Eles,
para utilizarem a dívida como instrumento do nosso
empobrecimento precisam de sequestrar a democracia.
Nós,
para nos libertarmos, temos de mandar este regime
político, com a dívida, pelo cano abaixo.
Começaram
no dia 27 de abril debates abertos sobre Democracia e Dívida[1]
desenvolvidos no espaço público, para que as pessoas não fiquem confinadas ao
que se diz nos media, em regra, superficial ou enganador. Todas as formas de
mobilização popular contra o sufoco que se vive a título da dívida são
necessárias porque a dívida serve também para uma brutal campanha contra os
direitos da população e na qual se inclui uma verdadeira vontade de tornar
residual a democracia. Nesse sentido, decidimos desenvolver, por escrito, o que
vem sendo dito na praça pública.
Sumário
1 - A dívida e as abordagens institucionais
2
Quatro elementos
de ordem sistémica
Os
desequilíbrios geopolíticos
A
financiarização e o predomínio do capital financeiro global
As
agendas próprias dos capitalismos nacionais
As caricaturas de democracia política
3 - A formação da dívida em
Portugal
Quando a Dívida
aumenta, a Democracia encolhe (1)
1- A dívida e as abordagens institucionais
Em
regra, nos meios políticos, mormente institucionais, a questão da dívida,
considerada de modo circunscrito, na acepção de dívida pública, é apontada como
uma questão de desequilíbrio de ordem financeira, com raízes no funcionamento
dos “mercados”, com origens próximas nos desequilíbrios da estrutura económica.
Complementarmente, refere-se a frase de que “vivemos acima das nossas
possibilidades” o que nada mais representa que o conformismo pretendido para a
continuidade da atuação do sistema financeiro e dos seus mandarins; a assunção
de uma culpa, cuja expiação é inevitável, como ressalta das escrituras das
religiões do “Livro”. Mas, essa culpa serve, perfeitamente para aceitação da
imposição de cortes em rendimentos e direitos, sem uma contestação que se possa
considerar digna.
Dentro
dos sectores mais à esquerda do sistema político, a aplicação da lógica
neoliberal constitui uma aberração, a ser substituida por um virtuoso retorno à
ortodoxia keynesiana, com forte investimento público, no seio da harmonia
celeste do modelo social europeu; um retorno aos gloriosos trinta anos que
acompanharam a recuperação e reestruturação capitalista na Europa, a seguir à
última grande guerra.
Essa
defesa da boa ortodoxia keynesiana dominante na esquerda do sistema comporta
duas visões distintas, naturalmente, em qualquer delas, sem a colocação em
causa do sistema capitalista, nem do modelo do que convencionalmente se chama
democracia representativa, do mercado eleitoral. Uma dessas pobres alternativas
compreende um modelo mais ou menos isolacionista ou nacionalista apoiado num
Estado intervencionista, com a saída de Portugal do euro ou mesmo da UE,
apresentada de modo tímido ou implícito e, não como reivindicação política
clara ou mobilizadora. A outra visão baseia-se também na intervenção do Estado
mas, tendo como pano de fundo a crença numa reestruturação da UE no sentido da
construção de um macro-estado dotado de meios financeiros para atuar
condignamente com a dimensão da Europa que se pretende obter no âmbito do cenário
global. Na nossa opinião, nenhum desses modelos tem em conta o bem-estar da
população e dos trabalhadores em particular, apenas a continuidade da encenação
contestatária, na AR ou nas várias procissões ritualmente efetuadas como
justificação para os fundos públicos ou sindicais disponibilizados aos
burocratas da chamada esquerda.
2- Quatro elementos de ordem sistémica
Comecemos
por sinteticamente, apontar alguns dos aspetos balizadores da realidade
económica e política geral e, particularmente, em Portugal.
Os
desequilíbrios geopolíticos
Há,
na Europa, uma especialização económica que vocaciona os países do Sul e do
Leste para o fornecimento dos países do Norte, dedicando-se estes à produção e
exportação de bens de elevado valor acrescentado para o mercado global. Está em
formação um quintal de pobreza que rodeia uma casa senhorial situada no Norte
da Europa; uma zona de transição para o mundo islâmico e a Rússia, no que se
pode configurar como uma revisitação de Huntington.
