Esquerda,
PS e Alegre
– Confusões e premeditações eleitorais
Alegre,
candidato da esquerda?
Francisco
Louça reafirmou (1) recentemente o apoio à candidatura de Alegre para
Presidente da República, no que foi seguido pelas manifestações de abertura do
líder parlamentar do PS, Francisco Assis, naturalmente, como eco de Sócrates. E
isso levanta desde logo três questões:
- Que se saiba os militantes do BE não foram ouvidos sobre o assunto. Embora seja uma questão interna ao BE, os autores destas linhas, não pertencendo embora a nenhum partido, sublinham a importância daquela proclamação para todas as esquerdas portuguesas e que essa relevância vai muito para além de um apoio pontual a Alegre;
- Depois, é caso para se perguntar se a eleição de um PR em geral, na putrefacta cleptocracia portuguesa é algo de fundamental para a redução do desemprego e da precariedade ou para o relançamento da luta social;
- Em
terceiro lugar saber se uma eventual eleição de um Alegre para o cargo
oferece alguma garantia de constituir um elemento que venha a contribuir
para aquele relançamento da luta da multidão, contra Sócrates e o seu
governo.
Em
Portugal, quase toda a produção legislativa e todas as medidas com impacto
social cabem ao governo, sendo limitada a capacidade de intervenção relevante
do PR, de acordo aliás, com os desejos de Mário Soares, que decidiu instituir
uma figura de PR com pouca possibilidade de intervenção, para prevenir os
governos contra um novo Eanes. Portanto, seja quem for o próximo PR a sua
actuação a favor da multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores é sempre
problemática ou pontual.
Por
outro lado, há uma tendência na esquerda portuguesa de colocar os ovos todos
na mesma cesta; isto é, colocar a contestação ao capitalismo, em todas as
suas formas, no limitado e enganador quadro institucional da democracia de
mercado em que se vive. Entende-se que o quadro institucional, nas suas
várias instâncias – AR, Concertação Social, autarquias – deve ser subordinada
à contestação popular, organizada, unida em torno de objectivos concretos,
suficientemente desobediente para incomodar o governo e isenta das pretensões
hegemónicas dos maníacos do controlo do movimento popular.
Alegre
sempre foi um acomodado cacique do PS a quem Sócrates, em 2005, estragou um
momento de glória ao preteri-lo a Soares, na pugna com Cavaco. O ressaibo
juntou-se ao célebre milhão de votos que terão sido mais motivados por uma
lição a Soares e Sócrates, do que pela bem timbrada voz de Alegre. E ambos
esses factores – o ressaibo e o milhão de votos - têm sido jogados desde
então, com frases enigmáticas, caminhadas titubeantes, sinais antagónicos,
almoços “decisivos” com Sócrates e uma ou outra atitude dissonante na AR,
mais para se valorizar junto de Sócrates do que como manifestações de um
projecto político que não existe, nem pela sua coerência, nem pelo seu
carácter de esquerda. Tanto recusa votar na AR o Código do Trabalho, como
aparece ao lado de Sócrates na campanha para as legislativas em Coimbra.
Junta-se a Louçã e a Carvalho da Silva no Trindade como combateu a eleição de
um deputado do BE em Coimbra.
Está
claro, desde o princípio desta corte de Louçã a Alegre, que este nunca
abandonaria o PS, nem romperia com Sócrates, a despeito de ter mantido
durante muito tempo no ar a ideia de criar um partido, não se sabe se
enlevado com o brilharete do tal milhão de votos ou se, por mera chantagem
sobre Sócrates. E, quem tem ocultado isso, na esquerda, tem cometido um erro
enorme, querendo lançar a esquerda a reboque de um cacique e do PS; como que
a querer demonstrar que se encontra na Feira da Ladra, um original de
Modigliani.
