1 - A típica
prática anti-democrática do regime
2 - A
histórica pulsão centralista dos governos
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Dentro de uns
dois meses, no final de múltiplas feiras de venda de promessas que preencherão
o resto do verão e com entrada pelo outono, acontecerá mais uma romaria
eleitoral, neste caso autárquica.
No seu
rescaldo serão colocados 2086 vereadores camarários, entre os quais 308 serão
presidentes, a que se devem acrescentar os membros das assembleias municipais e
ainda os executivos e assembleias de freguesia.
Focando-nos
nas câmaras, o que motivará tão luzida coorte de ungidos partidários a
concurso? E, tanto empenho e tanto espetáculo?
É a gestão de um património superior a € 41000 M, em 2015, €
6500 M de receitas correntes, das quais € 2500 M chegam transferidos,
essencialmente do Estado a
que se juntam € 2850 M provenientes da cobrança de impostos, cuja execução cabe ao Estado. E ainda, a disputa por negócios particulares, comissões em contratos e todas as influências e mordomias que o desempenho daqueles cargos permite, como seja a colocação de familiares e comparsas de partido em funções autárquicas.
que se juntam € 2850 M provenientes da cobrança de impostos, cuja execução cabe ao Estado. E ainda, a disputa por negócios particulares, comissões em contratos e todas as influências e mordomias que o desempenho daqueles cargos permite, como seja a colocação de familiares e comparsas de partido em funções autárquicas.
A democracia,
essa, não estará presente uma vez que a esmagadora maioria da população poderá
votar mas, jamais terá a possibilidade de assumir uma representação; que
compete em exclusividade a oligarquias denominadas partidos políticos
1 - A
típica prática anti-democrática do regime
Apurados os
votos colhidos na romaria eleitoral ficará definido o rateio daqueles bens e
receitas pelos diversos grupos partidários, coligações daqueles ou listas
formalmente não afetas a partidos mas, em regra, constituídas por desavindos
daqueles, com as mesmas práticas de autoritarismo, sobre as pessoas e as suas
vidas; e a mesma atração pelo pote que estiver à mão.
Gradualmente, mesmo tendo em conta as distrações novelísticas e
futebolísticas, a verdade é que a rejeição da classe política vem crescendo nos
actos eleitorais. E muito maior é a que se manifesta surdamente, em conversas
pessoais ou desabafos nas redes sociais, atitudes próprias de um povo humilde
tradicionalmente habituado a obedecer – ao patrão, ao chefe, ao polícia, ao
funcionário no atendimento, ao professor, ao marido... Todos sabem que o
descuido ou a desobediência são pagos com multas, coimas, taxas, exposições
servis ou maus tratos na esquadra ou domésticos.
Esse pendor de rejeição, nos últimos anos, certamente por
méritos imputáveis a Passos - que quis ir mais longe que a troika – tal como aconteceu em 1985, no rescaldo da grande recessão
em tempos de Bloco Central e conforme se pode observar no gráfico abaixo. A
própria referência a classe política – recusada pelos seus membros e próximos –
é hoje aceite, não apenas nos (pequenos) meios anti-regime mas, também na
imprensa, insuspeita de ser contra o regime político cleptocrático em cena.
Atitudes
e votos nas autárquicas – 1976/2013
Há muito se
sabe o desvelo com que a classe política trata a democracia e um seu
instrumento técnico como o recenseamento
eleitoral sistematicamente falseado, com a inclusão de 800000 a um milhão
de eleitores “fantasmas”. A propósito, há vários aspetos curiosos a relevar:
a) Um desmazelo total, com
décadas, relativamente à atualização de recenseamento, que contrasta
frontalmente com a preocupação que o regime cleptocrático tem em cadastrar toda
a gente, incluindo recém-nascidos, atribuindo-lhes um NIF, uma vez que este é a
chave para o controlo dos rendimentos, a base para o exercício da punção
fiscal; para além do e-fatura, verdadeiro big
brother de escrutínio sobre os gastos de cada um. No entanto, os
rendimentos dos ricos, com contas offshore
fazem parte, muitos deles, da próspera economia paralela - equivalente a uns
25% do PIB contabilizado - que, até podem ter a sorte de uma aplicação
informática na Administração Tributária ter caprichado em não registar os seus
movimentos de muitos milhões de euros.
b) O número de vereadores
autárquicos é calculado em função dos eleitores recenseados – sobre-avaliados
como se disse – e não da população real, aproximada, calculada pelo INE e que
muitas vezes, em concelhos do interior norte ou centro, como nas regiões
autónomas, é inferior ao número de inscritos no recenseamento. Provavelmente, a
diferença está em emigrantes que continuam a constar do recenseamento embora,
em regra, não tenham a possibilidade (ou o interesse) em votar.
