A NATO foi inventada em 1949 para garantir a suserania dos EUA sobre os países da Europa Ocidental esvaídos pela II Guerra e, simultaneamente apresentar um escudo de defesa face à URSS, então glorificada pelo seu papel no esmagamento dos nazis.
As coisas mudaram em 1989 com a desagregação da URSS, o fim do Comecon e do Pacto de Varsóvia. Ficou aberto um novo terreno de caça na Europa Oriental, a que se somou o desmembramento da antiga Jugoslávia, seguido da conquista de pequenos retalhos da Sérvia – Macedónia do Norte, Montenegro e o Kosovo; este, que nada mais é do que pasto para traficantes e local da instalação da grande base de Boldsteen, para a vigilância e controlo dos Balcãs pelos EUA.
A NATO que deveria ter sido desmantelada como atitude de desanuviamento político na Europa, prosseguiu na sua deriva guerreira e destruidora, alargando a sua atividade ao Afeganistão – onde manifestou uma “fabulosa” visão geopolítica - e à Síria, destruída, ao Iraque e, à mais afastada Líbia. Com os europeus a contribuir para a sujeira e a limpar o lixo, sem qualquer atitude de onde se possa divisar uma estratégia própria e inteligente, limitando-se a recolher os cacos, sob a forma de refugiados e, engordando o cofre de Erdogan.
Perante uma Europa sem estratégia global (o Brexit é o exemplo mais estúpido, tem a cara do Boris), os EUA pressionaram os seus vassalos ao dispêndio de 2% do PIB em cangalhada militar; o qual alimenta a grande indústria do armamento que tem no topo, as norte-americanas Lockheed-Martin, Raytheon, Boeing, Northrup e General Dynamics. Na imagem, um conhecido promotor de vendas apresenta um catálogo ao saudita MbS.
A fabulosa NATO nunca deixou de ser uma extensão dos EUA, com uns quantos artistas a actuar de acordo com a música geoestratégica daquele país - que costumamos designar por Chewing-gum Country - já que na Europa há apenas uns saltimbancos mansos e obedientes aos ditames de Bruxelas, a sede europeia da NATO, onde o reporte é, mais precisamente, feito para Norfolk onde, por sua vez, se obedece - de modo canino - aos desígnios definidos em Arlington, no Pentágono[1]. E, com a imagem cinzenta de um bibelot que dá pelo nome de Stoltenberg.
Voltando atrás, ao desmantelamento da URSS, com a Rússia deslocada para Leste, sobrava um buffer relativamente aos países da NATO, constituído pela Bielorrússia, pela Ucrânia e a pobre Moldávia. A primeira tem-se mantido na órbita política e económica da Rússia e a Moldávia é um campo de férias e de instalação de reformados russos em terras de clima mais ameno.
A Ucrânia, excepto durante um curto período no final da I Guerra Mundial, nunca constituiu uma unidade política; pese embora Kiev tivesse sido a sede dos rus (os nórdicos que transitavam entre o Báltico e Constantinopla) e de onde saiu o nome de Rússia. A Ucrânia tem a oeste uma população católica e rural, proveniente dos tempos do império Austro-Húngaro e do antigo estado polaco-lituano; e, a leste vive uma população de língua e raízes russas, como se vê pela capacidade de emancipação real da Ucrânia, de Lugansk e Donetsk, sob a proteção da Rússia.
A Ucrânia, ou melhor, os seus camponeses do Sul brilharam há uns cem anos na resistência autogestionária face aos reacionários “brancos” (os czaristas). E acabaram por ser traídos e exterminados por um patife da pior espécie – Trotsky; que, no entanto, ainda é venerado por grupos de patetas na Europa Ocidental.
Perante as manobras dos ocidentais a seguir à saída de Yanukovich (presidente próximo dos russos), com o alto patrocínio de grupos nazis (2014) - autoproclamados adoradores do nazi Banderas - no poder ficou o “rei do chocolate”, Poroschenko que está apontado por práticas pouco limpas; e, a que se seguiu o comediante Zelensky, actual fiel intérprete dos interesses ocidentais.
Perante esta situação, Putin recordou-se que a integração da Crimeia na Ucrânia foi uma decisão de Kruschev, ele próprio ucraniano, no seio de uma federação onde as afirmações nacionalistas não faziam sentido. E, sem grandes dificuldades, em 2014, a Rússia apoderou-se facilmente da Crimeia tal como das regiões de Lugansk e Donetsk, russófonas e industrializadas, com acesso ao mar de Azov; este mar, com saída para o mar Negro, pelo estreito de Kerch, isolou parte do litoral ucraniano e fez retornar à Rússia a possibilidade de tomar banho nas “águas quentes”, como se dizia no século XIX.
