quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O sistema bancário português - bancos com pernas de barro

1-     Um negócio de excepção, a banca

Os bancos têm estado sob os holofotes da atenção geral pois, afinal as poderosas e intratáveis instituições andam sobre pernas de barro.

Os governos até há pouco acreditavam ou queriam que se acreditasse que os bancos e as instituições financeiras eram modelares na solidez (elogiada pelo Teixeira dos Santos) e na qualidade da sua gestão (desmentida pelos casos BCP, BPN, BPP…). Afinal não são sólidos quanto à sua estrutura financeira, nem as traficâncias que protagonizam se inserem no modelo puritano do capitalismo teórico do século XVIII. Afinal vão à falência como qualquer empresa, a sua gestão confunde-se com fraude e vigarice e, têm meios para ser muito mais rapaces que os capitalistas de qualquer outro sector de actividade.

Por outro lado, os governos, quando gritavam, como verdades absolutas para todos, pessoas e empresas, os dogmas da liberalização, do Estado mínimo, da sua não intervenção na economia (sempre distorcedora do mercado) e demais parvoíces, parece que não incluiam o sector financeiro, detentor de regras próprias.

Essas regras próprias incluem:

  • uma influência impar nos governos, com capacidade para ditar as normas da política fiscal, enformar as políticas sectoriais ou transversais, financiar o Estado e as autarquias;
  • a utilização de normas de contabilização específicas e francamente falsificadoras da realidade patrimonial;
  • o domínio de toda a actividade especulativa nas bolsas e no imobiliário;
  • a possibilidade efectiva de criar meios financeiros, muito para além do que a prudência aconselha;
  • a absorção ou a manipulação da quase totalidade da poupança das populações;
  • a actuação como incentivadores de um facilitismo no crédito que alimenta consumismos, bastas vezes patológicos;
  • uma efectiva escravização de trabalhadores e empresas através de uma dívida eterna cujos juros os vão engordando, engordando…
No capitalismo, o sistema financeiro é um primus (mesmo muito primus) inter (uma multiplicidade de) pares. E assim vai continuar a ser pois, os Estados, contra tudo e todos, vão ajudá-los a curar a indigestão; é que fazer dieta, para os bancos equivale a eutanásia. Alguém conhece algo que não paninhos quentes receitados pelas eminências dos G-8 (que passaram a 20), pelos FMI, pelas Comissões Europeias, BCE, FED… para obviar à crise que está instalada? Ah, já nos esquecíamos… agora temos o Sant’Obama para nos valer e ele até jurou com a mão na bíblia do patriarca Abraão (não é esse, é o outro, de apelido Lincoln)…

Os Estados sabem bem como distribuir sopa aos pobres e mimar com iguarias os ricos, publicitando sempre o “indómito” esforço financeiro com os primeiros e procurando ocultar o muito que é dado aos segundos. E, os Estados e o sistema financeiro sabem bem que não podem alterar essas regras, baseadas numa filosofia de imprudência máxima e inteligência mínima, que redunda num género de “todos ao molho e fé em Deus”.

2 - As contas do sistema bancário

Procedemos de seguida à exposição de alguns elementos recolhidos na informação pública prestada pelo Banco de Portugal e pela Associação Portuguesa de Bancos e que, a despeito de uma ou outra descontinuidade estatistica, permitem aquilatar o carácter privilegiado dos bancos.

