sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (1)


Eles,
para utilizarem a dívida como instrumento do nosso empobrecimento precisam de sequestrar a democracia.

Nós,
para nos libertarmos, temos de mandar este regime político, com a dívida, pelo cano abaixo.



Começaram no dia 27 de abril debates abertos sobre Democracia e Dívida[1] desenvolvidos no espaço público, para que as pessoas não fiquem confinadas ao que se diz nos media, em regra, superficial ou enganador. Todas as formas de mobilização popular contra o sufoco que se vive a título da dívida são necessárias porque a dívida serve também para uma brutal campanha contra os direitos da população e na qual se inclui uma verdadeira vontade de tornar residual a democracia. Nesse sentido, decidimos desenvolver, por escrito, o que vem sendo dito na praça pública.



Sumário

1  - A dívida e as abordagens institucionais
2        Quatro elementos de ordem sistémica

Os desequilíbrios geopolíticos
A financiarização e o predomínio do capital financeiro global
As agendas próprias dos capitalismos nacionais
As caricaturas de democracia política

3 - A formação da dívida em Portugal





Quando a Dívida aumenta, a Democracia encolhe (1)



1-     A dívida e as abordagens institucionais

Em regra, nos meios políticos, mormente institucionais, a questão da dívida, considerada de modo circunscrito, na acepção de dívida pública, é apontada como uma questão de desequilíbrio de ordem financeira, com raízes no funcionamento dos “mercados”, com origens próximas nos desequilíbrios da estrutura económica. Complementarmente, refere-se a frase de que “vivemos acima das nossas possibilidades” o que nada mais representa que o conformismo pretendido para a continuidade da atuação do sistema financeiro e dos seus mandarins; a assunção de uma culpa, cuja expiação é inevitável, como ressalta das escrituras das religiões do “Livro”. Mas, essa culpa serve, perfeitamente para aceitação da imposição de cortes em rendimentos e direitos, sem uma contestação que se possa considerar digna.

Dentro dos sectores mais à esquerda do sistema político, a aplicação da lógica neoliberal constitui uma aberração, a ser substituida por um virtuoso retorno à ortodoxia keynesiana, com forte investimento público, no seio da harmonia celeste do modelo social europeu; um retorno aos gloriosos trinta anos que acompanharam a recuperação e reestruturação capitalista na Europa, a seguir à última grande guerra.

Essa defesa da boa ortodoxia keynesiana dominante na esquerda do sistema comporta duas visões distintas, naturalmente, em qualquer delas, sem a colocação em causa do sistema capitalista, nem do modelo do que convencionalmente se chama democracia representativa, do mercado eleitoral. Uma dessas pobres alternativas compreende um modelo mais ou menos isolacionista ou nacionalista apoiado num Estado intervencionista, com a saída de Portugal do euro ou mesmo da UE, apresentada de modo tímido ou implícito e, não como reivindicação política clara ou mobilizadora. A outra visão baseia-se também na intervenção do Estado mas, tendo como pano de fundo a crença numa reestruturação da UE no sentido da construção de um macro-estado dotado de meios financeiros para atuar condignamente com a dimensão da Europa que se pretende obter no âmbito do cenário global. Na nossa opinião, nenhum desses modelos tem em conta o bem-estar da população e dos trabalhadores em particular, apenas a continuidade da encenação contestatária, na AR ou nas várias procissões ritualmente efetuadas como justificação para os fundos públicos ou sindicais disponibilizados aos burocratas da chamada esquerda.


2-     Quatro elementos de ordem sistémica

Comecemos por sinteticamente, apontar alguns dos aspetos balizadores da realidade económica e política geral e, particularmente, em Portugal.

Os desequilíbrios geopolíticos

Há, na Europa, uma especialização económica que vocaciona os países do Sul e do Leste para o fornecimento dos países do Norte, dedicando-se estes à produção e exportação de bens de elevado valor acrescentado para o mercado global. Está em formação um quintal de pobreza que rodeia uma casa senhorial situada no Norte da Europa; uma zona de transição para o mundo islâmico e a Rússia, no que se pode configurar como uma revisitação de Huntington.

