quarta-feira, 23 de julho de 2014

Portugal deve sair do euro. Sim ou não? (1)



Sumário
Conclusões
1 - Questões prévias
2 - Despolitização e falta de democracia
3 - Como surgiu o euro
4 – Um processo de constituição de desigualdades
4.1 – As desigualdades na Ibéria
5 - Portugal, o bom aluno do mestre Cavaco
5.1 – No princípio está o crédito, a especulação e a corrupção
5.2 – A utilização do crédito
5.3 – A capacidade de gerar rendimentos
5.4 - Produtividade e custos laborais



Conclusões
  • Quer a entrada na UE quer a adopção do euro foram decididas pela classe política, que sempre se recusou a referendar essas questões por incurável sobranceria; e tanto pior quanto estamos convictos de que os portugueses teriam votado favoravelmente;

  • Não existe um estudo quantificado que avalie os custos de uma saída do euro, apenas a procura assustada de regresso a um passado irreversível, como solução salvítica para um povo em entropia social;

  • A criação do euro, como instrumento facilitador da circulação de mercadorias e capitais, teve uma longa ascendência processual, mais nítida após a criação da UEM – União Económica e Monetária;

  • Para maior agilização dessa circulação foi necessário aproximar taxas de inflação, dimensões de dívida pública ou de deficit externo e conter as relações entre as várias moedas nacionais num apertado espartilho. Esse conjunto de objetivos está contido nos célebres critérios de convergência, ou de Maastricht, e no mecanismo das taxas de câmbio (MTC);

  • Capitalismo é sinónimo de desigualdades entre países e dentro deles; desestrutura-os enquanto entidades nacionais e reestrutura-os em redes transnacionais de negócios utilizando como instrumentos o crédito, a dívida, as políticas fiscais e laborais, a corrupção ou meios militares em casos mais delicados;

  • Enquanto projeto de acumulação capitalista, a integração europeia foi, desde o seu início, um gerador de reestruturações espaciais de rendimento, riqueza e bem-estar social, com o consequente cortejo de desigualdades geográficas e sociais. E isso, apesar de cada país-membro ter tido a sua própria moeda, a sua soberania monetária, nos primeiros 44 anos de processo integrador;

  • O processo de geração de desigualdades dentro da Europa, a determinada altura, exigiu uma moeda única como instrumento, entre vários outros, de continuidade da segmentação da UE entre Centro e periferias. Porém, é simplista considerar-se ter sido a moeda única a gerar as desigualdades e o empobrecimento;

  • No quadro ibérico, há alterações na hierarquia das regiões, em desfavor das constituídas em território português mas, as profundas desigualdades existentes são anteriores à introdução do euro, mantendo-se a faixa ocidental e o sul da Península como as áreas mais pobres, se se excluir Lisboa e Galiza;

  • O cumprimento das obrigações de convergência de Maastricht e os apoios comunitários reduziram alguns desequilíbrios estruturais em Portugal mas, abriram portas para um recurso disparatado ao crédito (barato), em parte obtido no exterior através de um sistema bancário em euforia contagiante dos meios dos negócios e também da população;

  • O volume do crédito concedido às empresas representava 2.9 meses do rendimento global em 1990, sete meses em 2009, reduzindo-se entretanto para seis meses. Por outro lado esse crédito que equivalia ao valor da FBCF em 1990 era-lhe quatro vezes superior em finais de 2013;

  • Gerada pelos bancos com todo o apoio dos seus subalternos governantes constituiu-se uma cadeia de acumulação de crédito que, não podendo ser infinita nem sustentável, teria de desembocar em desastre. Os elos dessa cadeia são bancos nacionais-construtores/imobiliárias-famílias com a conivência de autarcas corruptos; 
  • Essa forma de aplicação do crédito realizou-se em paralelo com a construção de uma estrutura produtiva alicerçada nas cadeias transnacionais que desenham o perfil produtivo da UE e do mundo, alheias aos impactos sobre a vida das pessoas;

  • O financiamento das empresas portuguesas está ancorado no crédito bancário, sendo baixa a parcela de capitais próprios, resultando daí dificuldades de gestão, planeamento, juros mais elevados e alargamento de prazos de pagamento a fornecedores, com reflexos negativos na rendabilidade;

  • A produtividade do trabalho em Portugal apresenta um crescimento relativamente regular há cerca de 20 anos, sem sofrer efeitos perniciosos da adopção do euro ou da crise económica;

  • Os custos do trabalho baixam com a crise nos dois países ibéricos, como consequência dos ditames da troika, das introduções capciosas dos governos para favorecer a competitividade dos capitalistas e da eficácia do apaziguamento social estabelecido nas instâncias de concertação social.

1 - Questões prévias

Portugal foi incluído na zona euro no âmbito do protagonismo do “bom aluno” em 1999, com a circulação da moeda a iniciar-se em 2002. Em certos meios da política à portuguesa e após o início da intervenção da troika, fala-se da necessidade de o euro deixar de ser a moeda corrente em Portugal e ainda de o país sair da UE. Ambas as propostas têm um caráter eminente político e resultam de visões do mundo e do futuro que revelam interesses económicos de certos setores sociais ou do simples instinto reacionário e nacionalista, que cavalga de modo explícito as diversas ondas patrioteiras e xenófobas que se evidenciam na Europa, perante as insuficiências e as austeridades provenientes do propalado projeto europeu.

