Este texto constitui a conclusão de:
“O capitalismo predatório e a estupidez
patriótica (1)”
divulgado recentemente neste blog
SUMÁRIO
3
– A globalização existe e não volta
atrás
4
– Como ver claro, hoje, o patriotismo
5 - O nacionalismo é uma invenção interesseira. Notas heréticas sobre
o caso português
A estupidez patriótica e
a globalização (2)
3
– A globalização existe e não
volta atrás
O
processo histórico da globalização acelerou-se brutalmente nas últimas décadas
e constitui uma “einbahnstrasse” (via de sentido único), que se coaduna com a
natureza humana, propensa à troca de bens, experiências, culturas, de
satisfazer a sua inata curiosidade, a sua avidez pelo conhecimento. O
pensamento progressista que considera o trabalho como o elemento base da
produção e os trabalhadores como o agente de uma verdadeira transformação
social sempre foi internacionalista; sempre defendeu a unidade dos
trabalhadores do planeta, independentemente de culturas, credos e hábitos
distintos.
Nas
últimas décadas o capitalismo passou de uma fase de rivalidades
inter-imperialistas, na qual os povos eram enredados e tornados inimigos uns
dos outros, para uma fase imperial, baseada na efectiva unidade das suas
instituições, contra os povos, no seu plural conjunto.
A
sacrossanta e inelutável procura da maximização do lucro promoveu, entre outros
aspectos:
- Um núcleo poderosissimo de instituições de carácter mundial, as multinacionais, o sistema financeiro e o capital mafioso que enformam a realidade política, económica, social e ideológica da Humanidade;
- A sua actuação processa-se numa lógica mundializada, utilizando enormes e complexas redes logísticas para a troca de mercadorias, onde circulam milhões de toneladas de matérias-primas, bens semi-acabados, componentes, bens acabados; e, ainda, pela utilização de plataformas técnicas para a troca instantânea de informação;
- Nessa lógica, a produção é segmentada tecnicamente, desintegrada e repartida por várias regiões, países ou continentes, retirando aos trabalhadores poder para a reivindicação localizada; a sua integração como processo global, gerador de produto final, cabe também ao capitalista;
- Se a circulação de consumidores (turistas) é liberalizada e encorajada, a de trabalhadores está muito longe de obedecer ao mesmo padrão, pois a aposta nas diferenças salariais e laborais justifica a existência de barreiras (fronteiras) e o consequente embaratecimento relativo do preço do trabalho;
- O processo técnico, mais complexo pela incessante incorporação de tecnologias, promove fortes crescimentos da produtividade e, tal só tem sido possível com um aumento assinalável das qualificações dos trabalhadores; contudo, isso é antagónico com o nivelamento por baixo das remunerações e conduz ao aumento das desigualdades na repartição dos rendimentos;
- Esse processo técnico é acompanhado pela extensão da gama de competências a repartir por muitos trabalhadores, pela desmaterialização da informação conducente à decisão; e, portanto, caracteriza-se pelo carácter colectivo e integrado, em rede, do processo de decisão;
- Perante a capacidade colectiva dos trabalhadores para assegurar todo o processo de produção e as decisões que lhe são inerentes, é contra-natura que a integração da produção continue a depender do capitalista; os conjuntos de trabalhadores, pelo domínio efectivo do processo produtivo tornam tecnicamente inútil a existência dos patrões, dos capitalistas, estando aberto o caminho para a coletivização dos meios de produção e para a autogestão (1);
- A financiarização dos objectivos das empresas, a sua dependência dos bancos e da especulação, constitui uma forma de criação de riqueza monetária a que não corresponde criação de riqueza pelo trabalho. Por outro lado, tornou trivial a existência de desmantelamentos de empresas, desemprego, quebras salariais, trabalho não pago, precariedade, a mercantilização da própria vida humana; a sua gula arrasta mesmo países de grande dimensão para a ruina.
