A - Caracterização sumária do capitalismo de hoje
1.
O
domínio do capital financeiro
2.
A
separação do capital financeiro face à produção de bens ou serviços
3.
Manipulação
ideológica
4.
Caos
5.
Genocidio
B - A crise sistémica actual e a sua génese histórica
1.
As
diversas crises do capitalismo actual
2.
Modas
e ideias feitas. É preciso ir ao fundo do fundo
C - Eixos estratégicos de actuação do capitalismo
1 -
Aplicação dos formatos neoliberais
2 –
Globalização
3 –
Financiarização
4 –
A fascização das sociedades
“Os movimentos dos mercados financeiros são o resultado de uma
complexa combinação de regras de mercado, estratégias comerciais, medidas de
motivação política, planos dos bancos centrais, ideologia dos tecnocratas,
psicologia das multidões, manobras de especulação e turbulência de informação
com origens em vários locais”
(Manuel
Castells, “A Sociedade em rede”)
Este texto de Castells sintetiza vários aspectos que
caracterizam o capitalismo de hoje: a imprevisibilidade que gera o caos e o
caos que torna inquietante o nosso futuro.
A - Caracterização
sumária do capitalismo de hoje
1.
O
domínio do capital financeiro
·
O
domínio do capital financeiro associado à facilidade e virtualidade da criação
da mercadoria dinheiro torna mais atraente o investimento nos seus “produtos”
do que na economia real, onde se produzem os bens e os serviços necessários à
vida de todos nós. E as empresas produtivas tornam-se, elas próprias,
mercadorias submetidas a transformações diversas (aquisições, fusões,
reestruturações, desmantelamentos), susceptíveis de gerar despedimentos em
massa, transtornar a produção dos seus bens ou serviços, tudo isso para gerar
um lucro rápido e vultuoso ao “investidor” financeiro que detenha as suas
acções;
·
A
liberalização, a isenção fiscal e a desregulamentação dos movimentos de
capitais constituem, pois, elementos essenciais para a mobilidade dos mesmos,
na procura frenética de aplicações financeiras em qualquer coisa susceptível
dos tais lucros rápidos e volumosos, sejam empresas, contratos, mercadorias,
títulos, dinheiro, existentes ou virtuais;
·
O
volume, a complexidade dos “produtos financeiros” e a (des)informação que
circula em seu torno beneficiam quem detiver maior capital para aplicar (é
pretensioso e falsificador utilizar o verbo investir), informação para
processar ou produzir para o exterior e exigem graus crescentes de
concentração;
·
Este
carácter ligeiro, a relativa imaterialidade dos “produtos financeiros”, a
facilidade da sua transmissão e movimentação geográfica, a ausência de
tributação que os Estados criam para favorecer o capital financeiro, ampliaram
as formas que este reveste, para além da clássica formulação de Lenin
(bancos+indústria) e dotaram-no de um poder exorbitante, que se não cinge à
dependência do crédito bancário, por parte das empresas da economia real.
·
Este
poder ímpar domesticou totalmente o Estado como agente do capital financeiro,
determinando a acção política, como é tradicional, mas procedendo a um controlo
mais estreito dos mandarins, determinando a política orçamental e fiscal,
relegando as políticas sociais para a categoria dos custos a evitar para que as
receitas ficais e o deficit fiquem disponíveis para apoios às empresas e ao
investimento público (estes sim, os produtivos e a maximizar).
·
Ao
assumir-se como sistema global, transversal às fronteiras dos Estados, cujas
barreiras ajudou a abater, o capital financeiro, eximindo-se aos poderes
estatais, criou ou colonizou instituições internacionais (FMI, BCE, OCDE) que
se tornaram coniventes com os seus objectivos, alheadas das dificuldades
criadas, impotentes para actuar concertadamente, única forma de colmatar os
desmandos causados do capital financeiro.
2.
A
separação do capital financeiro face à produção de bens ou serviços
·
Se
se definir a economia como a ciência da afectação dos recursos à satisfação de
necessidades humanas, poderia dizer-se que o seu objectivo seria a produção de
bens e serviços. Para o capitalismo clássico, porém, a produção é um meio para
alcançar o seu principal objectivo – o lucro; na actual fase de domínio do
capital financeiro, a produção de bens e serviços nem sequer é muito necessária
(ou mesmo conveniente) para alcançar aquele objectivo. As várias pirâmides de Ponzi,
cujo casos mais relevantes são o de Maddof e o de Allen Stanford (30000
investidores perderam $ 7000 M), são um exemplo da criação de rendimento (e
lucro) sem a geração de valor e à margem das próprias regras montadas pelo
capital financeiro;
·
O
lugar, por excelência, destinado à formação do lucro é a empresa, pois é a
empresa que adquire os recursos, contrata os assalariados, selecciona as
tecnologias, procede aos investimentos e distribui os rendinentos gerados.
Perante os cidadãos atomizados, as empresas é que detêm o poder, tanto maior
quanto a sua dimensão e influência nos governos. Na actual fase de domínio
financeiro, a acumulação faz-se, em grande parte, em empresas virtuais, sem
trabalhadores, sem bens, que não a propriedade de capitais depositados algures,
ou contratos com aplicação futura, verdadeiros encadeados de direitos, com
localização tão móvel quanto irrelevante;
·
A
criação de dinheiro, cada vez mais desligada das necessidades da troca
autonomizam-no como mercadoria e transformam o volume das transacções
financeiras e monetárias na principal fonte de rendimentos, desligados estes da
produção de bens ou serviços;
·
A
escolha dos investimentos é feita de acordo com a rapidez do retorno do capital
e da rendabilidade esperada, podendo ou não isso coincidir com a futura
satisfação de necessidades reais das pessoas ou de outras empresas. Com o
predomínio do capital financeiro, qualquer elemento de ordem física –
maquinaria, trabalhadores, matérias-primas, clientes, fornecedores – constitui
inconveniente, dado que é entrave à liquidez, à necessidade de mobilidade do
capital;
·
A
desmaterialização da formação de rendimento transbordou, naturalmente, para as
próprias empresas produtoras de bens ou serviços. Assim, através de verdadeiras
cadeias de subcontratos, qualquer empresa procura desvincular-se de
compromissos duradouros, nomeadamente trabalhadores, que tendem a pertencer a
uma empresa fornecedora de mão de obra (tipo de negreiros modernos), distinta
daquela que necessita do trabalho; e, no final desta cadeia está o trabalhador,
o único produtor nessa cadeia de empresas e “empresários”, finalmente
contratado por uma empresa de trabalho temporário. Esses trabalhadores,
executam tarefas anos a fio, no mesmo local, sem qualquer vínculo com a empresa
onde exercem funções e, em regra, precarizados por parte da empresa
adjudicatária do seu trabalho. Esta fórmula de precarização, atomização,
fragilização do trabalhador é muito comum, nomeadamente em órgãos do Estado e
grandes empresas, sendo particularmemte conhecidos os casos dos “call centers”,
áreas de não direitos, verdadeiras galés para degredados do antigamente.
3.
Manipulação
ideológica
·
A
liberdade dos mercados em geral, é uma mentira. E isso, porque uma grande parte
dos sectores de actividade não estão abertos à concorrência, funcionando em
oligopólio; porque existem relações estreitas entre algumas empresas e o
Estado; porque o Estado protege as empresas nacionais com exigências diversas,
de carácter técnico, fiscal e alfandegário; porque existem especificações
legais e financeiras para a exploração dos negócios mais rentáveis; porque a
ligação aos media constitui um factor de propaganda, visibilidade e informação
distorcida. Por outro lado, para a esmagadora maioria das pessoas, aquelas
restrições e a ausência de poupanças suficientes, não lhes permite ir além da
venda da sua capacidade de trabalho aos capitalistas; e para uma minoria, essas
poupanças somente permitem a criação de pequenas empresas, em sectores
marginais do ponto de vista da rendabilidade, com pouco capital fixo, ampla
utilização de trabalho, fortemente endividadas face à banca ou inseridas em
redes de “franchise”, recente xarope de autonomia empresarial para assalariados
engolirem;
·
Vive-se
num sistema mundializado no que diz respeito à aplicação das suas regras de
funcionamento, dominado pelo capital financeiro no seu conjunto (bancos, fundos
de pensões…), em ligação com as empresas multinacionais e o capital mafioso,
procedente de vários actividades e tráfegos ilegais ou éticamente condenáveis,
da corrupção, do tráfego de influências, etc;
·
Essencial
para o domínio da oligarquia financeira e dos seus “compagnons de route”,
multinacionais, capital mafioso e mandarinato é a atomização dos trabalhadores,
a desorganização e o amorfismo da multidão, em geral. Daí a necessidade da
superabundância esmagadora e asfixiante de informação, o seu domínio, sobretudo
no que se refere à produção de conteúdos. A aposta deliberada na imagem visa
confundir, manipular a multidão, embrutecida pela sua omnipresença, pelo
convite à não reflexão e ao isolamento, a que os media convidam
incessantemente, 24 horas por dia e em qualquer local;
·
Existe
um frenesi difusor das ideias de sucesso empresarial, de carreira, de acesso fácil
ao topo do bem-estar, o convite à participação na volúpia do casino financeiro,
ao investimento, à glorificação do empreendorismo, que contrastam profundamente
com a realidade da esmagadora maioria dos seres humanos, com trabalhos mal
pagos e parcos de direitos, desemprego, endividamento, falta de acesso a
cuidados decentes de saúde, reformas condignas, fome, para não referir a
ostentatória promessa de usufruto do luxo, apresentado nos conteúdos acenados pelos
media diante do nariz da multidão. Convém, para as oligarquias, encher as
cabeças da plebe de sonhos quanto à ascensão social, como forma de aceitação do
statu quo político e económico, como ponte para uma adiada melhoria das
condições de vida e existência. Convém ao capitalismo que a multidão absorva e
pratique na sua vida o apego à velocidade, ao crescimento económico incessante,
ao consumo inveterado, à concorrência, à arrogância face ao outro, à natureza e
ao ambiente, numa postura ansiosa, neurótica; tudo isso é essencial para a
acumulação capitalista.
4.
