No capítulo do financiamento da SS,
existem questões de fundo de adequação da parcela do excedente económico
(extremamente aumentado nas últimas décadas devido aos aumentos da
produtividade) à prevenção do futuro, ao pagamento de uma vida condigna após a
retirada da vida activa pelos trabalhadores. Não se irão aqui abordar essas
questões aliás, já tratadas por Esquerda Desalinhada, há cerca de um ano.
As questões relativas à SS são abordadas, em regra, pelo
mandarinato e pelos seus mandantes do empresariato, como pelos media, de uma
forma conservadora, conformista e mistificatória que, em suma, se reduz em
penalizar os trabalhadores e fazê-los aceitar a maior longevidade da espécie
humana como um ónus social, num contexto capitalização dos descontos junto do
sistema financeiro. Abordam-se, em seguida, algumas das causas da actual
subcapitalização da SS.
Titularização
A operação de titularização levada a
cabo por Manuela Ferreira Leite contemplava dívida gerada até 2003 e consistiu
em vender dívida de contribuintes do Fisco e da SS por um valor esperado de
recuperação. Como se verificou (e era esperado) uma enorme parcela dessa dívida
é incobrável e o Citygroup (instituição financiadora) impôs e isso foi aceite
pelo governo Durão que esses incobráveis fossem substituidos por dívida
recente, com taxas de recuperação muito maiores. Portanto, essa substituição
aumenta a rendabilidade da operação para o banco, anula o seu risco e, reduz as
receitas futuras da SS, incrementando, portanto o custo para o sistema do
pagamento do dinheiro adiantado pelo banco. Tal operação não evitou que o
deficit passasse de 2,9% do PIB em 2003 para 3,2% em 2004 e 6% em 2005 e terá
sempre a assinatura de M Ferreira Leite.
Para se ter uma ideia dos valores em
causa refira-se que mais de 30% da dívida inicialmente cedida ao Citygroup teve
de ser substituida, por incobrável. E se as novas dívidas naturalmente geradas
pelo acréscimo de dificuldades das empresas não forem suficientes poder-se-á,
teoricamente, pensar num incentivo ao não pagamento para que haja dívida a
entregar ao banco em substituição dos incobráveis. Este ridículo é uma
possibilidade na gestão financeira neoliberal do mandarinato luso e dos
mandantes da Comissão Europeia e do BCE. Nesta estranha contabilidade, a SS que
tinha créditos sobre os contribuintes de € 2 307 milhões reduziu-os para € 802
milhões em 2003 enquanto as receitas de contribuições estagnaram um pouco acima
de € 10000 milhões.
Recibos verdes
Desde há muito que a “flexibilidade
laboral” vulgarizou o preenchimento de necessidades permanentes de trabalho com
pessoal precário, pago a recibo verde, como se de trabalhadores
"independentes" se tratassem. Para além de outros factores negativos
para os trabalhadores e para a qualidade da produção de bens e serviços, a SS é
altamente prejudicada com esta prática. O “independente” desconta 20% do valor
do recibo para a SS (contra 11% se fosse assalariado com vínculo); o patrão
nada desconta (contra 23,75% se o mesmo trabalhador estivesse vinculado) e a SS
recebe, portanto, apenas os referidos 20% (contra 34,75% na situação
alternativa). Neste contexto, perde o trabalhador que, para além da
precaridade, desconta mais e não tem direito a prestações de desemprego ou
doença, subsídios de natal ou de férias; a SS perde receita; e o empresariato é
poupado sem que daí resultem benefícios em termos de real competitividade,
investimento...
Valores ? Se um “independente” receber
a miséria de € 500 por mês, paga € 100 para a SS, a empresa folga e a SS perde
€ 75 de receita com esse trabalhador, comparativamente a uma situação de
vínculo desse assalariado à empresa. Se nesta contabilidade não é transparente
uma transferência de rendimento para as empresas, em detrimento do trabalhador
e da SS, teremos de rever ... o conceito de transferência !
Rendimento pago em espécie
É vulgar os empresários utilizarem como
veículos particulares, viaturas pertencentes às suas empresas ou pagos por
estas em regime de leasing, para além de todas as despesas inerentes como
combustível, seguros, portagens, manutenção. Esta prática ampliou-se aos
quadros superiores e mesmo a jovens recém admitidos, sabendo-se que em qualquer
dos casos os custos são suportados pelas empresas, com redução da carga fiscal
em sede de IRC. É ainda comum que os carros acabem por ser vendidos aos
próprios utilizadores por preços baixos, passados poucos anos. E como recebem
da empresa um carro novo, o anterior pode ser cedido a um familiar ou vendido,
gerando assim, um rendimento limpo de impostos.
Tais práticas correspondem a
verdadeiros pagamentos em espécie que podem também revestir a forma de estadias
em estâncias de férias com a família ou gastos com cartão de crédito. Esta
situação permite uma remuneração monetária mais baixa, iludindo-se assim o
desconto para a SS e a retenção de IRS. Muitos dos beneficiários destas
práticas acabam por ser prejudicados a longo prazo pois o nível de descontos,
sendo mais baixo, afectará, futuramente, as respectivas pensões de reforma.