Quadro 1
Resumo das contas do sistema bancário em Portugal
Milhões de euros

1.998
2.002
2.003
2.004
2.005
2.006
2.007
Activos
190.527
282.996
303.965
272.411
305.989
372.674
418.659
Crédito bruto sobre clientes
103.525
194.219
199.377
194.873
199.873
239.028
275.676
        % do Activo
54,3
68,6
65,6
71,5
65,3
64,1
65,8
Passivos 
178.729
267.166
286.378
258.386
288.208
349.543
392.684
Recursos de clientes e empréstimos
116.729
152.136
157.236
142.784
149.139
166.678
181.815
        % do Passivo
65,3
56,9
54,9
55,3
51,7
47,7
46,3
Responsabilidades represent por títulos
6.606
38.686
49.714
55.694
63.807
82.774
96.875
        % do Passivo
3,7
14,5
17,4
21,6
22,1
23,7
24,7
Recursos de outras instit credito
41.748
54.503
54.546
33.315
38.840
60.862
66.671
        % do Passivo
23,4
20,4
19,0
12,9
13,5
17,4
17,0
Recursos do banco central
1.690
1.284
3.147
3.542
6.215
1.901
5.550
        % do Passivo
0,9
0,5
1,1
1,4
2,2
0,5
1,4
Capitais próprios
11.798
15.830
17.587
14.025
17.782
23.131
25.975
                                                                                   Fonte: Banco de Portugal

Ressalta do quadro acima:

  • A estabilidade do peso do crédito concedido no total do activo, nos últimos seis anos;
  • A recuo do peso relativo dos recursos de clientes e empréstimos (essencialmente depósitos);
  • Grande crescimento da emissão de títulos nos mercados de capitais, nomeadamente estrangeiros; em 1998 correspondiam a 5,6% dos depósitos e em 2007 a 53,2%; em 1998 equivaliam a 56% dos capitais próprios e em 2007 a 3,7 vezes o valor daqueles.
A evolução de algumas daquelas grandezas tomando o ano de 1998 como base revela que:

  • Os Recursos de clientes e empréstimos (+56%) e os Recursos de outras instituições de crédito (+60%) apresentam um crescimento próximo do observado para o PIB nominal (+53%);
  • O Crédito bruto sobre clientes aumenta 166% e engloba o crédito à habitação dos particulares e o crédito às empresas, que têm uma dimensão semelhante. Daí ressalta a grande dependência dos bancos face ao endividamento para a compra de casa. O apoio da banca a actividades especulativas é evidente quando se observa ter o financiamento da construção e do imobiliário representado 55,5% dos saldos do crédito às empresas em 2006, contra 35,4% em 1998 (ver Quadro 3, mas adiante). Esse dinamismo do crédito contrasta portanto, com a estagnação económica dos últimos anos e demonstra que, de facto, a actividade dos bancos, não visa o desenvolvimento económico, como o governo pretende agora impor, com ares de moralizador, como condição para o apoio estatal aos bancos;
  • Os Capitais próprios crescem 120%, não se sabendo qual a parcela que corresponde efectivamente a um reforço de capital e o que resulta de critérios contabilísticos pouco consistentes na avaliação dos activos, de acordo com os valores de mercado, denominado por “justo valor” pelas normas internacionais NIC, concebidas por um conjunto de 14 indivíduos fiéis às conveniências da especulação financeira. Assim, que estranheza causa que o valor dos títulos cotados na bolsa de Lisboa, tenha caído 50% com o recente estatelar dos mercados financeiros? E, imagine-se os casos daqueles que se endividaram para a compra de activos que entretanto passaram a valer metade…
  • Finalmente, as Responsabilidades representadas por títulos correspondem ao elemento mais dinâmico do passivo dos bancos, crescendo face a 1998, 1367%! Em finais de 1998, o seu quantitativo valia 17% do stock do crédito concedido às empresas; em 2006 já correspondia a 90%! Em resumo, são os capitais alheios titulados que financiam as empresas, sendo os bancos lusos simples adicionadores da seu “spread” sobre capitais emprestados por outras entidades.
3 - Comparações com outros sectores de actividade

Em seguida, ir-se-á proceder à comparação entre o sistema bancário e alguns sectores representativos da economia portuguesa tendo como base dois indicadores. Um é o da autonomia financeira calculado como percentagem do volume dos capitais próprios em relação ao activo indicando, complementarmente, a sua diferença para 100%, a relevância dos capitais alheios como financiadores dos bens e direitos presentes no activo dos bancos. O outro, é a taxa de endividamento que relaciona percentualmente o total do passivo, isto é, das responsabilidades face a terceiros, com a soma dos capitais próprios e do valor contabilizado a título de amortizações do imobilizado e provisões, por exemplo, face ao incumprimento de devedores.