Para
ser PR – seu sonho de fim de carreira cinzenta – Alegre sabe que para ganhar
a corrida precisa do PS e de Sócrates, como precisa dos votos da esquerda. E,
não lhe interessa concorrer apenas apoiado pela esquerda porque isso não lhe
traria as chaves de Belém e, uma vez que tendo como desígnio pessoal ser PR,
a ideia da unificação da esquerda é um instrumento e nunca um objectivo. Por
seu turno, Sócrates, sabendo que Alegre não é consensual no PS e perante uma
provável unidade PSD/CDS em torno de Cavaco, pretende arregimentar o povo de
esquerda. Para ganhar - rindo-se de uma esquerda bem comportada, bem falante
mas, vesga – Sócrates até não se importa nada de aparecer de braço dado, uma
ou outra vez, com Louçã e/ou Jerónimo. Paris vale bem uma missa…
Por
outro lado, Alegre ao tornar-se um apoio de Sócrates, terá de o justificar
muito bem (não se sabe como) para se não desacreditar, nem defraudar os
militantes e simpatizantes que nele confiaram o seu voto, contra Sócrates e
Cavaco em 2005. Então, no seu início de reinado Sócrates ainda se não
revelara no seu empenho criminoso contra os trabalhadores e a generalidade de
quantos vivem em Portugal e Alegre não o seguiu, corajosamente. Hoje, quando
Sócrates surge totalmente desmascarado como agente do capital é muito
interessante, analiticamente, verificar o empenho de Louçã em manifestar o
seu apoio a Alegre, como candidato de Sócrates e em explicar porque razão se
candidatou em 2005 contra Alegre. Porém, do ponto de vista da esquerda, de
quem sofre as agruras da actuação do governo Sócrates, o negócio tem muito
menos interesse.
Em
suma, se os partidos institucionais de esquerda não apoiaram em Alegre quando
este se apresentou a votos contra Cavaco e contra o candidato de Sócrates,
fará algum sentido qualquer apoio ao poeta quando este se apresentar como o
candidato do PS e de Sócrates? Algo se passa no reino da Dinamarca!
O
que pensa o inimigo Sócrates é importante mas, mais ainda, é a medida dos
ganhos para a esquerda, dos contributos dessa pugna, da eventual eleição de
Alegre, para livrar os trabalhadores e os pobres dos impactos da consolidação
orçamental que vai durar anos. Recordam-se aqui os recados do FMI para o efeito
e que para a dívida pública voltar a atingir os valores aceitáveis para o FMI
e o PEC (cerca de 60% do PIB) é preciso excedentes orçamentais de cerca de
uma década; e para o efeito Sócrates ou qualquer facínora no seu lugar terão
de aumentar impostos, reduzir pensões, aumentar a idade da reforma mantendo
imune … a competitividade das empresas e a rendabilidade dos bancos.
Ora,
apoiar Alegre é apoiar Sócrates e validar as malfeitorias que se prefiguram
no horizonte próximo a não ser que nos queiram fazer rir às gargalhadas
dizendo que um Alegre como PR iria vetar as leis ditadas por Sócrates contra
os trabalhadores, os desempregados, os pensionistas, os pobres. Apoiar
Sócrates, ainda que indirectamente, através de Alegre é legitimar esse
desacreditado carrasco e aldrabão, líder incontestado da direita portuguesa.
Que pensarão os votantes da esquerda se forem convidados a votar numa máscara
de Sócrates chamada Alegre? Louçã não equacionou estas questões quando soltou
o dislate que constitui autêntica fixação no seu cérebro?
Sabe-se
da existência de muitos submarinos dentro dos partidos de esquerda e nas suas
orlas, ansiosos de uma união de facto com o PS, mesmo com Sócrates, para
ganharem lugares bem pagos no aparelho de Estado, na peugada do Pina Moura,
do Lino, do Jorge Coelho, ou dessa espécie de Rosenberg português, o Santos
Silva. E, para isso, precisam de apresentar trabalho a Sócrates, de
satelitizarem os seus próprios partidos em torno do PS e, para o efeito, o
apoio a Alegre e as tentativas de arrastamento da massa eleitoral da esquerda
é apenas um passo.
Ninguém
duvide, porém, que existem muitos militantes dos partidos de esquerda que não
votarão em Alegre, se isso lhes for proposto, contribuindo assim para uma
clarificação – absolutamente necessária à esquerda – sobre o carácter do PS e
dos caciques da esquerda. E se se não prefigurar uma alternativa credível
para a esquerda, a abstenção ou a anulação do voto são sempre opções viáveis.
O que é o
PS?
O
PS é um partido de direita, neoliberal, corrupto, anti-democrático e a
insistência dos caciques da esquerda - com a evidente influência na massa dos
trabalhadores – nas políticas de direita do PS - sem afirmarem que aquele
partido é a principal força eleitoral e política da direita - é um falso equívoco, é uma consciente
conivência com a direita.