Quanto custa para a SS e para a receita
do Estado esta benesse que se dá a uns milhares de empresários e quadros de
empresa ? Esta fuga fiscal e contributiva não é referida nem pelos mandarins do
Ministério das Finanças, nem pelos economistas “de referência” nem pelos
subservientes plumitivos dos media.
Cavaco, digno gerador de dívida à SS
Durante vários anos, os governos de
Cavaco descapitalizaram alegremente a SS, não transferindo do OE verbas para os
sistemas não contributivos. Dito de outro modo, foram os descontos dos
beneficiários que pagaram as prestações a quem nunca descontou e cujo encargo é
nacional, de cidadania, nada tendo a ver com a SS. Esse montante acumulado até
1995 orçou os € 6017 milhões e nunca foi reposto.
Também num dos governos de Cavaco
(1993), foi reduzida em 0,75% a contribuição patronal para a SS, sempre com o
estafado argumento da competitividade. Mas, em compensação a taxa de IVA passou
de 16 para 17%, com a entrega desta diferença à SS. Em suma, a população em
geral foi onerada pelo aumento do IVA e quem folgou foi o empresariato mais
inepto da Europa. De acordo com a proposta de OE para 2007, 1% do IVA são € 1319
milhões o que, por conseguinte, equivale à receita adicional propiciada ao
empresariato com a referida redução da sua contribuição para a SS.
Ainda no periodo do cavaquismo,
nomeadamente durante as dificuldades estruturais de 1993-95, o rigoroso Cavaco
instaurou um verdadeiro laxismo no pagamento das contribuições para a SS. As
empresas em dificuldades, vedado o crédito bancário financiavam-se não pagando
as suas contribuições e não entregando os descontos efectuados pelos
trabalhadores. Esta última prática é objecto de crime (abuso de confiança) mas
não consta que haja empresários ou gestores na cadeia por esse motivo.
Branqueamentos de dívida; expressos e tácitos
Com Guterres veio o branqueamento de
dívida (a chamada Lei Mateus), com perdão de juros e acordos para pagamentos a
prestações por longo prazo, que na sua grande maioria deixaram de ser
cumpridos, por falência técnica ou declarada. Em finais de 2002, Ferreira
Leite, iniciou a saga do deficit abrindo caminho a nova epopeia saneadora, com
perdão de juros aos faltosos.
Actualmente, em comunicados
grandiloquentes, em arrobos laudatórios da sua própria eficácia, o mandarinato
exprime frequentemente as suas capacidades na recuperação de dívida. E tudo
isto, sem prejuízo de melhorias efectivas na capacidade de detecção e
recuperação de dívida, nomeadamente provenientes de novos instrumentos como o
derrube do sigilo bancário e a penhora de salários ou saldos de contas
bancárias.
Porém há coisas que nunca são
esclarecidas. Gostariamos de ver uma entidade credível medir o número e o valor
dos acordos de recuperação iniciados e o daqueles que são rescindidos por
incumprimento (que são muitos). Qual o número e o valor de dívida incluida em
processos de insolvência que, arrastando-se por muitos anos, permitem uma
incessante formação de nova dívida? Qual o número e o valor dos processos
executivos iniciados e concluidos por pagamento ou anulados por absoluta
impossibilidade de cobrança ? Dos milhares de penhoras anunciadas quais as que
chegam a situação de venda de bens (quando estes valem alguma coisa) ? Dos
carros de alta cilindrada penhorados, quantos foram vendidos no âmbito desses
processos. Há muita aldrabice na boca da máfia socratóide para encobrir que a
maior parte da dívida nunca é cobrada !
Remunerações falseadas e não pagas. Pensões milionárias e os falsos reformados
Existem empresários que nos últimos
anos antes da reforma aumentam substancialmente as remunerações declaradas para
empolar o valor da pensão; e, pior do que isso é que muitos adquirem os
direitos inerentes a essas declarações mas, as empresas de que são donos não
pagam as contribuições, sem que isso os prejudique como beneficiários. Nestas
coisas, há muita criatividade no empresariato lusitano.
O sistema global de pensões permite
aposentações milionárias. Recorda-se Mira Amaral, que antes dos 60 anos e com
pouco tempo de serviço na CGD saiu reformado com € 15000 mensais; ou os casos
de ex-administradores do Banco de Portugal, onde a situação mais caricata foi a
reforma precoce do PSD António Marta que quase de imediato foi nomeado
administrador da instituição.
Quantos são os antigos deputados,
governantes e autarcas que passaram à situação de reforma com menos de uma
década de serviço. De memória citamos o impagável Santana que, com 48 anos
passou a aposentado com € 3900 e a forma como Freitas do Amaral rastejou na AR,
em conflito com Cavaco, nos anos 90, para cumprir os escassos meses que lhe faltavam
para conseguir a reforma.
Como é óbvio, essas mordomias não foram
revistas pelos ilustres concertantes sociais que, com pompa e circunstância
anunciaram à plebe o seu belo trabalho de reforma da SS.
Os culpados de tudo isto é o binómio
PS+PSD responsável pelos governos de há 30 anos para cá. E cada um deles quando
chega ao poder berra dizendo que está tudo mal e que foi o irmão recentemente
apeado do governo que teve a culpa. E a multidão, enternecida, assiste a este
ping-pong, esperando melhores dias mas, pagando toda a factura do roubo
programado com minúcia por ambos. Quando acabará esta passividade ?
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