Acumulando-se
os capitais e os superavits externos no Norte da Europa, sobretudo Alemanha e
Holanda, são estes que ficam em condições de financiar os restantes,
deficitários, impondo as suas condições para que se mantenha uma dívida eterna
e uma subalternidade total [2].
Balança corrente (M euros) Soma 2002-2012 (set)
Saldos positivos
|
Saldos negativos
|
||
Alemanha
|
1.336.079
|
Espanha
|
-611.758
|
Holanda
|
403.504
|
Itália
|
-266.534
|
Áustria
|
73.947
|
Grécia
|
-210.543
|
Finlândia
|
53.097
|
França
|
-169.495
|
Bélgica
|
38.901
|
Portugal
|
-156.035
|
Irlanda
|
-29.408
|
||
Total
|
1.905.528
|
Total
|
-1.443.773
|
Fonte: Eurostat
Nesse
contexto, as estruturas produtivas nacionais e regionais vão-se distorcendo e
reproduzindo as desigualdades e a pobreza. E as soluções apoiadas no fomento da
exportação acentuam os desequilíbrios, estando condenados ao fracasso, pois
essa política é adoptada mimeticamente, por todos e, todos concorrem junto dos
mesmos potenciais compradores, também eles, próximos da recessão. Uma obsessão
para servir os mercados externos só por acaso pode coincidir com a satisfação
das necessidades das populações dos países exportadores.
A
financiarização e o predomínio do capital financeiro global
O
capitalismo é o primeiro sistema económico que não tem como fulcro as
necessidades das pessoas mas, o “mercado”, tornando o trabalho uma abstração,
uma mercadoria, um factor de produção. O predomínio do capital financeiro torna
dependentes de si, através do crédito, empresas e pessoas e, tendo em conta a
invenção de múltiplas formas e expedientes de promoção da reprodução de
capital-dinheiro através da especulação, é para esta que é privilegiada a
canalização dos capitais que faltam para o investimento no bem estar das
populações.
A
produção para o “mercado”, a satisfação dos insondáveis caprichos dos “mercados”
constituem um alibi para gerar o frenesi da competitividade, da produtividade,
do individualismo, do consumismo e da redução dos custos sociais. Resulta daí a
disponibilidade de imensa quantidade de bens de consumo e serviços, em paralelo
com milhões de pessoas com carências elementares por satisfazer.
Neste
contexto é a própria sobrevivência de parte importante da Humanidade que fica
ameaçada de genocídio uma vez que, sem poder de compra, nem utilização viável
na produção capitalista, parte importante dos seres humanos é totalmente inútil
para os mercados financeiros, é apenas um estorvo.
As
agendas próprias dos capitalismos nacionais
O
sistema financeiro global interage com os diversos países de acordo com a
dimensão política e económica do conjunto dos capitalistas nacionais, com
destaque para os respetivos sistemas financeiros. Essa relação matiza a posição
em que cada país se encontra na hierarquia das nações, emanada das relações de
poder que cada país incorpora e ainda a sua organização política e social, o
poder financeiro, a valia do seu aparelho produtivo, as capacidades do seu povo
em termos de conhecimento e auto-organização, a sua valia geopolítica...
Cada
capitalismo nacional mediatiza através do seu Estado a criação de condições para
a satisfação das suas necessidades de acumulação. No caso português,
tratando-se de um capitalismo dependente e periférico, desde sempre apostado na
minimização de custos salariais e sociais e na utilização da corrupção como
fonte essencial de acumulação, chega-se neste momento a um ponto de verdadeiro
protetorado internacional.
A
dívida é um instrumento de exercício da punção financeira, tendencialmente
eterna e, que exige como preço, o desmantelamento da produção de bens e
serviços, o empobrecimento de quase todos e a inanição de grande parte da
população.
