1 - O
capitalismo predatório de hoje
Os chamados “hedge funds” apostam na expansão da crise da dívida
da Grécia, para Portugal, Espanha e Itália uma vez que os apoios dados têm
fornecido liquidez aos devedores, sem cuidar da sua solvência. Dito de outro
modo, arrastam o problema da dívida quando falam de “medidas estruturais” para
enganar os tolos e proceder a massivas
transferência de capitais.
Sob aquele sombrio nome de
“medidas estruturais” escancaram-se
todas as janelas de oportunidade para o saque dos rendimentos das populações
por um lado e, para a apropriação de empresas por baixo preço, por outro. Com
aquele nome, embaratece-se direta e indiretamente o trabalho para gáudio dos
grandes capitalistas e como forma de sobrevivência dos pequenos capitalistas,
pois o sistema precisa de dar a ideia de que existe uma classe média, mobilidade,
oportunidades, para garantir a coesão social. Tudo isto com a conveniente
mediação dos Estados e dos gangs corruptos a que benevolamente chamamos
mandarinato e a que os poetas designam por classe política. O maestro é o
Estado mas, a partitura, não é dele. Se preferirem, o Estado é uma barriga de
aluguer onde se renova diariamente o capitalismo predatório de hoje.
Tudo se passa num tempo em que nas próprias altas esferas da UE se
tem a consciência de que as dívidas dos países periféricos não são susceptíveis
de serem pagas; num tempo, em que a bela Lagarde incita os gregos a tomarem “todas
as medidas necessárias”, ignorando olimpicamente, as dificuldades e o
desmantelamento social que se conhece na sociedade grega. “En garde”, com a
Lagarde!
De facto, a solvência cada vez parece menos possível e os
especuladores apostam na queda das cotações das empresas de telecomunicações,
concessionários de autoestradas e serviços daqueles países, os tais PIIGS; não
só as empresas que estão mais ou menos na órbita dos Estados, como as empresas
privadas com lucros, mercado ou património bem como os bancos dos países
visados.
Para facilitar esse desiderato existem os planos validados pelo
FMI/BE/UE - a sinistra “troika” - que impõem extensos planos de privatização.
Está, portanto, aberta a época de saldos, prolongando a centralização do
capital, o domínio da lógica de financiarização, mesmo que isso se faça à custa
do acelerado empobrecimento de muitos milhões de pessoas e do desapossamento
relativo das burguesias nacionais em benefício dos capital financeiro
globalizado, dos fundos de investimento e de pensões, dos “hedge funds”.
O colapso económico larvar é corroborado pelo conhecido especulador
George Soros, a iniciar-se na Grécia enquanto o estratega investidor Dennis
Gartman situa até final de 2012, a falência para a Grécia, Portugal, Espanha,
Irlanda e Itália (1). A falência de um país não é o mesmo que a falência de uma
empresa ou uma pessoa mas, certamente, é portadora de acrescidas dificuldades
para trabalhadores e população em geral. Confirma-se, pois, que “os mercados”
não acreditam nas medidas tomadas pelos governos, inspiradas na “troika” e
apostam no desastre; no final, o sistema financeiro, já terá adquirido as
empresas privatizadas compradas a baixo preço, arrastadas pelas qualificações
de “lixo” para os títulos de dívida soberana, promoverá a sua venda com excelentes
mais-valias, sobretudo se encabeçarem drásticas operações de “downsizing” e
desmembramento para maximizarem os preços de venda. E os abutres nacionais
também esfregam as mãos para o saque perante o ar satisfeito duma pileca
política chamada PPC, que sorrirá como um escuteiro com o dever cumprido. Tudo
Isto. para eles, é trivial.
