De acordo com a ladainha da transparência dos mercados e
da concorrência, o MIBEL entrou em vigor mas... como é habitual, nestes
segmentos que vivem em oligopólio (em português corrente chama-se cambão), os
preços da electricidade vão aumentar. Anos atrás a mesma cantata foi ouvida a
propósito da introdução do gás natural, mais recentemente o refrão soou a
propósito da liberalização dos preços dos combustíveis.
Diz a ERSE que o aumento do preço do
petróleo não tem sido reflectido nos preços da electricidade gerando-se um
deficit (mais um) tarifário de 421
M euros. Devido ao MIBEL, esses malandros dos
consumidores vão deixar de fugir ao pagamento de preços “justos” e portanto, as
contas dos “técnicos” da ERSE aprestaram-se a decretar um aumento de 15,7% do
preço da electricidade para mais de 80% dos clientes da EDP.
Como se tornou habitual no discurso
ideológico neoliberal adoptado pelo mandarinato, a constituição de entidades
reguladoras, visa a criação de estruturas técnicas, assépticas, independentes,
isentas de instrumentalização do poder político. É o discurso da regulação
pelos mecanismos de mercado, em que tudo o que acontece é inelutável, natural,
insusceptível de manipulação política, como a sucessão entre dias e noites.
Claro que nada disso é real e acabamos
de ver o governo socratóide a intervir para deixar claro que a tal ERSE andava
na lua, que a reguladora não tem independência nenhuma e o modelo neoliberal é,
portanto um logro. Os socratóides acharam um exagero o aumento proposto pela
ERSE e aparecerem a dizer à multidão: roubar sim, mas devagar!
Deve-se sublinhar que o recuo para
aumentos de “apenas” 6% não altera qualitativamente a situação de esbulho da
multidão. Mantém-se a ideia de onerar a multidão, só que em prestações suaves,
pelo que se devem prosseguir com medidas concretas e radicais se necessário,
que obriguem a máfia e o capital a reduzir os seus proveitos.
Concerteza que os socratóides sentiram
que afectar mais de cinco milhões de pessoas de modo tão gravoso como o
propagado pela ERSE, envolvia custos e riscos. Custos de popularidade, decerto,
mas também porque o assalto aos rendimentos da multidão poderia conduzir a
acções radicais. De facto, os postes e a rede de distribuição constituem alvos
fáceis de derrube e de impossível controlo policial e os jornais informam até
que ponto a distribuição de electricidade no Iraque é problemática, por
sabotagem dos rebeldes.
2 – Como o capital e o seu governo
assaltam o nosso rendimento
Sabe-se que a baixa tensão, onde se
inclui o consumo doméstico e de pequenas empresas de comércio e serviços
representa apenas 43% do consumo de electricidade e que Portugal, na UE-15, é o
país com menor capitação de consumo.
Conhece-se também que as empresas
grandes consumidoras de energia têm contratos próprios de fornecimento com a
EDP ou outras e que os preços nos seus custos não têm subido, a bem da
competitividade, está bem de ver, como referiu o comissário Castro Guerra.
E sabe-se ainda que, fruto das recentes
quebras no preço, o gasto actual com o petróleo importado é, hoje, claramente
inferior ao de meses atrás. No mercado mundial registou-se no dia 20 de Outubro
o mais baixo preço do petróleo em 2006 (€ 56) o que corresponde a um custo
diário de € 19,6 milhões, contra € 27,5 milhões quando a cotação ultrapassava
os € 78 por barril.
Segundo a Deco “as
descidas de preços (dos combustíveis) tardam e não acompanham” as dos mercados
londrino e nova-iorquino. Isto porque “não existe concorrência benéfica ao
consumidor, apesar da liberalização dos preços dos combustíveis no nosso país
desde o ano passado”.
É sabido ainda que
os preços da electricidade em Espanha são claramente inferiores aos que vigoram
na faixa ocidental da Ibéria, não sendo crível que o petróleo importado pelos
espanhóis seja mais barato que aqui.
Os lucros da EDP no ano passado foram vultuosos e nada têm
a ver com a situação de “chapa ganha, chapa gasta” que a multidão encontra
todos os dias, tal como a presença nos telejornais de algum mandarim de ar
grave a referir dificuldades e a ameaçar com novas restrições e encargos.
Milhões de euros
EDP
2005
|
Volume
de negócios
|
Resultado
líquido
|
%
|
|
Grupo EDP
|
9677,0
|
1071,1
|
11,1
|
|
Produção de electricidade - Portugal
|
1896,6
|
379,4
|
20,0
|
|
Distribuição de electricidade - Portugal
|
3767,6
|
128,7
|
3,4
|
|
Comercialização de electricidade - Portugal
|
525,0
|
-71,2
|
-13,6
|
|
Sector Electricidade - Portugal
|
6189,2
|
436,9
|
7,1
|
Fonte:
EDP
Dizem os espanhóis que só se interessam
pelos consumidores domésticos portugueses se puderem ter preços livres e não
como agora, indexados à inflação, no que serão secundados pelos accionistas da
EDP, à beira da indigência, como todos sabemos. Para ilustrar essa penúria,
registe-se que a Iberdrola, o segundo maior produtor ibérico, aumentou os seus
lucros 25,7% até finais do mês passado.
3 – Trabalho versus capital
Na lógica empresarial e governamental,
a energia e o trabalho são custos que interessa minimizar para competir; os
lucros, na mesma lógica devem aumentar para que possam ser investidos em novos
empreendimentos, inovação, bla-bla, bla-bla.
