segunda-feira, 19 de maio de 2014

Votar para quê e para quem? - Parlamento Europeu

A - Que Europa temos?
B - As últimas romarias eleitorais em Portugal
C - Porque defendemos a abstenção, o voto nulo ou em branco?
D – Que Europa queremos? Que democracia temos de impor?

Uma época de eleições constitui sempre um período de escolhas. Para se escolher é preciso analisar a realidade recente, presente e as expectativas futuras e nunca deveriam as escolhas eleitorais resultar de fé ou fidelidade clubística – as ideologias não são aposta dos partidos, substituídas que foram por cálculos pragmáticos de ganhos e perdas – ou por rotina.
À esmagadora maioria das pessoas só é concedida uma intervenção política efetiva através do voto, de modo muito limitado e ocasional, depois de largos períodos do bombardeamento com publicidade política e tentativas de encurtamento do leque de escolhas.
Assim, as eleições processam-se num cenário falsificado e truncado; votar, só faz sentido para quem nelas divisar mudanças reais nas suas vidas, caso contrário participa num acto folclórico, de rotina que, na Europa de hoje e, especificamente em Portugal, configura a avaliação de Sartre em 1969, “les elections sont une piège à cons” (as eleições são uma armadilha para parvos). Votar ou não votar é um acto político, de avaliação em cada situação concreta.
As próximas eleições europeias serão um circo eleitoral que legitima a continuidade das desigualdades entre os povos europeus e da política de empobrecimento, não só nas periferias da UE, como também para parte relevante da população dos países do centro, onde se situa o poder que domina a Europa.

A - Que Europa temos?
1. O que é a União Europeia?
Se as nações passaram por prisões de povos, a UE é uma grande penitenciária. Tem um centro inscrito no triângulo Berlim-Londres-Milão e duas periferias (a Sul e a Leste) fornecedoras de trabalho barato, emigrantes forçados e esforçados. É um projeto concentracionário onde quem não produz tem assegurada a inanição e a morte, depois de despojado da capacidade de trabalho e de bens; isso aplica-se tanto para os povos do centro como os das periferias, como para os pobres do resto do planeta. Tem dentro de si uma pulsão genocida.

Ao projeto neoliberal ancorado no capital financeiro que constrói dinheiro a partir do nada pouco importa as pessoas, os povos, o ambiente, a vida no planeta. Que seja um projeto auto-destrutivo, pouco nos importa; o problema é que nos arrasta na sua ruína e não nos é nada conveniente ficar a olhar, à espera que algo aconteça.
                                                        UE - Desequilíbrios estruturais
                                     Balance corrente (M euros)            Total 2002-2012 (set)
Saldos positivos
Saldos negativos
Alemanha
1.336.079
Espanha
-611.758
Holanda
403.504
Itália
-266.534
Áustria
73.947
Grécia
-210.543
Finlândia
53.097
França
-169.495
Bélgica
38.901
Portugal
-156.035


Irlanda
-29.408
Total
1.905.528
Total
-1.443.773
                                                                                                       Fonte: Eurostat

