quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O OUTONO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO ESTÁ AÍ

Sumário
A tara privatizadora
Nova contabilidade junta dívida à dívida
Retoma, onde te escondes?
A brilhante classe política portuguesa


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A tara privatizadora

A desaparição da PT, engolida na Oi, faz lembrar quando a empresa teve de ceder a Vivo à Telefónica[1] com altos lucros para os acionistas, dominados pelo BES, o mesmo que, recentemente, utilizou o seu agente Granadeiro e outros para uma golpada de 900 M na PT; esta empresa foi uma desnatadeira do regime cleptocrático vigente há perto de 40 anos, RIP.

Também a Cimpor foi comprada por brasileiros, a EDP por chineses, a REN por franceses, a Tranquilidade ficará para americanos, a Espirito Santo Saúde para mexicanos, etc. enquanto o cervejeiro nomeado para ministro se afadiga na magna tarefa de vender a TAP, depois de concretizada a alienação dos CTT. Tudo isto para além da costumeira e silenciosa[2] privatização que se oculta nas rubricas de fornecimentos e serviços de terceiros das entidades públicos, como emanações contabilísticas de lógicas de downsizing complementadas com outsourcings. Essas designações em inglês constituem pretensões provincianas de modernidade ou - de pugresso como verbaliza Cavaco – que ocultam a indigência cultural dos mandarins governamentais. Está aberta uma feira internacional de privatizações com saldos, promoções e contribuições para o cofre do partido.

Tornou-se uma imagem de marca do gang governamental um afã privatizador que já ultrapassou, largamente, as exigências da troika[3], podendo a qualquer momento surgir a privatização da água. Na banca, em breve o domínio nacional ficará reduzido à CGD, descapitalizada pelo gang PSD/PS, para tapar o buraco BPN; e portanto, uma CGD barata quando em rampa de lançamento de privatização. Quanto ao BES-bom, a banca concorrente interessada na compra tem todo o interesse na sua desvalorização[4] sendo o dinheiro público - previamente emprestado pela troika e colocado no Fundo de Resolução[5] - um sério candidato a perdas, necessárias para que a feira dos saldos se apresente competitiva.

Segundo nos confidenciou Marques Mendes, bem informado sobre o que se diz no Conselho de Ministros e arredores, o governo prepara novas fontes de receita. O pré-fabricado Maduro, cuja voz emite som de gaita, propôs uma concessão, durante vinte anos, da expressão da língua portuguesa em Portugal à Bertelsmann que cobrará a todos os falantes uma taxa, a incluir na fatura da eletricidade; ficando isentos bófias, militares, a confraria da toga e a classe política, por sugestão de vários ministros. Passos ficou de consultar o Moedas, agora com a pasta da inovação em Bruxelas.

Por seu turno, o inteligente Pires das cervejas defendeu parcerias público-privadas para todas as Ruas Direitas ou Ruas Tenente Valadim do país, com pórticos a instalar também nos passeios; e, finalmente, o Aguiar Branco propôs que a sua firma de advogados inicie contactos para que ao nome do mosteiro dos Jerónimos se acrescente Fly Emirates, pagando os Emirados a promoção a efetuar junto dos turistas.

As fantasias nos parágrafos anteriores não são muito diversas de outras efetivamente despejadas nos media pelo gang governamental.

A primeira prende-se com Portas, quando afirmou ter Lagarde cometido um “lapso involuntário” (poderia ter sido um “lapso de esquecimento”, não?) porque aquela não relevou o esforço governamental na redução (?) do desemprego.

A segunda saiu da cloaca de um untuoso criativo, secretário do carocho Mota Soares, segundo o qual "a solução que está encontrada (para o emprego) é uma solução que privilegia que os serviços privados de emprego podem ser exercidos em função da atividade económica que as entidades venham a deter. Significa isto que empresas de trabalho temporário que tenham uma atividade económica também associada às agências privadas de colocação poderão naturalmente desenvolver essas atividades"[6].

Até ao século XIX havia pessoas apanhados nas zonas da floresta africana, encaminhadas como escravos, por sobas do litoral que os comercializavam com os ocidentais, com relevo para os portugueses, por troca com armas, álcool e missangas. Cerca de dois séculos depois os sobas do governo, bem dentro da tradição de traficantes, capturam desempregados e entregam-nos aos atuais negreiros, as empresas de trabalho temporário, cuja função útil se desconhece. Pela conversa do volumoso energúmeno, a civilização deverá recuar dois séculos, para bem do banditismo, do empreendorismo, do mercado, da competitividade.