Perante a calamidade social em curso e no capítulo do euro podem colocar-se vários cenários, cada qual com uma certa probabilidade, por mais inverosímil que seja, como nos esclarece o teorema de Heisenberg:
·       Continuidade do euro como moeda nacional
·       Retorno a uma moeda nacional
o   Por iniciativa governamental portuguesa
o   Por iniciativa das instituições da UE
o   Por abolição do euro como moeda transnacional

2 - Despolitização e falta de democracia

Quer a adopção do euro, quer a integração europeia, nenhuma dessas opções foi objeto de uma consulta popular, referendária, pela sua relevância. Nem essas questões foram objeto de funda reivindicação popular, tendo em conta a grande despolitização[1] reinante, a qual prossegue a tradição salazarista, após um interregno libertador de 19 meses em 1974/75, enquanto o poder estatal se reorganizava. Essa despolitização é, também induzida pela classe política, distanciada do povo, que se considera como casta superior e que concede de quatro e quatro anos a possibilidade de a ralé viver a ilusão de que escolhe os seus representantes. 

Admitindo a hipótese de um referendo, a verdade é que o regime político blindou a sua efetivação que não sob o seu aval, prevenindo-se assim contra qualquer atitude do povo que contrarie a tendencial despolitização. Na realidade só a arrogância da classe política impediu que o povo se mostrasse favorável ao enterro definitivo do isolacionismo salazarista, com uma maior ligação aos países vizinhos, já iniciada com a imensa emigração dos anos 60 e 70.

Propomos em seguida, um momento de diversão sobre a sacrossanta Constituição (CRP), no capítulo do referendo.

“Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular” (nº 1, artº 10º da CRP) de modo a subalternizar aquela expressão às conveniências do mandarinato e às dos meios empresariais e financeiros que lhes pagam ou, de onde emanam. Por seu turno, o nº 1, artº 115º designa que um referendo será decidido pelo PR, mediante proposta da AR ou do governo, órgãos que, em regra e por mero acaso… têm a mesma origem e raramente são dissonantes. O mesmo artigo (nº2) abre à plebe a iniciativa de um referendo que será apreciada pela AR que lhe configurará a prosa; e é esta ou o governo quem decide se o tema a referendar é questão de “relevante interesse nacional” (nº3), dado o consenso na classe política sobre a infantilidade dos eleitores, tomados como aptos apenas no exato momento da colocação de uma cruz no boletim de voto.

Porém, o nº 4 do mesmo artigo, exclui do referendo as alterações à Constituição e questões de caráter orçamental, tributário ou financeiro, que caberão assim à AR, aos partidos e, particularmente aos do governo que deterão a maioria em S. Bento; isto é, para parte significativa dos assuntos de relevância particular na vida das pessoas, estas não têm direito de decidir. 

Com invulgar magnanimidade democrática a CRP concede a possibilidade de se referendarem convenções internacionais mas, exclui, certamente pela sua irrelevância, aspetos relativos à paz e às fronteiras (nº5), que só a classe política, em seu alto saber, poderá analisar e decidir. Por seu turno, o artº 295º abre a possibilidade de referendo “sobre a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da união europeia” mas, a sua realização encalharia nos meandros constitucionais para jamais se realizar. O Memorando de Entendimento (vulgo, da troika) tem redesenhado a vida da esmagadora maioria, por vontade expressa dos partidos do “arco da governação” que, nesse âmbito se sobrepuseram aos interesses da esmagadora maioria do povo, sem sequer admitirem – até para sua salvaguarda – um referendo. Finalmente e para terminar este momento divertido sobre a CRP, sublinhe-se que o texto constitucional atribui ao PR um papel incontornável quanto a referendos, transpondo para a figura a tradição monárquica de legitimidade inapelável; a CRP não contém condições para a sua deposição e, mesmo que possa ser acometido de senilidade ou doença mental incapacitante, não podem os eleitores referendar a sua substituição.

Como em várias ocasiões temos afirmado há em Portugal uma questão política central que se prende com a democracia, a organização política e o modelo de representação, para além, naturalmente, do seu substrato económico, capitalista. A manutenção do statu quo é o cerne do entendimento tácito existente na classe política.

Como nenhum governo baseado no “arco da governação” irá procurar sair do euro e, menos ainda da UE; como na oposição da esquerda do sistema ou se tem a mesma posição do descolorido “arco” ou se defende tais saídas para efeitos de fidelização eleitoral; e ainda porque a hipótese de referendos está bloqueada, considera-se afastada uma iniciativa para qualquer daquelas saídas. Como é evidente, a expulsão ou qualquer condicionamento para Portugal, por iniciativa da UE, assim como o desmantelamento da zona euro ou da UE têm uma possibilidade baixa de acontecer mas, maior do que uma iniciativa lusa.

