domingo, 25 de dezembro de 2011

Como se descapitaliza a Segurança Social portuguesa nas mãos do PS e do PSD

Em reunião da Câmara Corporativa, perdão, do CCS (Conselho de Concertação Social) foi aprovada recentemente a reforma da Segurança Social (SS). A concertação envolveu a mafia socratóide ao seu mais alto nível, a firma Cip, Cap & Co Inc, do cavernoso van Zeller e o ente virtual (UGT) capitaneado pelo balofo mental do Proença; nos bastidores, o sistema financeiro, os modernaços do Compromisso, a imprensa dos “negócios” sorriem de satisfação e o Marques Mendes grita que quer mais, no desempenho do seu papel (de embrulho).

No capítulo do financiamento da SS, existem questões de fundo de adequação da parcela do excedente económico (extremamente aumentado nas últimas décadas devido aos aumentos da produtividade) à prevenção do futuro, ao pagamento de uma vida condigna após a retirada da vida activa pelos trabalhadores. Não se irão aqui abordar essas questões aliás, já tratadas por Esquerda Desalinhada, há cerca de um ano.

As questões relativas à SS são abordadas, em regra, pelo mandarinato e pelos seus mandantes do empresariato, como pelos media, de uma forma conservadora, conformista e mistificatória que, em suma, se reduz em penalizar os trabalhadores e fazê-los aceitar a maior longevidade da espécie humana como um ónus social, num contexto capitalização dos descontos junto do sistema financeiro. Abordam-se, em seguida, algumas das causas da actual subcapitalização da SS. 

Titularização

A operação de titularização levada a cabo por Manuela Ferreira Leite contemplava dívida gerada até 2003 e consistiu em vender dívida de contribuintes do Fisco e da SS por um valor esperado de recuperação. Como se verificou (e era esperado) uma enorme parcela dessa dívida é incobrável e o Citygroup (instituição financiadora) impôs e isso foi aceite pelo governo Durão que esses incobráveis fossem substituidos por dívida recente, com taxas de recuperação muito maiores. Portanto, essa substituição aumenta a rendabilidade da operação para o banco, anula o seu risco e, reduz as receitas futuras da SS, incrementando, portanto o custo para o sistema do pagamento do dinheiro adiantado pelo banco. Tal operação não evitou que o deficit passasse de 2,9% do PIB em 2003 para 3,2% em 2004 e 6% em 2005 e terá sempre a assinatura de M Ferreira Leite.

Para se ter uma ideia dos valores em causa refira-se que mais de 30% da dívida inicialmente cedida ao Citygroup teve de ser substituida, por incobrável. E se as novas dívidas naturalmente geradas pelo acréscimo de dificuldades das empresas não forem suficientes poder-se-á, teoricamente, pensar num incentivo ao não pagamento para que haja dívida a entregar ao banco em substituição dos incobráveis. Este ridículo é uma possibilidade na gestão financeira neoliberal do mandarinato luso e dos mandantes da Comissão Europeia e do BCE. Nesta estranha contabilidade, a SS que tinha créditos sobre os contribuintes de € 2 307 milhões reduziu-os para € 802 milhões em 2003 enquanto as receitas de contribuições estagnaram um pouco acima de € 10000 milhões.

Recibos verdes 

Desde há muito que a “flexibilidade laboral” vulgarizou o preenchimento de necessidades permanentes de trabalho com pessoal precário, pago a recibo verde, como se de trabalhadores "independentes" se tratassem. Para além de outros factores negativos para os trabalhadores e para a qualidade da produção de bens e serviços, a SS é altamente prejudicada com esta prática. O “independente” desconta 20% do valor do recibo para a SS (contra 11% se fosse assalariado com vínculo); o patrão nada desconta (contra 23,75% se o mesmo trabalhador estivesse vinculado) e a SS recebe, portanto, apenas os referidos 20% (contra 34,75% na situação alternativa). Neste contexto, perde o trabalhador que, para além da precaridade, desconta mais e não tem direito a prestações de desemprego ou doença, subsídios de natal ou de férias; a SS perde receita; e o empresariato é poupado sem que daí resultem benefícios em termos de real competitividade, investimento...

Valores ? Se um “independente” receber a miséria de € 500 por mês, paga € 100 para a SS, a empresa folga e a SS perde € 75 de receita com esse trabalhador, comparativamente a uma situação de vínculo desse assalariado à empresa. Se nesta contabilidade não é transparente uma transferência de rendimento para as empresas, em detrimento do trabalhador e da SS, teremos de rever ... o conceito de transferência !

Rendimento pago em espécie 

É vulgar os empresários utilizarem como veículos particulares, viaturas pertencentes às suas empresas ou pagos por estas em regime de leasing, para além de todas as despesas inerentes como combustível, seguros, portagens, manutenção. Esta prática ampliou-se aos quadros superiores e mesmo a jovens recém admitidos, sabendo-se que em qualquer dos casos os custos são suportados pelas empresas, com redução da carga fiscal em sede de IRC. É ainda comum que os carros acabem por ser vendidos aos próprios utilizadores por preços baixos, passados poucos anos. E como recebem da empresa um carro novo, o anterior pode ser cedido a um familiar ou vendido, gerando assim, um rendimento limpo de impostos.

Tais práticas correspondem a verdadeiros pagamentos em espécie que podem também revestir a forma de estadias em estâncias de férias com a família ou gastos com cartão de crédito. Esta situação permite uma remuneração monetária mais baixa, iludindo-se assim o desconto para a SS e a retenção de IRS. Muitos dos beneficiários destas práticas acabam por ser prejudicados a longo prazo pois o nível de descontos, sendo mais baixo, afectará, futuramente, as respectivas pensões de reforma.

