Sabias que estás em guerra, no Afeganistão?
Vai aumentar, dentro de um mês, (1)
para mais de 260 soldados, o envolvimento de Portugal no Afeganistão. Quem arca
com os riscos e com os custos? TU.
1 -
Introdução
Apesar de previsto na Constituição que a decisão cabe às mais altas instâncias, após uma discussão formal e do conhecimento público, a verdade é que os portugueses foram envolvidos, sorrateiramente, na guerra dos EUA e da NATO. No Afeganistão.
E outras se preparam.
Outras se preparam no Paquistão, no
Irão, no Yémen, talvez mesmo na Venezuela, ou onde o Pentágono decidir que essa
é a forma conveniente de assegurar os interesses dos EUA e dos “valores
ocidentais”. E essa decisão transitará, hierarquicamente, pela cadeia de
comando abaixo, até chegar ao Sócrates, sargento lateiro e ao cabo Luís Amado
que assinam as guias de marcha das tropas lusas.
2 – Fora da
lei constitucional
Diz-se que vivemos num estado de
direito e quem mais o diz é quem mais se coloca à margem da lei. Diz-se… porque
de facto, de acordo com a Constituição:
Artº 7º nº1 – “Portugal
rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional,
do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre
os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência
nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros
povos para a emancipação e o progresso da humanidade.”
Neste contexto, Portugal:
- não respeita os direitos do homem uma vez que é cúmplice em atrocidades, massacres e violências sobre populações civis levadas a cabo pela NATO;
- não respeita a igualdade entre os Estados, uma vez que colabora com a ocupação de um outro Estado, o Afeganistão que em nada afectou os portugueses;
- não promove, obviamente, a solução pacífica dos conflitos internacionais, alinhando, acrítica e cobardemente por detrás dos interesses e posições dos mais fortes;
- nunca tomou qualquer papel activo na solução do conflito internacional motivado pela invasão ocidental;
- nem sequer considera que os problemas entre os afegãos só a eles diz respeito, violando assim a prescrição da não ingerência em assuntos internos dos outros Estados;
- colabora materialmente contra a emancipação de um povo que teve o azar histórico de estar instalado numa zona de charneira de efémeros impérios;
- combate, com a colaboração na guerra, em tudo o que não contribui para o progresso da Humanidade.
Artº 7º nº2 - “Portugal
preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas
de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o
desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos
político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva,
com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a
justiça nas relações entre os povos.”
Neste capítulo, Portugal:
- colabora activamente para a não abolição da acção imperialista no Afeganistão e apoia a sua neocolonização, impondo instituições criadas com base na fraude e favorecendo uma cultura de desmedida corrupção;
- contraria um necessário desarmamento geral;
- ajuda ao enquistar de uma coligação militar agressiva e selvagem que se materializa sob o nome de NATO, que pretende perpetuar a existência de um bloco político-militar;
- em nada ajuda a beneficiar a segurança colectiva, dado o palpável alastramento ao Paquistão e as ameaças regularmente dirigidas ao Irão;
- através da atitude belicista do governo português e de quem com ele pactua, mesmo na oposição, institui um factor de risco acrescido para todos os residentes em Portugal, nomeadamente para quem não se desloca em veículos blindados e rodeado de seguranças. Os atentados de Londres e da Atocha demonstram que são os trabalhadores e os cidadãos comuns que mais podem ser atingidos pelas sequelas das taras militaristas dos seus governos.
Artº 7º, nº3 – “Portugal
reconhece o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao
desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão.”
Se assim for, Portugal:
- não cumpre minimamente a sua própria consigna de reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e independência a que o Afeganistão tem direito e, portanto, abdica desse direito também para si. De acordo com a prática do poder político actual em Portugal, aceita implicitamente interferências alheias na vida dos cidadãos
- ao aceitar o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, coloca-se, com a sua presença no Afeganistão, como opressor do povo afegão que legitimamente luta contra a ocupação da NATO.
Artº 21 – “Todos
têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos,
liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não
seja possível recorrer à autoridade pública.”