Nova contabilidade junta dívida à dívida

Dia 1 de setembro terão sido refletidos nas contas nacionais as alterações contabilísticas integradas num novo plano estatístico (SEC10) para as contas do Eurostat. Quando a dívida pública representava 125.7% do PIB (dezembro/2013) orçava-se que aquelas alterações contabilísticas fariam elevar aquela relação para 136% quando introduzidas a partir de setembro[7]. Ora acontece que em julho último e antes da aplicação da nova norma, a dívida pública estará pelos 132.8% do PIB, sendo de prever uma nítida ascensão quando forem revelados dados de setembro, lá para novembro, com a inclusão nas contas, de entidades até agora não consolidadas em termos de dívida pública, no âmbito das operações de desorçamentação que foram regra até anos recentes. E ainda falta ver como se contabiliza o apoio ao Fundo de Resolução do BES-bom e, sobretudo o tóxico que dali possa emanar.

Retoma, onde te escondes?

A evolução recente tem vindo a confirmar tudo o que dissemos em março, quando demonstrámos não ser pagável a dívida pública portuguesa[8], ao contrário do governo que vem enganando a população com uma retoma que não se afirma, de uma melhoria das contas públicas sempre adiada e com uma oposição tosca que se contenta em pedir as migalhas de uma reestruturação, para não magoar Bruxelas, Frankfurt ou o capital financeiro global.

Apesar de privatizações, cortes na despesa e aumentos de impostos, de alterações na legislação do trabalho, no cálculo das pensões, a dívida continua a crescer regularmente acentuando a relevância dos seus encargos em juros e amortizações, como comentámos, a propósito do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) do governo[9].

A constante promessa de que a redução da dívida pública está próxima, de que a austeridade vai acabar, de que a retoma já está no terreno, não se têm verificado. O relógio que o sacripanta Portas colocou a contar os dias em falta para a saída da troika, terá avariado ou não passou de um truque infantil para ocultar a tutela da UE enquanto a dívida pública não se quedar pelos 60% do PIB e o deficit na ordem dos 3%. A OCDE, pouco suspeita de antipatia para com as receitas da troika, da UE, do FMI para com países endividados e empobrecidos revela que Portugal não sai do atoleiro, após mais de três anos de austeridade e cortes.


Num plano global de anemia económica é nítido que Portugal começou a regredir desde março, pouco depois da Irlanda e da Alemanha, enquanto a Espanha e a Grécia mantêm um pendor ascendente há bastante mais tempo. Lagarde sabia o que dizia sobre a marcha das economias dos países intervencionados e, se referiu Espanha e não Portugal como um caso de saída da fossa, não foi por “lapso involuntário” como disse o pantomineiro Portas.

No gráfico que se segue evidencia-se uma grande redução do saldo da balança corrente – que até se tornou positivo no último semestre do ano transato - mas que se deteriora já este ano, pela primeira vez desde 2011. Esse menor desequilíbrio deveu-se essencialmente à quebra das importações, na sequência do menor poder de compra da população e da grande quebra do investimento; e, menos ao aumento das exportações. No primeiro semestre de 2014, pela primeira vez no período considerado, aumentam as importações e reduzem-se as exportações, contrariamente à estúpida fixação na ortodoxia neoliberal levada a cabo pelo subserviente governo em funções. Essa estupidez acaba de ser vincada pela Comissão Europeia quando afirma[10] que a intervenção da troika "contribuiu para a implementação de reformas com vista a melhorar a competitividade" e que "o futuro crescimento económico (de Portugal) deve ser baseado na capacidade de aumentar a exportação de bens e serviços com alto valor acrescentado, juntamente com a capacidade de atrair investimento estrangeiro". Para os teólogos neoliberais cada capitalista deve produzir para a exportação, ser competitivo e desprezar o consumo interno que deverá ser satisfeito por bens e serviços importados. Mas como esta filosofia é aplicada por todos e a competitividade repousa no esmagamento de salários e outros rendimentos, a recessão fica garantida para todos.
                                                                         Fonte primária: Banco de Portugal

Neste contexto ideológico que favorece o capital financeiro e a transnacionalização da estrutura produtiva global, são cada vez menos comuns os gorgolejos patrióticos sobre os centros de decisão nacionais, vindo de muitos dos que traficam ações para engordar contas em off-shores. A própria Comissão Europeia coloca delicadamente uma questão relevante – pouco falada em Portugal; a da histórica baixa qualidade dos capitalistas lusos, incapazes de investir para além das altas cilindradas mas hábeis no fomento de uma classe política tão indigente cultural quanto corrupta (uns por ação, outros porque olham para o lado).