No entanto, o regime e os bancos acarinham a chegada das
remessas dos emigrantes, não lhes dando possibilidades reais de votar nos
consulados e embaixadas, muitas vezes a centenas de quilómetros de distância.
Em contrapartida, qualquer governo tem, como membro dedicado às questões da
diáspora, um obscuro mandarim cuja ocupação é viajar pelos vários núcleos e
esclarecer se, após um sismo ou fogo, algures no planeta, há alguma vítima
portuguesa. Também demonstrativo da incúria da classe política é o facto de as
instituições não terem zelado pelos interesses dos emigrantes burlados pelo BES
ou pelo BANIF, mas permitirem que os responsáveis dessas burlas não sejam
punidos, continuando a andar por aí, com vidas confortáveis.
c) Menos visível é o facto de que
o excesso de recenseados face à população efetiva com idade para votar permite,
em várias situações, que o número de vereadores não seja o adequado legalmente
à dimensão da população. É, por exemplo, o caso de Pinhel que, tendo uma
população total de 9270 pessoas (incluindo crianças e jovens com menos de 18
anos) regista 10236 eleitores, número que, sendo superior a 10000 permite se
considere uma vereação com sete elementos e não cinco que deveria ter; o que
também acontece em Vouzela, Vinhais ou Vila Real onde, os seus 50907 inscritos
lhe permitem ter nove vereadores, contra os sete que lhe deveriam caber, entre
outros casos.
d) As arbitrariedades resultantes
da desatualização do recenseamento não são as únicas. Outro tipo de
arbitrariedade permite que o Porto, com 224894 habitantes tenha treze
vereadores, enquanto V. N. de Gaia com 302989 tem apenas onze, porventura
porque se considera ter o Porto, caraterísticas do possam justificar uma
vereação superior à autarquia da margem esquerda do Douro, com uma vida
económica e cultural de menor gabarito.
No actual
ordenamento autárquico, o âmbito para a discussão e a fiscalização de um
executivo autárquico é o da assembleia municipal – que deveria ser sempre
aberta à população e não um forum fechado para questiúnculas, um arremedo
(ainda) mais pobre do que a Assembleia da República. E isso, para além do
caráter antidemocrático global do regime ao constituir dois tipos dicotómicos
de pessoas; os que podem eleger e ser eleitos (a classe política) e os que
podem eleger mas, sem poderem retirar os mandatos aos eleitos nem poderem ser
eles próprios candidatos, uma vez que não pertencem a um partido nem têm o
beneplácito de um chefe partidário (o resto da população).
a) As vereações são órgãos
executivos e o número dos seus membros é, em muitos casos excessivo, mesmo que
haja situações com vereadores sem pelouros distribuídos, sem responsabilidades,
permitindo-se assim a funções de mera discussão, como se fossem membros de uma
assembleia e não de um executivo. Uma lógica inteligente de organização
coletiva deveria não ultrapassar os sete a nove vereadores nos concelhos de
maior dimensão populacional, e cingir-se a três naqueles de menor população.
Nos casos de Lisboa e do Porto[1],
o seu número de vereadores, como se disse acima, torna as reuniões da vereação
mais uma assembleia, com decisões tomadas pela maioria, muitas vezes, após
discussões sem qualquer efeito prático ou, outra lógica que não uma afirmação
de posições partidárias. Claro que nada disto é considerado pela classe
política, cujos gangs estão sempre
ávidos de postos para a colocação dos seus fiéis, demasiadas vezes parasitas
que nada acrescentam, técnica ou politicamente.
b) Há uns dois anos elaborámos um modelo
de gestão autárquica, muito mais ligeiro, totalmente democrático,
transparente e sem possibilidades da presença formal de quistos partidários,
Aí, as vereações são constituídas a partir de candidaturas individuais e não de
listas, podendo candidatar-se qualquer residente; assim, os n mais votados
constituiriam o executivo camarário, cabendo-lhes a decisão sobre as questões
relativas ao bem-estar da população e não as querelas entre membros de gangs
diversos, com vereadores sem responsabilidades e, quiçá, com atitudes de mera
obstrução. Por outro lado, qualquer eleito poderia ser destituído por
referendo.