Esses indicadores, para o sistema bancário português, calculados para os anos revelados no quadro acima  mostram-se relativamente estáveis e cifram-se (2007), em:

autonomia financeira – 6,2%
taxa de endividamento – 1141%

Esta situação para qualquer outra empresa ou particular é inconcebível e revela o carácter de excepção de que goza o sistema bancário e que, de facto, a sua credibilidade se baseia em factores como a entreajuda e coesão existente entre o capital financeiro; a garantia de que o Estado está por detrás, para o que der e vier; e na presunção de que os cidadãos confiam na segurança dos bancos. Dito de outro modo, nada há de mecanismos de mercado mas, tão somente factores de ordem psicológica, política e legislativa para que o sistema se mantenha. Todos verificamos, na presente crise, o cuidado dos Estados em trazer os bancos ao colo, em os financiar e sabe-se também que, em caso particular de crise de confiança dos cidadãos, o Estado veda o acesso das pessoas às poupanças que têm depositadas, para evitar a falência dos bancos, como aconteceu na Argentina em Abril de 2002, durante 10 dias.

Se algum cidadão, por exemplo, mesmo com um projecto credível de investimento no valor de 1 M euros se apresentar junto de um banco com 60 000 euros seus e pedir 940 000 emprestados (autonomia financeira idêntica à dos bancos) o mais normal é que o mandem dar uma volta. E, se o financiarem, exigem-lhe garantias reais (hipotecas), fianças, avales, cartas de recomendação e uma taxa de juro, naturalmente, muito superior à paga pelos bancos, pela totalidade dos capitais alheios, onde preponderam os depósitos.

Observem-se, em seguida, aqueles dois indicadores para alguns dos principais sectores de actividade em Portugal, em 2007 e fornecidos pelo Banco de Portugal, para se ajuizar a excepcionalidade do negócio bancário, as suas altas concentração e cartelização.


       Quadro 2

Autonomia financeira
Taxa de en- dividamento
INDUSTRIAS TRANSFORMADORAS
   24.72
   50.52
INDUSTRIAS ALIMENTARES, DAS BEBIDAS E DO TABACO
   27.72
   45.92
INDUSTRIA TEXTIL
   22.78
   48.88
INDUSTRIA DO CALCADO
   23.78
   44.81
INDUSTRIAS DA MADEIRA E DA CORTICA
   22.35
   62.97
INDUSTRIAS DE PASTA, DE PAPEL E DE CARTAO
   22.52
   46.61
FABRICACAO DE PRODUTOS QUIMICOS
   30.99
   44.45
FABRICACAO DE EQUIPAMENTO ELECTRICO
   32.70
   43.00
FABRICACAO DE MATERIAL DE TRANSPORTE
   27.74
   43.00
FABRICACAO DE VEICULOS AUTOMOVEIS
   30.70
   34.94
PRODUCAO E DISTRIBUICAO DE ELECTRICIDADE, DE GAS E DE AGUA
   20.68
  109.14
CONSTRUCAO
   22.15
   84.00
COMERCIO POR GROSSO (EXCEPTO DE VEICULOS)
   22.21
   67.11
COMERCIO A RETALHO (EXCEPTO DE VEICULOS) 
   21.22
   66.72
COMERCIO A RETALHO EM SUPERMERCADOS E HIPERMERCADOS
   24.67
   52.00
RESTAURANTES
   17.89
   53.84
TELECOMUNICACOES
   22.35
   73.69
ACTIVIDADES IMOBILIARIAS
   22.58
  124.61


