Caos
Entre as muitas disfunções geradas pelo capitalismo, salientamos
cinco:
·
A
exploração do trabalho - com a maciça incorporação de capital fixo e
tecnologia, a grande dimensão das empresas e a utilização de técnicas de
organização do trabalho - é maior do que alguma outra vez na História. A
acumulação capitalista associada é um factor constante de pressão para a
contenção do poder de compra dos trabalhadores, um gerador de grandes
desequilíbrios na distribuição de rendimentos e de atrofia da produção, em
quantidade e qualidade, de bens e serviços essenciais;
·
Para
além dessa expropriação clássica do capitalismo existe a invenção dos
rendimentos financeiros em cascata, com uma base real mínima e precária cujas
dificuldades provocaram recentemente a queda do castelo de areia em que
assentava toda a estrutura financeira mundial; e cujos efeitos na produção, no
nível de emprego, nas trocas, ainda estão em desenvolvimento, apesar dos
números circenses dos mandarins para sossegar a multidão;
·
A
ambiente é outro “recurso” que o capitalismo tem utilizado de modo predatório e
descuidado, só recentemente adoptando medidas tíbias e com horizonte dilatado
para não afectar os interesses das multinacionais e das pulsões expansivas do
capitalismo nos países “emergentes”;
·
As
transacções de mercadorias a nível mundial, dominadas por multinacionais, são
elas também objecto da especulação dirigida por “brokers” em ligação ao capital
financeiro, que afecta os stocks, já de si tendencialmente escassos,
desestabiliza a produção, incorre em custos inesperados, com impactos nos
preços, dramáticos para os países pobres, como se assistiu recentemente, com o
petróleo, os cereais e as oleaginosas. O novo dirigente da CFTC, regulador
americano para a negociação de futuros de matérias primas, revelou que em 2008
quando o petróleo chegou aos $147.27 por
barril, em New York, isso foi causado pela especulação, contrariamente ao seu
sucessor, da administração Bush, que tinha afastado expressamente essa hipótese;
·
A
segmentação exagerada do processo produtivo, a autonomização excessiva de
funções produtivas ou meramente auxiliares da produção conduzem a partições
improdutivas do processo produtivo, dificultando e fragilizando a unidade e as
lutas dos trabalhadores, promovendo abaixamentos brutais nos rendimentos do
trabalho, gerando cadeias logísticas pesadas, com custos de transporte e
distribuição desmesurados e ambientalmente suicidários.
5.
Genocidio
·
Tendo
em conta o predomínio da lógica do curto prazo, do lucro instantâneo, da
liquidez total, a necessidade da criação de valor através da produção de bens
ou serviços tende a centrar-se ou restringir-se à produção de equipamentos de
tratamento da informação e de comunicação, de prazer e bem-estar à pequena
minoria dos grandes beneficiários dos mercados financeiros (produtos e
imobiliário de luxo, viagens e hotelaria de preços proibitivos, carros de
altíssima gama e aviões privados…) Fica, portanto, prejudicada a produção de
bens e serviços necessários à satisfação das necessidades da Humanidade e esse
dano fica melhor evidenciado pelo facto de ser possível alimentar decentemente
12000 M de pessoas com as tecnologias actuais, praticamente o dobro da
população humana de hoje;
·
Sendo
o trabalho a base de toda a criação de riqueza, os Estados são pródigos no
sentido da criação de legislação e regulamentos
que atomizam o trabalhador, que o tornam precário e dependente da
permanente venda da sua força de trabalho, em condições que raramente pode
decidir a seu favor. Essa política levada a cabo pela generalidade dos mandarinatos
nacionais, impulsionada por instâncias plurinacionais como a OCDE, a UE, o FMI,
o BCE, reduz o rendimento disponível para a grande massa das populações e
portanto induz à estagnação da economia real e ao sacrifício da esmagadora
maioria dos seres humanos;
·
Das
condições em que se exerce o trabalho resultam enormes bolsas de desemprego,
pobreza, insegurança que, obrigam os Estados a afectar fatias importantes dos
orçamentos à manutenção da “paz social” necessária à prossecução dos negócios.
Esses gastos com pobres em geral, despedidos, desempregados, reformados, geram
divisões no mandarinato e nas burguesias quanto à partilha das receitas
públicas; no entanto, dada a pressão exercida pelo empresariato para a absorção
de receita pública (contratos, subsídios…), o neoliberalismo fomentou um
desprezo dos Estados pelos custos sociais, daí resultando agravamento das
condições de vida e o surgimento de numerosos novos pobres, marginalizados pelo
poder nos países ditos desenvolvidos. Nos países da periferia, como os Estados
nunca cumpriram ou cumpriram muito tenuemente essas funções sociais, aqueles
problemas só são minorados onde existam fortes redes de apoios sociais (alguns
países muçulmanos), extensas economias de auto-subsistência (África) ou a
inserção numa florescente economia capitalista informal (Brasil).
·
A
esses gastos sociais é preciso acrescentar os encargos públicos com a saúde de
uma população, nos países desenvolvidos, com grande longevidade (a parcela dos
que têm mais de 65 anos é superior a 20% no Japão, na Itália e na Alemanha). Na
lógica do capital, os idosos, fracos consumidores e dependendo de gastos
públicos elevados, estão na primeira linha da população dispensável pelo
capital, tal como muitos trabalhadores com poucas qualificações, desempregados,
funcionários públicos e trabalhadores das áreas sociais em geral. Quando, em
2007, os 1.8 M de pensionistas portugueses por velhice recebiam em média, € 352
por mês é porque o poder não aposta na sua sobrevivência ou bem estar;
·
Esse
pendor genocida, que não é novo no capitalismo, torna-se bastante claro quando
facilmente é possível gerar rendimentos e lucros rápidos através da inserção no
casino financeiro, para o qual a intervenção de trabalhadores é muito reduzida.
Tornando-se a criação de valor subalternizada e desligada da contabilização de
rendimentos e lucros, a financiarização das economias constitui mais um factor
de dispensa de trabalhadores e do trabalho como criação de riqueza social.
B
- A crise sistémica actual e a sua génese histórica
1. As diversas crises do capitalismo actual
Em síntese, da situação económica e da configuração do
capitalismo global, sobressaem vários grupos de problemas, que se sobrepõem e
encadeiam uns nos outros;
·
Uma
crise de representação, pois o modelo ocidental da democracia representativa ou
de democracia de mercado, com a concentração do poder político em pequenas
oligarquias, fornece escassas possibilidades de exercício por parte da
multidão, de responsabilidades na gestão social, ou sequer de audição sobre a
mesma e vem provocando um descrédito crescente face à legitimidade dessas
oligarquias. Na maior parte dos países, a questão da representação apresenta uma
acuidade ainda maior pois são dominantes
os regimes ditatoriais ou musculados. O modelo ocidental, por outro lado,
fragiliza-se a si próprio, recusando a legitimidade ao Hamas que ganhou o poder
em eleições limpas ou validando eleições fraudulentas que favoreceram o
serviçal Karzai, no Afeganistão;
·
Uma
crise da teoria económica oficial pois os factos demonstraram o seu carácter
inconsequente e evidenciaram-na como forma prática de camuflar o enriquecimento
de algumas elites, mormente através do parasitismo financeiro; uma crise em que
o papel do dólar, a perenidade do deficit americano estão em alto risco e a
credibilidade das principais instâncias de regulação ficou de rastos;
·
Uma
crise social enorme, com grandes volumes de pessoas sem trabalho, na miséria
mesmo com trabalho, com ou sem qualificações, sem acesso aos básicos cuidados
de saúde (a dificuldade de Obama para conseguir um sistema universal de saúde,
na própria metrópole imperial, é um escândalo), à educação, à habitação, a uma
retirada da vida activa em condições dignas. Sobretudo nos países da periferia,
as questões da fome e da subnutrição chocam com as capacidades reais da
Humanidade em se alimentar;
·
Uma
crise da hegemonia ocidental sobre o planeta, cada vez mais contestada pelos
outros países, sobretudo de grandes dimensões, com pretensões próprias. Outrora,
essas pretensões eram contrariadas com golpes de estado ou pela presença da
canhoneira ocidental; hoje, até se assiste a Obama a pedir desculpa por os EUA
terem patrocinado o golpe de estado no Irão, em 1958.
Por outro lado, os instrumentos da canhoneira ou da sua ameaça,
mesmo quando utilizados, não resolvem literalmente nada, como se observa no
Iraque, no Afeganistão ou, no que respeita às exigências colocadas ao Irão; antes
pelo contrário, acentuam o descrédito dos países ocidentais. Por seu turno, os
resultados da actual crise sobre os países da periferia, gerada pelo sistema
financeiro dos países ricos e pelas instituições por elas dominados, apontam no
mesmo sentido;
·
Uma
crise ambiental caracterizada por um modelo de geração de riqueza baseado numa
crença descuidada e estúpida na possibilidade de um crescimento económico
irrestrito que precisa de fomentar um consumismo irracional e imbecilizante e
cujo impacto coloca em causa, a prazo, as capacidades do planeta para albergar
a diversidade da vida, gerada numa evolução de muitos milhões de anos. O
capitalismo, na sua sede de lucro, não só arrasa tudo à sua volta como consegue
escavar o próprio chão que pisa.
1.
Modas
e ideias feitas. É preciso ir ao fundo do fundo
O quadro negro em que a humanidade e o próprio planeta foram
colocados pelo capitalismo, necessitam de algumas precisões e de um algum
bosquejo histórico para que melhor se compreenda a realidade e entenda o que os
manipuladores do sistema debatem e preparam para que o essencial se mantenha: a
exploração do trabalho, com o mínimo de custos e restrições.
·
Convém
não alimentar ilusões sobre o carácter da actual crise. Ela não corresponde a
uma vulgar fase de “cava” do ciclo capitalista; ela é profunda e duradoura e
insere-se na tendência de longo prazo do sistema para a entropia, para o caos,
para o fomento de dificuldades à humanidade. Obama tem vindo a afirmar que os
EUA estão muito longe do fim da crise e, segundo Stiglitz, a recessão vai
campear nos próximos quatro anos… o que significará para a província portuguesa
do império, 10 anos seguidos de recessão; contrariamente, a camarilha socratóide
mostra-se estúpida e insensivelmente optimista, despudoradamente mentirosa e ridiculamente
pretensiosa sobre os seus méritos actuais enquanto a bolorenta Balela se apresenta
para eleições com um saco cheio de propostas de enriquecimento dos ricos. Por
outro lado, todos sabemos que eventuais melhorias nas bolsas não correspondem a
nada de real na vida das pessoas ou das empresas, que o digam os que engrossam
os números do desemprego.