- Politicamente, a ideologia neoliberal é assumida na prática por partidos inseridos no próprio aparelho de estado, manipuladores de sistemas de organização política anti-democráticos ou formalmente democráticos e em ligação promíscua com grupos de media; estes, com um papel fundamental na promoção da ideologia conveniente para a continuidade do sistema capitalista;
- Um agravamento brutal da pegada ecológica resultante da ideologia de crescimento infinito fomentado por um consumismo tornado insaciável pela máquina publicitária e que gera desequilíbrios em toda a cadeia da vida no planeta, activada pela interferência de grandes empresas farmacêuticas, “traders” de bens alimentares e monopolistas de sementes;
- A gestão capitalista necessita de uma dinâmica constante de concorrência entre entidades regionais, nacionais e internacionais e das desigualdades daí resultantes, promovendo miséria, migrações e guerras;
A
gestão do capital exige a construção de grandes espaços territoriais, onde as
mercadorias e os capitais circulem sem entraves e daí a existência de
instituições globais, sob a forma internacional (FMI, OMC…) ou supranacionais
(UE, NAFTA, NATO. BCE…) para a regulamentação ou desregulamentação da actuação
dos capitalistas.
Porém,
as nações continuam a ser importantes para a gestão global do sistema, como
forma de segmentação, divisão e acantonamento dos povos e dos trabalhadores; e
como base material para o fomento de uma ideologia adequada à manutenção dessas
divisões – o nacionalismo e o patriotismo, bastas vezes condimentados com
factores religiosos, étnicos ou culturais. E as estruturas nacionais do poder
político e económico convivem, hoje, bastante bem com a sua inserção em
estruturas supranacionais e a tutela parcelar de instituições internacionais,
no seio da hierarquia das nações.
Pode
dizer-se que o nacionalismo é a ideologia, elemento racional, estruturante, que
pretende distinguir e unificar um povo e o patriotismo um elemento irracional,
afectivo, o sentimento de pertença nacional, sobretudo através dos seus
símbolos externos, o rei/presidente, o hino e a bandeira. O primeiro é um
instrumento de política global, o segundo um instrumento para arregimentar e
arrebatar emocionalmente multidões, em regra, tanto mais patrióticas quanto
ignorantes; ambos são, tendencialmente, excludentes do “outro”, do não
nacional.
A
nação foi inventada enquanto forma de organização social associada a uma
determinada matriz de relações económicas e, portanto, traz inerente a
necessidade de um regulador dessas relações – o Estado - dentro de uma clara
delimitação territorial de actuação, onde lhe é atribuido o monopólio da
emissão de leis e do poder coercivo para a sua aplicação, através da utilização
do pesado braço dos tribunais, dos polícias e dos militares.
Essa
imbrincação entre nação, matriz de relações económicas e Estado, constituiu o
triângulo de fundamentação do capitalismo e do poder burguês, em antagonismo
com territórios unificados em torno de uma figura real com poder absoluto,
acolitado por uma casta de “landlords” que mantinha um controlo legal sobre as
enormes massas de camponeses miseráveis, tudo isso, característica dos tempos
pré-capitalistas. Esta mão de obra potencial, disponível, era absolutamente
necessária para as manufacturas capitalistas, para alimentar o comércio
colonial. Sem prejuizo das ideias democráticas de muitos teóricos do século
VXIII, a verdade é que a liberdade dos camponeses face aos nobres e ao clero,
com a sua transferência para cidades, coincidia com um novo jugo, às mãos dos
capitalistas.
- E a partir daí passou a considerar-se, num género de “fim da História”, que os povos têm de estar organizados em nações, havendo mesmo a ideia, nos finais do século XIX e princípios do século XX, de que a cada povo deveria corresponder um Estado-nação… desde que fosse em territórios de potências rivais. A civilizada Inglaterra defendia o nascimento de nações em territórios austro-húngaros e turcos mas, esmagava barbaramente os irlandeses. E quanto aos povos colonizados, não lhes era atribuida uma dignidade, para além da sua identificação como tribos de selvagens.