Hoje, qualquer
mandarim, assumindo-se tal função como profissão (??), pode candidatar-se numa
eleição em qualquer parte, independentemente do local de residência;
recordamos, por exemplo, a presidência da assembleia municipal de Celorico de
Basto por Marcelo Rebelo de Sousa, embora nunca lá tenha residido. Miguel
Relvas, quando membro do governo, foi presidente da assembleia municipal de
Tomar; embora pudesse lá ter residência apenas para ganhar subsídio de
deslocação, atestando assim o seu baixo nível ético. Por outro lado, o
exercício de uma função política de representação é um dever de cada um, como
membro de uma comunidade, um dever de cidadania e não fonte de mordomias,
privilégios, considerando-se que esse exercício não constitui profissão mas,
uma temporária ocupação.
Por outro
lado, é possível a um mandarim ser deputado e vereador de câmara se não tiver
pelouros atribuídos, tendo, então, direito apenas a senhas de presença mas, não
a vencimento. Será nessa base que Assunção Cristas, a grande promotora da
liberalização do plantio do eucalipto, sendo deputada por Leiria, pode ser
vereadora em Lisboa, desde que não tenha pelouros atribuídos, o que também lhe
não interessaria. Nessa acumulação, algo será descurado, certamente, a bem do
afunilamento das funções políticas e de representação num naipe muito restrito
da população, num género de clero dos tempos modernos, figurando os partidos
com lógicas semelhantes às das antigas ordens monásticas.
A existência
de listas – e não a eleição individual – permite essa mobilidade entre eleitos.
Normalmente, quem se apresenta como cabeça de lista é um VIP para atrair aquela
parte da plebe, embrutecida pelos media
e que acredita em leite achocolatado saindo das tetas de vacas castanhas; ou de
gente com espírito de rebanho, a precisar de pastor. Logo a seguir à eleição,
esse VIP sai para outras andanças e deixa no seu lugar uma figura secundária ou
mesmo um mono, um daqueles figurantes atracados nas últimas posições na lista
de candidatura. Dito de outro modo, através da lista, um partido ganha vários
lugares e fica com a capacidade de os preencher com quem quiser da lista
principal ou dos suplentes, de acordo com as suas conveniências, sem perguntar
nada a ninguém.
A
preferência por listas evita que um abandono redunde em nova eleição, como
evita qualquer imputação individual de actos meritórios ou desastrosos por
parte das pessoas; a própria Constituição sublinha essa irresponsabilidade
quando afirma as candidaturas por distritos mas, considera que “os deputados
representam todo o país e não os círculos por que são eleitos” (artº 152 nº 2).
2 - A histórica pulsão centralista dos governos
A relação mais
ou menos atribulada entre o poder central e as autarquias, na questão da
repartição de competências que geram negócios privados e pelo aumento do
respetivo quinhão do pote não impede que se mantenham mais ou menos unidas,
corporativamente. Aquela dialética tem justificações na história e na
geografia.
A tradicional
pulsão autoritária do poder central em Portugal resulta da dimensão reduzida do
território, do receio secular da presença do “leão espanhol” sempre pronto a
abocanhar a “gazela lusitana” e da importância de Lisboa que, não fora a
existência de uma grande conurbação entre Aveiro e Braga, faria do território,
não um Portugal mas uma cidade-estado chamada Lisboa, com os seus territórios
circundantes. O predomínio de Lisboa consolidou-se pela sua posição
estratégica, a meio caminho entre o Norte e o Sul, reforçada pelo declínio do
Algarve depois da conquista portuguesa. Também, pelo seu caráter de porto
abrigado e de ponto mais distanciado de Espanha, mais longe, portanto de
incursões militares que teriam sempre de transpor o Tejo, vindas de Leste ou
percorrer o caminho das Beiras mais montanhoso. Esses fatores permitiram a
construção da coesão política do território de hoje, depois da integração das
ilhas atlânticas.
Para essa
consolidação houve outros fatores. A peste que atingiu o exército castelhano no
cerco de Lisboa durante a crise dinástica de 1383/85 e impediu a queda da
cidade; e, posteriormente, o apoio em homens e tática, dos ingleses, em
Aljubarrota o que contrabalançou o apoio da nobreza, legitimista, ao rei
castelhano.