No que concerne a esta questão,
Portugal,
- ao estatuir este direito dos cidadãos residentes em Portugal e ao impedir, pela força, igual direito aos outros povos, nos seus territórios, não só procede hipocritamente, como afirma um preconceito racista, de discriminação entre povos com e sem direitos.
Artº 48, nº2 – “Todos os
cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado
e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras
autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.”
Neste campo,
- em caso algum as instituições políticas portuguesas apresentaram uma justificação ou uma argumentação consistente e clara das razões para Portugal se encontrar em estado de guerra;
- pior que isso, não envolveram os cidadãos nessa decisão, impondo-a autocraticamente, de uma forma quase clandestina, ocultando deliberadamente que envolveram Portugal numa guerra, cruel e sem desfecho à vista.
Artº 134º, a) - Atribui
ao Presidente da República o exercício das “funções de Comandante Supremo das
Forças Armadas”
Assim sendo,
- o actual Presidente autorizou o envio de tropas para o Afeganistão, ao contrário do seu antecessor que somente anuiu no envio de forças policiais (GNR) para o Iraque, tornando-se assim conivente com o atropelo da Constituição, não honrando o compromisso solene de a respeitar;
- o actual Presidente deverá, consequentemente e de imediato, resignar ao cargo, por incumprimento material da Constituição, já que nenhum mecanismo existe que o possa demitir;
- devem todos os candidatos às eleições presidenciais de 2011 manifestar clara e inequivocamente a sua futura decisão de fazer retirar as tropas de acções de guerra, como no Afeganistão e prometer a sua resignação se tal não for conseguido, por desrespeito da sua vontade – o que configuraria a figura de golpe de estado.
Artº 135º, c) - Atribui
ao Presidente da República a competência para “declarar a guerra em caso de
agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o
Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República,…”
De facto,
- não houve uma declaração de guerra da República Portuguesa à República Islâmica do Afeganistão nem, obviamente, uma agressão efectiva ou eminente daquele país, a Portugal ou a quem quer que seja;
- o célebre artº 5º do Tratado de Washington - que instituiu a NATO - apenas exige a solidariedade de todos os membros se, algum ou alguns dos seus membros for vítima de agressão, num contexto de auto-defesa e no cenário do Atlântico Norte. Mesmo que completado pelo Conceito Estratégico de 1999, com a inclusão de terrorismo, a verdade é que “terrorismo” não é um Estado que possa ser invadido ou sequer entidade considerada como agressor; terrorismo é, somente, uma forma de proceder a actos de guerra. Por outro lado, os EUA não pediram aos seus aliados a aplicação do artº 5º após o 11 de Setembro… por óbvia falta de “inimigo”;
- se porém, há guerra, sem ela ter sido decretada pelo Presidente da República, duas hipóteses se levantam. Este, tardiamente embora - e num acto ridículo e demonstrativo de total inépcia - legitima a posteriori essa guerra; ou, tomando conhecimento dessa guerra, a declara ilegal e manda recuar os soldados destacados no Afeganistão.
Artº 161, m) – Compete à
Assembleia da República, “Autorizar o Presidente da República a declarar a
guerra e a fazer paz;”
Neste caso, como no anterior,
- não houve qualquer autorização dada ao Presidente da República para declarar guerra ao Afeganistão, pelo que a guerra existente é ilegal e resulta apenas de um consenso informal, não assumido por alguns partidos com lugar na Assembleia da República, isto é, pelo PS, pelo PSD e pelo CDS.
Artº 273º - “A defesa
nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das
instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência
nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das
populações contra qualquer agressão ou ameaça externas.”
Facilmente se deduz daqui que:
- não havendo ameaças a Portugal, à sua integridade territorial, à liberdade e segurança da população, provenientes do Afeganistão, este país não pode ser incluído em acções de defesa nacional;
- não havendo agressão ou ameaça externa protagonizada pelo Afeganistão relativamente a Portugal, não há justificação para actos de guerra praticados pelo dispositivo militar português contra aquele país
- a prossecução de uma agressão militar de Portugal contra o Afeganistão pelo contrário, habilita e legitima acções punitivas daquele país ou de quem se lhe substitua, contra o território nacional, colocando em risco a integridade dos seus cidadãos e dos seus bens;
- colocando-se
Portugal em risco de ameaças ou actos de guerra, derivados da presença de
soldados no Afeganistão, isso poderá conduzir a incómodos na vida normal
da população portuguesa, resultantes de medidas da defesa nacional.
