicado para tornar as empresas mais produtivas e mais competitivas.
Por seu turno, o rendimento distribuído aos
trabalhadores tem de ser restringido, segundo a lógica do capital para que haja
redução de custos e acrescida competitividade para cada empresa, sabendo-se
como essas restrições prejudicam as condições de vida dos trabalhadores.
As limitações à aquisição de bens e serviços ao
conjunto dos capitalistas, não é suficiente para absorver toda a orgia de
produção, para que cada um dos capitalistas possa repor o capital investido e
obter o capital necessário para ampliar o seu investimento ou alargar o seu
mercado.
Daí que, à maximização do valor acumulado pelos
capitalistas corresponde a uma minimização da parte que é atribuída aos
trabalhadores, os únicos que são produtivos.
A acima referida contradição global do capitalismo
materializa-se no antagonismo entre as necessidades de crescimento e as
limitações para a o consumo e a utilização dos seus produtos e serviços, bem
como dos limites do próprio planeta para acarretar com tais dementes
necessidades. As formas de superação dessa contradição não passam de tentativas
insuficientes, temporárias e geradoras de novos problemas e conflitos criados
pelos capitalistas, seus estados, instituições plurinacionais e respetivas classes
políticas.
Têm sido criadas várias formas de se tentar ultrapassar
essa limitação essencial do capitalismo. Desenvolve-se o crédito em níveis
disparatadamente acima das poupanças geradas e o endividamento de empresas,
Estados, famílias compromete, com décadas de antecipação, os rendimentos
respetivos durante muitos anos de juros e reembolsos, sendo realista dizer-se
que a dívida dos Estados e de muitas empresas é eterna ou, se se preferir…
impagável – palavra proscrita por banqueiros, capitalistas, classe política e
plumitivos de serviço. Assim, criam-se necessidades artificiais através da
moda, da publicidade, da obsolescência antecipada, para acelerar consumos e
incutir na população a pulsão consumista, daí resultando a constituição de
dívidas que redundam em verdadeira escravatura. E ainda se pode considerar a
guerra, como modo de imposição, destruição de recursos e de humanos, sabendo-se
como ela é uma boa forma de “alavancar” o crescimento económico, antes, durante
e depois da sua ocorrência, de eliminar concorrentes, conquistar mercados, etc.
Tudo isso pode ser considerado como modos de dotar o capitalismo de maior
…eficácia.
Na área do trabalho, o aumento da produtividade está
longe de se manifestar em reduções nos tempos de trabalho, em aumentos
salariais ou sequer do rendimento líquido de todos os custos inerentes à
renovação da capacidade individual de trabalho. Pelo contrário, o trabalho
extraordinário - nem todo submetido a pagamentos aumentados ou sequer a ser
objeto de pagamento – constitui um alargamento efetivo do tempo de trabalho
diário; o que desincentiva, a nível global, ao aumento do número de
assalariados e alimentando taxas elevadas de desemprego.
Poderíamos tomar esta situação como uma loucura
coletiva; o problema que não é possível estar do lado de fora.
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