Para mais, nem sequer há um estudo quantificado e comparativo das opções de continuar ou sair do euro, o mesmo sucedendo relativamente à UE. O livro de João Ferreira do Amaral revela uma opção política e alguns dos seus contornos mas, não avança minimamente na quantificação que, não é fácil e exigiria certamente uma equipa dedicada, No entanto, o livro tornou-se uma bíblia para gente defensora da saída, pois uma situação social desastrosa é sempre susceptível de gerar saudosismos dos “bons velhos tempos”, sebastianismos. Preferimos, para já, avaliar o papel do euro no descalabro económico e, subsequentemente social, bem como apurar relações de causa-efeito.


3 - Como surgiu o euro

A adopção do euro foi preparada e conduzida gradualmente durante mais de uma década, a partir do Acto Único de 1987, quando se tornou claro que a expansão da então CEE teria de incluir a total ausência de obstáculos para a circulação de mercadorias e capitais no seu espaço, sendo peça essencial para o efeito, a criação de um sistema monetário, no âmbito de uma UEM – União Económica e Monetária.

O Acto Único é detalhado e aprofundado no Tratado da União Europeia (Maastricht, 1992) que lhe acrescentou a preocupação essencial com a construção de uma infraestrutura global de transportes que desse suporte físico a esse mercado alargado e que permitisse as trocas entre um Sul, produtor de bens agrícolas e de consumo, sol e praia, com envio preferencial para o Norte e, um Norte, vocacionado para a química, o material de transporte, maquinaria e conhecimento, com destinos internos e sobretudo, exteriores ao espaço comunitário. Poucos anos depois, com a criação de uma periferia a Leste, à designação de Norte preferimos tratar por Centro.

Por seu turno, a criação do Fundo de Coesão financiou uma orgia de obra pública em Portugal, com a introdução de engenharias financeiras do tipo “project finance” que vieram a derivar nas célebres PPP; é o tempo do forte entrosamento entre o PSD/PS e o setor da obra pública, sujeito a um processo de concentração, ainda hoje lembrado no nome da Mota-Engil; para o efeito seria preciso mão-de-obra barata e obediente, sendo atraídos, centenas de milhar de imigrantes, brasileiros e do Leste europeu, fugidos os últimos aos efeitos do desmoronamento do capitalismo de estado.

Para a UEM propôs-se uma concretização faseada. Até final de 1993, a total liberalização dos movimentos de capitais, a peça ideológica fulcral no pensamento liberal e da financiarização; depois, até ao fim de 1998 a aplicação dos célebres critérios de convergência (ver abaixo); e, finalmente, a partir de 1999 o parto dos gémeos uterinos, o euro e o BCE, este tendo como único objetivo o controlo da inflação, como determinado pela Alemanha, em atenção à sua experiência dos anos 20 mas, sobretudo, porque a inflação não convém nada a um sistema financeiro sobredimensionado, dado que a erosão do poder aquisitivo da moeda desvaloriza o rendimento dos credores e beneficia os devedores.

Os critérios de convergência, ou de Maastricht foram, sumariamente:
  • Inflação que não supere em mais de 1.5% a média dos três estados com os mais baixos indicadores;
  • Deficit orçamental não superior a 3% do PIB
  • Dívida pública não superior a 60% do PIB
  • Participação no SME - Sistema Monetário Europeu, substituído na terceira fase por um MTC – Mecanismo de Taxas de Câmbio;
  • Taxa de juro de longo prazo que não supere em mais de 2% a média observada nos três países com menor inflação.
  • O capitalismo, por inerência gera desigualdades

4 – Um processo de constituição de desigualdades

Quanto maiores e mais diversificados são os espaços geográficos, mais estratificados e desiguais acabam por se tornar, acentuando, pois a constante criação de desigualdades inerente ao capitalismo e favorecendo os processos de re-hierarquização de territórios e suas populações. A transnacionalização das economias, articulada pelas multinacionais e pelo sistema financeiro conduz a uma maior concentração dos poderes de decisão a nível global através de aparelhos de estado, de super-estados e instituições internacionais de enquadramento. Nesse contexto, tenderão a reduzir-se as possibilidades de políticas regionais, de proximidade, com a desestruturação dos espaços geográficos utilizando-se para o efeito, instrumentos como o crédito, a dívida, as políticas fiscais e laborais, a corrupção ou meios militares em casos mais delicados.

As desigualdades no quadro da UE nasceram com a sua fundação, enquanto factor de concentração de capitais, instrumento de acumulação capitalista e elemento de vanguarda da globalização reiniciada após a II Guerra. Em 1979[2] apontava-se que “a persistência de desequilíbrios regionais ameaça até mesmo o próprio funcionamento do próprio mercado comum”; que “o alargamento agravará ainda mais essa ameaça”; e que “o desequilíbrio regional tomará proporções bastante maiores, devido às disparidades” entre os países então candidatos e os nove associados desde 1973. Projetava-se com apreensão uma extensão da CEE de nove para doze e atualmente a UE já engloba 28 países, sem que a gula esteja saciada, como se vê atualmente na Ucrânia.