Artº 275, nº 3 – “As
Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da
Constituição e da lei.”
Neste plano,
- a participação ou colaboração na execução de ordens e directivas ilegais provenientes dos órgãos de soberania e dirigidas à hierarquia das Forças Armadas, torna esta co-responsável pelas ilegalidades cometidas, a não ser que tenham reclamado dessa ilegalidade por escrito (Artº 271, nº2);
- No caso da prática de crimes no cenário de guerra os militares que os pratiquem são sempre responsáveis pelos mesmos, independentemente das responsabilidades dos seus superiores, civis ou militares (Artº 271, nº3).
Artº 275, nº 5 – “Incumbe
às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais
do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de
paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.”
- Os compromissos de Portugal no âmbito militar, nomeadamente no contexto da NATO ou do Tratado de Lisboa não explicitam a obrigatoriedade na participação em campanhas ofensivas, de rapina, neocoloniais num país distante, pobre e inofensivo;
- A missão dos militares portugueses no Afeganistão não se configura como humanitária e de paz, assumida e coordenada, designadamente, pela ONU.
3- Uma
questão civilizacional
Será que uma pretensa superioridade
civilizacional fornece legitimidade para se impor, pela força, a quem detenha
uma quadro civilizacional e cultural distinto? Quem afere essa gradação entre
superior e inferior?
Será que o poder de destruição posto
à disposição dos militares não será excessivo, uma vez que dá para destruir e
contaminar a vida e ambiente de modo irreversível, várias vezes, o planeta?
Não será altura de se abandonar a
via da guerra como forma de resolver conflitos, passando cada povo a viver com
os recursos que tem, sem ambições de destruir o vizinho para o pilhar?
Não será chocante que todas as
maravilhas tecnológicas ao dispor da Humanidade coexistam, numa mesma época,
com a forma mais bárbara das actuações humanas e que passa pela destruição do
Homem pelo seu próprio semelhante?
4 - Uma
questão política
Já há muitas décadas deixou de haver
aquela fórmula cavalheiresca da declaração formal de guerra em que um
embaixador se deslocava ao detentor do poder do país – a partir de então
inimigo – para entregar um papel formal de declaração de guerra.
Já passou também o tempo em que os
parlamentos tinham um papel real nas decisões sobre a utilização da guerra como
forma de resolver conflitos; tendencialmente, cremos mesmo que não vão tendo
mesmo papel real algum, confundindo-se com um teatro de marionetas. Na
Alemanha, por pressão da opinião pública, o Bundestag vota todos os anos o
volume do envolvimento no Afeganistão. E por cá? Quem autorizou Sócrates e
Cavaco a enviar mais tropas para o Afeganistão?
Há uma pulsão totalitária nas
sociedades, que pretende marginalizar os cidadãos e encher todo o palco da
acção política com as opiniões e decisões do mandarinato, auto-eleito como
mandatado para todas as decisões, dando como suficiente a redução da
participação democrática a actos eleitorais ritualizados.
O Tratado de Lisboa imposto aos
portugueses pela maioria de bloqueio (PS/PSD) na AR (e que recusou o referendo)
torna todos os países membros da UE como vassalos de um interesse geral difuso,
tornados adversários de um inimigo diáfano, sem lugar concreto nem tempo
definido. E, nesse contexto, pretende manter um permanente estado de
insegurança global e de medo para gerar a aceitação de constantes aventuras
militares.
Não será altura de os cidadãos em
geral manifestarem o seu repúdio pela guerra, pelos seus executores, pela
constituição de enormes arsenais e contingentes armados com custos faraónicos?
Para mais, num contexto de grandes dificuldades económicas?