- Dentro da mesma lógica de “fim da História” tomavam-se as relações económicas capitalistas em consolidação como o estado supremo da civilização, desde que vencido o arcaismo feudal, o poder da nobreza e o obscurantismo religioso, nomeadamente papista. E ainda hoje, mesmo que na sua putrefacta ordem neoliberal, o capitalismo e os seus beneficiários e defensores – banqueiros, especuladores, patrões, mandarins, plumitivos, militares e académicos – continuam a não querer admitir os ventos de mudança para um novo paradigma de organização económica baseada na propriedade colectiva, na autogestão e na democracia direta.
- O terceiro elemento do triângulo atrás referido é o Estado e a organização política que lhe é inerente. No século XVIII, os burgueses e pequenos proprietários de terras consideravam como ordem natural que o poder e a representação política afastasse liminarmente escravos e proletários, considerados embrutecidos, analfabetos e sem propriedade para gerir. Estavam também afastadas as mulheres que no romantismo burguês deveriam ser esposas amantíssimas, parideiras, fadas do lar e obedientes ao marido; e já não seres sem alma, maculadas eternamente pelo pecado original, embora muito úteis para o trabalho e para fornicar, mesmo que a legitimidade do acto sexual estivesse restrita à necessária reprodução humana.
Mais do que as questões da representação
na gestão do Estado, a questão essencial é, se será preciso um Estado, com
prerrogativas além e acima dos indivíduos, com toda a experiência conhecida de
apropriação privada por grupos sectários e mafiosos, com um poder real superior
ao das pessoas não investidas do seu poder. Tendo o Estado vindo a assumir um
papel acrescido nas sociedades – Estados nacionais e supranacionais – e a revelar
contornos mais e mais anti-democráticos e autoritários, cabe perguntar se é
desejável a instituição da utopia de Orwell. Tendo em conta que o Estado
moderno nasceu e tem vindo a crescer de forma asfixiante à sombra, para
proveito e, por necessidade do próprio capitalismo, estando este a dar sobejas
provas de incapacidade de proceder ao bem-estar social e com um pendor
fascizante e genocida, é intuitiva a pergunta: o Estado moderno deverá ou
poderá subsistir à superação das nações e do capitalismo?
O
primeiro caso de aplicação feliz da ligação entre nação, Estado e capitalismo,
no final do século XVIII, foi a criação dos EUA. Os colonos americanos, em rota
de colisão com a suserania inglesa, adoptaram uma forma original de organização
social desligada de um rei-chefe de igreja e fundaram uma república; esta, por
sua vez veio a gerar um poder baseado numa nova aristocracia, a do dinheiro e
regente de um texto fundamental com uma imutabilidade quase bíblica. Essa
aristocracia soube inventar um sistema de representação duradouro (dessa
arristocracia), imutável como convém ao mundo dos negócios e que acelerou um
crescimento capitalista imparável que durou mais ou menos dois séculos. O
recurso sistemático à guerra, em nome de um “interesse nacional” que tem por
detrás uma tara moralista de povo eleito pelos deuses, é mesmo peça central do
seu temporário sucesso.
Logo
a seguir à independência americana deu-se a Revolução Francesa, cuja
radicalidade foi a matriz do subsequente estabelecimento dos poderes burgueses
na Europa e a base para a própria
superação dos últimos, com as ideias de emancipação das classes laboriosas, de
cariz anarquista ou marxista, de desapossamento das burguesias e extirpação do
capitalismo.
Os
poderes das nações constituidas à imagem do modelo europeu ou americano, a
partir do século XVIII não podendo ocultar a história dos povos, anteriormente
à sua constituição como Estados-nação, tendem a estabelecer uma continuidade
entre os tempos passados e a realidade posterior, para firmarem a sua
legitimidade e justificarem a aplicação dos rigores da lei na cabeça dos
recalcitrantes.