Com data pouco posterior e com maior detalhe[3] apresentavam-se os saldos das balanças comerciais na CEE para o período 1973/81 que transcrevemos abaixo:
Balanças comerciais ($ 1000 M)

1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
Soma
Alemanha
14,9
21,8
17,6
16,6
17,9
20,8
12,2
5,0
12,2
139,0
França
0,8
-3,8
1,5
-4,7
-2,4
-2,4
-6,3
-18,9
-14,5
-50,7
GB
5,4
-11,9
-7,1
-6,4
-3,2
-6,9
-11,9
-15,0
3,3
-53,7
Itália
-3,9
-8,5
-1,1
-4,0
-1,1
-0,4
-5,7
-21,8
-15,8
-62,3
Bélgica
1,2
0,8
0,5
-0,6
-0,3
-3,8
-4,2
-7,1
0,4
-13,1
Holanda
1,1
0,6
1,0
1,0
-1,1
-3,7
-4,6
-4,2
1,4
-8,5

O mesmo documento refere que o Mezzogiorno italiano detinha então uma capitação do rendimento correspondente a 60% da média nacional contra 57% em 1958, que a Ligúria tinha um rendimento 2.5 vezes superior ao da Calábria e que esta assistia a rendimentos cinco vezes superiores aos seus nas regiões de Hamburgo, de Paris ou Bruxelas. Na ocasião, o sul da Itália seria a área mais periférica da CEE que passaria a contar com a companhia da Grécia em 1981 e de Portugal e Espanha em 1986.

As grandes desigualdades quanto às estruturas económicas, níveis de desenvolvimento, e interesses, já evidentes entre os primeiros 15 membros da UE, iriam certamente aumentar com os futuros alargamentos que se configuravam, sobretudo a Leste, em meados da década de 90.

Recordamos que em todo este período, todos os países integrantes da CEE, tinham as suas próprias moedas, os seus bancos centrais e as suas soberanias monetárias que provocam tantas saudades em sectores da direita xenófoba (Front National, Aurora Dourada por exemplo) como da extrema esquerda das forças reacionárias (PCP, seus satélites ou o grego KKE, também por exemplo).


4.1 – As desigualdades na Ibéria

Esta pulsão inevitável para a geração de desigualdades, observa-se também em espaços nacionais, como se pode observar, no caso do espaço ibérico.
Desigualdades na Península Ibérica
Rendimento bruto disponível - 2010 (€/hab.)
PIB (pps[4]/hab)
1999
2010
var %)
1
País Basco
18 851
21000
32200
34,8
2
Com. F.Navarra
17 970
21600
30800
29,9
3
Com. Madrid
16 789
23200
31600
26,6
4
Catalunha
16 012
20900
28400
26,4
10
Ilhas Baleares
13 904
21200
25600
17,2
11
Lisboa
13 647
20500
27400
25,2
12
Ceuta
13 473
14500
21600
32,9
18
Canárias
11 517
16700
20800
19,7
19
Madeira
11 342
14300
25500
43,9
20
Algarve
11 311
15700
20300
22,7
21
Andaluzía
11 207
12500
18500
32,4
22
Extremadura
10 787
10900
16900
35,5
23
Açores
10 740
12100
18500
34,6
24
Alentejo
10 205
12700
18100
29,8
25
Centro
9 605
12300
16300
24,5
26
Norte
9 174
11900
15800
24,7
                       Fontes: Península Ibérica em Números, 2013, INE e  Eurostat

Na primeira coluna verifica-se que o País Basco, a região mais rica da Península, apresenta um rendimento duplo do observado na portuguesa região Norte, a mais pobre das 26 que constituem os dois países ibéricos; e que, no espaço luso a mesma região Norte regista apenas 2/3 do rendimento calculado para a região de Lisboa. Salta à frente dos olhos que esta situação é o espelho da pulsão exportadora encomendada por meios empresariais poderosos aos governos. Como é possível que a principal região exportadora portuguesa seja a mais pobre da Ibéria e uma das mais empobrecidas da UE? Esta situação revela os baixos salários que constituem a norma da região (particularmente) e a presença dos ditosos “empresários do Norte”, fautores históricos de subdesenvolvimento e para os quais um poder corrupto batizou uma artéria do Porto de Avenida AEP!

Realça-se ainda que entre as oito regiões mais pobres da Península, seis são em território português, só se destacando Lisboa, na primeira metade da hierarquia.

Em 1999, comparando o PIB em paridades de poder de compra, por habitante, a região mais pobre da Ibéria era a Extremadura, tendo o Norte português passado a ocupar essa posição em 2010, degradando-se também as posições relativas das regiões Centro, Alentejo e do Algarve, comparativamente a Ceuta e Madeira. As regiões portuguesas que terão melhorado este indicador global são a Madeira, Lisboa e Açores. São ainda de destacar, no campo das desigualdades de crescimento, os elevados aumentos da Madeira, da Extremadura, dos Açores e da Andaluzia e a sua modéstia nas regiões insulares do estado espanhol.

Regressando de novo à problemática do euro, sublinha-se que a nova moeda iniciou o seu curso, em simultâneo, para toda a Península e que subidas e descidas das várias regiões nas duas classificações consideradas e em cada um dos países, mantêm Portugal como país desigual muito desigual, com Lisboa no quinto lugar e a Madeira em nono, em 2010 no capítulo do PIB em paridades de poder de compra, por habitante; e mantêm quatro das sete regiões nos cinco lugares correspondentes às regiões mais pobres da Península, uma situação um pouco pior do que em 1999. Não se descortina aqui responsabilidades especificas da moeda única mas, dos resultados de uma maior integração económica no seio da Europa, desregrada e refletindo as re-hierarquizações em curso, entre o Centro e as periferias e, por consequência no seio das últimas.