Como
é possível admitir que uma força política que durante mais de 30 anos aplica,
sistematicamente uma política de direita, a favor dos capitalistas e contra
os trabalhadores e os pobres é um partido de esquerda transviado, que é
preciso trazer à razão? Só porque - e por calculismo, para fomentar a
confusão junto da multidão - tem a palavra socialista no seu nome? É que por
esse caminho, então o partido nacional-socialista de Hitler também terá sido
de esquerda!
Ao
tempo da União Soviética também os PC’s defendiam ser aquilo “o” socialismo e
ainda hoje, muitos dos seus militantes mais conservadores continuam a não
aceitar que na antiga URSS vigorava um capitalismo monopolista de Estado, sem
qualquer laivo de democracia, com a manipulação e controlo de toda a
sociedade por parte de uma burocracia extensa e corrupta que, qual lepra,
penetrava toda a sociedade. Também os trotskistas adoptavam a atitude
hilariante de considerarem a URSS um “estado operário degenerado”…
O
PS tende a ser um PRI mexicano que, ocupando o Estado garante o apoio da
finança e das tropas do van Zeller abrindo-lhes, em contrapartida, o
orçamento e a produção legislativa conveniente; que se perfila entre as
maiores subserviências europeias aos ditames imperiais dos EUA. E, para mais,
tem uma liderança firme (infelizmente), mostra-se unido e credível (para os
patrões), beneficiando do facto de o PSD, irmão gémeo menor, carecer de
quadros, tanto quanto é rico de papagaios sem cabeça e muita ambição.
Este
PS, considerado por André Freire o mais à direita da Europa, nem sequer tem
no seu currículo um passado anti-fascista como o PSOE, que lutou contra o
franquismo na guerra civil de Espanha. Nem nunca teve, nas suas fileiras
alguém com a estatura de um Sandro Pertini, ex-presidente da república
italiana, membro do PSI. E, por nos recordarmos de Itália, vem-nos à memória,
o carinho e desvelo de Mário Soares com o corrupto Bettino Craxi (chefe do
PSI), a quem foi visitar, solícito a Hammamet, onde estava fugido da operação
Mãos Limpas.
Recorde-se
como, historicamente, o PS sempre se mostrou com posturas de direita.
Como
se sabe, Marcelo Caetano, depois de suceder a Salazar, acenou com uma
“evolução na continuidade” para o regime salazarista. Para o efeito, procurou
uma abertura, cooptando uma parte da oposição “moderada”, - Sá Carneiro,
Balsemão e Mota Amaral, entre outros, - como adereços na Assembleia Nacional
fascista e, por outro, não molestando Soares e os seus amigos. Interessava-lhe,
naturalmente, isolar e manter marginalizada, clandestina e perseguida a
esquerda, a soldo de Moscovo ou Pequim, como então dizia.
Os
futuros fundadores do PS, capitaneados por Mário Soares decidiram cumprir o
papel que lhes era reservado por Caetano. Decidiram concorrer, nas eleições
de 1969, à margem da oposição de esquerda procurando a desejada legitimidade,
caso tivessem mais votos – o que não ocorreu. E até aceitaram não discutir a
guerra colonial, de acordo com as imposições do governo fascista, aceitando
ocultar ser a guerra e o colonialismo o principal factor de bloqueio
democrático em Portugal, como cinco anos depois se veio a verificar. A partir
de 1974, Soares mudou de agulha, pavoneando-se como o campeão, o obreiro da
descolonização, tentando sobrepor-se a Melo Antunes.
Contrariamente
ao que sucedia com a oposição de esquerda, Soares beneficiava de
prerrogativas únicas fornecidas por Marcelo Caetano. Quando da morte de seu
pai, Mário Soares, exilado em Paris, veio a Portugal para as exéquias, sem a
intervenção da pide, estranhamente distraida. Noutra ocasião e enquanto a
oposição de esquerda sofria os maus tratos da pide e era encerrada em Caxias
e Peniche, Soares foi viver um período de desterro dourado em S. Tomé.
Em
1973, Soares e os seus amigos, advogados bem instalados na vida, juntaram-se
em Bad Godesberg onde, com o apoio logístico e financeiro do SPD alemão, no
poder, constituíram o PS actual. Esse apoio financeiro prosseguiu, durante
vários anos, através da Fundação Friederich Ebert que, não só apoiava o
partido, como teve um papel decisivo na fundação da UGT, em 1977 fruto da
união sagrada PS/PSD.