·
O
capitalismo vai gerando as modas nas teorias económicas tal como os costureiros
no vestuário. Contudo, essas modas não são fúteis, nem fortuitas mas,
estruturas complexas e pensadas para a adequação, de forma duradoura, da
configuração dos paradigmas de organização económica, à permanente necessidade
de acumulação da riqueza criada pelo trabalho, na posse de uma esmagadora
minoria de parasitas humanos, nas condições concretas de cada momento
histórico.
·
Existe
uma racionalidade económica associada a cada modo de produção não existindo,
portanto, uma racionalidade económica neutra, desligada das relações sociais,
como se fosse um coeficiente técnico transversal às sociedades humanas. Contudo
o capitalismo, nas suas modas, tende a considerar a racionalidade que interessa
ao seu desenvolvimento como A Racionalidade, eterna e definitiva, outorgada por
Deus. Esse carácter filosoficamente imperativo, totalitário, coloca o
economicismo mais estreito e conotado socialmente com uma classe, como
característica universal, no tempo e no espaço, ignorando que na história da
Humanidade, o homem sempre foi o objecto e a medida de todas as coisas; não o
lucro, essa inovação capitalista:
·
Para
esse economicismo interessa que as pessoas sejam homogéneas, padronizáveis,
para facilitar as economias de escala que permitem maximizações de lucros; ou, que
sejam moldáveis pela publicidade, para se adaptarem às conveniências da combinação
de recursos que maximiza esse mesmo lucro. A conveniente satisfação das
necessidades da multidão é uma questão de segunda ordem;
·
Como
a espécie humana é incomensuravelmente diversificada, volúvel na satisfação das
suas necessidades, objecto de afectos e não programável ou robotizável, a
produção de bens e serviços bem como as decisões à mesma respeitantes, só podem
ser equilibradas com as necessidades, se essas decisões couberem aos
trabalhadores-consumidores, dispensando, por conseguinte, o capitalista, a
produção para a obtenção do lucro e o Estado como ente coercivo que garante a
desigualdade e os privilégios de alguns.
·
Para
que a multidão se submeta pacificamente à racionalidade capitalista, é preciso
que a aceite com a inevitabilidade e a bonomia com que aceita a gravidade,
mesmo que daí resultem danos enormes na passagem de cada pessoa pela vida. É
preciso que as pessoas aceitem ser os “tolos racionais” como designados por
Amartya Sen.
Nesse plano, o capitalismo pretende que seja aceite como
realidade, inerente à natureza humana, a constituição e assunção de cada pessoa
como “homo economicus”, inalterável e inquestionável, quando isso mais não é
que um objectivo para o grupo social politica e economicamente dominante.
·
Por
exemplo, a concorrência é uma dessas falsas imanências atribuidas como
normalidade no funcionamento das sociedades, quaisquer que sejam, Na verdade, é
nome que se dá à luta entre os capitalistas, pelo domínio na venda de bens e
serviços, dos recursos materiais, das tecnologias mais avançados, do dinheiro
mais barato, da força de trabalho mais qualificada, com baixos salários e
menores “externalidades” como exigências de segurança laboral, horários de
trabalho, direitos sindicais… Essa luta tende a gerar um crescimento muito
acentuado da capacidade produtiva mundial, que se confronta com a contenção do
poder de compra dos trabalhadores e da esmagadora maioria da população do
planeta, tornando-se, portanto, excedentária. Esse subconsumo, criado pela
rapina do produto do trabalho pelos capitalistas necessitados de incrementar o
capital acumulado, origina a actual crise e conduz, naturalmente, a
dificuldades a muitas empresas, falências, deficit público, endividamento,
desemprego, pobreza... numa espiral em que a crise se auto-alimenta
diariamente.
·
Outro
exemplo do carácter classista das modas teóricas do capitalismo prende-se com o
risco. Nos media, o risco é sempre referido como o risco do investimento, da
possibilidade de a remuneração do capital investido ser inferior à média do
“mercado de capitais” ou, não existir e os esforçados empresários poderem
perder os seus cabedais, bastas vezes de origem duvidosa à face das próprias
leis do seu Estado. Para anular esse risco e atrair o “investimento”, os
Estados oferecem múltiplas benesses financeiras, custeiam infraestruturas ou
asseguram um nível elevado de receitas, como nos casos das lusitanas Lusoponte
ou Liscont-Alcântara;
Não cremos que haja muitos empresários vítimas do risco
empresarial entre os pobres que constituem 20% da população portuguesa, embora
o mesmo não se possa dizer quanto a trabalhadores que tiveram experiências
empresariais e que sucumbiram ao torniquete bancário ou perante a impiedosa
carga fiscal.
Muito mais dramático é o risco dos trabalhadores que, vivendo do
seu salário, sem conseguirem gerar poupanças, nada têm que os defenda dos
riscos da má gestão ou conduta fraudulenta dos patrões. Quando há dificuldades
nas empresas, o despedimento é uma das primeiras armas dos patrões, que assim,
transferem para a parte mais fraca, os principais ónus dos riscos que não
querem assumir. E um temporário acesso aos subsídio de desemprego nada se pode
comparar com o património pessoal do capitalista, não comprometido com o
negócio, a salvo da derrocada.
·
O
capitalismo e as suas instituições criaram e pretendem aplicar a qualquer
investimento o critério da rendabilidade empresarial, da recuperação e remuneração
do capital investido, com cálculos estandardizados do VAL ou da TIR. Se se
estiver a pensar num bem de consumo mais ou menos secundário, não nos tira o
sono que um capitalista gaste neurónios para avaliar o risco do negócio e que
procure recuperar o “seu” de forma ampliada.
Sucede, porém, que há muitas actividades onde isso não é
possível ou minimamente conveniente. A protecção de uma zona ambientalmente
delicada, de espécies protegidas, pode envolver investimentos vultuosos, cuja
rendabilidade não se pode medir com critérios empresariais, como não se mede a
área de um terreno em litros. Em certas circunstâncias, os Estados procuram
rendabilizar um investimento ambiental adulterando-o com a incrustração de projectos
turísticos, por exemplo. Noutras circunstâncias e sobre a forma de mecenato, o
Estado favorece capitalistas ou empresas (directamente ou sob a forma de fundações)
com benefícios fiscais, como via de tornar rentáveis e atraentes ao capital
privado, certos investimentos.
Nesta linha de pensamento, sendo a água recurso natural de valor
inestimável, a cobiça de grandes multinacionais e de mandarins a soldo oferece-se
para assegurar a sua boa gestão, elevando substancialmente os seus preços para
a população, que ficará assim dependente das intenções de um monopólio para
remunerar os seus accionistas.
A construção de uma linha férrea é reveladora das incapacidades
do capital. Não é disparate pensar-se que uma linha vá propiciar, digamos, cem
anos de serviço, sem prejuizo da sua regular manutenção. Acontece que nenhum
capitalista investe em empreendimentos com tão elevada vida útil e mantém aí
dinheiro empatado; e por isso o neoliberalismo criou a bela figura de
privatizar a utilização da linha e deixar a sua manutenção a uma empresa paga
pelo Estado (tipo Refer). No caso da construção de uma nova linha, tratam de
constituir uma parceria público-privada para o efeito, na qual os fundos
públicos entram com a parte de leão e a fundo perdido, permitindo que as
futuras receitas comportem a recuperação do capital privado, muito antes do
esgotamento da vida útil da via e com taxas de lucro apetecíveis. Esta lógica
aplica-se também a pontes, estradas ou cais para gáudio dos bancos
financiadores e das motas-engis ligadas aos partidos adjudicantes. É o ciclo
mafioso na sua plenitude.
·
A
propaganda dos mandarins engloba, geralmente, conceitos abstratos, sem
conteúdo, desligados de qualquer enquadramento ideológico explícito nos quais
se pretende envolver os cidadãos de modo cumpulsivo, a internalizar sem a
intervenção de polícias ou tribunais. Um desses conceitos é o da acentuação da primazia
absoluta do novo sobre o menos novo, para não dizer velho; assim, ser jovem ou
ser proveniente de um jovem é melhor do que o que provém de alguém com mais
anos, mesmo que seja uma imbecilidade do jovem Cristiano. Por seu turno, a modernidade,
“tout-court”, despida de qualquer expressão concreta, é apontada como
inelutável e na qual cavalgam os mandarins, como atestado da sua competência e
visão; nesse contexto, as auto-estradas são símbolo do progresso mas, a
precariedade e o desemprego já o não serão, apesar de paridos pela mesma
modernidade actual.
A modernidade e a sua inevitabilidade, como algo forçosamente
bom, é utilizada da mesma forma que a ideia de progresso, força imanente a algo
desgarrado, na qual os cidadãos não têm que se intrometer ou pretender opinar e
construir por si próprios. A modernidade é o termo mais usado por essa espécie
de engenheiro, praticante do moderno “jogging”, um tal José Sócrates. enquanto
o vetusto Cavaco sempre preferiu o “pugresso”, como lhe sai da sua titubeante
expressão oral. Terá mesmo sido o dito cujo que permitiu que os seus amigos lhe
tivessem “limpo” as poupancitas de catedrático reformado;
·
Finalmente,
outra das taras ideológicas do capitalismo relaciona-se com o crescimento
económico. Ao erigir a maximização do lucro como critério condutor da vida
social, o capitalismo gera uma constante ansiedade pelo aumento da riqueza, que
é como quem diz, pelo crescimento do PIB. Essa tara repercute-se nas pessoas em
geral que, integrando a mesma ansiedade nas suas vidas, praticam o consumismo
mais insano ou ridículo, para armazenarem bens, para garantirem os novos
modelos de qualquer coisa, pondo de lado, como trastes, um volume enorme de
bens em perfeito estado de utilização, desperdiçados. Como as necessidades
humanas não são infinitas, há uma parcela menor da população mundial,
basicamente nos países ricos, cujo consumo global poderá estagnar, não
induzindo crescimento económico, sobretudo se forem reduzidas substancialmente
as desigualdades e o desperdício, Por outro lado, nos países pobres, a satisfação
das gritantes necessidades da maioria não tem de passar, forçosamente, pela
repetição dos modelos de desenvolvimento adoptados no passado, nos países ora
ricos, que estruturaram, por exemplo, a agricultura, com elevadas incorporações
energéticas e desprezo pelo ambiente.
