Está a abrir a primeira época da colheita
do IMI deste ano. Em dez anos a sua receita mais que duplicou enquanto os
rendimentos do trabalho aumentaram 20%. Democracia ou cleptocracia?
1 – Incumprimento constitucional
O subdesenvolvimento pode definir-se através de três
caraterísticas. Empresas estrangeiras que controlam o essencial da economia;
capitalistas autóctones entregues a atividades de menor rendabilidade e
dependentes de baixos salários; um regime político oligárquico que, mesmo
quando adornado com leis e eleições, funciona na base da excepção, da
manipulação e da repressão, aplicadas por aparelhos de estado ávidos agentes da
punção fiscal.
O artº 65 da Constituição Portuguesa define muito claramente que
incumbe ao Estado “programar e executar uma política
de habitação inserida em planos de ordenamento
geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a
existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social” (2. a);
e promover…a construção de habitações económicas e sociais (2.b), entre outros
compromissos colocados ao governo central, aos regionais e às autarquias.
A classe política desprezou completamente a Constituição no
capítulo do urbanismo e da habitação, subordinando esses assuntos essenciais na
vida de todos, às conveniências
do mercado; mas, não se dispensando de onerar a
população com um tal IMI – Imposto Municipal sobre o Imobiliário. E, daí que
tenha promovido soluções individualizadas para as famílias, entaladas entre a
ganância dos bancos, a especulação ou a má qualidade dos equipamentos
promovidos por imobiliárias e construtores, com o aval dos autarcas.
2 – Uma santa aliança
Nos anos 80/90 os bancos viram limitadas as suas possibilidades
de concessão de crédito junto das empresas, mormente industriais, cujas
instalações já lhes estavam dadas como garantias. E descobriram que as famílias
tinham uma boa capacidade de criação de poupança, mesmo num contexto de baixos
rendimentos relativos. Assim surgiu o mercado como panaceia para a solução de
uma das necessidades básicas de toda a gente – a habitação.
Tornava-se necessário encontrar empreendedores imobiliários,
sabendo-se que a compra e venda de terrenos e casas não seria difícil numa
conjuntura favorável, desde que se gerasse a especulação conveniente para
acelerar o processo; e muitos industriais reciclaram-se no imobiliário.
Arranjar trolhas convertidos em construtores também seria fácil, bastando ter
umas betoneiras e mão-de obra africana ou de Leste, clandestina e mansa.
Um terceiro elemento seriam os executivos autárquicos desejosos
de mostrar obra e que vieram a facilitar as urbanizações de solos agrícolas, ao
arrepio de qualquer planeamento. Quem circular, por exemplo, pelo interior do
concelho de Oeiras pode observar uma amálgama de terrenos baldios, edifícios
empresariais e núcleos residenciais; a obra de Isaltino, um autarca modelar.
Como não há almoços grátis, toda esta engrenagem ficava
dependente, na raiz, da boa vontade de autarcas compreensivos desde que
houvesse proveitos para os próprios ou para os respetivos partidos.
Como acabou esta volúpia, é uma conhecida e dolorosa estória.
Como os bancos, esgotadas as poupanças lusas, se vinham abastecendo de capitais
no exterior, quando esse canal fechou, na sequência da crise de 2008, veio o
descalabro, selado pelas sábias
palavras de Carlos Costa, o (ainda) governador do Banco de Portugal, numa
reunião com os banqueiros dia 4/4/2011 às 10.30 - “Vocês não podem continuar a
financiar (as emissões de divida pública). O risco é afundarem-se os bancos, a parte sã, e a República que é a parte
que criou o problema”[1].
3 - A ilegitimidade de um IMI sobre a habitação
Ao desenvencilhar-se da obrigação constitucional, o Estado e os
seus sucessivos ocupantes aos vários níveis, endividaram as famílias,
oneraram-nas com juros para toda a vida e são intratáveis nas operações de
despejo de quem não poder pagar as prestações na sequência de desemprego; este,
entretanto, facilitado pelas regras que o mesmo Estado impõe.
Não houve procura de escala, de menores custos obtidos pela
satisfação das necessidades de habitação através de entidades coletivas; uma
política que poderia ter evitado o recurso à compra de habitação, à amarração a
uma dívida eterna e que facilitaria a mobilidade; mas… que enriqueceria menos o
sector financeiro, empreendedores imobiliários e autarcas corruptos.
A satisfação da avidez das oligarquias faz-se com a incidência
de impostos sobre o rendimento, sobre transmissões/transações e sobre a
propriedade/capital. Em Portugal o IMI, com o IUC, são os únicos impostos sobre
a propriedade, uma vez que títulos, ouro ou depósitos são tributados apenas
pelos rendimentos relacionados, se existirem.
Um imposto é legítimo se dele resulta aplicação em bem-estar da
população e se é visível equidade na sua distribuição pela sociedade; se isso
não acontece, não se fala em tributação mas, de predação, de confisco.