Acumulando-se os capitais e os superavits externos no Norte da Europa, sobretudo Alemanha e Holanda, são estes que ficam em condições de financiar os restantes, deficitários, impondo as suas condições para que se mantenha uma dívida eterna e uma subalternidade total [2].

                                             Balança corrente (M euros)   Soma 2002-2012 (set)  
Saldos positivos
Saldos negativos
Alemanha
1.336.079
Espanha
-611.758
Holanda
403.504
Itália
-266.534
Áustria
73.947
Grécia
-210.543
Finlândia
53.097
França
-169.495
Bélgica
38.901
Portugal
-156.035


Irlanda
-29.408
Total
1.905.528
Total
-1.443.773
                                                                                  Fonte: Eurostat

Nesse contexto, as estruturas produtivas nacionais e regionais vão-se distorcendo e reproduzindo as desigualdades e a pobreza. E as soluções apoiadas no fomento da exportação acentuam os desequilíbrios, estando condenados ao fracasso, pois essa política é adoptada mimeticamente, por todos e, todos concorrem junto dos mesmos potenciais compradores, também eles, próximos da recessão. Uma obsessão para servir os mercados externos só por acaso pode coincidir com a satisfação das necessidades das populações dos países exportadores.

A financiarização e o predomínio do capital financeiro global

O capitalismo é o primeiro sistema económico que não tem como fulcro as necessidades das pessoas mas, o “mercado”, tornando o trabalho uma abstração, uma mercadoria, um factor de produção. O predomínio do capital financeiro torna dependentes de si, através do crédito, empresas e pessoas e, tendo em conta a invenção de múltiplas formas e expedientes de promoção da reprodução de capital-dinheiro através da especulação, é para esta que é privilegiada a canalização dos capitais que faltam para o investimento no bem estar das populações.

A produção para o “mercado”, a satisfação dos insondáveis caprichos dos “mercados” constituem um alibi para gerar o frenesi da competitividade, da produtividade, do individualismo, do consumismo e da redução dos custos sociais. Resulta daí a disponibilidade de imensa quantidade de bens de consumo e serviços, em paralelo com milhões de pessoas com carências elementares por satisfazer.

Neste contexto é a própria sobrevivência de parte importante da Humanidade que fica ameaçada de genocídio uma vez que, sem poder de compra, nem utilização viável na produção capitalista, parte importante dos seres humanos é totalmente inútil para os mercados financeiros, é apenas um estorvo.

As agendas próprias dos capitalismos nacionais

O sistema financeiro global interage com os diversos países de acordo com a dimensão política e económica do conjunto dos capitalistas nacionais, com destaque para os respetivos sistemas financeiros. Essa relação matiza a posição em que cada país se encontra na hierarquia das nações, emanada das relações de poder que cada país incorpora e ainda a sua organização política e social, o poder financeiro, a valia do seu aparelho produtivo, as capacidades do seu povo em termos de conhecimento e auto-organização, a sua valia geopolítica...

Cada capitalismo nacional mediatiza através do seu Estado a criação de condições para a satisfação das suas necessidades de acumulação. No caso português, tratando-se de um capitalismo dependente e periférico, desde sempre apostado na minimização de custos salariais e sociais e na utilização da corrupção como fonte essencial de acumulação, chega-se neste momento a um ponto de verdadeiro protetorado internacional.

A dívida é um instrumento de exercício da punção financeira, tendencialmente eterna e, que exige como preço, o desmantelamento da produção de bens e serviços, o empobrecimento de quase todos e a inanição de grande parte da população.