2 - O caso
Moody’s
No passado dia 8 (2) os títulos dos bancos italianos sofreram
fortes quebras com o regulador financeiro local a aprovar medidas para o
conhecimento dos protagonistas de operações de venda a descoberto; e por cá,
diga-se de passagem, o papel do BCP tornava-se mais barato que o higiénico (€
0.31). Talvez não seja coincidência a reunião urgente para dia 11/7 convocada
pelo van Rompuy para avaliar a “alarmante especulação contra a Itália” num
momento em que os juros da dívida espanhola atingem máximos e se esperam más
notícias dos testes de “stress” aos bancos europeus. Tudo isto secundariza,
obviamente, a notação da Moody’s a Portugal e os auto-elogios do PPC.
Porém, um grupo de economistas franceses defendeu que somente o
FMI deverá avaliar as dívidas soberanas, em vez das agências e que a Europa
"deve fixar regras rigorosas de intervenção das agências de notação
financeira nas dívidas soberanas"(3).
Tendo em consideração a conhecida ortodoxia neoliberal e a devoção pelos
mercados manifestada pelo FMI não se crê que tal proposta dos académicos
franceses trouxesse descanso às vítimas dos mercados financeiros. Estão na
linha dos burocratas acampados em Bruxelas sobre a criação de uma agência de “rating”
europeia; e raciocinam como muita da chamada esquerda que entende estar uma
empresa nacionalizada menos eivada de lógica capitalista que uma privada “tout
court”; e que a gestão feita por um cardume de mandarins é a favor do povo.
A comissária europeia da justiça Viviane Reding, propõe a extinção
das três agências de ”rating” dominantes e propõe fórmulas criativas como a sua
substituição por …seis agências ou a criação de agências independentes (?) na
Europa e na Ásia, com o salutar intuito de promover transparência e
concorrência (4). Como se essas fossem alguma vez características do mundo da
finança… ou houvesse sentido ou obediência patriótica nas empresas capitalistas
como as agências de “rating”, que têm sede nos EUA como poderiam estar em Nauru.
Recordamos que há dezenas de anos se conhecem os malefícios para
as finanças dos paises, da existência de paraísos fiscais, bem como da sua
importância para os campeões da evasão fiscal e para o capital mafioso.
Frequentemente, mandarins avulsos de várias nacionalidades afirmam concordar
com o fim dos “off-shores” mas, dizem que não o podem fazer pois esperam a
concretização dos estimados colegas o façam! Entretanto, os tais paraísos vão
existindo, mesmo na Europa e… prosperam, obviamente, apesar dos sobressaltos recentes
sofridos pela Suíça, na defesa do seu sigilo bancário.
É algo quixotesco e mistificador o alarido em torno das agências
de “rating”, com relevo para a Moody’s e para as suas classificações com as
primeiras letras do alfabeto repetidas várias vezes numa combinatória infantil
com os símbolos da soma e da subtração. O sector das empresas de “rating” é
dominado pela Moody’s, pela Fitch e pela Standard Poor’s mas, há muitas mais cuja utilização e
credibilidade é muito menor por parte dos “mercados”; e são aquelas que marcam
o terreno.
As suas ligações com o sistema financeiro são comerciais e
accionistas, políticas e financeiras, de colaboração interessada ou distração
organizada como se observou através da “consultadoria”, da Goldman Sachs ao
mandarinato grego; ou no caso BPN; como
no encobrimento das vigarices da Enron que custaram a desaparição da sigla
Arthur Anderson do panorama da consultadoria, no princípio do século. As
agências de “rating” só vêem o que convém, só divulgam o que concertam com os
seus principais clientes e accionistas. A dimensão das empresas é diretamente
proporcional à das vigarices.