A Ucrânia poderia ter ficado como a Finlândia ou a Irlanda que não pertencem a alianças militares; mesmo que integradas na UE. Porém, o Tio Sam, beneficia da fragilidade – quando não da estupidez estratégica – das chefias europeias, onde recordaremos o conhecido Barroso, orientado pelo “presidente” Blair e, o ébrio Juncker; embora seja justo referir que em matéria de incapacidade política, os EUA, nos últimos vinte anos, também têm muito para mostrar - trastes como George W. Bush, Trump ou Biden.
O gasoduto do Báltico, depois de construído pela parceria russo-alemã encontra a hostilidade dos EUA que querem vender o seu gás à Europa, por via marítima, deixar vazio o Nord Stream 2 e, consequentemente retirar à Rússia as receitas com a venda do gás. A Ucrânia que tem cobrado boas receitas pela passagem do gás russo da Sibéria até aos países da UE teme os efeitos dessa perda de receitas; embora não tenha peso político para se contrapor ao jogo entre as grandes potências.
O grande jogo dos EUA consiste em manter a liderança estratégica sobre os países europeus, aproximar os seus meios de guerra da fronteira com a Rússia, incorporando na sua órbita, uma frágil e pobre Ucrânia; tal como fez, anos atrás com os países que haviam pertencido ao Pacto de Varsóvia.
Neste cenário de ameaça, os EUA aproveitam para vender mais armamento para a Europa comunitária, como aproveitam a indigência política da UE para aceitar mais umas quantas bases militares dos EUA (perdão… da NATO!), aos seus vassalos eslovacos ou polacos que procurarão assim, contrabalançar a sua dependência económica e política da Alemanha. A integração da Ucrânia na NATO corresponderia a um revés importante para a Rússia que reduziria o seu peso político perante uma pujante China, embora esta necessite dos corredores transiberianos para atrair a Ásia Central à sua estratégia de redução do transporte marítimo entre o mar da China e a Europa, mais demorado e onerado com o ónus da passagem pelo Suez.
O Suez está rodeado de potenciais conflitos, como na passada Guerra dos Seis Dias que fechou o canal entre 1967 e 1973. Hoje, o canal pode ser envolvido em vários conflitos que vão ocorrendo no Sudão, no Tigray etíope, na Eritreia e no Yemen; como preventivo, no estratégico Djibuti estão aquartelados militares norte-americanos, chineses, japoneses, italianos e alemães.
Assim, a China avançou com o seu projeto “Belt and Road Initiative” dominado por longas vias ferroviárias de ligação com a Europa; e onde europeus e norte-americanos têm remotas possibilidades de intervenção. Um feixe dessas vias sai da China, atravessa a Mongólia e entra em território russo perto de Irkutsk até entrar na Bielorrússia, de passagem até à fronteira polaca (9288 km). Outra das vias sai da China (Xinjiang) para o Kazaquistão, contorna a leste o Cáspio e chega a Teerão, passando à Turquia até entrar nos Balcãs (este último troço estará em construção) – cerca de 11000 km. Na Europa e, não estranhamente, estas duas linhas encontram-se na Alemanha de onde se diversificam para Sul (Madrid) e Oeste (Londres). Esta descrição visa relevar que a Ucrânia fica de fora destes traçados e que, no mundo das ferrovias estratégicas e de longo curso, a Ucrânia é um buraco negro!
O transporte marítimo de contentores da China ou Japão para a Europa consome 2 a 6 dias para a carga em Xangai, seguindo-se-lhe uma viagem que pode demorar 6 a 8 semanas. Por outro lado, uma viagem de caminho-de-ferro entre Hamburgo e Zhengzhou ou entre Antuérpia/Duisburg e Chongqing percorre uns 13000 km transportando 250 contentores numa viagem de 19 dias. Note-se que o transporte ferroviário facilita um serviço porta-a-porta para os contentores, à partida menos demorado do que a descarga de um navio.
Neste contexto, a doutrina geopolítica de Mackinder sobre o Heartland sobrepõe-se, na prática, às propostas de Mahan, Spykman e Brzezinski, defensores da criação de um cordão sanitário que à época (fim da II Guerra) visava o cerco e o isolamento da URSS.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] Poucos anos atrás, a lusa pátria enviou dois F-16 para o Báltico para conter uma invasão russa na Estónia, na Letónia e na Lituânia; que, obviamente não tinha qualquer pingo de realismo mas, cujos custos deverão ter onerado a bolsa dos contribuintes portugueses.
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