No
período de efervescência social e política que se seguiu ao golpe militar de
25 de Abril, o PS rapidamente se afirmou como o pólo aglutinador de toda a
direita portuguesa, autoritária e primariamente anti-comunista, suportados
todos que eram todos como fiéis intérpretes dos interesses americanos no
estabelecimento da “normalização”. Carlucci - actual face do grupo Carlyle
(2) - o embaixador americano de então, da sua janela, deveria sorrir de
satisfação ao ouvir nas ruas sair, por entre as bandeiras do PS, gritos de
“Partido Socialista, partido marxista”. Posteriormente, assistiu-se a belas
demonstrações de democracia no PS, com a golpada de Mário Soares num
congresso quase ganho por Manuel Serra ou a expulsão de Carmelinda Pereira e
Aires Rodrigues, a quem foi retirado o direito de tendência.
Depois,
vieram as intervenções do FMI e a imersão autocrática na UE e no tratado de
Lisboa; o desbaratar improdutivo da maioria dos fundos comunitários; as
privatizações e o engrandecimento do capitalismo com a reconstituição de
grandes grupos privados; várias fórmulas habilidosas de transferência de
dinheiros públicos para bolsos privados, como as adjudicações directas; o
avanço galopante da corrupção, estimulado através da domesticação do aparelho
de justiça; o desvirtuamento dos objectivos iniciais do SNS com um
endividamento crescente e que tem como contrapartida, o benefício do baronato
médico, das farmacêuticas, das seguradoras, dos bancos; os maus resultados do
sistema de educação vocacionado para emitir diplomas e poucos conhecimentos,
onde o mais importante parece ser a avaliação fascizante dos professores; o
despesismo saloio e impune dos autarcas; a aposta declarada no favorecimento
da banca, da especulação imobiliária e da proliferação de obras públicas,
aposta essa integrada num nunca assumido modelo de baixos salários e de
empobrecimento relativo da esmagadora maioria da população. Pode ainda
referir-se a esclavagista lei laboral, o SIADAP igualmente repressivo, ou o
código contributivo; o descarado aumento do deficit para financiar uma casta
de empresários vigaristas ou incapazes; a participação subserviente nas
aventuras militares dos EUA e da Nato ou as compras idiotas de submarinos…
Em
toda esta resumida descrição está a marca do PS/PSD, desse partido-Estado,
bicéfalo mas, onde se vem acentuando, desde o abandono de Cavaco, a
preponderância do PS. O PS/PSD, com maior relevância para o primeiro dos
gangs, tem as qualidades de um rei Midas; só que a transformação de tudo onde
mete a mão, não é em ouro mas, em merda.
Sem
dúvida que esta caracterização, se reflecte o papel do aparelho do PS e da
grande maioria dos seus dirigentes actuais e passados, não se coaduna com a
larga maioria dos seus apoiantes eleitorais que, atraídos por um abstracto
poder socialista, são confundidos com a designação de socialista do gang PS,
num género de publicidade enganosa e fraudulenta, sem qualquer correspondência
com a realidade.
É
típica dos partidos políticos em geral, uma estrutura orgânica hierárquica,
vertical e um fulanismo que transforma o líder numa estrela, cujo brilho
ofusca a presença dos outros militantes. E, por isso, os descontentes
calam-se, gemem, suspiram, esperam e concedem, ou concedem e esperam por
melhores dias, numa esperança que, no caso do PS, tem raízes tão fundas que a
tornam vã.
Que
fazem esses militantes decentes do PS? Não votaram na eleição de Sócrates
mas, eles deixou de ser erigido em líder? Transviaram os seus votos para
Alegre nas últimas presidenciais mas, será que Sócrates tem tido grandes
dificuldades em conviver com Cavaco? Quando apoiaram o BE (nomeadamente) nas
recentes legislativas e europeias, evitaram que Sócrates – se necessário com
o apoio do PSD – cumpra o essencial da agenda neoliberal? E quanto ao
Parlamento Europeu alguém se lembra que estão lá a combativa Ana Gomes, um
imbecil de nome Vital Moreira ou a metástase Correia de Campos? Esses
militantes podem ter uma alegria íntima com essas perdas de Sócrates mas, o
detrito Sócrates não altera a sua rota por causa dessas escaramuças; sabe bem
que a sua estratégia não é afectada pelos resultados dessas liturgias
eleitorais. Esses militantes, que se mexam ou que saiam de lá pois, caso
contrário, ficam comprometidos com a pertença a uma organização bem
alicerçada na roubalheira e ficam contagiados no descrédito da agremiação,
cada vez mais tida como mafiosa.