Foi também
determinante que regiões fronteiriças do estado espanhol, a norte e ocidente
(Galiza, Leão, Extremadura) fossem periféricas face ao eixo
Toledo/Madrid-Barcelona. E isso observa-se pela preferência da coroa castelhana
em avançar na conquista da rica e civilizada Andaluzia e não na direção da
costa ocidental da Península. Paralelamente, gerou-se um maior envolvimento
espanhol na política europeia e de estreita ligação com Itália, sobretudo com a
união das coroas castelhana e aragonesa. Portugal, só tinha o mar em frente
para chegar a outros mundos.
Com o
desenvolvimento do comércio com o Oriente e depois com o Brasil, Lisboa
acentuou a sua predominância e os estaleiros, estratégicos, situavam-se aos pés
do Paço real até ao terramoto, para facilitar o estreito controlo da coroa. A
preponderância de Lisboa não se alterou com a focagem na ligação com o Brasil e
foi a Lisboa que Junot se dirigiu para decapitar o poder em Portugal. A
Inquisição, por seu turno, não fazia estender muito a sua ação ao interior,
pelo que foi possível a existência de comunidades judaicas na raia seca da
Beira, com realce para Belmonte.
O território
continental português só começa a ter divisões administrativas no século XV com
a criação de seis comarcas, jurisdições dirigidas por corregedores nomeados
pelo rei para controlarem a administração e a justiça local. No século seguinte
passou a chamar-se províncias às comarcas. Porém, os forais concedidos aos
municípios revelam a importância destes, da sua autonomia alicerçada na
tradição romana (Herculano), de uma integração daquela com influências
anteriores aos romanos (as civitates) e ainda, das visigóticas, das
provenientes do direito canónico e dos moçárabes (Gama Barros, Alberto Sampaio
ou Matoso). Entre esses forais salientam-se pela importância dos seus
destinatários, os concedidos a Coimbra (1111) ou Coimbra, Santarém e Lisboa
(1179). Essa aceitação do poder real servia também de salvaguarda contra as
prepotências e ambições dos nobres, constituindo-se, portanto a partir de uma
soberania local e popular, cada qual com leis próprias de acordo com os seus
costumes e necessidades. A uniformização a nível nacional só surgiu no século
XIX com a monarquia liberal, no âmbito de uma pretendida homogeneidade nacional
inerente à construção, então em moda, de estados-nação, com um povo de
submetidos a uma burguesia que toma o território e a sua população como uma
coutada gerida por um aparelho de estado tentacular e autoritário.
No século XVII
as províncias dividem-se em comarcas e correições, cada qual com o seu
corregedor, deixando de haver uma jurisdição de nível provincial, excepto a
nível militar com a criação de governadores
de armas cujas intromissões na vida local obrigaram à publicação de um
regimento, em 1678 que as proibiu. Em 1816, isso é reafirmado, competindo aos
generais, apenas a manutenção da ordem pública, funções de polícia.
Em 1832
(Decreto nº 23 de 16/5), os liberais criaram nas províncias órgãos próprios de
governo e administração – uma junta eleita localmente e um prefeito nomeado
pelo governo e, nas suas parcelas – comarcas – o poder estava num subprefeito
que reportava ao prefeito provincial; três anos depois, essa arquitetura
desapareceu, substituída pelos distritos dirigidos por governadores civis e sem
contemplarem qualquer órgão eleito mas, apenas nomeados pelo governo. A
oligarquia liberal centralista, em plena afirmação.
Essa lógica
centralista, de um estado unitário era copiada da estrutura administrativa
francesa que se iria (finalmente) apoiar num primeiro plano de estradas
elaborado em Portugal (1843 e 1848) mas, ainda assente na lógica do século
anterior – de defesa militar - que consistia em basear a rede entre Lisboa com
ligação a locais estratégicos do país e ainda entre percursos fluviais. É por
esses meados do século XIX que se instala o telégrafo e cabos submarinos de
ligação ao exterior, uma rede viária com um mínimo de dignidade a que se seguiu
a construção do caminho-de-ferro, cujo traçado, em grande parte para servir
áreas rurais e cuja inauguração (Lisboa-Carregado) ofereceu um episódio
pitoresco de damas da corte fazerem parte do percurso caminhando a pé pela
linha. Essas vias de comunicação serão o cimento que irá permitir a criação de
um verdadeiro estado nacional com a propensão para a existência de um poder –
monárquico ou republicano - mais ou menos democrático ou ditatorial mas sempre
muito centralista; à semelhança do que ia acontecendo na Europa, com a defesa
da ideia de que cada povo teria direito ao seu estado, com o conhecido caudal
de guerras que vieram a desembocar na grande barbárie de 1914/18. Uma época em
que, em oposição, se manifestaram ideias internacionalistas, de repúdio aos
nacionalismos, que mais não sáo que formas de colocar populações de
trabalhadores ao serviço de burguesias nacionais e, devidamente imbuídas de
patriotismo, para aceitarem combater trabalhadores de outros povos para
defender os interesses dos “seus” capitalistas.