É a referida confiança das pessoas no sistema bancário que permite tais disparidades. Nenhum sector de actividade mantém uma estrutura de financiamento tão assente em capitais alheios e isso, na banca, só é possível porque esses capitais alheios têm um baixo preço, os juros pagos aos depositantes e, porque estes, no seu conjunto, não exigem um prazo para o reembolso. Também nessa questão, o Estado dá uma mãozinha, obrigando todos os seus trabalhadores a receber os salários em conta bancária; não contente com isso, a banca pretende, há anos, cobrar pela utilização do multibanco quando algum trabalhador (depositante forçado) quiser  aceder ao rendimento do seu trabalho.

Como se viu atrás, vem diminuindo a parcela dos depósitos no total dos recursos à disposição dos bancos. Essa redução tem duas consequências; uma é que o custo desses recursos vem aumentando na exacta medida da acrescida utilização dos mercados de capitais; a segunda, é a fragilização que daí resulta para os bancos face aos seus mutuantes pois, uma coisa é estes serem os seus depositantes, outra é serem consórcios internacionais, grandes bancos ou detentores de títulos de dívida.

Quanto ao primeiro aspecto, o do aumento dos custos globais dos recursos financeiros, como se trata de uma tendência sistémica (e apesar da concorrência entre si), os banqueiros dormem descansados pois, naturalmente, esses custos são repercutidos nas condições do crédito concedido a empresas e particulares. Quanto ao segundo aspecto, se as coisas se tornarem complicadas, os Estados intervêm, como se viu, com garantias, nacionalizações e financiamentos e o BCE injecta dinheiro nos mercados financeiros para segurar o sistema. Em diversas situações podem fundir-se uns quantos bancos, enxotando-se uns milharzitos dessas peças descartáveis a que alguns insistem em designar por trabalhadores. Garantido, garantido está o caviar na mesa dos banqueiros.

4 - Como a banca não serve o desenvolvimento económico

O crédito concedido pelos bancos acha-se grandemente garantido por hipotecas, avales e seguros e o seu risco não é o da sua não recuperação mas, que dessa recuperação, em caso de incumprimento do devedor, o crédito não resulte, rapidamente, em liquidez. O risco existe, sobretudo em casos de conjunturas negativas ou crises sectoriais em que não é fácil realizar dinheiro com a apropriação de uma instalação fabril, por exemplo.

Dados os riscos aí presentes, num contexto de desindustrialização acelerada, de uma globalização que precariza a existência das empresas na sua generalidade, em tempos de estagnação económica, a banca dirige o crédito que concede para sectores com maior rendabilidade e mais assegurada, ligados ao imobiliário.

Quadro 3
Saldos do crédito
1998
2006
Crédito às empresas - total (M euros)
39.036
91.856
    Construção (%)
16,0
19,8
    Imobiliário  (%)
19,3
35,6
        (soma)  (%)
35,4
55,5
Crédito aos particulares - total (M euros)
44.490
114.977
    Habitação  (%)
72,9
79,7
Total geral (M euros)
83.526
206.833
    Crédito às empresas  (%)
46,7
44,4
    Crédito aos particulares  (%)
53,3
55,6
                                                                                  Fonte: Banco de Portugal

Vejamos alguns elementos que comparam a situação em 1998 com a observada em 2006:

  • Entre aqueles dois anos, o saldo do crédito aos particulares passa de 53,3% do total para 55,6%, reduzindo-se, portanto, a parcela destinada às empresas;
  • No saldo do crédito prestado às empresas, o binómio imobiliário-construção passou a representar 55,5% do total contra 35,4% e, se em 1998, os valores destinados aqueles dois subsectores eram relativamente próximos, recentemente o imobiliário absorve perto cerca de 80% mais do que a construção;
  • O crédito à habitação pesa 79,7% do total concedido aos particulares, contra 72,9% em 1998;
  • A totalidade dos saldos do crédito entre os dois anos considerados cresce 147% mas, os empréstimos ao imobiliário aumentam 333,7%. Note-se que em 1998/2006 o PIB nominal cresceu somente 45,6%.