As caricaturas de democracia política
Hoje,
são mal suportadas as ditaduras militares ou pessoais e também os golpes de
estado… excepto em todos os casos em que são tolerados. Instituiu-se uma arquitetura
política chamada democracia representativa, que se baseia em eleições onde, por
regra, o ganhador é uma estrutura mafiosa designada partido - financiada em
parceria pelo Estado e pelo capital - que tratam de controlar os media para
manipular os eleitores. Também, em geral, está montado um sistema de
rotatividade entre uns poucos gangs que alternam no governo para que a
encenação se mostre perfeita. A esmagadora maioria da população jamais poderá
exercer funções políticas sem pertencer a um partido de governo, nem lhe é
permitida qualquer outra forma de controlo da ação governativa, para além das
manipuladas eleições.
O
sistema político, é apresentado como segmentado entre poder e oposição, num
maniqueismo infantil que é mediaticamente incutido na população. Porém, os
agentes do sistema político, a chamada classe política, constitui entre si uma
hierarquia, que na sua parcela com propensão governamental é, de facto,
escolhida e controlada pelos meios da finança, enquanto à parte afastada do
poder de estado compete desempenhar condignamente o enquadramento da
conflitualidade social dentro das conveniências da reprodução do capital.
Neste
contexto e através da classe política assim domesticada, o capital financeiro
apropria-se do Estado, privatizando as essenciais funções de produção de leis,
a punção fiscal e o aparelho repressivo (forças armadas, policiais e tribunais).
3 - A formaçao da dívida
em Portugal
Como
se disse atrás, é curto colocar apenas a questão da dívida pública como a causa
das desgraças atuais ou a chave da via rápida para a redenção. Separar a dívida
pública da privada é ocultar as caraterísticas atuais do capitalismo financeiro[3]; é
ignorar o caráter instrumental da dívida pública para a acumulação capitalista
e para a redistribuição dos rendimentos; é esconder que há um sistema de vasos
comunicantes entre os vários sectores da economia; é branquear o papel do
Estado como departamento integrado (e agente integrador) no seio do sistema
financeiro.
Por
outro lado, encarar a dívida como uma questão financeira, resolúvel como um
valor a pagar e não como um processo de empobrecimento e escravização é
enganador. Proceder desse modo é considerar que o modelo político atual é
independente das dificuldades que sofremos e que é possível resolver o problema
da dívida e obviar à deriva empobrecedora, no mesmo quadro institucional, com
um Estado pertencente ao sistema financeiro e uma classe política delegada dos
banqueiros.
Note-se
que há um muro de silêncio quanto ao capitalismo, ao sistema político de
“democracia representativa” e ao modelo de representação, silêncio esse que
irmana todos os partidos do sistema, apostados na continuidade da situação.
Revela-se, com a aceitação acrítica daqueles elementos estruturais das
sociedades, o imenso conservadorismo das classes políticas, subscritoras da
perpetuidade do domínio capitalista, da ausência de alternativas, da aceitação post-mortem da tese que celebrizou
Fukuyama. Para a continuidade do seu bem estar, as classes políticas soletram
intra-muros, baixinho, “que se lixe o povo”.
A
distribuição dessa dívida total, pelos vários sectores institucionais que
contraem crédito, essencialmente interno, junto do sistema financeiro, revela
alterações marcantes quer na evolução, quer na estrutura.