A Constituição
republicana de 1911 aponta para a ausência de interferência governamental para
os corpos administrativos, com autonomia financeira e direito a referendo tendo
subjacente a simpatia inicial dos republicanos pelos princípios revolucionários
das Cortes de 1822 (inspirados na Constituição de Cádiz). A intenção de criar
um novo Código Administrativo nunca foi concretizada dadas as divergências
quanto ao modelo mais centralista ou mais autonomista atribuído às autarquias,
cuja configuração também não era pacífica. E assim, o tal novo Código só surgiria
em 1940 já em plena ditadura fascista.
Na
Constituição de 1933, que alicerçou juridicamente o regime fascista, foram
restauradas as províncias mas, com um caráter escritural pois o que havia era
governadores civis, distritais, nomeados pelo governo; até que foram mesmo
extintas em 1959. Os governadores civis serviam para uma intermediação entre o
governo e os municípios, funcionando como superiores hierárquicos dos
presidentes de câmara, também nomeados pelo governo e que, por sua vez, tinham
como subalternos os regedores de freguesia do seu município. Montava-se assim,
uma estrutura claramente vertical, autoritária, sem qualquer assomo de
democracia ou participação popular, copiada do código administrativo de Costa
Cabral (1842) e que se enquadrava na lógica de um estado corporativo ou de
“democracia orgânica”.
Esse
centralismo, em 1975/76, algo fragilizado, admitiu a existência de governos
regionais nos arquipélagos e até colocou na Constituição umas regiões
administrativas que nunca levou à prática. Passado esse tempo e com a
cristalização política que zela pela não-democracia vigente, nunca houve
regiões administrativas no Continente ficando logo marcada uma desigualdade que
menoriza a sua população relativamente à das Regiões Autónomas.
Em 1998, o governo
PS lançou um referendo sobre a regionalização, ainda que não houvesse
delimitações consensuais para as regiões. O então presidente Mário Soares e o
chefe da oposição Marcelo Rebelo de Sousa eram contra a regionalização, coisa
que o povinho se não recordará quando o último se passeia por aí a distribuir
vacuidades, selfies e abraços; e no
PS, na área do governo, ao que sabemos somente Guterres e Ferro Rodrigues
apoiavam então, a regionalização. Claro que no referendo a votação foi
desfavorável à regionalização, atacada como geradora de maior despesa pública
ou, “para que não aparecesse mais nenhum Alberto João”, segundo terá
confidenciado uma eminência parda já falecida, Almeida Santos de seu nome.
Entretanto e
por determinação de Bruxelas, para efeitos de gestão territorial, foram criadas
as regiões NUT às quais se pretenderia atribuir uma coerência geográfica. Essa
coerência, como é apanágio da classe política vem sofrendo alterações
frequentes na sua configuração, resultantes da procura da maximização dos
fundos comunitários. Assim, a região Alentejo engloba Santarém e Rio Maior e a
Área Metropolitana do Porto enquadra Arouca mas não Castelo de Paiva, por
razões que só burocratas podem entender. Regionalização, à la carte.
Embora os
distritos não sejam uma realidade administrativa presente, extintos que foram
os governos civis em 2011 há, contudo, na administração central, áreas que
ainda usam serviços de ordem regional baseados nos distritos – caso da
Autoridade Tributária ou da Segurança Social; e outras que se balizam nas
regiões NUT, como as áreas da Saúde e da Educação. As eleições para a
Assembleia da República baseiam-se em listas de caráter distrital… uma área sem
dignidade constitucional ou legal! A incoerência revela a qualidade da classe política;
culturalmente indigente e francamente oligárquica.
Portugal será,
porventura, um caso raro na UE onde não há – exceptuando no caso dos Açores e
da Madeira – estruturas intermédias e democráticas – entre o governo central e
os municípios, para além da confusão entre distritos e regiões NUT de nível
dois e de as últimas não coincidirem geralmente com uma agregação de distritos.