Quanto custa para a SS e para a receita do Estado esta benesse que se dá a uns milhares de empresários e quadros de empresa ? Esta fuga fiscal e contributiva não é referida nem pelos mandarins do Ministério das Finanças, nem pelos economistas “de referência” nem pelos subservientes plumitivos dos media.

Cavaco, digno gerador de dívida à SS 

Durante vários anos, os governos de Cavaco descapitalizaram alegremente a SS, não transferindo do OE verbas para os sistemas não contributivos. Dito de outro modo, foram os descontos dos beneficiários que pagaram as prestações a quem nunca descontou e cujo encargo é nacional, de cidadania, nada tendo a ver com a SS. Esse montante acumulado até 1995 orçou os € 6017 milhões e nunca foi reposto.

Também num dos governos de Cavaco (1993), foi reduzida em 0,75% a contribuição patronal para a SS, sempre com o estafado argumento da competitividade. Mas, em compensação a taxa de IVA passou de 16 para 17%, com a entrega desta diferença à SS. Em suma, a população em geral foi onerada pelo aumento do IVA e quem folgou foi o empresariato mais inepto da Europa. De acordo com a proposta de OE para 2007, 1% do IVA são € 1319 milhões o que, por conseguinte, equivale à receita adicional propiciada ao empresariato com a referida redução da sua contribuição para a SS.

Ainda no periodo do cavaquismo, nomeadamente durante as dificuldades estruturais de 1993-95, o rigoroso Cavaco instaurou um verdadeiro laxismo no pagamento das contribuições para a SS. As empresas em dificuldades, vedado o crédito bancário financiavam-se não pagando as suas contribuições e não entregando os descontos efectuados pelos trabalhadores. Esta última prática é objecto de crime (abuso de confiança) mas não consta que haja empresários ou gestores na cadeia por esse motivo.

Branqueamentos de dívida; expressos e tácitos

Com Guterres veio o branqueamento de dívida (a chamada Lei Mateus), com perdão de juros e acordos para pagamentos a prestações por longo prazo, que na sua grande maioria deixaram de ser cumpridos, por falência técnica ou declarada. Em finais de 2002, Ferreira Leite, iniciou a saga do deficit abrindo caminho a nova epopeia saneadora, com perdão de juros aos faltosos.

Actualmente, em comunicados grandiloquentes, em arrobos laudatórios da sua própria eficácia, o mandarinato exprime frequentemente as suas capacidades na recuperação de dívida. E tudo isto, sem prejuízo de melhorias efectivas na capacidade de detecção e recuperação de dívida, nomeadamente provenientes de novos instrumentos como o derrube do sigilo bancário e a penhora de salários ou saldos de contas bancárias.

Porém há coisas que nunca são esclarecidas. Gostariamos de ver uma entidade credível medir o número e o valor dos acordos de recuperação iniciados e o daqueles que são rescindidos por incumprimento (que são muitos). Qual o número e o valor de dívida incluida em processos de insolvência que, arrastando-se por muitos anos, permitem uma incessante formação de nova dívida? Qual o número e o valor dos processos executivos iniciados e concluidos por pagamento ou anulados por absoluta impossibilidade de cobrança ? Dos milhares de penhoras anunciadas quais as que chegam a situação de venda de bens (quando estes valem alguma coisa) ? Dos carros de alta cilindrada penhorados, quantos foram vendidos no âmbito desses processos. Há muita aldrabice na boca da máfia socratóide para encobrir que a maior parte da dívida nunca é cobrada !

Remunerações falseadas e não pagas. Pensões milionárias e os falsos reformados

Existem empresários que nos últimos anos antes da reforma aumentam substancialmente as remunerações declaradas para empolar o valor da pensão; e, pior do que isso é que muitos adquirem os direitos inerentes a essas declarações mas, as empresas de que são donos não pagam as contribuições, sem que isso os prejudique como beneficiários. Nestas coisas, há muita criatividade no empresariato lusitano.

O sistema global de pensões permite aposentações milionárias. Recorda-se Mira Amaral, que antes dos 60 anos e com pouco tempo de serviço na CGD saiu reformado com € 15000 mensais; ou os casos de ex-administradores do Banco de Portugal, onde a situação mais caricata foi a reforma precoce do PSD António Marta que quase de imediato foi nomeado administrador da instituição.

Quantos são os antigos deputados, governantes e autarcas que passaram à situação de reforma com menos de uma década de serviço. De memória citamos o impagável Santana que, com 48 anos passou a aposentado com € 3900 e a forma como Freitas do Amaral rastejou na AR, em conflito com Cavaco, nos anos 90, para cumprir os escassos meses que lhe faltavam para conseguir a reforma.

Como é óbvio, essas mordomias não foram revistas pelos ilustres concertantes sociais que, com pompa e circunstância anunciaram à plebe o seu belo trabalho de reforma da SS.

Os culpados de tudo isto é o binómio PS+PSD responsável pelos governos de há 30 anos para cá. E cada um deles quando chega ao poder berra dizendo que está tudo mal e que foi o irmão recentemente apeado do governo que teve a culpa. E a multidão, enternecida, assiste a este ping-pong, esperando melhores dias mas, pagando toda a factura do roubo programado com minúcia por ambos. Quando acabará esta passividade ?

Dezembro 2006

Sem comentários:

Enviar um comentário