5 - Portugal, o bom aluno do mestre Cavaco[5]

A fama de um Portugal como bom aluno nasceu do cumprimento de Maastricht, atapetado com a entrada de fundos comunitários, com a construção de infraestruturas (autoestradas, Expo/98, Ponte Vasco da Gama…) que não evitaram o aumento do desemprego, privatizações para abate da dívida pública, desvalorizações do escudo mais ou menos paralelas com as da peseta enquanto ocorria a aproximação das taxas de juro a longo prazo, com as taxas alemãs.

1991
1998

Portugal
UE 15
Portugal
UE 15
PIB per capita (UE=100)
64,4
100,0
74,8
100,0
PIB (% var. real)
2,3
1,7
3,5
2,7
Inflação - consumo privado (%)
12,2
5,8
1,8
1,7
Desemprego (%)
4,0
8,1
5,2
9,9
Deficit Bal. Trans. Corr. (% PIB)
-0,9
-1,2
-4,7
0,9
Deficit Estado (% PIB)
5,9
4,2
2,1
1,5
Dívida pública bruta (% PIB) 
65,9
55,2
56,5
69,0
    Fonte: DA ADESÃO À COMUNIDADE EUROPEIA À PARTICIPAÇÃO na UEM - A      EXPERIÊNCIA PORTUGUESA DE DESINFLAÇÃO NO PERÍODO 1984-1998 – Marta Abreu

Esta melhoria global do enquadramento externo (apesar do aumento do deficit externo) resultava também de Portugal ser o mais pobre dos países da Comunidade, onde os salários eram mais baixos. E a adesão, em 1995 de países de rendimento elevado – Áustria, Finlândia e Suécia só veio acentuar essa situação; a Suiça, por referendo, ficou de fora. A estabilidade cambial, a ausência de conflitualidade social indígena (construída na corporativa Concertação Social), o acesso barato ao crédito e a proteção da pauta aduaneira comunitária face a países terceiros contribuíram para aqueles resultados, mesmo num contexto de ausência de meios para o exercício da política económica, delegados em instituições comunitárias.

Por seu turno, o mecanismo das taxas de câmbio estabilizou a cotação do escudo face ao referente (marco alemão). A título de exemplo, no período jan/1995 e dez/1996, enquanto nos empréstimos em marcos, a longo prazo, as taxas de juro passaram de 7.8% para 6.2% (aprox), o seu equivalente em escudos passava de 12% para 7% (aprox). Entretanto, a taxa de inflação reduzia-se de 11.4% em 1991 para 3.1% em 1996[6].

A evolução da Euribor a 12 meses, desde o seu início (gráfico abaixo) revela os recentes sobressaltos mas, num contexto geral de baixas taxas de juro, não sendo, portanto o “preço do dinheiro” que inviabiliza a sonhada retoma, dia a dia anunciada pelos apóstolos da idiotice, Pedro e Paulo.
                                              http://pt.euribor-rates.eu/graficos-euribor.asp
 
5.1 – No princípio está o crédito, a especulação e a corrupção

Essas caraterísticas facilitaram, a partir de meados da década de 90 um enorme aumento do crédito, em grande parte obtido no exterior e que se distribuiu a partir do sistema bancário, pelos sectores - em processo de hipertrofia - da construção, do imobiliário, das obras públicas, para além das famílias, que encontravam através dessa via a resolução do problema da habitação, área onde a ausência de políticas públicas se mostrou estrutural[7] como derivado da tara neoliberal dominante. Pelo caminho, também havia dinheiro desviado para autarcas e seus partidos, por conta de facilidades nos loteamentos, fornecidas a muitos dos chamados empresários que largaram as suas atividades para se dedicarem ao imobiliário[8] e atividades conexas. Claro que a situação, bem evidenciada no gráfico que se segue, tinha de conduzir, de per si, a um desastre, como se assiste.
                                                                Fonte primária: Banco de Portugal

O crescimento desmesurado do crédito concedido às empresas coexiste com um nível controlado do habitual deficit externo. Note-se que nos três últimos anos o ritmo de crescimento das exportações supera o das importações, excepto em 2013, de modo muito ligeiro. Porém, o crescimento do crédito concedido às empresas não tem impactos substanciais no PIB e menos ainda no investimento, cujo nível estagna a partir do início do século, decaindo mesmo substancialmente a partir de 2008, quando a festa acabou.

Referimos, a propósito, alguns elementos caraterizadores do descuidado comportamento dos bancos e da ausência de política económica, preterida em nome da fé purificadora dos “mercados”. O volume acumulado do crédito concedido às empresas corresponde a 2.9 meses do rendimento nacional em 1990, sobe sem interrupção até 2009 quando chega a 7 meses e regride posteriormente, cifrando-se em meio ano, em 2013. 