Dívida bruta
M euros
|
|||||
2007
|
2013
|
var. (%)
|
|||
Estado
|
112.804,1
|
19,5
|
199.676,0
|
27,8
|
77,0
|
Empresas
públicas
|
29.707,1
|
5,1
|
46.720,7
|
6,5
|
57,3
|
Empresas
privadas
|
270.380,2
|
46,6
|
307.344,4
|
42,8
|
13,7
|
Particulares
|
166.766,0
|
28,8
|
164.921,2
|
22,9
|
-1,1
|
Total
|
579.657,4
|
100,0
|
718.662,3
|
100,0
|
24,0
|
PIB
|
169.319,2
|
165.409,2
|
-2,3
|
* março para o
Estado, fevereiro para os restantes
Do
quadro anterior, extraem-se as seguintes conclusões:
- As famílias constituem o único agregado que tem um comportamento semelhante ao observado para o PIB, numa demonstração evidente da sua racionalidade, de que não vivem acima das suas posses, de que têm uma percepção da realidade bem mais acurada do que o Estado, seus mandarins e outros devotos do mercado. Por outro lado, o seu endividamento recente, reduziu o peso relativo para 22.9% do total;
- O Estado, em conjunto com as empresas públicas passou a representar mais de um terço da dívida global (34.3%) contra quase um quarto (24.6%) em finais de 2007. Dentro das dificuldades globais, é o Estado que consegue financiamento no exterior tal como as empresas públicas, neste caso, devidamente ajudadas na subscrição de swats pelo prestimoso sistema financeiro. Até à intervenção da troika viveu-se um período de grande felicidade para o sistema bancário que obtinha crédito do BCE para comprar dívida pública, com uma enorme margem de lucro, apenas porque na ortodoxia do BCE – onde o devoto Gaspar trabalhou longos anos – aquele banco não pode financiar Estados diretamente, devido ao perigo de inflação (!!) – o único objetivo, expresso, da instituição – como resultado do… trauma alemão com a hiperinflação dos anos 20 do século passado. Alguém precisará de psicanálise…
- As empresas privadas continuam a mostrar-se como o sector mais endividado, a que não é estranha a sua histórica descapitalização, a sua dependência – tão desejada – do sistema financeiro, a alegre e ruinosa parceria na expansão imobiliária dos últimos vinte anos. Como já se observou, esse acréscimo de crédito não foi, obviamente, aplicado no investimento[4].
Os
vários sectores institucionais recorrem, em graus muito distintos, ao crédito
externo e, internamente, tem significado o financiamento entre empresas. Porém,
o crédito é obtido essencialmente junto do sistema bancário; e daí que seja
interessante, uma observação aligeirada sobre as origens do financiamento
obtido pelos bancos.
Dívida do sistema financeiro
* M
euros
|
|||||
2007
|
2012
|
var. (%)
|
|||
Depósitos
de empresas e pessoas
|
326.972,0
|
74,8
|
369.046,0
|
60,7
|
12,9
|
Títulos
excepto ações
|
48.747,0
|
11,2
|
132.289,0
|
21,8
|
171,4
|
Empréstimos
obtidos
|
61.311,0
|
14,0
|
106.442,0
|
17,5
|
73,6
|
Soma
|
437.030,0
|
100,0
|
607.777,0
|
100,0
|
39,1
|
Do qual
ao exterior
|
44.517,0
|
10,2
|
107.875,0
|
17,7
|
142,3
|
PIB
|
169.319,2
|
165.409,2
|
-2,3
|
Fonte: Banco de Portugal
* engloba B de
Portugal, outras instituições financeiras monetárias (bancos), outros intermediários financeiros, seguradoras e
fundos de pensões
Neste contexto,
·
A recessão tem
um efeito bem visível no volume de depósitos constituidos junto do sistema
bancário o que, associado ao grande aumento dos prazos para o crédito
concedido, dadas as dificuldades das empresas, obrigou o sistema financeiro a
procurar outras fontes de financiamento. Assim, os depósitos dos clientes que
representavam quase ¾ dos recursos alheios dos bancos passaram a ser apenas 60.7%
do total;
·
Entre essas
fontes, a mais dinâmica é a da emissão de títulos que quase triplicou o seu
valor em cinco anos, seguida dos empréstimos. Estas fontes de capitais alheios
que pesavam cerca de um quarto do total em 2007 passaram para 39.3%, revelando
assim um grande aumento dos custos dos bancos na captação de dinheiro porquanto
a forma mais barata é, sem dúvida, através da massa dos depositantes;
· Finalmente,
refira-se ainda que, inserida naquela global captação de capitais, se evidencia
um forte crescimento do financiamento externo, que aumenta 142.3% nos cinco
anos considerados.
Efetuada
esta caraterização global, proceder-se-á, em breve, a uma abordagem mais
específica sobre a dívida privada e sobre a dívida pública, deixando-se para o
final uma abordagem política de ambas e o desenho de alternativa possível;
naturalmente, fora do quadro do putrefacto ordenamento político.
Este e outros documentos em:
http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://grazia-tanta.blogspot.com/
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