Todos percebem que há uma ligação entre os serviços prestados
por escolas, hospitais e ação social, tal como a necessidade de abastecer a Segurança
Social e, de pagar impostos para esses fins. Muito menos justificáveis, em
termos de bem-estar são os gastos com as forças
armadas ou, no capítulo da legitimidade, a
dívida
pública gerada a favor do sistema financeiro. Quanto
à equidade, o IVA é um caso conhecido onde a mesma não existe.
No caso da habitação, o Estado, na sua globalidade não investiu,
nem investe nada de relevante, arrogando-se ao direito de lhe aplicar um
imposto, como se aquela fosse tão supérflua como os refrigerantes ou nociva
como o tabaco. Como se a habitação a que as famílias foram obrigadas a comprar
seja, de facto, um capital acumulado e menos um instrumento de satisfação de
necessidade elementar. Por outro lado, mesmo havendo em muitos casos hipoteca
bancária e parte do empréstimo em dívida, o IMI incide sobre a totalidade do
valor patrimonial atribuído pela AT e é totalmente da responsabilidade do
onerado proprietário; mesmo pela parcela que ainda não pagou. Se tiver
dificuldades, o banco apodera-se do imóvel e o Estado avança com penhoras; se o
banco tiver dificuldades, irmanado com a classe política, impõem,
concertadamente, os custos do resgate à população. Dizem que vivemos em…
democracia.
4 – A predação
O IMI, é um expediente da classe política para angariar fundos
sobre a grande maioria da população, deixando de fora os imóveis do Estado
central, dos regionais e das autarquias, suas associações e federações,
sabendo-se que a Autoridade Tributária retém 5% da receita de IMI, por conta
dos encargos administrativos e de cobrança. Ficam isentas as associações ou
organizações religiosas; as associações sindicais, patronais e de profissionais
liberais; as pessoas coletivas de utilidade pública, as IPSS e equiparadas; as
empresas não financeiras instaladas nas zonas francas da Madeira ou de Santa
Maria; os estabelecimentos de ensino particular e as associações desportivas,
bem como coletividades de cultura e recreio, ONG e outro tipo de associações
não lucrativas desde que utilidade pública.
Para além das piedosas isenções descritas no parágrafo anterior
há ainda a considerar aquelas que, de facto, têm um caráter social e que se
dirigem a habitações a que a AT atribui um valor patrimonial inferior a 10 anos
de IAS (Indexante dos Apoios Sociais[2]) e na
qual os seus proprietários (se as habitarem) tenham um rendimento anual
inferior a 2.3 vezes o valor anual do referido IAS.
Concretamente, fica-se isento se o rendimento familiar for inferior
a €969 mensais e o valor patrimonial abaixo de € 58985. A habilidade fiscal
pode ser exemplificada através de um caso concreto, uma vez que sobre o
património imobiliário gerido pela AT, não há informação estatística, é
segredo. Uma casa concreta avaliada em 2006 em € 19800 foi, sete anos depois
reavaliada em € 89000 o que, em época de quebra dos preços no imobiliário é, no
mínimo um acto revelador de uma pulsão predatória, visando aumentar
substancialmente a receita de IMI e, simultaneamente, reduzir na mesma
proporção, o número de isenções.
No gráfico que se segue, a evolução dos salários e dos
rendimentos familiares revela uma tendência para a estagnação, que a crise e a troika vieram consolidar, consolidando
também em Portugal uma região periférica onde, historicamente, ancora um
capitalismo atrasado, dependente de baixos salários e de baixas qualificações.
A evolução da receita de IMI revela a necessidade de
abastecimento financeiro de autarquias onde confluem os interesses das
estruturas partidárias e das famílias locais que preenchem os quadros
autárquicos, perante uma população afastada de qualquer poder de decisão. Uma
situação que replica o caciquismo já anterior à I República com uma diferença;
o analfabetismo da população foi substituído pela iliteracia.
Sem prejuízo da construção de um sistema fiscal mais simples e
eficaz, sem a miríade de “taxas e taxinhas” que arrastam consigo uma pesada e
kafkiana burocracia, entende-se que um IMI terá apenas algum sentido nas
situações em que:
- os imóveis não se destinem a habitação
- os imóveis se destinem a habitação de
terceiros que não os seus proprietários ou, forem considerados de luxo,
neste caso, em qualquer circunstância;
- constituam segundas habitações, qualquer
que seja o seu valor;
- os prédios estejam abandonados, devolutos ou arruinados, nesse caso, com taxas substancialmente agravadas, tendo a expropriação como cenário final, ao fim de certo número de anos,
Este e outros textos
em:
O IMI é como uma mesada que as boas famílias são forçadas a dar aos maus filhos para manterem os vícios e não estrilharem!
ResponderEliminarPlenamente de acordo! Só uma ligeira precisão... o IMI não é o Imposto Municipal sobre os Imóveis. Apenas é o Imposto Municipal sobre os Imóveis Urbanos, porque no Imposto Municipal sobre os Imóveis Rústicos ninguém mexe, há mais de 50 anos e a cleptócracia,
ResponderEliminarneste caso, ainda é mais venenosa.
E tal como o Al Capone , ou pagas ou partimos-te as pernas !
ResponderEliminar