Depois
da queda do Muro, o capitalismo deixou de cultivar uma social-democracia e o
seu modelo de gestão social e política, vocacionado para a contenção do
crescimento da esquerda europeia. A concorrência com o outro lado do Muro
desapareceu, o neoliberalismo instalou-se e vem exigindo o fim das medidas
sociais-democratas (sistemas de saúde, segurança social…), a privatização de
empresas e serviços públicos, para expandir os negócios e aumentar a
mobilização de fundos públicos para o seu próprio financiamento. Nesse
contexto, aos PS’s europeus restavam dois caminhos; embarcavam numa fusão com
a direita conservadora ou liberal, ou assumiam eles próprios a agenda
neoliberal transladando os seus apoiantes para a “modernidade” como tantas
vezes é vomitada por Sócrates, garantindo para os seus quadros, ministérios,
cargos de gestão, poder, dinheiro. Não consta que algum partido dito
socialista se mantivesse fora da cartilha neoliberal aliás, também absorvida,
com o fervor de conversos recentes, pelas “nomenklaturas” dos países do Leste
Europeu.
Qual o
papel que deve desempenhar uma esquerda?
Ser
de esquerda é promover a transformação social profunda, todos os dias, no
sentido da igualdade, do exercício universal dos direitos, da construção de
solidariedades que arrumem no lixo da História, capitalistas, banqueiros,
especuladores, mandarins e seus os aparelhos repressivos, bem como as pátrias
com que pretendem dividir e antagonizar os habitantes humanos do planeta.
Acontece
que o referido lixo, não se evapora como o éter, sem esforçada e dolorosa
intervenção da multidão, por decreto, ou sequer por lei aprovada por uma
impossível maioria parlamentar surgida numa qualquer democracia de mercado,
difusora do pensamento único orwelliano. Pelo contrário, é preciso lutar
arduamente para a remoção daquele lixo e cabe à esquerda ter e promover a
consciência dessas dificuldades e explicitar clara e transparentemente que a
única forma de promover esse lixo, passa pela unidade da multidão de
trabalhadores, explorados e pobres, contra o sistema económico capitalista,
as suas formas de domínio político baseado em castas, no vasto complexo
ideológico que comporta o consumismo, a resignação, a aceitação passiva das
formas de bestialização mediática, o patriarcalismo, o racismo, etc.
Cabe
aos militantes de esquerda, não o branqueamento do comportamento da direita,
nem o dourar do veneno que aquela exala mas antes, promover a consciência de
que à bipolarização económica crescente a que assistimos – entre os
capitalistas e a multidão de assalariados mais ou menos precários, de
desempregados, de pensionistas e de pobres em geral - deve corresponder uma
bipolarização social e política actuante no sentido da desobediência e
contestação aos capitalistas, aos seus mandarins, às suas medidas e leis. O
epicentro da luta social é o activismo e a organização de base, com actuações
de massas ou de grupos e não numa qualquer parlamento, com a multidão a
assistir, instalada defronte de um écran a uma oratória que, mesmo quando
interessante é, em regra ineficaz.
O
carácter doloroso das transformações sociais favoráveis aos trabalhadores,
sempre criou dentro da esquerda, activistas com a miragem de um possível
acordo com o inimigo, sobretudo se daí lhes surgirem vantagens individuais
que os capitalistas estão sempre dispostos a considerar para a cooptação desses
activistas e assim dividirem a esquerda. As experiências históricas da
procura de acordos à direita, por parte de organizações e militantes de
esquerda, têm um longo historial, sobretudo de amargos de boca para quem luta
por transformações sociais, à esquerda.
Cunhal
construiu, nos anos 60, o conceito de “revolução democrática e nacional” em
que o termo “nacional” funcionava como um sublinhado patriótico em detrimento
do internacionalismo, enquanto o abandono do “popular” por esse “nacional”
pretendia afirmar uma ausência de radicalidade capaz de captar sectores
patrióticos da burguesia, descontentes com o fascismo.