A relação entre aquele volume acumulado de crédito nas empresas e a FBCF anual revela que esta última pouco é afetada pelo crescimento do crédito; a sua relação é de 1:1 em 1990 e mais de 4:1 no ano transato. Dito de outro modo, o endividamento não conduziu a um reforço da capacidade produtiva, geradora de rendimentos que permitissem a amortização e o pagamento de juros. No que se refere às famílias o crédito também se expandiu substancialmente, comprometendo-as por dezenas de ano, desprevenidas perante o desemprego e a sanha empobrecedora desencadeada pelos governos de Sócrates e de Passos.

O euro começou a vigorar como moeda escritural em 1999 e como moeda efetiva a partir de janeiro de 2002. E como se vê no gráfico acima, não há qualquer descontinuidade imputável à introdução da moeda dita única. A disponibilidade de crédito barato é, a priori, uma vantagem para qualquer empresa ou família e os custos inerentes às flutuações entre moedas diferentes como às taxas cobradas pelas conversões são margens parasitárias de que só alguns beneficiam; mas também constituíram um instrumento facilitador da especulação financeira, aliás o mais ardente promotor da moeda única.

O rebentamento da bolha imobiliária nos EUA em 2007 e o seu contágio pelo mundo são exemplos típicos das crises do capitalismo, agora agilizados pelas tecnologias de computação e telecomunicação que, tal como as unidades monetárias, não passam de instrumentos dos “mercados”, entretanto desregulados e considerados por axioma, auto-ajustáveis. Mais importante relativamente ao financiamento, para mais libertado de custos próprios da moeda, será a finalidade da utilização desse crédito e a capacidade de gerar rendimentos para o seu pagamento, como veremos em seguida.

5.2 – A utilização do crédito

Os bancos praticam com denodo o princípio de colocar o máximo dos meios financeiros que possam, pois é essa aplicação que permite obter rendimentos conducentes à maximização dos lucros, como é apanágio do capitalismo; e são extraordinariamente criativos nessa área. Nesse contexto e dadas as facilidades obtidas no exterior (esgotadas as capacidades de fixação de poupanças dos portugueses em depósitos bancários) os bancos lusos financiaram à exaustão empresários de situação financeira frágil tendo, naturalmente, o cuidado de exigir hipotecas sobre os imóveis das empresas e, na sua falta, do património pessoal dos seus donos. 

Em tempo de vacas gordas, se um desses capitalistas se mostrasse insolvente, os bancos exerceriam os seus direitos de credores hipotecários e ficavam com terrenos e edifícios que, com alguma facilidade poderiam vender. Porém, em tempos de vacas magras o exercício desses direitos mantém-se mas, resumem-se à integração nos activos bancários de bens de difícil venda e sem rendimentos associados, quando não sem qualquer viabilidade de reconversão. O mesmo se passa com títulos aceites como garantias.

Outro expediente dos bancos para evitar o reflexo dessas reais “imparidades” foi a transformação de crédito a curto e médio prazo em endividamento a longo prazo, como se de crédito ao investimento se tratasse. E gradualmente irão cuidar de assumir essas perdas, beneficiando da possibilidade do abatimento desses prejuízos, como custos a deduzir em lucros futuros.

Uma parte substantiva destes créditos – com fundos obtidos junto dos bancos dos países ricos da UE - foi sendo reciclada pelas empresas envolvidas nos negócios da construção e imobiliário e transferida para as famílias compradoras de casas, incluindo muitas vezes, no valor mutuado, a aquisição de automóveis, viagens e mobiliário, inclusão fraudulenta mas bem rentável para os bancos. Nesta cadeia de montagem financeira que envolve bancos europeus-bancos nacionais-empresas imobiliárias/construção-famílias, acumulava-se um enorme volume de dívida junto das últimas por 30, 40 ou mais anos. Era a alegria dos bancos, garantir uma aplicação segura do equivalente a uns 85% do PIB, por dezenas de anos e com garantias quase integrais perante um incumprimento.

O acesso facilitado a crédito barato não melhorou, antes pelo contrário, a estrutura produtiva portuguesa, quer no campo da satisfação das suas necessidades naturais, quer na aposta na exportação, como consta nas escrituras neoliberais e alicerçado no crescimento continuado do mercado.
                                 Fonte primária: Banco de Portugal

Como se pode observar, a introdução do euro não induz descontinuidades no processo de desestruturação do tecido produtivo através do crédito, uma vez que a redução da relevância da indústria ou do comércio, com o concomitante reforço do peso da construção e do imobiliário se desenha a partir de meados da década de 90, como resultado da baixa das taxas de juro. Este “modelo de desenvolvimento” resulta da subalternidade periférica do capitalismo português, sem capacidade de evitar que a sua estrutura produtiva seja definida pelas cadeias transnacionais que desenham o perfil produtivo da UE e do mundo. Por isso os industriosos capitalistas portugueses se dedicaram à especulação imobiliária, onde não havia concorrência externa, animados pelos prestimosos bancos, todos eles agora em cura de emagrecimento.