É portanto divertido assistir ao afinado coro do mandarinato e dos
banqueiros portugueses, com o apoio de alguns pesos pesados da UE, como Trichet
e Barroso a acusarem a Moody’s, cujos responsáveis devem ter encolhido os
ombros, a sorrir, com essa reação unânime, sabendo muito bem que tal faz parte
do teatro de fantoches; tal como sabem que passará o periodo do bloqueio dos
servidores da Moody’s com os frutos da indignação patriótica de muitos. Escassos dias antes da notação de lixo para a
dívida soberana da Lusolândia, uma delegação da Moody’s constituida por um
punhado de jovens precários (como é também habitual nas consultoras
internacionais como a Cap Gemini, a Accenture, a Price) estivera no Banco de
Portugal a ouvir as justificações oficiais dos portugueses. Claro que esses
jovens nada decidiam, apenas tinham ouvidos, funcionavam como biombos que
separavam as autoridades lusas dos verdadeiros decisores, na cúpula do Moody’s.
Convém que se saiba haver um habitual corropio no Banco de Portugal entre
técnicos das moody’s, do FMI, do Eurostat, do BCE… numa lógica de porta aberta
semelhante à das casas de passe ali próximas, no Intendente.
Os gangs partidários apareceram agora muito activos a vociferar
contra a Moody’s, a cancelar contratos com a mesma, a ameaçar, numa salutar
concorrência de vólvulos radicais. Esses mandarins são os mesmos que víamos por
aí, com um sorriso fingido de pena e, com um encolher de ombros, dias antes, a
justificar a omnipotência e a omnisciência do “mercado”, a justificar o
necessário sacrifício de “todos”.
Também o triste Cavaco ensinava (ele é um pedagogo…), um ano
atrás, os ignorantes, dizendo “não vale a pena recriminar as agências de “rating'”
e na campanha das presidenciais, prevenia, (é um homem de vistas largas…) que
“aqueles que insultam os mercados estão a prejudicar seriamente o país. Deus
nos livre se o Presidente da República não mede as palavras que usa” (5). E
como não gostou nada que lhe tivessem feita essa referência, recomendou, do
alto da cátedra “par a aqueles que sofrem de ignorância na análise, eu apenas
posso recomendar um pouco mais de estudo. Estudem um pouco mais”. Como os
dislates são habituais na veneranda figura, esta referência aqui é somente para
gerar um momento de diversão aos leitores.
A efémera indignação dos mandarins surgiu porque a atitude da
Moody’s atingia os interesses das grandes empresas portuguesas a privatizar e dos
frágeis e descapitalizados bancos portugueses. É o patriotismo dos miseráveis.
Será que só agora é que observaram a maldade das empresas de
“rating” que têm vindo a utilizar para a avaliação das capacidades de solvência
do Estado, das câmaras municipais, etc? Então é porque são burros.
Todos sabemos que os títulos da dívida portuguesa valem somente o
apoio do FMI/BCE e que sem este, são mesmo lixo, são títulos emitidos por uma
entidade sem capacidade autónoma de solvência dos seus débitos. E sabe-se
também que o apoio das instituições da “troika” é um rebuçado e não uma
refeição reparadora dessa solvência. E a Moody’s apenas afirmou aquilo que o
“mercado” bem sabe e lhe convém afirmar publicamente, como arma de pressão.
Enquanto isto se passou, PPC apresentava-se, não só com o habitual
ar sonolento mas, na figura da vítima, do político diligente e amante do seu
povo, da sua pátria amada, agredidos ambos pelo ogre Moody’s. Assim ficariam
esquecidas as suas próprias malfeitorias, de capelão neoliberal encarregue de
convocar o povo para o sacrifício exigido pelo deus mercado.
Portugal apodrece na exacta medida em que os portugueses
empobrecem.
Em breve a continuação deste texto: sobre o patriotismo
Notas:
(1)
http://revoltatotalglobal.blogspot.com/2011/07/edge-funds-fast-money-casino-apostas.html#.Thne_p2feUQ.facebook
(2)
http://www.parana-online.com.br/editoria/economia/news/543332/?noticia=ITALIA+ADOTA+MEDIDAS+PARA+CONTER+ESPECULACAO+FINANCEIRA para concretizar o assalto aos
bolsos e aos direitos da multidão
Este e outros textos em:
12 julho 2011
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