As caricaturas de democracia política

Hoje, são mal suportadas as ditaduras militares ou pessoais e também os golpes de estado… excepto em todos os casos em que são tolerados. Instituiu-se uma arquitetura política chamada democracia representativa, que se baseia em eleições onde, por regra, o ganhador é uma estrutura mafiosa designada partido - financiada em parceria pelo Estado e pelo capital - que tratam de controlar os media para manipular os eleitores. Também, em geral, está montado um sistema de rotatividade entre uns poucos gangs que alternam no governo para que a encenação se mostre perfeita. A esmagadora maioria da população jamais poderá exercer funções políticas sem pertencer a um partido de governo, nem lhe é permitida qualquer outra forma de controlo da ação governativa, para além das manipuladas eleições.

O sistema político, é apresentado como segmentado entre poder e oposição, num maniqueismo infantil que é mediaticamente incutido na população. Porém, os agentes do sistema político, a chamada classe política, constitui entre si uma hierarquia, que na sua parcela com propensão governamental é, de facto, escolhida e controlada pelos meios da finança, enquanto à parte afastada do poder de estado compete desempenhar condignamente o enquadramento da conflitualidade social dentro das conveniências da reprodução do capital.

Neste contexto e através da classe política assim domesticada, o capital financeiro apropria-se do Estado, privatizando as essenciais funções de produção de leis, a punção fiscal e o aparelho repressivo (forças armadas, policiais e tribunais).


3 - A formaçao da dívida em Portugal

Como se disse atrás, é curto colocar apenas a questão da dívida pública como a causa das desgraças atuais ou a chave da via rápida para a redenção. Separar a dívida pública da privada é ocultar as caraterísticas atuais do capitalismo financeiro[3]; é ignorar o caráter instrumental da dívida pública para a acumulação capitalista e para a redistribuição dos rendimentos; é esconder que há um sistema de vasos comunicantes entre os vários sectores da economia; é branquear o papel do Estado como departamento integrado (e agente integrador) no seio do sistema financeiro.

Por outro lado, encarar a dívida como uma questão financeira, resolúvel como um valor a pagar e não como um processo de empobrecimento e escravização é enganador. Proceder desse modo é considerar que o modelo político atual é independente das dificuldades que sofremos e que é possível resolver o problema da dívida e obviar à deriva empobrecedora, no mesmo quadro institucional, com um Estado pertencente ao sistema financeiro e uma classe política delegada dos banqueiros.

Note-se que há um muro de silêncio quanto ao capitalismo, ao sistema político de “democracia representativa” e ao modelo de representação, silêncio esse que irmana todos os partidos do sistema, apostados na continuidade da situação. Revela-se, com a aceitação acrítica daqueles elementos estruturais das sociedades, o imenso conservadorismo das classes políticas, subscritoras da perpetuidade do domínio capitalista, da ausência de alternativas, da aceitação post-mortem da tese que celebrizou Fukuyama. Para a continuidade do seu bem estar, as classes políticas soletram intra-muros, baixinho, “que se lixe o povo”.

A distribuição dessa dívida total, pelos vários sectores institucionais que contraem crédito, essencialmente interno, junto do sistema financeiro, revela alterações marcantes quer na evolução, quer na estrutura.

Dívida bruta                                                                                  M euros

2007
2013
var. (%)
Estado
112.804,1
19,5
199.676,0
27,8
77,0
Empresas públicas
29.707,1
5,1
46.720,7
6,5
57,3
Empresas privadas
270.380,2
46,6
307.344,4
42,8
13,7
Particulares
166.766,0
28,8
164.921,2
22,9
-1,1
Total
579.657,4
100,0
718.662,3
100,0
24,0
PIB
169.319,2
165.409,2
-2,3
                                                  * março para o Estado, fevereiro para os restantes

Do quadro anterior, extraem-se as seguintes conclusões:

  • As famílias constituem o único agregado que tem um comportamento semelhante ao observado para o PIB, numa demonstração evidente da sua racionalidade, de que não vivem acima das suas posses, de que têm uma percepção da realidade bem mais acurada do que o Estado, seus mandarins e outros devotos do mercado. Por outro lado, o seu endividamento recente, reduziu o peso relativo para 22.9% do total;
  • O Estado, em conjunto com as empresas públicas passou a representar mais de um terço da dívida global (34.3%) contra quase um quarto (24.6%) em finais de 2007. Dentro das dificuldades globais, é o Estado que consegue financiamento no exterior tal como as empresas públicas, neste caso, devidamente ajudadas na subscrição de swats pelo prestimoso sistema financeiro. Até à intervenção da troika viveu-se um período de grande felicidade para o sistema bancário que obtinha crédito do BCE para comprar dívida pública, com uma enorme margem de lucro, apenas porque na ortodoxia do BCE – onde o devoto Gaspar trabalhou longos anos – aquele banco não pode financiar Estados diretamente, devido ao perigo de inflação (!!) – o único objetivo, expresso, da instituição – como resultado do… trauma alemão com a hiperinflação dos anos 20 do século passado. Alguém precisará de psicanálise…
  • As empresas privadas continuam a mostrar-se como o sector mais endividado, a que não é estranha a sua histórica descapitalização, a sua dependência – tão desejada – do sistema financeiro, a alegre e ruinosa parceria na expansão imobiliária dos últimos vinte anos. Como já se observou, esse acréscimo de crédito não foi, obviamente, aplicado no investimento[4].
Os vários sectores institucionais recorrem, em graus muito distintos, ao crédito externo e, internamente, tem significado o financiamento entre empresas. Porém, o crédito é obtido essencialmente junto do sistema bancário; e daí que seja interessante, uma observação aligeirada sobre as origens do financiamento obtido pelos bancos.


Dívida do sistema financeiro *                                                        M euros

2007
2012
var. (%)
Depósitos de empresas e pessoas
326.972,0
74,8
369.046,0
60,7
12,9
Títulos excepto ações
48.747,0
11,2
132.289,0
21,8
171,4
Empréstimos obtidos
61.311,0
14,0
106.442,0
17,5
73,6
 Soma
437.030,0
100,0
607.777,0
100,0
39,1
Do qual ao exterior
44.517,0
10,2
107.875,0
17,7
142,3
 PIB
169.319,2
165.409,2
-2,3
Fonte: Banco de Portugal
        * engloba B de Portugal, outras instituições financeiras monetárias (bancos), outros   intermediários financeiros, seguradoras e fundos de pensões

Neste contexto,

·         A recessão tem um efeito bem visível no volume de depósitos constituidos junto do sistema bancário o que, associado ao grande aumento dos prazos para o crédito concedido, dadas as dificuldades das empresas, obrigou o sistema financeiro a procurar outras fontes de financiamento. Assim, os depósitos dos clientes que representavam quase ¾ dos recursos alheios dos bancos passaram a ser apenas 60.7% do total;

·         Entre essas fontes, a mais dinâmica é a da emissão de títulos que quase triplicou o seu valor em cinco anos, seguida dos empréstimos. Estas fontes de capitais alheios que pesavam cerca de um quarto do total em 2007 passaram para 39.3%, revelando assim um grande aumento dos custos dos bancos na captação de dinheiro porquanto a forma mais barata é, sem dúvida, através da massa dos depositantes;

·    Finalmente, refira-se ainda que, inserida naquela global captação de capitais, se evidencia um forte crescimento do financiamento externo, que aumenta 142.3% nos cinco anos considerados.

Efetuada esta caraterização global, proceder-se-á, em breve, a uma abordagem mais específica sobre a dívida privada e sobre a dívida pública, deixando-se para o final uma abordagem política de ambas e o desenho de alternativa possível; naturalmente, fora do quadro do putrefacto ordenamento político.


Este e outros documentos em:                                   

http://pt.scribd.com/people/documents/2821310?page=1

http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

http://grazia-tanta.blogspot.com/



[2]  http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/03/a-instrucao-e-o-modelo-economico-para-o.html
[3]   http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/05/divida-portuguesa-total-canibalizacao.html
[4]   http://pt.scribd.com/doc/106026499/A-divida-de-pessoas-e-empresas-%E2%80%93-a-dependencia-eterna

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