5.3 – A capacidade de gerar rendimentos

A subalternidade histórica do capitalismo português gera empresas forçosamente endividadas até porque na tacanha mentalidade dos empresários lusos, a promiscuidade habitual entre os meios afetos ao negócio e as finanças pessoais é feita no sentido da drenagem de rendimento para o património pessoal ou familiar, eventualmente com forte ancoragem em dinheiro desviado para off-shores. E isso para além da acumulação de um valor enorme de dívida perante o Estado e a Segurança Social (uns € 23000 M). Como se pode ver no gráfico seguinte, o endividamento tende a situar-se acima de dez vezes o valor do capital próprio, passado o período excepcional de 2008/09, enquanto, por exemplo, na Alemanha é apenas duplo, não se fazendo sentir a crise financeira daquele biénio.
                  * ((Empréstimos de Curto-Prazo + Empréstimos de Longo Prazo - Existências - Clientes –  Disponibilidades)  / Capital  Próprio) * 100 %.   Fonte: Eurostat, série descontinuada

Esta enorme dependência das empresas ibéricas afeta a sua capacidade de investimento, a sua rendabilidade, a sua resistência às flutuações conjunturais e as remunerações do capital próprio; constituem algo muito apetecível para o capital financeiro que as municia com taxas de juro mais altas e, simultaneamente, as mantêm retidas nas malhas do crédito permanente. Como hoje, os capitais financeiros circulam sem fronteiras, os excedentes gerados nos países de capitalismo mais desenvolvido são aplicados nos de menor desenvolvimento, tendendo naturalmente a manter a subalternidade e a dependência dos últimos e intervindo na própria estruturação produtiva dos países subalternos, em benefício das metrópoles capitalistas. 

No caso da UE são evidentes as diferenças entre o Centro e as duas diversas periferias, a Sul e a Leste e que o capitalismo jamais reduzirá, uma vez que igualdade e solidariedade não se coadunam com o princípio essencial da acumulação.
                                                                                 Fonte primária: Eurostat

No capítulo da poupança evidencia-se uma regularidade do seu nível para a Alemanha e a França, em torno dos 15%, sendo claro o aumento da taxa para a Irlanda, Espanha e Portugal, dada a cautelar quebra do consumo com o início da crise da dívida. Em tempos menos conturbados, as taxas de poupança daqueles três países era cerca de 2/3 da exibida pela Alemanha e pela França, refletindo as diferenças socio-económicas. Finalmente, registe-se que a estabilidade da taxa de poupança em Portugal, no período 1998/2005 em nada reflete um impacto da adopção da moeda única.

5.4 - Produtividade e custos laborais

A produtividade do trabalho em Portugal evolui crescentemente e de modo constante em todo o período, não refletindo sobressaltos com a introdução do euro como moeda. A Espanha por seu turno apresenta aumentos a partir de 2007 depois de uma relativa estagnação no período anterior, ao contrário da Itália cujos índices pioraram a partir daquele ano.

Em 2013, Espanha e Portugal em tempos de crise da dívida e são os dois países que apresentam maior crescimento da produtividade entre os seis considerados no gráfico. Do ponto de vista social não há grandes virtudes nisto pois o principal elemento que conduz a essa situação é a redução de horas de trabalho resultante de despedimentos e outras formas de redução, real ou formal de trabalhadores. Do ponto de vista do capital a situação é bastante favorável pois há um crescimento do rendimento empresarial mais do que proporcional ao da incorporação de trabalho.
                                                                        Fonte primária: Eurostat
                    PIB em termos reais/horas de trabalho efetivamente efetuadas

A evolução dos custos do trabalho revela indicações interessantes, a começar pelo caso da Alemanha onde estão refletidas as “reformas estruturais” de Schroeder para dotar as exportações do país mais competitivas, leia-se mais baixos custos do trabalho. Inversamente, na Itália e em França houve, recentemente a passagem para um patamar que quebrou a estagnação havida nos dez anos anteriores ao início da actual crise sistémica.

Para além da excepcional evolução observada na Irlanda até ao início do resgate do seu sistema financeiro, os países ibéricos revelam quebras evidentes nos últimos anos, mostrando os níveis de custos laborais reais mais baixos de todo o período observado. O que sem dúvida é favorável aos capitalistas, aos … bondosos empregadores.

Esta situação revela a inoperância dos movimentos sociais em geral e, sobretudo dos sindicatos e dos partidos ditos de esquerda que se pretendem condutores e orientadores técnicos da contestação, perante a fúria da atuação do neoliberalismo. E concretiza as suas incapacidades de análise das caraterísticas do capitalismo de hoje, com a preponderância de uma visão que poderia ter sido realista várias décadas atrás. Por outro lado, a actual situação esclarece, a eficácia política das instâncias de concertação social, da rede institucional montada pelos regimes políticos de democracia de mercado para a captura e domesticação dos vários segmentos da multidão e destruição, no ovo, de potenciais situações de conflitualidade social; essencialmente da contestação política.

Como temos vindo a observar, na evolução dos custos salariais, não há nada que identifique uma influência direta do euro ou que revele uma sua essencial responsabilidade no estabelecimento das relações desiguais, entre os países e as várias camadas sociais em cada área territorial.