No
caso dos EUA, as tribos índias foram dizimadas e os sobreviventes acantonados
em reservas assistindo-se, muito posteriormente, a tentativas de integração
desse passado, dos restos das civilizações índias, na história pátria, numa
lógica de folclore para consumo turístico. Em França, o apagamento do passado
feudal e do domínio da nobreza fez-se pela total reestruturação administrativa
do território e eliminação das designações regionais que se prendiam com esse
passado. Em contrapartida, elogia-se Vercingetorix e cria-se a ficção
Asterix para vincar a resistência dos
antepassados ao invasor; ao mesmo tempo que se tenta esquecer a falta de
“patriotismo” do colaboracionista fascista Pétain e seus apaniguados, com os
nazis.
Na
América Latina, as oligarquias de raiz europeia ou mestiças ganharam as
independências contra a Espanha, mantendo as populações índias, muitas vezes
maioritárias, marginalizadas ainda hoje, como em Chiapas ou, como no caso do
povo Mapuche. Porém, não deixaram de reivindicar as grandezas aztecas, maias ou
incas como feitos nacionais, para justificar a sua unidade nacional em
fronteiras mais ou menos contingentes.
E,
em África, porque aí as nações têm uma criação mais recente, os casos evidentes
da sua artificialidade sucedem-se em cada canto do mapa. O Ghana foi buscar o
nome a um Estado existente milhares de quilómetros a noroeste, dez séculos
atrás; a federação nigeriana liga os restos do califado de Sokoto a norte, com
os povos da floresta a sul; a partição recente do Sudão apenas corrobora uma
separação ancestral entre os povos, unidos pela ocupação inglesa; e o Congo é
apresentado como um estado sem qualquer unidade para além de ser herdeiro das
terras confiadas, no final do século XIX, ao rei dos belgas.
Os
exemplos da artificialidade das estados-nação e dos seus respectivos aparelhos
bem como da sua inserção nos objectivos do capital, hoje globalizado e só
subsidiariamente nacional, poder-se-iam prolongar. Mais adiante observar-se-á,
muito sumariamente, o processo de construção do Estado-nação português.
4
– Como ver claro, hoje, o patriotismo
Todo
este conjunto de notas visa explicitar que o nacionalismo e, menos ainda o patriotismo,
não constituem uma inerência à espécie humana mas, um elemento histórico
relacionado com a formação social específica, imanente às relações de produção capitalistas.
E que encontra no terreno, hoje, todas as condições materiais e objetivas para o
seu abandono, como atrás se resumiu.
A
extirpação do capitalismo não pode ser levada a cabo exclusivamente num só
país. Não somente pelos perigos de abastardamento como os que se verificaram na
extinta União Soviética (entre outros casos) mas, sobretudo, porque o
capitalismo é um sistema global, imperial e invasivo de todos os espaços
territoriais, das relações sociais e que conspurca mesmo a nossa forma de
pensar e agir.
Hoje,
as nações têm uma autonomia muito menor do que antes, sobretudo se pequenas e
pobres, com regimes pseudo-democráticos, patronatos cúpidos e incapazes além de
mandarinatos corruptos, politica e materialmente. O que existe é uma densa
articulação da actividade dos trabalhadores de todos os países que promove uma
total interdependência entre todos.
Países
pequenos como Portugal, há várias décadas num ciclo de progressiva inserção
numa rede alargada de estados, onde a decisão está longe, dentro de um
triângulo Londres-Berlim-Milão, não têm dimensão humana e política para se
livrarem, isolados, do aperto do capital financeiro e da “troika”. E, não tendo
dimensão, dificilmente têm capacidade.