Em contrapartida a segmentação dos municípios em autarquias como as freguesias
é um caso pouco comum na Europa.
A própria Constituição
não esclarece esta situação, passa ao lado da realidade ou, o que nos parece
mais adequado, a realidade ultrapassa e incumpre a Constituição; a tradição
totalitária passou em grande parte da oligarquia que dominava o regime fascista
para a classe política do pos-fascismo, de cariz neoliberal. E à sua
benevolente sombra permitiu alternativas capciosas à sua letra, vejamos como.
Como dissemos
atrás, a Constituição contempla, desde o seu início, a criação de regiões
administrativas cuja primeira referência aparece no artº 236.º 1., uma vez que
até aí as únicas referências a regiões contemplam exclusivamente as atuais
Regiões Autónomas. No mesmo artigo, n.º 3, refere-se que nas grandes áreas
urbanas poderão ser criadas “outras formas de organização territorial
autárquica”.
Mais
especificamente as regiões administrativas são referidas no artº 255º e
seguintes mas a sua existência em concreto fica condicionada a referendo (artº
256 nº 1. e 2.) exigindo-se para a validade da consulta que se “a maioria dos cidadãos
eleitores participantes não se pronunciar favoravelmente em relação a pergunta
de alcance nacional sobre a instituição em concreto das regiões
administrativas, as respostas a perguntas que tenham tido lugar relativas a
cada região criada na lei não produzirão efeitos”. Sintomaticamente, esta
preocupação de aparência democrática não se estendeu a outras questões, até de
maior relevância, como a adesão à então CEE, à intervenção do FMI em 1977 ou
1983/85, às intervenções militares no exterior no seio da NATO, sem qualquer
declaração de guerra ou, mais recentemente, do Tratado de Lisboa, ou da tutela
da troika. Do mesmo modo que o actual
regime oligárquico aceita que órgãos autárquicos sejam considerados eleitos
onde mais de metade da população não vota e que poderão ser geridos por uma
força política cujos votos terão alcançado, no máximo, 25% do eleitorado.
No âmbito das
regiões administrativas são definidas, entre outras, as funções de elaboração
de planos regionais, a participação nos planos nacionais (art.º 258º); a
constituição de assembleias regionais (com uma maioria de membros eleitos
diretamente e outros provenientes das assembleias municipais da região) (artº
260º); e ainda um órgão executivo, a junta regional (artº 261º) cuja
configuração não é feita na Constituição.
Contudo, para
ultrapassar a inexistência de regiões administrativas e para manter afastada
qualquer intervenção da população através do voto, foram criados vários tipos
de associações de autarquias, definidas na Lei 75/2013 de 12/9 – as áreas
metropolitanas, as entidades intermunicipais, as comunidades intermunicipais -
numa emanação do governo Passos que a dita geringonça vem subscrevendo até
agora... não sendo de esperar outra coisa porque o espírito oligárquico é o
mesmo. Aquelas estruturas, são criações que não contemplam as NUT, nem os
distritos ou coisa alguma; são emanações ad
hoc, concordantes com a incultura e os conluios locais, bem como com a
garantia de impunidade de que a classe política goza, nomeadamente no que se
refere aos gangs governamentais, perante a dormência do povo e o desinteresse
da tutela bruxelense para tudo o que não respeite o sistema financeiro.
Essas
estruturas não são elas próprias autarquias porque não há escrutínios populares
sobre a sua constituição ou atuação, embora passem por elas decisões relevantes
e, sobretudo negócios vultuosos e adjudicações de estudos, obras e prestações
de serviços; de facto, são sobretudo, centros de negócios. Em tempos antigos,
os presidentes de câmara eram controlados regionalmente por governadores civis,
de nomeação governamental; hoje há uma ligação direta entre os governos e os
todo-poderosos presidentes de câmara, em regra verdadeiros sobas locais e cuja
audiência junto do poder central é variável com a coloração partidária, com a
maior ou menor influência dentro do gang
que estiver instalado em S. Bento.