O
carácter dependente e atrasado da burguesia portuguesa só nas vésperas do 25
de Abril lhe permitiu ver que era possível e necessário viver sem as colónias
pelo que o seu nacionalismo convivia bem com o regime fascista e não
precisava em nada de alianças à esquerda. Os empolados sectores sociais
católicos e democráticos nunca se envolveram particularmente na luta
anti-fascista, antes procurando uma evolução lenta do regime através da
penetração no seu interior, como foi o caso do grupo de Sá Carneiro, da Sedes
ou de Veiga Simão, atraídos pela prometida abertura de Caetano.
Enquanto
o PC esgravatava ingloriamente o terreno à procura da tal burguesia
democrática que lhe desse o braço para derrubar o fascismo, era
essencialmente o movimento estudantil dos anos 60/70, gradualmente dominado
por vários grupos marxistas que, muito justamente, colocava o colonialismo e
a guerra colonial como a principal contradição do regime fascista,
Como
é sabido, foi a luta dos povos coloniais que, desgastando as forças armadas
portuguesas e o orçamento do Estado fascista, empurrou aquelas últimas para o
golpe de 25 de Abril.
A
partir daqui desenharam-se duas tendências:
Depois
da “normalização” de 25 de Novembro de 2005, o PC inventou um novo mito – o
da maioria de esquerda na AR, género de Santo Graal que haveria de ser
encontrado…um dia. É uma evidência que essa maioria PS+PC nunca funcionou em
termos de governo, porquanto o PS, pelas suas origens, ligações e lideranças,
tinha (e tem) uma agenda que não passa pela satisfação das necessidades da
multidão, mormente dos trabalhadores. Aliás, na Europa, onde existiram
alianças semelhantes (França e Itália) os resultados não foram nada
auspiciosos (o PCF passou de 1/5 do eleitorado para 1/25 em 20 anos e na
Itália, o PCI deu origem à “la cosa” como diziam os italianos enquanto uma
Rifundazioni Comunista se escaqueirou atrelada aos seus aliados, às mãos do Burlãosconi).
De facto, a maioria de esquerda – mesmo que sociologicamente exista – não
tendo hipóteses de se concretizar em termos de poder político e, sobretudo de
prática política, é um logro para manter duradouramente uma massa crítica de
apoiantes necessária à viabilização da existência de um corpo de funcionários
conservadores e burocratas, quer políticos, quer sindicais.
Sendo
a autoria do conceito pertença do PC, o BE não o rejeita, apenas não
utilizando o termo para não … pagar direitos de autor ao concorrente.
Parece
entretanto, claro, que a movimentação social quer de base, quer no âmbito
sindical não tem colocado o poder em contenção, pesem embora algumas
manifestações relevantes que não permitem ocultar o seu carácter defensivo, a
não integração numa estratégia de contestação e que se vão repetindo, quase
ritualmente, com maior ou menor numero de manifestantes. E assim, Sócrates,
mesmo derrotado nas eleições, cumpre o essencial da agenda, tendo por detrás
o suporte firme do BCE, da Comissão Europeia, do FMI e do patronato luso,
sempre a esticar a corda das exigências anti-sociais e esclavagistas pois,
nada tendo a perder na sua imagem, deixa o ónus das medidas lesivas para o
governo, escondendo-se atrás daquele, a colher os frutos, deliciado.
Apesar
do tradicional e longo casamento entre o patronato e o Estado – como é típico
do capitalismo e, com maior afecto quando a burguesia é fraca e ignorante - a
polarização da luta contra uma coisa temporária e descartável (este ou outro
governo) mantém impune e reinante, no terreno, o patronato e o capitalismo,
cavalgando o orçamento, preenchido pelos impostos que eles não pagam ou pela
dívida de que beneficiam e não contam pagar. Aliás, capitalismo, foi termo
que ninguém terá ouvido na última campanha eleitoral na boca da esquerda
institucional, sobretudo nos debates televisivos.
O
comportamento da esquerda institucional na Câmara de Lisboa permite retirar
interessantes ensinamentos.
A
coligação do PC com Sampaio e João Soares na CML não parece ter trazido
ganhos consolidados para o partido; e nem sequer evitou a derrota perante o
tonto Santana em 2001 ou face ao gang de Carmona quatro anos depois.