Estes indicadores, extraidos a partir das bases de dados públicas do Banco de Portugal revelam o distanciamento entre a política de crédito dos bancos (aceite pelos governos como fazendo parte das regras de mercado) e as necessidades de desenvolvimento da economia. E revelam também as ligações profundas de conivência entre o sistema financeiro, a especulação imobiliária e a economia mafiosa, como adiante se referirá.

Os bancos têm razões para a preferência pela actividade imobiliária em relação a outros sectores de actividade pois, no primeiro, para além da rendabilidade associada a um negócio especulativo, existem bens materiais de mais fácil tradução em liquidez, dada a sua pouca especialização, comparativamente a instalações industriais.

Financiando a construção e o imobiliário, os bancos num curto prazo transferem a dívida dos promotores para uma dívida (muito maior) dos compradores, as famílias que pretendem ter uma casa, garantindo assim, uma quase perenidade na aplicação dos seus recursos. E com a vantagem de essas famílias só em casos extremos deixarem de pagar as prestações do crédito à sua própria habitação. Para os bancos, trata-se de uma aplicação de capital a longo prazo, estável, segura, sem grandes custos de manutenção e com outros negócios no bojo, como o pagamento automático de serviços (da electricidade, por exemplo) e o estudo permanente das preferências dos depositantes, como consumidores, através do movimento das contas,

Por outro lado, sabe-se que o imobiliário e a hotelaria são os principais elos de branqueamento, de integração dos capitais provenientes da corrupção e diversos tráfegos (droga, armas, imigrantes clandestinos, prostituição, órgãos humanos…). O dinheiro proveniente da economia mafiosa precisa de entrar nos circuitos “legais” do capital e são os bancos os lídimos intervenientes nessas operações, mormente através da profusão de bancos “off-shore” onde o dinheiro de proveniênca mafiosa aflui, livremente, para surgir a qualquer momento do lado de cá, “on-shore”, pronto para o investimento. Naturalmente, o sistema bancário não poderia deixar de estar presente nessa florescente actividade de captação de “poupanças” quer no apoio à sua transformação em imobiliário quer na sua integração nos mercados especulativos, na bolsa, etc.

A apetência pela construção e o imobiliário e a reciclagem dos rendimentos mafiosos liga os bancos aos partidos políticos, com cruzamentos de homens de mão. Citamos, por exemplo, o caso do ministro Manuel Pinho (do BES) ou do antigo director-geral dos impostos, Paulo Macedo (do BCP); e, em sentido inverso, a inserção de mandarins em lugares de topo na banca, como o Vara, o Alípio Dias, o Faria de Oliveira. E têm vindo à ribalta as facilidades concedidas a mandarins de meteórica transformação em novos-ricos, convertidos ao empresariato.

Podemos também referir um outro factor de evidente contradição entre a prática atrás desenhada e o discurso político do PS/PSD quanto à consideração da exportação como motor do crescimento económico. Como se sabe, não se exporta imobiliário e, mesmo que se considere que parte da construção de casas visa a procura turística, esse modelo não é susceptível de gerar desenvolvimento dilatado no tempo, por razões que sumariamente se indicarão; Portugal não é um destino turístico de riqueza impar, a organização da captação e estadia de turistas pertence a empresas não portuguesas, o turismo tende a atrofiar as restantes actividades nas economias débeis, como se observa no Algarve e na Madeira e o esmagamento dos preços das viagens aéreas torna competitivos destinos exóticos a milhares de quilómetros de distância da Europa. Recentemente, até a fixação de cidadãos reformados em busca de sossego e clima ameno evidencia alguma retracção devido a factores como a má qualidade dos serviços de saúde em Portugal. Em suma, o crédito bancário não está ao serviço dos exportadores e despreza os conselhos do governo com as orelhas a doer perante as queixas de empresários que desesperam de ver chegar a si o apoio do governo concedido aos bancos para financiarem a economia.