(continua)

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Este e outros documentos em: 
  




[1] http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/10/a-despolitizacao-o-controlo-social-e-as.html

[2]  Alargamento da Comunidade Europeia  - Grécia, Espanha Portugal. edição do Comité Económico e   Social das Comunidades Europeias, Bruxelas , 1979

[3]  “ L’Europe du Sud face à l’integration européenne” de Claude Courlet e outros, apresentada na conferência do CISEP (abril/1983)

[4] Definição de paridades de poder de compra

   http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=indicators&id=123

[5] Salazar tombou quando a cadeira o justiçou mas, Cavaco ainda poderá ser a figura de proa no julgamento de regime cleptocrático que subsiste


do Banco de Portugal - 1996



[8]    http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/09/v-behaviorurldefaultvmlo_15.html

3 comentários:

  1. Amigo Vitor
    Na sequência da nossa breve conversa na Fábrica de Alternativas, gostaria de aprofundar a questão da saída do Euro, agora numa perspectiva diferente. Claro que subscrevo o teu pensamento sobre a formação da moeda única e suas consequências como instrumento dos interesses corporativos internacionais. Mas creio que agora a situação é mais grave do que afirmas. Perspectivam-se no horizonte próximo dois importantes tratados internacionais, o Tratado Transatlântico e o Transpacífico que, juntos consubstanciam a assunção de um novo paradigma de poder à escala global como nunca antes havia acontecido. Os dois representam uma poderosa tenaz que envolve o planeta e consolida um poder esmagador entregue às 600 maiores corporações que visa expropriar os principais direitos dos estados-nação e dos cidadãos. Essas corporações passam a ficar com bastante mais poder que qualquer estado ou grupo de estados, podendo processá-los em muitos milhões sempre que os regulamentos ameacem os lucros reais ou esperados. Nenhumas empresas ou património públicos estarão a salvo da sua voracidade, prevendo-se tribunais especiais com jurisdição acima dos actuais tribunais judiciais internacionais para dirimir os conflitos entre estados e corporações. Os exemplos já conhecidos apontam claramente para a vitória destas em caso de choque. Sucede que nos corredores de Bruxelas pululam as agências e comissões desses interesses que estão a forçar a aprovação das normas lesivas dos interesses dos cidadãos e dos estados. Assim sendo, independentemente do que tiver sido feito até à data, a situação descrita implica necessáriamente que Portugal saia do Euro, antes que seja obrigado a cair na armadilha desses tratados de uma maneira irreversível. Deste modo, parece-me que a mais importante posição dos cidadãos é a reconquista da soberania dos estados como meio de defender os seus direitos, mesmo tendo em conta que o estado sempre foi o representante dos interesses das classes dominantes. Claro que não defendo esse tipo de estado, mas sim um estado que exista para os cidadãos e que emane do seu seio. Parece-me que as alternativas se vão estreitando com bastante rapidez.
    Não esbanjámos........Não pagamos!!!!!!!!!
    Zé Manel

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  3. Quer dizer, ó Vitor, em resumo, para ti:
    O problema não é o euro, com euro ou sem euro vamos ser sempre um paísinho da merda e uma colónia, porque isto está tudo montado para o centro mandar na periferia, para os capitais circularem e os excedentes serem colocados na periferia para perpetuar a situação de dependência, etc etc etc.

    Portanto, mantenhamo-nos no euro, porque tanto dá como deu, não é?

    Desculpa ser simples e prático em vez de complicado e teórico, e não entrar na armadilha do estilo torrencial e hiper-sintético-abstrato na melhor (ou pior) tradição marxista.

    Há um problema nesses raciocínios todos muito bonitinhos.
    É que o endividamento e a crise da UE desenvolvem-se a partir do euro, ou do SME para ser mais exacto, e a razão é óbvia: juros baixos e dinheiro barato à disposição.

    Não serve de nada "analisar" produtividade, desemprego, composição da dívida, taxas de poupança e mais-não-sei-quê, isso só tem uma função retórica pra encher o olho, sem nenhuma articulação lógica com a questão central: o impacto do euro, que é tremendo. E é, desde logo, uma questão política central, como mostro a seguir.

    Aliás, isto é muito simples: se o euro não fosse importante, os alemães e os outros manda-chuva europeus não tinham feito questão dele entrar em vigor a marchas forçadas. Eles não brincam em serviço.
    O Vitor Constâncio, um dos chernes do sistema, já dizia há uns anos: "A moeda única é uma peça fundamental na integração funcional europeia".

    Ou, trocando por miúdos, a federalizaçao da Europa sob comando das potências "ricas" (leia-se, Alemanha) precisa do euro. Porque uma vez imposto o euro, é necessário um banco central que o regule, e depois um poder político central que controle "democraticamente" esse banco, e aí temos a tal "integração funcional", ou seja, uma Europa federal, tipo EUA.

    Eu já sabia isso e disse-o publicamente em 2006, ou até antes, só não sabia é que ia ser provado tão rapidamente.

    Sem querer desestimular o teu espírito crítico-analítico, sugiro apenas que desças um pouco mais à terra.
    E não é sério rotular todos os que põem a hipótese de voltar à moeda própria e ao Estado nacional (algo que tem que ser posto na ordem do dia forçosamente, por quem quer a saída desta podridão), taxá-los, dizia, como saudosistas do passado.
    Haja calma. :)

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