Em
2005, o BE elegeu como vereador um advogado de boas famílias, medíocre e
autoritário, sem grande capacidade de se traduzir em mais-valia mas,
revelando que não era a população pobre de Lisboa, o segmento populacional
escolhido para o crescimento do partido; que para mais, tendo uma postura
basicamente eleitoral, não está enraizado na população em termos
organizativos. Em 2007, mais do mesmo; só que o BE não previa que o célebre
Zé aplicasse o golpe do baú e se assumisse como vassalo do Costa uma vez que
a vida na advocacia para um medíocre não está fácil; e, na sua cauda, o BE
assinou um acordo com o Costa, o número dois do PS, o principal partido da
direita. Finalmente, em 2009, o BE continuou a sofreu um desgaste eleitoral
pesado e perdeu o lugar na vereação conquistado em 2005. Por seu turno, o PC
perdeu um dos seus dois vereadores.
A
direita, mais consistentemente alinhada atrás de António Costa, teve claros
méritos: recuperou a contestatária Roseta, sorveu de vez o Zé, teve o apoio
dos cabouqueiros renovadores ex-PC que apelaram ao voto útil em Costa e
beneficiou ainda do voto útil de quantos tiveram legítimos receios de que
Santana voltasse à presidência da Câmara.
Em
suma, a direita PS+PSD/CDS tiveram mais de seis vezes os votos da esquerda
institucional (PC+BE) num contexto em que quase metade da população se alheou
da disputa. Em quatro anos aquela esquerda passou de 54 mil para 35 mil
votos, sem variação da taxa de abstenção. Qual a relação entre a realidade
sociológica e a crua leitura dos dados eleitorais?
Porém,
mais grave que tudo isto, é que não parece ter-se a cidade de Lisboa tornado
melhor – prédios abandonados e em ruína, trânsito caótico, transportes
rarefeitos e mal planeados, ausência de habitações de preços acessíveis,
poluição em níveis elevados, terciarização em geral e de certas zonas em
particular, especulação imobiliária florescente, grande parcela de população
envelhecida ou pobre…
Conclusão
Aliança
com um gang mafioso? A aliança não é com o eleitorado nem sequer com a massa
dos militantes com as quais os activistas da esquerda realizam todos os dias
convergências nas empresas em processo de despedimentos colectivos ou nas
filas nos centros de emprego. Os pretensos negócios eleitorais são com o gang
de Sócrates que domina o PS, apesar de o sacripanta apenas ter sido eleito
secretário-geral com os votos de um terço dos militantes (26000 em 75000).
Enquanto
no seio da esquerda não estiver consensualizado o carácter de direita do PS,
existem perigos vários:
Francisco
Louça poderá, bem melhor utilizar o seu carisma e as suas qualidades noutra
direcção que não no sentido da conciliação com o inimigo número um dos
trabalhadores (Sócrates) e na hipoteca do apoio e simpatia de que o BE goza
junto dos trabalhadores para cozinhar um conluio com Sócrates, encoberto
atrás do biombo Alegre. A imagem de Louçã tem ajudado nas legislativas (e só
nelas) mas, não dura sempre; não é a melhor maneira de segurar apoios a um
partido, polarizar a sua imagem numa pessoa, mesmo que de qualidade
intelectual. Para além do mais, é injusto para todos os militantes do BE que
dão o seu melhor, confiantes num projecto autónomo de esquerda e que poderá
estar em risco.
Será
bem mais conveniente, para os tempos mais próximos, mobilizar os
trabalhadores para a luta contra o capital e o seu governo.
Compete
à esquerda e às suas instituições proceder à unificação e concertação das
reivindicações dos trabalhadores, com o abandono de um quadro de acções pouco
incisivas, muito desfasadas umas das outras e, por outro lado,
parcelarizadas, sectorizadas. Em termos de luta social um mais um é mais do
que dois.
1/1/2010
http://www.scribd.com/group/16730-esquerda-desalinhada
- -- - - - -- - - --
(1)
Em 22/6/2009, Louça já havia dito exactamente o mesmo
(2)
Grupo de investidores privados ligado ao aparelho militar industrial
americano, ao Partido Republicano e ao clã Bush
(http://resistir.info/varios/carlyle.html)
|
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