Essa
pressão externa é gerida, intra-muros, pelo mandarinato, neste momento aqui chefiado
por Cavaco e pelo matraquilho PPC e, a seguir, reencaminhada para incidir sobre
a multidão, procurando-se garantir as condições de sobrevivência para o
patronato; embora se saiba que há sectores, como o da construção civil,
sobredimensionada pela política de crédito fácil levada a cabo pelos bancos,
durante muitos anos, que terão de encolher e bastante. Dentro do cenário
paroquial há, pois uma luta entre o patronato que tenta passar as suas
dificuldades para o mundo do trabalho e, a multidão, que procura resistir, como
pode, a esse assalto.
É
óbvio, que essa resistência poderá ser muito maior do que a actual, com
esforços decisivos e generalizados de auto-organização, de redes de activistas
em articulação flexível, com ações de massa e de desobediência civil,
susceptível até, de arrancar da sua letargia, muitos dos instalados à sombra da
frondosa árvore da esquerda institucional e dos sindicatos.
Uma
forma de resistência interessante mas, limitada, é constituida pelas formas de
cooperação produtiva, nomeadamente na exploração coletiva de hortas, formas
defensivas de as pessoas conseguirem alternativas às quebras de rendimento
resultantes do desemprego e do assalto fiscal, Como é evidente, do ponto de
vista económico, essas iniciativas não têm provocado grandes preocupações aos
capitalistas e aos seus capatazes governamentais. Politicamente, porém, essas
iniciativas são muito relevantes porque geram demonstrações práticas de
autogestão, de produção coletiva, da ausência de chefias ou de diferenciações
entre trabalhadores, provas cabais da inutilidade dos patrões. São exemplos
práticos de organização post-capitalista.
Se
uns tarados mantêm armazenados em dois locais do planeta, as únicas colónias de
virus da varíola, o capitalismo terá de ficar apenas nos livros de história, na
memória, associado a roubo, sofrimentos e guerra. Isso não se consegue sem
esforço, sem sacrifício ou com espíritos piedosos de complacência.
A
insistência na tecla patriótica tem implícito que nós, trabalhadores,
precários, desempregados, pensionistas, temos de nos unir aos capitalistas lusos
contra os banqueiros anónimos que tanto podem ser alemães, como americanos como
portugueses. E, unidinhos aos nossos compatriotas capitalistas, será que
garantimos que eles não nos despedem? Que não se vão furtar à entrega de parte
do produto do nosso trabalho à segurança social que paga a reforma dos nossos
pais? E temos a certeza que vão vender os carros de topo de gama para que o IVA
não suba nos bens essenciais que consumimos? E irão investir aqui o que
acumularam em “off-shores”, para criar postos de trabalho ou irão antes,
continuar a preferir utilizar esse dinheiro na especulação que, até será contra
os interesses do Estado português que os abastece com os fundos da UE. Quem
paga os estragos disto?
Ninguém
acreditará nos exemplos que demos. No entanto, é esse o conteúdo escondido na
lógica dos sacrifícios para “todos”, do “temos que produzir mais”, da ladainha
patriótica, da não inclusão dos assaltados em Portugal, no destino comum da
multidão mundial; é um discurso subliminar de dividir para reinar.
Na
realidade, produzir mais, hoje, não é à custa de mais emprego mas, de aumento
de trabalho, sobretudo não pago, para quem ainda o tem. Falar de aumento da
produção “nacional” hoje, sem alteração da correlação de forças entre o
trabalho e o capital é a aposta no modelo social e no paradigma económico que conduziu
parte substancial da dos humanos ao desastre actual. É uma proposta
conservadora, de perpetuação do capitalismo, da sua revitalização. É proposta
que oculta que o mesmo Estado que impõe cortes nos salários e subsídio de
natal, que vai promover um mais fácil despedimento, que reduz as deduções no
IRS e aumenta os impostos garante, no primeiro minuto após o corte do “rating”
a bancos portugueses, apoiar, ajudar, financiá-los.