5 - Uma questão económica
Entre o desemprego e o deficit em
que nos atolaram a todos, para salvar crimes de banqueiros e patrocinar lucros
a construtores de obra pública mais ou menos dispensável; no vozear constante e
ameaçador em que os responsáveis pelo descalabro nos elegem como carne para
todos os sacrifícios, nem se dá pelo estado de guerra em que as altas
instâncias do poder nos vêm colocando, não é?
No âmbito dos encargos com a defesa,
enunciados nos orçamentos, de 2009 e proposto para 2010, verifica-se um aumento
enorme dos gastos militares; sobretudo se se comparar com as reduções previstas
para o total do gasto público:
Orçamentos (serviços integrados e autónomos)
|
M euros
|
||
Despesa
|
2009
|
2010
|
var %
|
Defesa nacional
|
1.919
|
2.222
|
+15,79
|
Total da Despesa
|
193.892
|
184.575
|
- 4,81
|
Considerando que mais de metade da
despesa se prende com o serviço de dívida pública - pagamento aos bancos
financiadores – intocável e de compressão colocada fora de causa, é nos
serviços prestados à população e no pagamento ao pessoal que o poder procede a
compressões orçamentais. Como toda a gente sabe.
6 – Quem são
os soldados de hoje?
Como o serviço militar obrigatório
acabou em Portugal, quem é enviado para o Afeganistão não são soldados
obrigados a ir para a guerra, como no tempo da guerra colonial. Agora, são
antigos desempregados, gente cuja única formação se baseia no amor à guerra, no
militarismo, na obediência à hierarquia, num espírito de casta, integrado num
patriotismo serôdio e ridículo, em antagonismo total com a evidência de que a
soberania cabe à Comissão Europeia, ao BCE, às empresas de rating, ao FMI, à
OMC, ao tratado de Lisboa...
Como fazem da guerra modo de vida,
é-lhes indiferente se o fazem para defender os seus amigos e familiares ou para
colaborar numa guerra de rapina de recursos alheios. Como profissionais dentro
de uma estrutura hierarquizada, farão as missões que o comando lhes cometer,
sejam massacres, acções sobre civis, torturas ou sevícias, uma vez que são
amestrados na luta contra o “terrorismo” na defesa dos “valores ocidentais”, à
semelhança do que é praticado pelos seus congéneres americanos ou ingleses no
Iraque e no Afeganistão.
Os 163 militares a enviar em breve
(cerca de 20 já estão no terreno) fazem parte dos “comandos”, tropa chamada de
elite, extinta em 1996 e reactivada em 2002.
O seu grito de guerra é Mama Sumé,
adoptado a partir de um ritual de entrada na vida adulta de uma tribo do sul de
Angola, o dá para pensar no infantilismo que se pretende incutir aos soldados;
isso seria apenas um assunto psiquiátrico, se utilizassem somente pistolas de
carnaval. Por outro lado, a tradução do tal grito de guerra é “aqui estamos,
prontos para o sacrifício” o que aparenta um cunho “jihadista”, desconhecendo
nós se acreditam ou não que desse sacrifício advirá a disponibilidade de várias
virgens, no Além…
A tropa portuguesa enviada para o
Afeganistão é duplamente mercenária. Primeiro, porque são contratados pelo
Estado português para o exercício de funções guerreiras, tal como Roma tinha os
seus pretorianos, Bizâncio a guarda varangiana de suecos, os faraós o seu
exército de núbios. Depois, porque o governo português os vai utilizar ao
serviço do Pentágono, como tributo de vassalagem, mais ou menos ao nível das
Blackwaters que os EUA contratam para operações sujas.
- - - - - -
Finalmente, se um governo não cumpre
a Constituição a que se deve submeter, esse governo viola o direito
democrático, coloca-se como usurpador, torna-se ilegítimo e implicitamente cria
na população o direito de resistência e de revolta contra esse mesmo governo.
Está em fase de recolha de
assinaturas uma petição para a
SAÍDA IMEDIATA
DAS TROPAS PORTUGUESAS DO AFEGANISTÃO
(1) Jornal de Notícias 25/1/2010
Fevereiro 2010
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