C - Eixos
estratégicos de actuação do capitalismo
1 - Aplicação
dos formatos neoliberais
·
Em
termos da teoria económica, os clássicos (Adam Smith, Ricardo, Marx) demarcaram
bem as relações sociais que estavam por detrás do processo produtivo e que
tornavam este como um produto social. Porém, se Ricardo se refugiava na lei
natural que assim dispunha a realidade, Marx colocou as características das
relações sociais inerentes ao processo produtivo como resultantes do
antagonismo entre capitalistas e assalariados, sendo esse conflito o motor da
História.
·
Por
seu turno, J-B Say e os marginalistas preocuparam-se mais em desligar a ciência
económica das realidades sociais, pretendendo que a economia é uma área
objectiva, socialmente neutra, redutível a cálculos matemáticos. Nessa linha, a
distribuição da riqueza não resulta da correlação de forças entre capitalistas
e assalariados, com estes a serem subtraídos de parte do valor do trabalho que
produzem mas, segundo Say, de acordo com umas leis chamadas de mercado, em que
os detentores dos factores de produção – terra, capital e trabalho – com toda a
independência e autonomia, ajustam os preços dos respectivos contributos para a
produção. Tecnicamente, a estrutura social onde se insere a posse dos chamados
factores de produção, constituia um dado a-histórico, imutável e definitivo,
desligado da evolução das sociedades;
·
A
mais distraída observação da realidade revela que o fornecedor da força de
trabalho está longe de ter a autonomia de discutir, com os capitalistas, ou o
dono da terra, o preço do seu “factor de produção”, porquanto o Estado através
da lei ou da repressão física ou judicial se encarrega de estabelecer as
condições para a formação do preço dos designados factores de produção, favorecendo
os capitalistas e prejudicando os trabalhadores. E, portanto, essa actuação do
Estado revela que na base da produção de riqueza não está o livre encontro
entre detentores de factores de produção, o livre funcionamento do mercado mas,
um elemento político, não económico - o Estado - remetendo para o caixote das aldrabices, as
elaborações teóricas de Say e dos marginalistas;
·
Essa
mitologia de um mundo de entidades soberanas, iguais – capitalistas e
trabalhadores – reveste hoje, em termos ideológicos formas curiosas e
ridículas. O termo capitalista pretende-se esquecido e conotado com uma época
passada, enterrado na História e é substituído pelos termos pretensamente
neutros do ponto de vista social – empresário, empreendedor, empregador, por
acaso (?) sempre utilizados de modo respeitoso, mesmo quando aplicado aos mais
manifestos criminosos. Por outro lado, o assalariado, apesar de mal pago,
precário ou sob a permanente ameaça de despedimento, passa à categoria, também
mais neutra e amistosa de “colaborador”, o que, contudo, não permite esconder o
seu carácter subalterno e acessório. O assalariado pode mesmo descer na escala
da pública consideração; se trabalhar no Estado é um madraço dormindo sobre
privilégios, se estiver desempregado é porque não quer trabalhar, se estiver
doente é um fingido que defrauda a Segurança Social e, se for pobre e receber
SRI é um rico dissimulado.
A existência de trabalhadores ou assalariados é prova suficiente
da sua necessidade no processo produtivo, caso contrário, o capitalismo já os
tinha extinto. Inversamente, o patrão,
em regra, está a quilómetros de ter qualquer utilidade para o funcionamento da
empresa e da sociedade, como afirmámos em “Afinal qual a Função Social do
Capitalista”e em “Os Empresários e a Inovação”, textos inseridos neste blog.
O papel parasitário do capitalista, determinado por um elemento
não económico mas jurídico, que é a propriedade dos meios de produção, é
assegurado pelo Estado, como atrás já foi referido, nada tendo a ver com as
reais necessidades do processo produtivo, de bens e serviços. Outra forma
curiosa da mesma ladainha é a pretensa igualdade de negociação entre
trabalhadores e capitalistas, presente na passada doutrina corporativa ou nas
actuais democracias de mercado, com a concertação arbitrada pelo Estado,
efectivo representante colectivo dos capitalistas, com visão e interesses
estratégicos nem sempre coincidentes com os de muitos dos seus representados;
·
A
questão da propriedade dos meios de produção radica muito fundo na ideologia
burguesa que, simultaneamente, emana comandos jurídicos e psicológicos para
gerar nos trabalhadores um respeito reverencial face à propriedade capitalista.
O que as burguesias não fizeram quando se locupletaram nas terras dos
aristocratas. Veja-se o seguinte episódio caricatural.
Recentemente, a propósito da morte do anti-fascista Palma Inácio
(que morreu na miséria) foi revelada a resistência no seio do poder PS/PSD em o
homenagearem com uma comenda. Até achavam graça aos seus actos contra Salazar
mas… havia algo difícil de engolir; o assalto ao banco na Figueira da Foz para
financiar as actividades anti-fascistas (cujo produto veio quase todo a ser
recuperado pelo poder). Aí era a propriedade que estava em jogo e a burguesia
portuguesa, como qualquer outra, tem a propriedade como coisa mais sagrada que
a honra das suas mãezinhas. Por isso, não há anti-capitalismo que admita a
posse de meios de produção que não pelo conjunto dos trabalhadores.
Expurgar da economia política o segundo termo (política), visa
considerá-la com um carácter técnico, conjunto de coeficientes técnicos de uma
matriz, neutra em face às relações sociais presentes no âmago da produção de
riqueza. Tudo se reduziria a cálculos contabilísticos, a problemas de gestão e,
as dificuldades e fracassos só podem acontecer por incompetência, trovoadas ou
terramotos; daí que neste blog tenhamos afirmado em “BPN - exemplo prático do
que é o capitalismo” (ver este blog) que o problema da competência de Vítor Constâncio no caso BPN é
lateral, quando se pretende que essa foi a principal causa das conhecidas
vigarices que envolvem distintos “empresários”;
·
Essa
linha de pensamento contudo, não é a que caracteriza o neoliberalismo cuja
falência prática vamos assistindo e, parece que nas esquerdas isso não é muito
levado em conta.
Pelo contrário, o neoliberalismo é um modelo global de gestão
social que compreende a economia mas, que vai muito além dela ou não fosse o
seu principal teórico – Friederich Hayek - não só economista mas, também
filósofo e político, acantonado na Sociedade de Mont Pélerin desde 1947,
enquanto durou o brilho do formato keynesiano de gestão do capitalismo, mais ou
menos coincidente com o período dos chamados “30 gloriosos anos”. Hayek defende
claramente que a economia não é uma ciência neutra e tem subjacente opções
claras do que é conveniente para o sucesso do capitalismo e que se não
restringem às políticas económicas (aliás pouco admissíveis quando se pretende
um Estado minimal) mas, também com a recusa da aplicação dos conceitos de
solidariedade, justiça social, igualdade… uma vez que a “vida não é justa” e
que se não pode rectificar o que a natureza criou.
Evidencia-se assim que, por detrás de qualquer modelo económico,
implícita ou explicitamente está sempre um projecto político animado por uma
qualquer ideologia; e que não há neutralidade política mesmo para os que se
afirmam apolíticos. Hayek tem o mérito da clareza de propósitos e a sua frontal
expressão, porém, não caracteriza os executores do seu projecto de sociedade,
como os mandarins actuais. Nesses aspectos, Hayek contrastava com lord Keynes
que se cingiu essencialmente à economia, embora com uma clarividência ímpar
sobre as conveniências do capitalismo e do domínio ocidental sobre o planeta;
·
Como
projecto global de domínio, o neoliberalismo de Hayek tem conotações evidentes
com o fascismo, com o seu expresso repúdio por políticas de redistribuição, a
defesa de um darwinismo social, do elitismo dos ricos, em função dos quais
todos os restantes indivíduos devem existir, se conformados à sua pequenez ou,
desaparecer, na pobreza ou na inanição se não aceitarem o papel de escravos. Da
Escola de Chicago onde Hayek ensinou, saiu também um tal Milton Friedman, menos
ideológico que o seu mestre mas que, com os seus “Chicago Boys”, as espingardas
e bestialidades da tropa, aplicou as suas ideias no Chile de Pinochet, culminando
com a reestruturação económica do país, a obra iniciada pela conspiração da CIA
contra o governo de Allende;
·
Após
esta primeira aplicação prática no Chile (1973), o neoliberalismo deixou claro
o seu programa para animar a economia mundial e assim promover a retoma da
acumulação capitalista:
§
Tornar
a economia regulada pelos movimentos de capitais e pela política monetária,
retirando ao Estado veleidades de intervenção noutras áreas da economia;
§
Desmantelamento
do Estado social (onde existisse) para que o riqueza criada não fosse
“desperdiçada” em apoios generalizados à população trabalhadora, como sistemas
de saúde, de segurança social, combate à pobreza, aparelho burocrático, etc;
§
Defesa
de um individualismo exacerbado, com a recusa de conceitos como vontade
colectiva, interesses sociais ou semelhantes, pois só existem indivíduos e
interesses individuais. “A sociedade não existe”, Thatcher dixit, relembrando
os velhos marginalistas;
§
Sistema
fiscal e normas salariais regressivas uma vez que sendo os ricos os
investidores, convém que neles se concentre a poupança geral, devidamente
maximizada; inversamente, desonerar de impostos os pobres é fomentar o aumento
do consumo, reduzindo, consequentemente a poupança e prejudicando, portanto o
investimento. Sintomaticamente, de acordo com Aglietta e Rébérioux em “Derives
du Capitalisme Financier”, a relação entre o salário médio de um operário nos
EUA e o de um gestor passou de 1/40 em 1980 para 1/400 em 2003. O bom caminho…
como assistimos; tão bom que agora todos os mandarins, com o santo Obama à
cabeça, se vêm obrigados a limitar extravagâncias salariais, prémios, “stock
options”…
§
Adopção
do sistema político adequado à prossecução do aumento da acumulação
capitalista. Dentro dos seus princípios ideológicos mecanicistas, anti-éticos e
desumanos, o neoliberalismo tanto pode aceitar as liberdades políticas
primárias, através dos sistemas representativos ou de democracia de mercado,
nos países mais desenvolvidos, como promover golpes de estado e apoiar ditaduras,
onde a resistência popular seja mais acerba e/ou onde a criação de riqueza
sendo comparativamente menor exija meios mais musculados de domínio das cliques
locais. Para impor o neoliberalismo que tresanda no tratado de Lisboa, o
referendo poderia ser um instrumento mas, para evitar as incompreensões da
intervenção popular, o tratado é melhor aprovado entre amigos (nos parlamentos
nacionais) ou objecto de tantos referendos quantos os necessários, entre
promessas e ameaças aos irlandeses;
§
O
que nenhum neoliberal alguma vez propôs foi o desmantelamento ou a redução do
Estado no seu papel repressivo e coercivo. Antes pelo contrário, assistiu-se ao
incremento e sofisticação das forças armadas e das polícias, com o recurso
extensivo a fórmulas privadas de segurança e manutenção da ordem,
videovigilâncias, para defesa da propriedade e a formação de poupanças no bolso
dos ricos. Quem deve, teme.