2. Parlamento Europeu. O que é e para que nos serve?
O Parlamento Europeu (PE) não está no mais alto plano na decisão dentro da UE; é um teatro de comédia, uma câmara de ressonância da voz do dono, com figurantes emplumados, bem-falantes e melhor pagos.
As suas funções são o debate e a aprovação da legislação e do orçamento da UE, em parceria com o Conselho Europeu, constituído por presidentes ou primeiros ministros nacionais; e deve também exercer um controlo sobre outras instituições da UE, nomeadamente a Comissão, esta composta por elementos nomeados pelos governos.
Criado em 1979, desde sempre o PE tem sido dominado pelos partidos irmãos do PSD/CDS – o Partido Popular Europeu (PPE) – em ameno enlace com os próximos do PS – os Socialistas e Democratas (S&D); situação que reflete a mesma estagnação política putrefacta existente nos estados nacionais. Atualmente, o PPE e o S&D detêm 468 dos 766 deputados em Estrasburgo e tudo indica que essa preponderância se não alterará e partir de dia 25.
São aqueles grupos partidários que irão escolher o sucessor de Barroso que, como o van Rampuy e a Catherine Ashton, formam um triunvirato de nulidades políticas, ao serviço do capital financeiro, nas mãos do BCE e dos 1700 lobbies protagonizados por 30000 representantes que acampam em Bruxelas para definir o que convém ser aprovado, oferecendo em troca luvas de € 120 milhões[1].
Os deputados europeus são escolhidos pelos partidos nacionais e não pelos europeus; depois de instalados nada mais se sabe deles, nem do que fazem ou dizem, nem é possível aos europeus introduzir-lhes temas na agenda, colocar-lhes opções de voto ou apeá-los se se tornarem particularmente nocivos. A democracia não funciona nas escolhas para o PE como não é praticada para os parlamentos nacionais.
O PE passou ao lado da aprovação do Tratado de Lisboa ou do chamado Tratado Orçamental;  não vetou os salvamentos dos bancos falidos nem a intromissão do FMI nos assuntos internos da UE; nem em nada contribuiu para evitar aos povos do Sul, a sangria da troika. Os seus membros apenas choram lágrimas de crocodilo sobre os cortes em salários e pensões, os aumentos dos tempos de trabalho ou a escravização através da dívida pública. O PE é um powerpoint para convencer os europeus de que vivem em democracia.

B - As últimas romarias eleitorais em Portugal
A comparação dos dois últimos actos eleitorais para cada tipo de concurso – autárquicas, legislativas e europeias - revela alguns aspetos que merecem uma sumária análise.

Nas últimas autárquicas, já em plena crise de empobrecimento e apesar do surgimento de algumas listas (pouco) apartidárias, pela primeira vez o número dos que não votaram em partidos (abstenções, votos brancos e nulos) ultrapassou o volume dos que escolheram uma lista partidária, expressa ou sob disfarce.
Apesar da proximidade e do conhecimento mais profundo dos elencos camarários, as pessoas sabem que as suas vidas não dependem fundamentalmente das decisões dos mandarins autárquicos. Por outro lado, também se sabe que há, em regra, grande continuidade nos tons de cinzento, predominantes em cada município e que a corrupção e o clientelismo predominam, impunes.
A anti-democracia eleitoral que exige milhares de assinaturas num processo burocrático imenso para favorecer os partidos constituídos, juntamente com a dispersão e a dificuldade de auto-organização popular, constituem um óbice ao afastamento das mafias partidárias da gestão autárquica. Juntamos aqui um caso típico recente, num pequeno município açoriano[2].
No caso das legislativas, o último concurso foi há três anos, numa altura em que Passos, com um rol impressionante de promessas que redundaram em outras tantas mentiras, tirou proveito do desgaste do desprestigiado Sócrates.
A justa sensação do início de um novo ciclo de vacas magras, não produziu em 2011 um alargamento da desafeição face ao sistema partidário. Houve alguns votos de desespero perante o desastre; votar foi um género de peregrinação a Fátima, uma esperança no impossível.
Nas próximas legislativas é de prever um maior grau de desafeição, uma vez que o desastre nas vidas de muitos lhes aguça a memória, abandonando o tradicional rotativismo entre PSD/PS ou PS/PSD.

No que respeita às eleições europeias, há uma questão de distanciamento. Usando ou não o escudo comunitário, são os governos portugueses que surgem como os mansos intérpretes das decisões da UE. A UE surge assim como um mandante distante, inacessível e ignoto cujo poder se reconhece mas, que se não sabe bem até onde vai. A partir da troika começou a ser mais claro, não?
Durante cinco anos, sabe-se que lá pela Europa rica há uns quantos agentes partidários lusos como deputados mas, pouco ou nada se sabe do que fazem, que posições tomam; como se não percebe para que serve o PE uma vez que as notícias boas (fundos europeus) ou más (austeridade) são protagonizadas pela Comissão Europeia, com relevo para um conhecido biltre chamado Barroso e um ou outro entre as duas dúzias dos seus ignorados pares, com relevo para Olli Rhen, pelo seu papel no empobrecimento coletivo. Sabe-se que existem reuniões com a presença do primeiro-ministro português e um ou outro ministro, como se sabem das muitas viagens dos ministros com séquitos de escudeiros e “empresários” na busca de contributos para a felicidade coletiva; toda essa prestimosa atividade se enquadra no segredo sobre a gestão da res publica, sob o opaco manto que oculta as decisões dos governos e dos seus funcionários inseridos no cenário caseiro ou na cleptocracia comunitária.