Voltando um pouco atrás, os interesses coligados do sector imobiliário (que investe ou constrói), da economia mafiosa (que financia encapotadamente), incluindo nela o mandarinato político (que cobra pelos licenciamentos e pelos PIN’s) e os bancos (que lavam o dinheiro mafioso e o emprestam de seguida às claras) geram um sistema que acorrenta a população durante grande parte da vida com a compra de imobiliário. E o Estado ajuda, de modo muito particular, com as deduções das prestações no IRS, “esquecendo-se” de ter uma política social de habitação, com preços não especulativos, como fizeram os asiáticos na fase de desenvolvimento das suas economias ou investindo, por exemplo, as reservas da Segurança Social em habitação, furtando-as assim, aos prejuizos recentemente concretizados com o seu investimento nos mercados financeiros.

A continuidade desta actuação nas útimas décadas faz com que ninguém deva estranhar, que, para uma população de 10,4 M em 2001, haja 5,05 milhões de habitações, das quais 27,3% eram segundas casas ou casas desocupadas; ou, que em 2006 o parque habitacional seja suficiente para albergar as famílias que existirão em… 2050, de acordo com a tese de mestrado de Fátima Moreira  que foi notícia no Público de 5 de Janeiro último.

Com a recessão e o desemprego, a venda de casas entrou em crise pois a população em geral não está muito capacitada para continuar a suportar estas opções de “desenvolvimento”. Nessa sequência, a banca, de braço dado com os maiores empreiteiros das obras públicas, manipula o Estado e o partido socratóide (com a inveja surda dos apaniguados da Balela Ferreira Leite) para as grandes obras (TGV…), a financiar pelos bancos. É claro que estes têm interesses mais diversificados, incentivando o governo a prosseguir com a degradação do sistema público de saúde para que possam viabilizar, os seus próprios negócios nessa área, com o apoio entusiástico da chamada “indústria” dos seguros, muito solícitos, todos, a tratar da saúde aos que que lhes possam pagar, entre os 10,4 M de habitantes da paróquia.

5 - Garantias aos depositantes

Para terminar, umas linhas sobre as garantias existentes para os depositantes.

Uma grande preocupação dos Estados é a garantia que os depositantes possam ter de que os seus haveres estarão sempre a salvo. E por isso instituiu-se um tipo especial de seguradoras – os fundos de garantias de depósitos para o qual os bancos pagam um prémio.

Logo em princípios de Outubro, no dealbar da crise os ministros das finanças da UE, para sossegar a plebe, aumentaram para 50000 euros a garantia dos depósitos num banco, em caso de falência dessa impoluta instituição. Ainda pensaram num limite de 100000 euros mas os Estados membros mais a leste discordaram; no entanto, alguns países, como a Espanha subiram mesmo a fasquia até aquele valor.

Acontece que, pelo menos no caso da paróquia lusa, o Fundo de Garantia de Depósitos é uma paródia pois os seus recursos (1283 M euros) apenas cobrem 0,7% dos depósitos na banca. E porque assim é, tem por detrás o almofadão do Banco de Portugal para lhe abonar o que for preciso, se necessário.

Nos casos do BPN ou do BPP o Fundo talvez tivesse meios para pagar aos pequenos e médios depositantes mas, não aos campeões envolvidos nas traficâncias, com milhões entregues às mãos dos Oliveiras e Costas, Rendeiros e quejandos. A existência de “investidores” com ligações ao PS/PSD com depósitos muito superiores aos 50000 euros foi também uma razão para o governo impedir a falência daqueles banquinhos, sem relevância no sistema.

Janeiro 2009

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