Esta agenda neoliberal cuja aplicação pioneira foi paga
duramente pelos trabalhadores chilenos, foi seguida de outras, nos chamados
paises do Sul, sob a designação de “ajustamento estrutural” com a obrigatória orientação
do FMI enquanto nos países desenvolvidos assumiu o nome de thatcherismo ou
reaganismo. Criou-se mesmo o termo “reaganomics” para o modelo económico vigente,
baseado em Say, “a oferta cria a sua própria procura”, sem esquecer o recurso à
repressão não foi negligenciado, quer por Thatcher sobre os mineiros, quer por
Reagan sobre os controladores aéreos. O Estado para estas coisas dá sempre
muito jeito mesmo aos mais empedernidos neoliberais…
2 – Globalização
A queda das taxas de lucro e a fixação de crescimentos anémicos
nos países desenvolvidos anunciaram, nos anos 70 o fim dos tais “gloriosos 30
anos” de felicidade capitalista; as desvalorizações da libra e do dólar, o fim
da convertibilidade deste em ouro, enterraram os acordos de Bretton Woods de
1944, feitos para garantir a supremacia americana no mundo; as subidas do preço
da energia em 1973 e 1979 revelaram novos protagonistas com poder, a OPEP e os países
petrolíferos do Golfo Pérsico; as multinacionais haviam adquirido um carácter
global e as fronteiras existentes, com controlos alfandegários, freavam o seu
crescimento; a inflação galopava por campos e vales; e os EUA saiam da
Indochina derrotados politica e militarmente enquanto a descolonização se
aproximava do final.
O mundo mudara, Keynes ficou fora de moda e a queda do
crescimento económico iria colocar em causa o chamado pacto social-democrata
que garantia, com a mediação das burocracias sindicais, a troca de ganhos de
produtividade para os trabalhadores, pela aceitação, por estes, do sistema
capitalista. Alguém se lembrou do profeta Hayek que vinha pregando no deserto
nas últimas três décadas e o neoliberalismo foi adoptado, em paralelo com a
desregulamentação e a liberalização a nível global que preparou a extensão da
base territorial da acumulação capitalista integrando na sua órbita
praticamente todos os países capitalistas e pré-capitalistas, em vários
estádios de desenvolvimento – É a chamada globalização.
Esta, consiste em vários vectores e movimentos, que interagem e
se complementam:
·
A
transferência da produção para áreas geográficas de “dumping” salarial, laboral
ou ambiental, com a inerente redução de custos, alarga as margens de lucro das
multinacionais e aumenta o mercado global através da integração desses novos
países. Porém, essa transferência tem como contrapartida a desindustrialização
dos países desenvolvidos, com o crescimento de um desemprego estrutural, a
perda de poder de compra e da qualidade de vida dos trabalhadores, cujo poder
reivindicativo fica condicionado. Esta situação, aliada à feroz concorrência
entre as multinacionais, mitiga os efeitos da globalização nas expectativas de
crescimento mundial que, simplesmente, tem vivido, nos últimos anos, das
elevadas taxas conseguidas pela China;
·
A
integração e acelerada expansão da exploração de novas fontes de matérias
primas, mormente energéticas e agrícolas, tendo em conta a acerada concorrência,
gera novos conflitos pelo seu controlo, armados uns (Iraque e Afeganistão),
geoestratégicos outros (luta pelo controlo da Ásia Central e dos oleodutos que
lá se iniciam) e desastres ambientais (desmatação no Brasil e pressão para a
exploração petrolífera das zonas árticas);
·
O
alargamento do campo de acção das empresas num contexto de contenção do poder
de compa global gera novas necessidades de investimento e de meios financeiros
para esse efeito, acentuando o papel do capital financeiro na sua ligação às
multinacionais. A pressão para o aumento da acumulação capitalista tolera, de
facto, o branqueamento e a integração de capitais mafiosos e, torna mais ou
menos tolerados os vários tráfegos, como o das drogas, das armas, dos
imigrantes, das mulheres, dos órgãos humanos, a corrupção etc;
·
O
ex-GATT passou a ser uma OMC, revigorada para promover a liberdade de comércio
(mais precisamente, a abertura dos mercados dos países do Sul, tal como
inventado pela Inglaterra no século XVIII), desregulamentando e isentando os
movimentos de mercadorias e capitais e, liberalizando o investimento
estrangeiro. Essa liberdade de comércio visa isentar as multinacionais e as
grandes instituições financeiras de portagens e entraves para entrarem nos
estados nacionais e alargarem assim o seu raio de acção.
Por outro lado, a pressão que se exerce sobre os países pequenos
e médios, com menores níveis de desenvolvimento, conduz à transferência para o
capital internacional de parte crescente da riqueza criada, em detrimento das
burguesias nacionais; nesse contexto, acentua-se a exploração dos trabalhadores
desses países neo-colonizados, submetidos aos ditames do capital global e,
simultaneamente, obrigando os patrões nacionais a cedências na partilha da
riqueza criada, no âmbito de uma colossal concentração de capitais. Esse
desiderato assemelha-se, a uma escala mais alargada, à vocação dos Estados
centralizados e absolutos comandados pelas burguesias comerciais dos séculos XV
ao XIX: desmantelamento dos senhorios regionais e colocação de todo o espaço,
então designado como nacional, como coutada própria, incluindo nesta, recursos
naturais e trabalhadores;
·
Na
Europa, o processo de globalização tem sido mais profundo e inovador.
Assistiu-se à passagem da antiga CEE para a UE, no sentido da criação de um
espaço económico e político único; ao alargamento territorial da UE a quase
todo o continente; ao aprofundamento da mercantilização a que o Tratado de
Lisboa pretende dar um carácter constitucional e definitivo; à criação do euro
como moeda comum (até agora, para somente 16 países); e a uma desvalorização da
própria democracia de mercado com evidentes manifestações fascizantes dos
poderes e emanações xenófobas da direita política, estribadas em alguns
estratos populacionais.
A globalização tem trazido consigo alterações geoestratégicas na
estrutura do poder mundial, tais como;
·
O
Pacífico passou a ser a principal área de comércio, ultrapassando o Atlântico,
consolidando-se assim, a subalternidade europeia (por muito que custe aos
eurocêntristas), como área de menor dinamismo económico, a despeito de ser a
maior área de consumo, agravando-se essa situação, do ponto de vista político
com a aceitação da suserania americana em questões essenciais como a actuação agressiva
da Nato ou o apoio à barbárie israelita;
·
Reduziu-se
a relevância da indústria na Europa e nos EUA com a sua transferência para o
Oriente, com destaque para a China, com custos laborais e globais muito mais
baixos, integrando um movimento de nivelamento por baixo, que favorece as
multinacionais e, temporariamente, os trabalhadores desses países, em
detrimento dos europeus e norte-americanos;
·
Está
estabelecida uma grande interdependência entre os EUA e a China, tornando-se
esta um grande fornecedor de mercadorias aos EUA, principal comprador da
produção chinesa e, simultaneamente, um investidor de grande relevância nos
títulos que o Tesouro americano emite para financiar o deficit, agora acrescido
com o apoio estatal aos bancos em bancarrota. Paira sobre esta situação a
vulnerabilidade da cotação do dólar e da sua utilização como moeda de reserva,
tendo a China avançado recentemente, com
a ideia da sua substituição por DSE (direitos de saque especiais)
inventados nos anos 70 como apoio à impossível convertibilidade do dólar em
ouro. Também recentemente Stiglitz defendeu a criação de uma nova moeda de
reserva global, como peça central para um novo sistema financeiro
internacional;
·
Verifica-se
uma tendência para um maior equilíbrio entre as nações, devido, nomeadamente,
ao crescente peso dos designados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e às
dificuldades dos EUA em impedirem a passagem de um mundo centrado em si, para
outra estrutura de poder, multipolar. A passagem do G8 para um G14 corresponde
à assunção da fraqueza dos paises ricos em manter o sistema mundial de
pagamentos, o papel do dólar e o sistema desigual de trocas sem a cooptação e
ajuda de vários outras burguesias nacionais, com a particular relevância do
governo chinês, curiosamente, dominado por um partido dito comunista.
Note-se que estas mudanças em curso, podem constituir uma
vantagem táctica para a Humanidade mas, estratégicamente, não colocam em causa
o capitalismo e todo o cortejo de maleitas que lhe são inerentes; apenas
dificulta a utilização da força militar nas áreas em disputa, nas quais a
superioridade militar deixou de constituir uma vantagem quase absoluta, mesmo
em conflitos com pequenos ou médios países.