C - Porque defendemos a abstenção, o voto nulo ou em branco?
Se votar mudasse alguma coisa… seria proibido
Se querem proibir a abstenção é … porque prejudica a classe política que nos rouba e engana
Quer no caso das autarquias, quer no caso das legislativas, os elencos governativos, uma vez eleitos, podem agir impunemente sem qualquer possibilidade de impugnação por parte da população, perante actos ou práticas políticas dos seus “representantes”.
Sabendo todos a existência dessa impunidade, a inoperância do sistema judicial ou da fiscalização das contas, bem como o afunilamento da prática política para um leque estreito de partidos, a propensão para a não votação, mormente para a abstenção, é reforçada num povo ao qual foi subtraída, durante o fascismo e após o golpe militar de 1975, a tradição do associativismo e da auto-organização popular.
Todos sabemos que as listas partidárias repartem entre si todos os lugares em disputa, numa luta intestina, mediatizada por papelinhos colocados em urnas, com muito pouca margem de repúdio, por parte da multidão, dentro do atual sistema político, para além da abstenção, do voto nulo ou em branco. A matriz anti-democrática do regime revela-se, claramente, no âmbito da romaria de dia 25, através do apelo institucional ao voto, a "escolher quem decide". A única decisão que é admissível às pessoas comuns é a de escolher quem vai decidir por si. Isto é espantosamente revelador do desprezo que os mandarins manifestam para com os potenciais votantes, da menoridade política e intelectual que lhes atribuem.
O sistema preveniu a sua perenidade tornando-se reprodutível perante qualquer número de votos. Porém, todos sabemos, a classe política e nós, gente efetivamente despossuída de direitos de exercício de funções políticas, que não é indiferente uma desafeição de 10%, 30% ou mais de 60%.
Para a classe política uma grande margem de desafeição é incómoda porque traduz o seu isolamento e a sua objetiva ilegitimidade, só superada por leis emanadas de quem julga em causa própria, pelo poder do Estado, dos tribunais e das polícias. Por outro lado, estando inerente a cada voto dirigido a partido um valor monetário, saído do erário público, uma não afetação de votos a partidos desagrada a toda a classe política, sempre muito unida nessas questões.
Acrescente-se que essa desafeição, sendo muito elevada, pode constituir uma insegurança ou mesmo ameaça séria para o mandarinato. Eles não gostam nada de apupos e, menos ainda de serem apedrejados com ovos ou tomates, de lhes espetarem no focinho um bolo de chantilly como sucedeu ao Sarko(na)zy, anos atrás; gostam apenas de circular rodeados de funcionários com bandeirinhas, distribuir porcarias, abraçar velhotas e beijar crianças, entre duas banalidades para a imprensa, mesmo que a assistência popular os observe com frieza e distância, como nos é agora relatado pelos jornalistas que acompanham as campanhas.
Ainda no capítulo do acesso ao pote, a distribuição de dinheiro por voto só atinge os partidos que angariem mais de 50000 votos. A democracia na participação eleitoral está longe de existir, estabelecendo-se assim, uma discriminação que separa os partidos maiores, dos pequenos. Nesse contexto, que esperanças terão os pequenos partidos que, para um acesso limitado de tempo nos media oficiais, depois de anos de ocultação, insistem na concorrência às liturgias eleitorais, legitimando, assim, a farsa?
Os dados demonstram que os valores da abstenção, dos votos nulos ou brancos, por muito variáveis que sejam, resultam do continuado conservadorismo político verificado desde há 40 anos, pouco capaz de mobilizar grande parte da população, desejosa de mudanças. É capcioso portanto, o argumento esgrimido no lado esquerdo do sistema de que a abstenção favorece a direita, recusando, por consequência, as responsabilidades da sua letargia política, onde predomina a mera reação às iniciativas governamentais, uma cautela constante em manter proximidades com as posições do PS, tentando manter a esperança de um convite para o governo ou uma saída massiva de militantes daquele que possa engrossar as hostes dos caudilhos trotsko-estalinistas. O PS pelo contrário, é que tem engrossado o quadro dos seus mandarins, com gente proveniente do anti-fascismo, do antigo MES e várias centúrias de ex-pc’s, em busca de benesses, cansados de esperar a chegada dos miríficos amanhãs que cantam. Se o PS alguma vez quiser enfeitar o chapéu governamental com alguma figura emblemática do BE ou do PC, procederá a um cuidadoso trabalho de pesca à linha; como Sócrates fez com os ex-pc’s Mário Lino, António Mendonça e Alberto Costa e ainda com Mariano Gago, para se apresentar com ares de “esquerda”.
Há uma regra empírica que poderíamos designar como da “procura do tacho perdido” e que consiste num regular fluxo de passagem de gente de partidos mais à esquerda para outros mais à direita do sistema político; raramente ocorre o contrário, ocorrendo-nos à memória o caso de Oskar Lafontaine que saiu de chefe do SPD alemão para a formação do Die Linke.