As Áreas
Metropolitanas de Lisboa e Porto, foram criadas em 2003 e são estruturas
administrativas regionais cuja atuação é definida por muitas dezenas de áreas
disciplinares. A esfera mais elevada de deliberação cabe a um conselho
constituído pelos presidentes de câmara que dificilmente terão capacidades
técnicas de apreciação sobre todas aquelas áreas mas que, certamente terão em
conta os interesses dos partidos a que pertencem. As Áreas Metropolitanas
comportam um conselho metropolitano, uma comissão executiva, um conselho
estratégico (consultivo) e quadros de pessoal.
As comunidades
intermunicipais constituem-se por contrato e têm como órgãos a assembleia
municipal, cujos membros proveem das assembleias municipais, um conselho
municipal que integra os presidentes de câmara, um a dois secretários
executivos escolhidos a partir de candidaturas e ainda um conselho consultivo,
podendo ser criados serviços de apoio técnico e administrativo. Tendo em conta
a enorme lista de áreas a contemplar, tudo indica que o recurso a serviços
externos será a regra.
Como se
observou, estas estruturas têm capacidades de decisão assinaláveis em projetos
e investimentos de grande monta que continuarão na competência de oligarcas
locais, que depois de eleitos não poderão ter os mandatos retirados, por mais
malfeitorias que façam e face aos quais a população não é consultada de nenhuma
forma. Porém, o governo Costa parece não dar grande relevância a essas
estruturas caras ao PSD preferindo a ligação direta às autarquias, no campo da
descentralização cujo acerto ficou suspenso para a continuação de um ajuste
negocial com o PSD, depois da romaria eleitoral de Outubro; mas que, certamente
não contemplará a criação das regiões administrativas como estruturas
intermédias eleitas para a gestão de tudo o que não for de âmbito
exclusivamente municipal, como os transportes, por exemplo. Em suma, PS ou PSD,
com ou sem a “esquerda” atrelada representam a continuidade do modelo
não-democrático de gestão autárquica.
No fundo está
a predominância do centralismo que domina a classe política, sobretudo as
coortes acampadas em Lisboa, que não querem uma redução da parcela do pote que
controlam, preferindo articular-se com presidentes camarários, em muitos casos,
pobres diabos com pouca audiência junto dos respetivos chefes partidários
acampados na capital mas que servem para garantir o controlo partidário das
seus municípios. Por outro lado, esses pobres diabos não são assim tão pobres,
resvalando para promiscuidades entre a autarquia e os interesses de empresários
locais que configuram corrupção e que tiveram grande interferência nas
urbanizações e licenciamentos no âmbito da bolha imobiliária que rebentou em 2008.
O espírito
centralista, de big brother,
manifesta-se também no artº 262º da Constituição, onde se define a presença de
um representante do governo, à semelhança dos avatares que são nomeados como
representantes da República nas Regiões Autónomas. Não se percebe muito bem se
são emanações de uma ideia semicolonial dos poderes em Portugal, relativamente
aos povos dos arquipélagos ou, de um vulgar espírito de controlo oligárquico.
Como esse
espírito oligárquico e autoritário é transversal na classe política,
representada ou não na Assembleia da República, seja nos grupos conservadores,
nos liberais, nos sociais-democratas, lepenistas ou trotsko-estalinistas –
ninguém, no seu seio, coloca, seriamente a questão da regionalização
democrática. Por outro lado, os grandes partidos da “esquerda” sabendo que não
iriam controlar região alguma, em caso de eleição de autarcas regionais, não se
ocupam com o assunto.
Um exemplo
típico da luta entre Lisboa e a região Norte, aqui, com a predominância da
classe política portuense, é a disputa em torno da estrutura comunitária do Agência Europeia de Medicamentos, EMA, a
trasladar de Londres, embora não esteja garantido que o seu destino seja
Portugal.
Note-se que as
receitas fiscais das autarquias são cobradas pela Autoridade Tributária, peça
chave da administração central que arrecada 5% da receita do IMI como encargo
de cobrança; assim como é o governo que distribui
as verbas Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF); do Fundo Social
Municipal (FSM) este, destinado a compensar as despesas com as atribuições
transferidas da administração central para os municípios; e ainda uma
participação no IRS. Para 2017
esses montantes são: FEF – € 1839.6 M, FSM - € 163,3 M e 5% do IRS – 452,0 M.
Este e outros textos em;
[1] Estas excepções corroboram as já existentes
no tempo do fascismo que, numa classificação dos concelhos entre urbanos e
rurais, repartindo estes últimos em três ordens, considerava fora dessa
classificação, os casos especiais de Lisboa e Porto. Estas excepções, por seu
turno já vinham de 1896.
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