Pela sua dimensão, os BRIC tenderão a afirmar o seu peso
económico e populacional, nas suas respectivas áreas de influência, perante a
maioria dos outros países, mais pequenos, como forma de engrandecer as suas
burguesias, a despeito das disputas com os poderes dos países ocidentais e com
os seus próprios trabalhadores. Os seus objectivos nacionais, nesse campo são
idênticos aos de todas as burguesias, com a diferença que as suas dimensões
lhes permitem alargar mais as suas influências, manter moeda e sistemas
financeiros próprios, bem como políticas económicas relativamente autónomas,
sem contudo se desconectarem da economia global, nem deixarem de se procurarem
constituir, os BRIC, em participantes na exploração das riquezas dos países
mais pequenos. Como exemplo, veja-se a hegemonia da Rússia no Cáucaso e na Ásia
Central e as disputas com a UE, na Ucrânia ou, com os EUA na Geórgia e nas
repúblicas ricas em recursos energéticos; ou a influência da China no Sudão ou
em Angola, neste último caso gerando alguma preocupação dos EUA; a procura de
liderança brasileira na integração económica latino-americana; e, não sendo tão
marcadas as tentativas de influência da Índia, dado o antagonismo com o
Paquistão e o isolamento de Myanmar, elas não deixaram de se observar no
conflito cingalês;
·
Observam-se
grandes migrações internacionais, com um alargamento crescente das distâncias
entre as origens e os destinos dos migrantes que se deslocam para os EUA, para
a Europa e para os países petrolíferos do Golfo. São utilizadas pelo
capitalismo com forma de pressionar, para baixo os salários, as condições
laborais e a precarização das vidas com o arrastamento de situações de
“ilegalidade” que, tanto permite uma conveniente tolerância com a sua presença,
como a sua liminar expulsão ou reclusão. A presença de trabalhadores migrantes
serve ainda para criar manifestações xenófobas lideradas pela direita política,
formas de encontrar bodes expiatórios para segmentos relevantes das populações
acossadas pelas dificuldades económicas e pela insegurança;
·
Tanto
são favorecidas as dinâmicas desagregadoras de estados (URSS, Jugoslávia,
Geórgia) como são preparadas novas agregações (na UE e América Latina), mesmo
quando essas alterações políticas se processam com toda a tolerância
relativamente a ditaduras mais ou menos explícitas e regimes absolutamente
corruptos, num contexto de acrescidas dificuldades à vida das populações,
exacerbação de diferenças étnicas e religiosas, criação de zonas francas para
tráfegos mafiosos (Kosovo, Afeganistão, Guiné-Bissau).
O programa neoliberal generalizadamente adoptado na Europa, na
América do Norte (e forçadamente na do Sul), ou em África, num quadro nacional,
foi muito menos seguido nos chamados “tigres asiáticos” e na China que
continuaram com crescimentos elevados, baseados no proteccionismo exterior e na
intervenção fortíssima do Estado como entidade financiadora, investidora e
reguladora dos custos salariais, através de regimes políticos muito musculados.
Essa aplicação da agenda neoliberal, contudo, não inverteu a
tendência global, decrescente das taxas de crescimento. De 3.5% na década de
sessenta e 2.4% na de setenta do século passado, essas taxas encolheram e
cifraram-se em 1.4% na década de oitenta e de 1.1% na de noventa, apesar da
descabelada aplicação das receitas neoliberais, do alargamento da sua base
territorial de aplicação, com o desmantelamento da URSS e o fim da concorrência
política e ideológica do capitalismo de Estado, onde a exacerbação de modelo
keynesiano era protagonizada por uma burguesia burocrática e corrupta,
enfeitada com penas de esquerda.
Para o agravamento da estagnação económica e insuficiência da
acumulação, contribuiram, decididamente as medidas neoliberais de restrição dos
rendimentos monetários ou dos serviços prestados pelos Estados à população, com
impactos óbvios na procura de bens e serviços; ou a não condução para o investimento dos rendimentos dos ricos,
para além do seu bem estar pessoal e produção de bens de luxo, manifestamente
insuficientes como motores do crescimento mundial. Por muito que isso custe à
Balela Ferreira Leite quando estupidamente defende e se oferece para proteger o
parasitismo dos ricos. E as coisas, globalmente, não foram piores porque na
Ásia o modelo não foi aplicado cabalmente, observando-se a integração de
milhões de trabalhadores que apesar de sobre-explorados, vêm melhorando o seu
nível de vida, antes miserável.
A especulação, facilitada pela mobilidade do capital gerou
diversas crises monetárias e financeiras em diversos locais (Portugal (1983/85
e 1993/95), México 1994/95, Tailândia em 1997, Rússia em 1998 e Argentina já
neste século (2001) - sempre com a
prestimosa assistência do FMI, alicerçada num roteiro onde constam:
desvalorização da moeda, redução do deficit, contenção salarial, privatizações,
liberalização dos mercados - e ainda os casos da bolsa de New York em 1987 e da
libra em 1992.
A crise actual revela, claramente que a globalização não evitou
a manutenção das baixas taxas de crescimento, nem resolveu os problemas da
acumulação capitalista; revela, que este eixo estratégico de actuação do
capitalismo não constituiu uma sua etapa superior e, mesmo que o tivesse sido,
não durou muito.
3 – Financiarização
O capital não poderia conceber cingir-se à rendabilidade normal
dos negócios, nem sequer à rendabilidade dos negócios chorudos. E como a
economia real acompanha de perto o crescimento das necessidades humanas (embora
contidas pelo próprio sistema) inventaram a financiarização, a extração de
lucros rápidos, a sucessão infinita de ganhos, a partir de quase nada, sem
recurso a trabalhadores, instalações ou cobradores de impostos.
·
O
capital financeiro deixou de ser o produto da fusão da indústria com a banca
dentro do mesmo conglomerado, como definido por Hilferding e Lenin ou, trave
mestra do infraestrutura económica do chamado capitalismo renano, também
vigente no Japão, pré-neoliberal. O capital financeiro ganhou uma total
autonomia de actuação, cria a sua própria base de criação de capital, desligada
da economia real tornando-se esta um mero instrumento de aplicação e
rendabilização de liquidez, com a ausência de qualquer preocupação de longo prazo.
Dito de outro modo, o capital financeiro é como o monstro Golem da mitologia
judaica, que acaba por devorar quem o criou e esperava poder controlá-lo
eternamente;
·
Apesar
das loas sobre a igualdade de oportunidades, do fomento do empreendorismo e da empresarialização,
sabe-se que o oligopólio, o domínio não concorrencial dos mercados, é a regra.
No domínio da concorrência perfeita, para além dos livros de teoria económica,
só se encontram pequenos negócios, em que os seus detentores são mais trabalhadores
que empresários capitalistas, como os cafés de bairro, os cabeleireiros e
actividades semelhantes. Quanto maiores as rendabilidades esperadas, maiores
são as exigências legais, os empenhos políticos e o pendor para a cartelização.
António de Sousa, novo dirigente da AP de Bancos referiu, recentemente, como
teve de aceitar a constituição do BPP, com um tal João Rendeiro à cabeça,
apesar das conhecidas dúvidas quanto à sua idoneidade; e, o BPN teria sido
criado pelo Zeca Diabo, se nele não estivesse envolvida a escória do
cavaquismo, no poder?
A financiarização, envolvendo uma panóplia de formas de acesso a
moldes de elevada rendabilização de capital, não está acessível a qualquer
empresa mas, apenas ao sector financeiro, aos fundos soberanos e aos grandes
oligopólios mundiais – há quem lhe chame a quarta renda diferencial, a somar à
renda da terra, do capital e ao rendimento do trabalho, definidos por Marx.
Calcula-se em apenas 5000 o número de entidades que, a nível global, têm acesso
a este truque. O mercado dos produtos financeiros, não é um mercado livre como
é ensinado nas “madrassas” universitárias e regurgitado pelos jornais
económicos;
·
Uma
vez que a economia real não podia oferecer taxas de lucro elevadas pois a
procura, limitada pela contenção do poder de compra da multidão e apesar da
globalização, circulavam por aí enormes quantidades de dinheiro com uma
necessidade vital de valorização, que só poderia concretizar-se no âmbito do
sector financeiro; a financiarização tornou-se assom, a principal forma de
elevar a rendabilidade das aplicações do capital. A nível mundial, os activos
financeiros representavam 201% do PIB em 1990 e 350% em 2007 (1000% nos EUA),
evidenciando, através do tempo, um crescendo de desconexão entre a economia
real e o mundo financeiro;
·
A
financiarização pode gerar lucros mas, não cria valor pois, não envolve
trabalho ou a produção de bens ou serviços. Por isso, os valores financeiros
são voláteis, com variações brutais e até aleatórias, quando escapam às
previsões das chamadas “grandes casas de investimento” e a despeito da
inconsistência das classificações das empresas de “rating”. Essa volatilidade
obriga à venda de um produto financeiro logo a seguir à compra, numa tentativa
de minimizar a probabilidade de o ter nas mãos quando houver quebra do seu
valor, a chamada “correcção”, de aproximação aos valores contabilísticos,
emagrecidos da gordura especulativa; ou obriga à sua manutenção, em conjuntura
altista, durante a fase da formação da bolha especulativa. A questão, nada
fácil de adivinhar, é o momento para vender antes em que a bolha rebente ou
esperar que a “correcção” aconteça para proceder à compra, na perspectiva de
uma alta futura. Este ciclo entre a bolha e a “correcção”, ou vice-versa,
repete-se frequentemente, afectando os níveis das taxas de juro, os valores das
“commodities” portanto, a economia real, em regra já muito endividada e
originando crises – mais de 100 desde a desregulamentação e liberalização dos mercados
de capitais nos anos 80;
·
Os
bancos, com baixa rendabilidade na sua actividade típica – recolher depósitos e
proceder a empréstimos, diversificaram muito o seu leque de actividades. Para o
efeito, dispõem-se a criar formas arriscadas de aplicação de capitais,
propiciadoras de melhores remunerações para eles, bancos e para os seus
clientes, esperando todos que tudo corra bem e que os índices de valorização
dos títulos subam, subam, acima das núvens. A concorrência pela captação de
capitais obriga os bancos a ignorar as origens mafiosas de muito do dinheiro
que anda por aí (a economia do crime corresponde a 10% do PIB mundial),
facilitando-se assim, a integração desses capitais mafiosos na economia real
(investimentos imobiliários e na hotelaria, basicamente) intensificando-se, por
conseguinte, a aliança entre o sistema financeiro e o crime organizado ou a
corrupção dos mandarins;
·
Essa
desregulamentação, ligada à volatilidade do valor dos “produtos” financeiros e
à sua opacidade, resultante da cadeia de titularizações em que estão inseridos,
explica o fracasso dos reguladores em geral e dos bancos centrais, na actual
crise que, de facto, não passam de mantos diáfanos que ondulam, ligeiros, sobre
o sistema financeiro mas, bem mais compenetrados na aldrabice estatística para
favorecerem o mandarinato. E por isso, ninguém deve estranhar os
aproveitamentos criminosos do sistema, durante décadas, como no caso Maddof,
pela sua dimensão; ou, os episódios BPN, BPP e BCP, só invulgares pelo cenário
de impunidade existente em Portugal, típico de um capitalismo subalterno,
neocolonial;
·
Na
incerteza em que se vive, os bancos cuidam, criteriosamente, da sua liquidez;
procedem a fusões; procuram crédito o mais barato possível, utilizando para
isso os avales dos Estados ou o financiamento directo propiciado pelos bancos centrais;
ou aumentam ligeiramente os capitais próprios por obrigação legal. Ninguém,
contudo, sabe como retirar dos activos do sistema financeiro os tais tóxicos
que sobrevalorizam os haveres contabilizados e constituem prejuízos ocultos,
dando assim um exemplo preverso de balanços falsificados que não são permitidos
noutros sectores de actividade. Stiglitz para reforçar a transparência do
mercado financeiro propõe, nada menos que o desmantelamento dos grandes bancos,
o que em nossa opinião, para além de ser uma tirada lírica, não garantiria a
propensão de todos os bancos e operadores financeiros para os ganhos fáceis na
especulação. Os desejos de todos, são os de aumentar a liquidez disponível para
empréstimos que vitalizem a economia real utilizando baixas taxas de juro para
combater a recessão e procurar incentivar o investimento. A questão é saber se
há confiança suficiente para investir, aproveitando tais taxas, esperando uma breve
retoma capaz de fazer as empresas aguentar a inevitável subida das taxas de
juro;
·
Passar
os olhos pela imprensa económica tradicional e observar as informações
prestadas sobre as cotações das bolsas faz pensar que se trata de periódicos
marcianos. Todas aquelas variações que, naturalmente, produzem resultados
vantajosos para os “investidores” e prenunciam a retoma, constituem um mundo
que em nada se coaduna com as dificuldades das empresas em vender os seus
produtos, em obter financiamentos, em pagar os seus compromissos ou com as
dificuldades permanentes de quem trabalha, sem esquecer os muitos milhões que
nem trabalho têm.