Os partidos gostam sempre de desconsiderar quem não vota neles com os argumentos mais idiotas que ocultam o ódio, o desconforto perante uma desafeição sem caras, sem chefes ou caciques, inorgânica mas, que lhes dá um evidente prejuízo, na credibilidade e nas finanças.
Dentro do sistema partidário há duas posições distintas sobre a abstenção. Na área esquerda vituperam-se os votos de desafeição acusados os seus defensores - ou meros praticantes - de comodistas, inconscientes, de favorecerem a direita. Por seu turno, do lado direito da classe política, considera-se que as abstenções favorecem a ala esquerda[3]. No que ficamos?
Recentemente, mandarins com o calibre de Marcelo e Freitas vieram a apontar para um voto obrigatório capaz de eliminar a abstenção. Como brilhantes juristas devem ter considerado a equiparação da evasão eleitoral à evasão fiscal e daí a equiparação do voto ao pagamento de um imposto. Seria interessante saber como aqueles crânios das sociedades disciplinares (ainda não atingiram a era das sociedades de controlo biopolítico) resolveriam um aumento substantivo de votos nulos e brancos em contrapartida da redução da abstenção. Procederiam ao rateio dos brancos e nulos pelos partidos concorrentes? Ao que parece, Marcelo ter-se-á inspirado num video dinamarquês para acabar com a abstenção[4], Aguiar Branco está disposto a mandar um drone a cada abstencionista enquanto Machete os quer enviar para Guantanamo.
As variações nas eleições legislativas têm sido sempre entre o PS e o PSD e é dessa monotonia que resulta uma das causas do aumento dos não votantes em partidos; a segunda causa prende-se ao facto de os partidos ditos de esquerda mostrarem um conservadorismo impressionante relativamente a todas as questões do regime político e económico, cingindo-se a práticas defensivas ou reativas, a reboque das iniciativas de quem estiver no governo, ao espetáculo parlamentar, à corporativa concertação social, às rituais procissões da CGTP.
As pessoas mais ingénuas aspiram a uma unidade das esquerdas, nunca conseguida até hoje. Por um lado, não são capazes de construir um programa comum mobilizador e por outro, nada se poderá sobrepor aos seus interesses corporativos de seitas. Mesmo perante a ausência de serviço útil para com trabalhadores e a multidão em geral, consideram como um dever que os descontentes de esquerda lhes deem o seu voto, indignando-se perante quem os contraria, apontado-os com o velho refrão “de fazerem o jogo da reação”.
Quem consultar os dados das eleições portuguesas de 1975 (constituintes) verifica que houve uma participação massiva nas urnas (votaram 91.7% das pessoas) e entre estas houve um volume ímpar de votos nulos (6.4%), menos resultantes de protesto e mais porque muita gente, pouco alfabetizada, preencheu mal o boletim de voto. O povo ainda acreditava que o voto poderia trazer mudanças, uma nova sociedade; e os principais partidos eram os mesmos, exceptuando o BE, cuja novidade se vem esgotando desde 2009.
Argumentam também os cruzados do voto que os não votantes no sistema são simplórios inconscientes, incapazes de perceber os esforços dos partidos e dos seus caciques em prol da grei. Para as próximas eleições de dia 25 prefigura-se uma abstenção que pode chegar aos 70% dos europeus; e, pior que isso, uma nova propensão para o voto em partidos fascistas e xenófobos. Em ambas as situações reflete-se, de modo diverso, a distância face às tradicionais classes políticas nacionais e europeia. Os mandarinato europeus, repletos de certezas sobre a gloriosa marcha da “integração” europeia, perante tanta ingratidão popular não desistirá de continuar o seu papel de controlo do pote.  Muitos já terão certamente sonhado em como seria bom poder-se trocar de eleitorado, para um mais crente nas suas nobres intenções de gerar o bem-estar aos europeus.
Na lógica mercantil que prepondera na cena eleitoral, pode dizer-se que há uma concorrência de produtos (propostas, promessas, ideias, sorrisos, beijos, discursos, imagens) colocados à venda pelas várias empresas (partidos); se o público se mostra pouco interessado nesses produtos e decide não comprar… a culpa é do consumidor, na lógica enviezada destes gestores partidários, sempre tão afoitos na defesa da empresarialização!
Ainda na lógica mercantil, o que faz uma empresa para alargar o seu volume de vendas? Mais publicidade? Renovação da equipa de vendas? Promoções? Saldos? Brindes? Melhoria de qualidade do produto? Garantias de assistência pós-venda? Atribuição do direito de devolução durante quatro ou cinco anos? Inquéritos ao público para futura adopção das suas exigências de qualidade? Tudo isto é muito avançado para aquelas cabeças embora, na generalidade, ferozes defensoras das regras do mercado.
A observação dos resultados dos principais partidos em todas as eleições europeias e de um cenário admissível para dia 25 revela que o sistema de vasos comunicantes funciona para que nada se altere no capítulo dos lugares afetos a Portugal no seio de um PE que não passa de mascarada.
                      