Se os grandes consumidores industriais
podem negociar o preço, escolher o fornecedor e repercutir os custos, os
consumidores domésticos não, pelo que serão estes a suportar os aumentos e,
globalmente, a assistir a uma redistribuição de rendimentos que, dos seus
bolsos se encaminham para os resultados das distribuidoras de energia
eléctrica.
Para os consumidores imputam-lhe a
aceitação passiva das decisões de um intocável regulador que não elegeram e que
não os consulta para nada; ou a decisão paternalista de um governo mafioso.
Democracias de mercado são assim.
Quanto ao trabalho, qualquer acréscimo
é considerado como obsceno, dada a situação económica portuguesa e lá está o
coro dos governos, dos BCE, das CIPs, dos Constâncios, a exigirem contenção
salarial que, só magnanimamente, admitem possa compensar a inflação. Aquilo que
é “óbvio” para as remunerações do trabalho não é válido para os lucros
empresariais.
4 - Notas sobre a política energética
implícita na actuação do PS/PSD
Como é habitual cada vez que há
alternância no governo entre as Torres Gémeas (PS para PSD ou vice-versa),
sempre a situação herdada é apresentada como calamitosa e que é preciso
reformas; no entanto, todos os problemas ou a ausência da sua resolução têm o
carimbo daquelas duas instituições especializadas em tráfego de influências.
A falta de política energética tem
causas pouco abonatórias para a burguesia portuguesa e para os partidos que se
revezam no poder há 30 anos, PS e PSD.
·
Assim, alegremente, o peso do petróleo e do
gás natural no consumo de energia final passou de 57% em 1990 para 65,6% em
2004. Recordam-se as grosseiras trafulhices em torno do aproveitamento do Côa
protagonizadas pela EDP no final do cavaquismo. Agora que há apoios
comunitários para distribuir, surgem interessados nas eólicas os inovadores
empresários do costume, emergindo a propósito acesas disputas de lobbies, mas
onde a EDP e os seus parceiros, “surpreendentemente” levaram a melhor.
O amor pelo ambiente e por
uma real política de diversificação das fontes de energia conduziu a uma espera
de dois anos para a autorização do parque solar em Moura e só recentemente o
governo veio a legislar no sentido da incorporação de painéis solares nos novos
edifícios, mantendo, no entanto, o IVA a 21% para o equipamento relacionado com
a energia solar.
·
Para o imobilismo conta muito a punção
fiscal. O ISP (€ 3285 M
no OE de 2006) adicionado ao IVA incidente sobre os derivados do petróleo
constituem uma fonte de receita essencial para os governos, sobretudo numa
época de utilização maciça do OE para a redistribuição de rendimentos em
prejuizo dos grupos sociais desfavorecidos.
·
A especulação imobiliária e financeira
dá resultados num prazo mais curto que o investimento na modernização
energéticas das empresas que fica adiado e, perante o incumprimento global dos
compromissos de redução das emissões poluentes torna-se mais fácil utilizar a
macabra transacção de direitos de poluir junto de quem não utiliza esse
“direito”. É o mercado, sabiam?.
·
O desconexo sistema de transportes
públicos conduziria a uma melhor mobilidade das pessoas se racionalizado, com
um funcionamento integrado e menor custo energético. Para não afectar as
empresas de transportes privadas prefere-se aumentar preços, reduzir carreiras
e frequências, reduzir a comodidade das pessoas, ignorar as virtualidades do
multimodal.
·
Políticas de fomento do transporte
público não existem. A existirem seria necessário afrontar as Brisas, as
Lusopontes, as Bragaparques e combater o estacionamento caótico (que deve, por
inédito a nível europeu, constituir atracção turística!)
·
O lobby dos vendedores de automóveis
não se cansa de gritar contra o IA (€ 1200 M previstos) que
encarece os preços e é imensa a importação de veículos mais velhos, mais
poluentes, sobretudo para as empresas transportadoras. Assim, o lobby do
automóvel, com as Brisas, as petrolíferas e a inércia dos governos constituem
os verdadeiros impulsionadores do uso irracional do automóvel (há, em média um
automóvel por cada dois habitantes);
·
A apetência pelo exibicionismo kitsch
gera edifícios como as torres Taveira, nas Amoreiras, em Lisboa ou o mastodonte
onde funciona a sede da CGD cujo consumo energético no ano da inauguração era
equiparado ao do concelho do Barreiro. Edifícios cheios de vidraças e sem
janelas são uma aberração num clima temperado e exigem gastos brutais de
energia em ar condicionado o qual se tornou recentemente moda nas residências,
para colmatar a má qualidade da construção (dos materiais, da exposição
solar...)
·
E, para terminar, veja-se quem são os
responsáveis pelo consumo de energia e da dinâmica irracional que torna
desastrosa a situação actual
1990
|
1995
|
2000
|
2004
|
Variação
1990/2004 (%)
|
|
Consumo de
energia final (Mtpe)
|
12,1
|
14,2
|
18,3
|
19,5
|
61,2
|
serviços (%)
|
6,6
|
7,7
|
9,8
|
12,8
|
212,5
|
indústria (%)
|
38,8
|
36,6
|
35,0
|
33,3
|
38,3
|
doméstico (%)
|
19,8
|
17,6
|
15,8
|
15,9
|
29,2
|
transportes (%)
|
29,8
|
31,0
|
36,6
|
35,4
|
91,7
|
outros (%)
|
5,0
|
7,0
|
2,7
|
2,6
|
-16,7
|
Fonte: EDP (adaptação)
|
PS – Para quem não saiba. A EDP
contratou, como assessor do seu presidente, António Mexia, ex-ministro dos
Transportes do Santana Lopes o idiota que dá pela última designação, com a
remuneração mensal de € 10000. Amor com amor se paga mas quem de facto paga
estas pérolas de gestão somos todos
nós.
Outubro 2006
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