4 – A fascização das sociedades
(Abordámos especificamente este tema neste blog sob o nome de “O novo fascismo que está em marcha”)
Já acima referimos que o modelo de concertação social criado em
meados do século passado, quando as taxas de crescimento eram elevadas e havia
a ameaça ideológica do capitalismo de Estado, acabou há muito tempo, com a
implantação do neoliberalismo desregulador, descabelado e fascizante. E as
dificuldades de desenvolvimento da economia real, de satisfazer a população do
planeta, crescente em número e exigências materiais e democráticas, também
deixam a nu os limites da democracia de mercado como modelo político exemplar.
E, para se defender, o capitalismo vem procedendo, passo a passo à implantação
de medidas de controlo, vigilância e divisão da multidão, incentivando o
isolamento, o subjectivismo individualista, a entrega ao voyeurismo mediático,
como peças determinantes para o conformismo. E grave, é a insuficiente crítica
da esquerda ao modelo político, económico e social do capitalismo de Estado,
que permite confusões entre a multidão e o aproveitamento pela propaganda da
direita que procura identificar todo o pensamento de esquerda com os modelos do
chamado “socialismo real”; promover essa separação de águas é um dos nossos
objectivos.
·
É
feita uma segmentação clara entre a população, cujas camadas mais ricas são
objecto de apoios financeiros, facilidades fiscais, protecção legislativa,
dignificação das suas funções, enquanto a esmagadora maioria é confrontada por
um lado, com os rigores da lei, do risco inerente à precariedade, no trabalho e
nas condições de vida, à escravatura do crédito que cativa os rendimentos e os
pertences durante toda a existência e, por outro lado, com a tendência para um
retorno à lógica assistencialista e caritativa que diminui, fragiliza e acentua
a precariedade da vida dos que caem na pobreza.
Esses dois segmentos populacionais, muitas vezes nem sequer se
encontram fisicamente. Os ricos, vivem em condomínios fechados, zonas
residenciais escolhidas, saem directos para as suas funções, sem contacto com
transportes públicos, relacionam-se com os seus pares, nos negócios e na vida
privada; do mundo da maioria, conhecem o jardineiro, os domésticos, o motorista
e pouco mais;
·
No
caso português, os funcionários públicos foram submetidos a uma segmentação
fulcral sob este ponto de vista, promovida pelo gang socratóide. Garantem-se
maiores regalias, nomeadamente o vínculo definitivo aos agentes da estrutura
repressiva – militares, polícias e juizes – tornando-se todos os outros (grande
maioria e onde avultam os docentes e os quadros da saúde) objectos passíveis de
despedimento, menores regalias e forte controlo biopolítico.
Por outro lado, à velha tendência totalitária de colocar nos
cargos de chefia da administração pública gente afecta ao gang do poder (ou,
pelo menos, permeáveis aos seus humores) vieram agora juntar-se os sistemas de
avaliação, o SIADAP e o dos professores, para dividir, fragilizar e colocar os
trabalhadores ao arbítrio do regime fascizante em construção, naquilo que se
designa por controlo biopolítico;
·
No
mesmo sentido, cautelarmente, Sócrates lançou recentemente a ideia de criar uma
rede de bufos, com nomes falsos, na administração pública, para combater o
crime financeiro e a criminalidade organizada. Estamos mesmo em crer que os
visados devem ser os ministros, para assim se evitarem novos casos Freeport...
E quanto ao crime financeiro perguntamos se também vão infiltrar as
adminitrações dos bancos para evitar casos como o BPN…
Como é óbvio, pretende-se intimidar a arraia miúda, gerar a
desconfiança e a delação, eventualmente com uns trocos extra ao fim do mês
(isentos de IRS) e apresentar na abertura dos telejornais uma mão cheia de
pequenos corruptos apanhados ou um punhado de polícias subornados para não
passarem multas. É isso que irá resultar da presença dos bufos, para além de um
ou outro caso proveniente das lutas intestinas no seio do PSPSD;
·
O
empresário-modelo Belmiro cujos negócios não andam prósperos (casos da
indústria, Tróia, centros comerciais e telecomunicações), ao depender particularmente
da distribuição, bem merece o epíteto de grão-merceeiro. Pois bem, tempos atrás
apresentou uma solução para a crise: como a capacidade produtiva não utilizada
será da ordem dos 25%, há que adequar o volume de emprego e portanto fazer chegar
o desemprego também a 25%! A linear lógica cartesiana do engenheiro encontrará aplauso
nas centúrias neoliberais, nomeadamente num tenebroso António Borges, vice da bolorenta
Balela e seu eventual ministro das finanças;
·
A
constante exacerbação da insegurança e a exortação ao sacrifício de todos têm
como pano de fundo diversos objectivos. Um, é o de assustar a multidão, face à
criminalidade, aos imigrantes, ao indefinido “outro” e fomentar o seu
acolhimento, temeroso e submisso ao protector governo, ao imenso conhecimento do
mandarinato. O outro, é o de suscitar o sacrifício de todos, pobres ou ricos,
trabalhadores ou capitalistas, num espírito de unidade e coesão, enganador e
capcioso, na exploração dum patriotismo, cuja base material se tem diluido com
a globalização da produção, a abertura de fronteiras e a integração económica
dos países;
·
O
controlo da internet é algo que os poderes há muito ambicionam. Por um lado, as multinacionais vêem os seus
lucros reduzidos por efeito da partilha de música, filmes e livros entre a
multidão, um tráfego que lhes escapa completamente, dada a criatividade da
comunidade dos cibernautas. Por outro, a frequente entrada de “hackers” nos
ficheiros de grandes instituições, tão simpáticas como os bancos ou o Pentágono,
é um perigo constante para os poderosos, cuja segurança não está jamais
garantida, apesar dos custos enormes com a segurança informática. Finalmente, os
Estados e os poderes não gostam que a internet seja uma democracia entre os
seus utilizadores, pela facilidade de comunicação, escrita ou oral, pela enorme
e quase instantânea troca de conteúdos que pode abranger rapidamente o mundo
inteiro, apesar de muitas manchas de pessoas sem acesso à internet, nomeadamente
nos países mais pobres ou dos controlos estatais já existentes, por exemplo na
China e no Irão. Recorde-se, como a troca de opiniões mobilizou os espanhóis,
quase à boca das urnas, para rejeitarem o fascista Aznar que foi penalizado por
manipulação grosseira das explosões na Atocha, em 2004; sem que o governo
espanhol o suspeitasse ou pudesse intervir, se o tivesse sabido;
·
Em
Maio de 2009, o Parlamento Europeu teve a meritória e rara coragem de rejeitar
um projecto da Comissão Europeia. Pretendia esta, que o acesso à internet não
fosse irrestrito, como agora mas, condicionado por pacotes de acessos
fornecidos pelos operadores de telecomunicações e que cada pessoa escolheria em
função da oferta existente e do preço a pagar, como acontece com a televisão
por cabo. A mesma Comissão que tanto pugna pela liberdade de circulação de bens
e capitais pretendia restringir a da informação; numa palavra, os operadores,
licenciados que são pelos Estados exerceriam o altruista papel de nos defender
do terrorismo, da pedofilia e, porventura, também da chuva, da azia… As distribuidoras
de música e filmes que “naturalmente” não foram consultadas neste processo, por
acaso sairiam altamente beneficiadas… E os governos veriam assim diminuida a
circulação da informação crítica ou daquela que os media convencionais ocultam,
das denúncias das injustiças, da corrupção e das violências, de debate
democrático, de contestação, de organização das resistências.