PCP = CDU+PEV+MDP       BE = BE+UDP+PSR+Pol XXI+ PC (R)          

D – Que Europa queremos? Que democracia temos de impor?
Uma Europa baseada na colaboração dos seus povos não pode ser criada sob a égide de Estados ocupados por seitas partidárias corruptas e anti-democráticas ao serviço do sistema financeiro e das multinacionais, nem gerida por funcionários oriundos daquelas mesmas seitas, estejam eles instalados na Comissão Europeia, no BCE, no Parlamento Europeu, nas direções-gerais e demais instâncias comunitárias.
A democracia nunca será imposta nas instâncias nacionais, regionais, municipais ou locais a partir de diretivas de Bruxelas ou Estrasburgo, numa lógica de benevolente outorga dos “de cima” para os “de baixo”. E, no presente momento é absolutamente delirante esperar que surgirá qualquer papel democratizante da UE, a partir do seu Parlamento, este porque estatutariamente não tem poderes para tal e porque está dominado pelas mesmas mafias que dominam os estados nacionais. São duas liminares impossibilidades montadas para conferirem ao Parlamento Europeu um papel cosmético e irrelevante.
Compete a cada povo estabelecer as suas próprias regras de funcionamento democrático sabendo-se que a democracia é incompatível com o capitalismo, no qual uns poucos pretendem legitimar a exploração do trabalho dos outros e o futuro de todos. A História não regista a existência de qualquer regime político assente num modelo capitalista, em que as pessoas não tenham sido tuteladas politicamente e coartadas de decidirem diretamente sobre as suas vidas.
A extirpação do capitalismo encontra-se numa relação biunívoca com o estabelecimento de formas de democracia direta, contemplando relações igualitárias e de solidariedade na gestão das necessidades comuns – alimentação, habitação, saúde, educação, mobilidade… amar e ser amado.