Diz também a Comissão que se deve combater a falta de investimento. Ora, como se sabe, a Comissão acreditará que a lógica de Draghi em reduzir a taxa de referência para 0.05% vai promover catadupas de investidores na zona euro; o que equivale a acreditar que o fim da URSS resultou das preces em Fátima pela “conversão da Rússia”. Num quadro típico de recessão, com a redução do poder de compra, o desemprego, etc. ninguém se mete em negócios (excepto armas, órgãos humanos, imigrantes, corrupção e especulação financeira). E é inútil imaginar como o faz o BCE que baixando a taxa de juro aumenta os apetites investidores.

Deverão ser as pessoas a tomar o seu futuro nas suas próprias mãos ou terão de suportar - e em agravamento - as manobras do capital financeiro, dos capitalistas em geral e dos seus funcionários da classe política.

A brilhante classe política portuguesa

A propósito da classe política é interessante ver como se sucedem os desastres governamentais pelas mãos do matemático Crato[11] e ver os reitores das universidades preocupados com a empresarialização do ensino e a competitiva captação de estudantes estrangeiros para compor o orçamento, bem como o fomento de bolseiros para toda a vida. Ou observar como a advogadeca Teixeira da Cruz se atasca no downsizing (mais um) do sistema judiciário, com o programa informático central bloqueado[12] e processos com folhas trocadas ou a voar numa avenida de Setúbal tal como ver como em poucos meses, o pomposo DEO – Documento de Estratégia Orçamental ficou obsoleto. E ainda recordar como Passos ou Portas de férias deixaram o assunto BES nas mãos do Carlos Costa do BdP, como frágil tradutor dos despachos de Draghi. Enfim, tudo num plano no qual, em institutos e reguladores se encaixam os elementos de uma administração pública paralela criada com os membros mais ignotos do partido-estado ou jotinhas, enquanto os verdadeiros funcionários são convidados à rescisão.

Quanto ao que se chama eufemisticamente “oposição” o espetáculo não é melhor até porque o acesso aos meios do Estado é muito menor. O PS anda envolvido num wrestling verbal entre o encarregado de um interregno cujo fim se aproxima e um mafioso convencido de ter chegado a hora de se candidatar ao pódio, salivando com o cheiro do orçamento do Estado, muito superior ao da autarquia lisboeta. Enfim, a luta entre um D. António, prior do Rato e um outro D. António que quer ser o prior seguinte.

Para os lados menos à direita do espectro eleitoral, o PC anuncia uma recolha de fundos para alargamento do seu Parque Jurássico onde poderão proceder à preparação de postes fronteiriços após uma tão desejada saída do euro. O minguante BE discute o sexo dos anjos a apresentar na sua convenção, incapaz de se emancipar do seu guru fundador, que se desdobra em livros e guiões, na apresentação de serviço, para ser ministro do novo governo do PS.

Neste desastre económico e nesta miséria política, alguém se poderá admirar que Portugal seja apenas um local geográfico onde se cruzam redes transnacionais de negócios, que se estão nas tintas para qualquer harmonia estrutural da economia paroquial? Resulta de tudo o que se disse, um país subalterno e 10.5 M de colonizados, com muitos tontos a sonhar com soberania, fronteiras, com uma melhor seleção de futebol, numa olímpica ignorância das caraterísticas do capitalismo de hoje.

Qualquer solução passará sempre pela ação conjunta dos povos europeus, do sul especialmente, contra o capital financeiro, as multinacionais e as classes políticas nacionais ou destacadas em Bruxelas.

E se não mexermos os pezinhos nem colocarmos as meninges a borbulhar, coletivamente, sem gurus nem chefes partidários, devemos estar preparados para longos invernos de frio, muitos verões de seca, fome nas barrigas a contrastar com a abundância de promessas e comentadores na tv.

Outros documentos em: 
   




[1]  http://www.slideshare.net/durgarrai/pt-cimpor-e-banca-as-atribulaes-de-um-capitalismo-subalterno
[2]   http://www.slideshare.net/durgarrai/segurana-social-processos-de-descapitalizao-1
[4]    http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/ulrich_estou_convicto_que_o_novo_banco_nao_vale_49_mil_milhoes.html
[5]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/o-bes-bom-o-bes-mau-e-ma-gestao-dos.html
[11] O matemático alterou o algoritmo da sua vida quando viu, depois de 1975, que a ditadura do proletariado lhe não traria tacho e poder
[12]  http://www.noticiasaominuto.com/pais/273402/ha-dois-anos-que-ministra-sabia-que-citius-ia-dar-problemas

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