Como não temos muitas ilusões sobre as apetências do Parlamento
Europeu para a defesa dos direitos e bem estar dos europeus, suspeitamos que
para tão inusitada e positiva decisão pesaram, mais do que a mobilização dos
cibernautas, o facto de as eleições europeias se realizarem um mês depois
(Junho) e os interesses de muitos negócios para os quais interessa a internet
nos moldes actuais, aberta e irrestrita. E por isso esperamos pelos próximos
episódios, saltando-nos à memória as palavras censura e “1984”;
·
Há
uns dez anos foi denunciado um sistema de vigilância e espionagem de
comunicações (o Echelon) que vigorava desde 1948, com os EUA capitaneando
alguns países anglófonos e que, para além de estarem atentos ao que era
transmitido para lá da “Cortina de Ferro”, cuja utilidade se desconhece, tinha
uma missão mais rentável que era a da espionagem industrial sobre países
europeus.
O 11 de Setembro veio justificar todas as medidas de controlo da
informação, com uma exaustão demencial, como a de conhecer os livros
consultados pelos frequentadores das bibliotecas americanas. Porém, em Londres,
apesar de pejada de câmaras de video-vigilância, os atentados no metro
aconteceram. Esquecem-se que a informação, massificada em volumes inauditos
perde utilidade prática e que, passadas poucas horas de observação, qualquer
vigilante se aborrece, se distrai e de facto, passa à categoria de peneira tentando
filtrar o sol.
Na província portuguesa, o nacional socialista Sócrates, que
gosta de andar na moda, decidiu obrigar as operadoras de telecomunicações a
arquivar durante um ano, os emails e as chamadas telefónicas, identificando
emissor, destinatário, momento da transmissão e duração da comunicação que
ficarão disponíveis para os juizes utilizarem e para as bófias espiolharem.
Por enquanto, sublinhamos, por enquanto,
não irão guardar os conteúdos mas, num PIDACC próximo, poderá ser contemplada a
compra de mais suportes para que isso seja possível. Porque será, que de novo
nos lembramos de Orwell?
·
Os
sistemas políticos de democracia de mercado procuram arduamente fechar-se sobre
si próprios, insinuando a sua representatividade relativamente às populações.
Na realidade, os ditos representantes (muitos nem sequer se submetem a qualquer
votação) apenas representam os interesses do capital financeiro, das
multinacionais e da economia mafiosa. E muitos, pelas suas qualidades
democráticas, políticas ou técnicas, suscitam mais troça do que respeito.
É curioso observar como os jornais revelam todos os dias
opiniões e entrevistas com oligarcas e patrões a favor das maiorias absolutas
como única forma de assegurar a governabilidade, quer apostando na maioria clara
de um dos partidos do sistema, quer favorecendo a coligação entre ambas as
facções que definem o bipartidarismo; e isso, num quadro empobrecedor de
encerramento do quadro das escolhas, aos partidos do sistema que, qualquer
análise distraída evidencia não apresentarem nada de alternativo às
dificuldades existentes, nem sequer dirigentes ou quadros com outro préstimo,
que não a solícita atenção aos interesses dos capitalistas em geral.
Sabendo-se como a acção dos governos suplanta, de longe, a
actividade legislativa dos parlamentos, para mais, em regra
governamentalizados, em clara inversão do que estipulam os textos
constitucionais e a teoria política, tiram-se duas conclusões. Uma, que a fulcral
importância dos governos como gestores do orçamento e emissores de leis e
regulamentos passa em grande parte à margem de qualquer controlo democrático; e,
por outro lado, a manutenção da formalidade litúrgica dos parlamentos é uma forma
de mostrar à plebe uma caricatura da sua representação.
Dentro dessa linha, também nas instàncias da UE se mostra bem o
enorme poder dos conselhos de ministros europeus e dos comissários, que ninguém
elegeu, relativamente a um quase castrado Parlamento Europeu. E é este o modelo
que os governos da UE e dos EUA gostam de apresentar e impor aos outros povos,
como exemplo de democracia.
Essa caricatura assumiu, recentemente, a propósito da
constituição europeia/tratado de Lisboa, formas claras de imposição
autoritária, fascizante, por parte do poder político, dito democrático. Assim,
os franceses, que haviam rejeitado a panaceia em referendo, foram considerados
incompetentes e substituidos na decisão por uma votação entre amigos e
compadres, a tralha do Sarko(na)zy e os nacionais socialistas lá do sítio. Na
Irlanda, o povo votou contra os interesses dos poderes económicos e estes, logo
se aprestaram a encomendar aos mandarins a criação de um cabaz de promessas
para convencer os irlandeses a votar convenientemente; promessas, aliás que
poderão, facilmente, ser torneadas ou esquecidas logo a seguir.
Em Portugal o biltre Sócrates prometeu um referendo sobre o
tratado mas, na senda de Salazar, entendeu que os portugueses não estavam
preparados para compreender as elevadas razões da escolha. E a “challenger”
Ferreira Leite, nem isso pensa; porque isso envolve custos públicos ou, porque
nem sequer pensa.
Em todas estas situações, a multidão foi ignorada, afastada,
desconsiderada, infantilizada, como é apanágio dos regimes ditatoriais. Hitler,
lá das cinzas que dele sobraram, deve exultar com tantos seguidores.
·
O
aparelho da justiça é pesado, desconexo e controlado pelo poder político nas
mais altas instâncias, contribuindo para que a aplicação da teoria dos três poderes
não passe de uma farsa. É lesto em penalizar os pobres e muito bem montado para
desonerar os ricos e poderosos, os criminosos de colarinho branco ou simples
pedófilos, se pertencentes à mesma cáfila. As suas insuficiências e os
costumeiros arrastamentos e prescrições servem essencialmente, como temas
mediáticos para contentar o voyeurismo social em torno dos criminosos e de
investigadores, magistrados, procuradores, cuja actividade redunda,
precisamente, trabalhar para criar prescrições, ausências de provas, a aplicação
de leis feitas para ter um efeito desonerador ou, penas suspensas;
·
As
forças militares, sobretudo com o fim do serviço militar obrigatório acentuaram
a sua postura corporativa, quer pelas reivindicações públicas da baixa
oficialidade que pretende elevar a sua relevância como milícia do regime
cleptocrático quer, pelo respeito que o mandarinato lhes atribui. O seu poder
efectivo de guarda pretoriana é relativamente pacífico e dissimulado mas,
transparece, por exemplo, quando Obama teve de aceitar, imposto pelo Pentágono,
como secretário da defesa um tal Robert Gates, transitado do governo de Bush.
A sua ligação a funções policiais, a interpenetração entre
quadros das forças armadas e das polícias, a sua proximidade no que respeita à
vigilância da multidão foram reforçadas no âmbito da histeria anti-terrorista
aumentando, no seu seio as tradições anti-sociais, elitistas, fascizantes,
xenófobas e de malformação cívica. Esse amor à autoridade, à “disciplina”, à
obediência cega e sem contestação, à ordem, emanaram recentemente do discurso
de um general reformado que, perante uma conveniente plateia de gente do CDS,
defendeu a possível prisão de crianças com 12 anos.
Outra das formas de integração das forças armadas com a
“sociedade civil” é a assunção por esta última de funções no âmbito da
segurança em geral e da actividade militar em particular.
O caso mais emblemático e que servirá de exemplo para outros
países é o da utilização de pessoal pertencente a empresas privadas, mesmo em
cenário de guerra. Em Junho último e de acordo com notícia de “Democracy Now”
baseada em dados oficiais, os EUA tinham no Afeganistão e no Iraque,
respectivamente, 58000 e 132000 soldados e 74000 e 120000 contratados. Por seu
turno, a revista “Nation” revelava que o
polvo Blackwater (ligada a um fascista chamado Dick Cheney, ex-vice do consagrado
G W Bush) foi contratado por Obama para fornecer serviços de segurança,
naqueles dois países ocupados, no valor de 174 M de dólares e de várias dezenas de milhões para “serviços
de aviação” (bombardeamento de casamentos e outros ajuntamentos de pessoas,
tomados invariavelmente como talibans). Acrescenta-se que a Blackwater
(designação apropriada) pertence a um tal Erik Prince que se considera um
cruzado “cuja missão é eliminar muçulmanos e a fé islâmica da face do planeta”.
Almas piedosas!
Prosseguindo na exploração da lógica da privatização defendida
pelos neoliberais, melhor seria extinguir as forças armadas e deixar que as
multinacionais e os bancos contratem actividades guerreiras e de segurança
musculada a empresas privadas especializadas; só não o fazem porque a
utilização do dinheiro dos impostos para pagar essas actividades lhes sai mais
barato;
·
Na
ausência de ideias mobilizadoras, o capitalismo vem utilizando uma técnica
muito antiga, na base de todos os autoritarismos, todos eles antónimos de
democracia – o culto do chefe. O autoritarismo é mau quando polarizado em
figuras mediocres, voláteis, qual marca de sabonete e, quando assente em
figuras de alto quilate político, não deixa de ser mau; é pois, um mal
absoluto.
O chefe pretende ser apresentado como um símbolo de visão
estratégica, de conhecimento da realidade, de capacidade transformadora, de
modernidade, de competência, de elo unificador de classes, multidões e povos.
Perón mobilizava os pobres descamisados; de Gaulle pelo seu nacionalismo de
militar; Salazar pela capacidade de castração e de gerar obediência, que tudo
previa e acautelava, menos o estado da última cadeira em que se sentou; Hitler
pelos ataques histéricos contra tudo o que não fosse ariano; e Stalin que,
regando a sua passagem pelo mundo com sangue e terror, tropeçou na morte quando
já o faziam pai imortal dos povos.
Hoje, os lideres são fugazes, produtos de moda, construidos por
fazedores de imagem que definem poses, vestes, palavras e trejeitos. São
produtos cosméticos treinados para enganar, como os cães-polícias para morder;
não têm outro préstimo. E a instabilidade natural da crise sistémica que é o
capitalismo, mais aquela que é gerada pelo frenesi precarizante introduzido nas
nossas vidas, obriga a uma rotação de produtos (chefes) com uma velocidade
enorme. Assim, surgem, na cena portuguesa do regime cleptocrático, produtos
frágeis, voláteis, chumbados em qualquer teste de qualidade, não fora a ajuda
prestimosa dos media, que os promovem ou mandam para a galeria dos monos;
Cavaco, Ferro, Sócrates, Durão para além das pilecas Santana, Menezes, M Mendes
ou Ferreira Leite.
Agosto 2009
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