1 - Que Europa queremos ?
  • Pretendemos a união dos povos da Europa, sem fronteiras nem taras isolacionistas, nacionalistas ou fascistas, sem o domínio do capital financeiro, sem os seus políticos;
  • Pretendemos uma Europa vocacionada para a satisfação das necessidades dos seus povos e não para o “mercado”, manipulado pelas multinacionais e ambientalmente insustentável;
  • Pretendemos uma Europa baseada nas solidariedades e não na competição que impede os europeus de beneficiar dos aumentos da produtividade ou, de reduzir os tempos de trabalho e conduzindo, pelo contrário, ao desemprego, a reduções salariais e ao envio de desempregados, reformados, pobres, para o genocídio;
  • Dada a maior proximidade geográfica, pretendemos uma relação prioritária e profunda com os povos do atual estado espanhol, com o rompimento face à mentira histórica da “independência nacional” - que não existe desde 1580 - e que não será mais possível num quadro de grande interligação entre os povos;
  • A democracia constrói-se nos locais de trabalho e de residência; nas relações laborais e de proximidade. Queremos que as decisões sobre as necessidades coletivas sejam tomadas pelos seus diretos interessados e não emanadas de diretórios partidários que impõem tratados europeus a todos, por encomenda do poder económico global.
Nada disto está nas agendas partidárias a concurso nas eleições próximas, sobrando conversas parvas para agradar às claques ou convencer os idiotas, promessas toscas e ridículas ou nacionalismos salazarentos. Perante isso é necessário posturas dignas de repúdio desta UE, desta organização política e económica, deste modelo de representação e dos seus maus atores, europeus e nacionais.

2 – Que democracia temos de construir
A situação hoje vivida em Portugal carateriza-se pela inclusão subalterna num conglomerado político e económico (UE) baseado em profundas e crescentes desigualdadas; por uma situação periférica que torna os residentes em Portugal completamente afastados das decisões sobre as suas vidas, tomadas em Bruxelas ou Frankfurt; por os residentes em Portugal estarem enclausurados entre a pressão financeira do capital globalizado, através da dívida dita pública e um empresariato indígena descapitalizado, com uma ganância de dimensão igual à sua indigência cultural; por conter um Estado voraz e tentacular, onde aquartela uma classe politica arrogante com a multidão e subserviente para os poderosos; por uma regressão populacional e social que se desenvolve à medida do empobrecimento já anunciado para além dos próximos vinte anos.
Neste contexto só há soluções de ruptura com o sistema económico, com o sistema de (des)organização política vigente e com o modelo de representação que perpetua aqueles dois sistemas. Adiantamos em seguida algumas ideias para a criação de um sistema político alternativo e democrático, um programa básico para hoje:
• Suspensão do pagamento da dívida até avaliação daquela que é proveniente de vigarices, tendo em conta o presente estado de emergência social;
•  Fim da política de empobrecimento galopante da esmagadora maioria;
• Política de forte redistribuição do rendimento a favor de trabalhadores, desempregados e reformados, ao contrário do que tem acontecido há vários anos;
• Início de um processo de revisão constitucional, protagonizada pelo povo e referendada por aquele, que torne o povo sujeito e árbitro da democracia. Contendo, por exemplo:
o Eleição de indivíduos e não de listas;
o Limitação do número de mandatos para todos os eleitos;
o  Abertura e  facilitação de referendos, locais, regionais, nacionais, como forma de expressão da soberania popular;
o Possibilidade de cessação de mandatos, por iniciativa popular e referendo;
o Total ausência de mordomias para os eleitos e criação de mecanismos de verificação do exercício da imunidade, por entidades independentes;
o  Extinção da figura de Presidente da República, substituído pelo presidente da AR, como figura de representação externa;
o  Governo constituído entre os eleitos para uma AR redimensionada e limitado a um máximo de 15 ministros;
o Administração pública independente do governo, o qual não poderá nomear ou exonerar dirigentes da AP, devendo esta constituir a principal assessoria do governo, sem o uso e abuso de enxames de consultores e advogados mafiosos ou de ajustes directos injustificáveis;
o  Acesso gratuito e facilitado a todos os arquivos e decisões dos órgãos públicos, incluindo os das reuniões do conselho de ministros;
o Total independência do aparelho judicial face ao governo;
o Moldura penal agravada e de aplicação célere para casos de corrupção, peculato, gestão danosa e favorecimento pessoal dos investidos em cargos públicos;
o Julgamento dos actos corruptos e de gestão danosa ocorridos nos últimos 25 anos, com a aplicação de sanções de ordem criminal e financeira.
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4 comentários:

  1. Parabéns Vítor Lima, mais uma boa reflexão.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Vítor:

    Não pude deixar de ter referir no Facebook a propósito do David Greaber. Vou ter que procurar o livro. Está editado em português, ou só em espanhol? Qual o título?

    Um abraço.

    "Tenho por Vítor Lima, que edita o blogue Grazia Tanta, a admiração devida a quem, como ele, se empenha nas causas que defende. Disse o Vítor Lima através de um texto que nos deixou no recente debate sobre a Democracia e Dívida, na SPA, organizado pela Associação Abril, isto:
    (...) “Só posso responder por mim a estas perguntas, sabendo não ter respostas para elas: o novo messias intectual já publicou e já foi traduzido para línguas ibéricas. O antropólogo David Greaber, activista dos Occupy, é o meu segundo ídolo político, em quase sessenta anos de vida, depois de Karl Marx. Embora ambos se refiram ao comunismo como modelo de sanidade social, são muito diferentes entre si.
    O comunismo, em Marx, seria estruturado no futuro, criando o Homem Novo (o burocrata, conforme João Bernardo denunciou). Para Greaber o comunismo é parte da natureza social da espécie humana: é uma experiência quotidiana de todos os seres humanos – é a necessidade vital de confiar e dar aos mais próximos conforme as possibilidades e as necessidades.” (...)
    Quando alguém diz, que em quase sessenta anos de vida, um determinado sociólogo é “o novo messias intectual” e é “o seu segundo ídolo político depois de Karl Marx”, não pode deixar de me criar uma enorme curiosidade. Isto também, porque sou dos que acha que está faltando a teoria que faça a síntese de tudo para, como dizia Alçada Batista depois da queda do muro de Berlim: “Este regime não serviu, mas não é por ele ter caído que nos devemos convencer que este que triunfou é que está certo. Temos que reinventar outro.”
    Vou ter que investigar David Greaber."

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  4. Esclarecimento ao meu comentário anterior:

    Uma referencia errada que fiz ao Vítor Lima como autor do texto que referi no comentário anterior, em vez de ter sido ao António Pedro Dores, levou-me a fazer no mesmo post no Facebook a seguinte rectificação:

    "RECTIFICAÇÃO:
    O debate de onde retirei os excertos que transcrevi no texto que começa no parágrafo seguinte, teve a intervenção de António Pedro Dores e Vítor Lima. A folha com o texto que nos fala de David Greaber foi distribuido antes do inicio do debate por António Pedro Dores e não Vítor Lima, e viria a referir-se a ele no decorrer da sua exposição. Dei erradamente esse crédito ao Vítor Lima, mas em nada o lapso lhe retira a minha admiração. Peço então ao António Dores as minhas desculpas pelo lamentável erro, porque em relação ao que escrevi tudo se lhe adapta da mesma forma: é alguém que ouço sempre com muita atenção pelo acerto e veemência das suas intervenções"

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