É
trágico demais para ser cómico. Alimenta o estado de passividade da multidão em
geral e evidencia as enormes responsabilidades dos sindicatos e da esquerda
“paralamentar” que se arvoram em condutores omniscientes das massas populares
no projeto de re-fascização em curso. Qualquer restrição da luta ao quadro
nacional é uma forma de a conduzir a um beco sem saida que alimenta o desalento
e a desesperança.
Quando
uma empresa ou um negócio tem dificuldades financeiras, os seus proprietários
têm na frente várias opções: encerram-na, capitalizam-na com fundos prórios ou
alheios ou, simplesmente venden-na pelo melhor preço. Quando se trata de um
banco, as relações de subordinação dos mandarins aos banqueiros transferem o
problema para o Estado e, numa carambola, a tacada cai em cima da multidão,
absolutamente alheia às dificuldades dos usurários. O mandarinato é o agente da
excepção que transforma as dificuldades dos banqueiros num problema “nacional”.
Foi isso que aconteceu com o BPN, no qual a intervenção do Estado, afastou de responsabilidades
os pouco recomendáveis donos da SLN.
Essa
intervenção é mesmo o espelho dos mandarins portugueses e do seu comportamento
criminoso. A nacionalização foi feita para não prejudicar todo o sistema
bancário luso, como foi afirmado pelo governo de Sócrates - por ordem dos
principais banqueiros acrescentamos nós - embora o peso do BPN seja escasso sector
bancário. Com ar pungente terão referido a necessidade de evitar o desemprego
de muitos trabalhadores. Depois de lá estarem enterrados € 4500 M do erário
público, o governo reza para que um banco angolano se digne dar uma esmola de €
70.6 M pelo BPN. E para cúmulo, a célebre Moody’s qualifica como lixo vários
bancos lusitanos, decerto não por contágio da objectiva falência do BPN,
conhecida há três anos mas, por insuficiências próprias.
E
isso no mesmo dia em que um burocrata neoliberal com o chapéu de ministro vem
divulgar mais um assalto ao rendimento de grande parte da população. Aqueles
cuja situação não permite pagarem a prestação da casa ao banco; que têm de
escolher entre os medicamentos e o prato da sopa podem pedir a Cavaco, Passos
ou Gaspar o mesmo pronto apoio financeiro do Estado? Claro que não, uma vez que
eles e os leitores não estão do mesmo lado, não estão numa mesma “pátria”.
Mesmo
numa lógica de sacrifício coletivo, de “todos”, seria defensável que o esforço
fosse proporcional ao rendimento de cada um e, portanto, incluísse uma
redistribuição da riqueza, sabendo-se que Portugal tem uma sociedade das mais
desiguais da Europa. Nada disso vem acontecendo, bem pelo contrário.
Beneficiando
da relativa apatia social, da ineficácia da esquerda institucional e dos
sindicatos, o capitalismo português, fiel intérprete do catecismo neoliberal,
transfere os custos do desequilíbrio financeiro do Estado e dos bancos para os
95.1% da população com mais de 15 anos que não vivem de juros, lucros ou rendas
(2). Tudo isto revela que a solidariedade nacional é uma ficção e que,
contrariamente às leis do mar, o capitão é o primeiro a abandonar o navio à
deriva, depois de pilhar os marinheiros.
Em
termos práticos, é necessário encarar de modo claro e prioritário a construção
de uma rede de movimentos, articulados, com trocas de experiências e ajuda
mútua. O internacionalismo da multidão, dos roubados e ofendidos, esquecido
durante muitas décadas está na ordem do dia e ressurge, claramente, nas
movimentações e nos protestos de massa que se vão verificando na Europa e não
só. O internacionalismo da multidão deve ser a resposta aos vários fora em que
se articulam os capitalistas, os seus estados e os seus partidos que até
utilizam o nome de “internacional socialista”, para um conjunto de gangs
mafiosos. Por outro lado, ideias elitistas e desligadas da multidão como o
Partido da Esquerda Europeia, não respondem minimamente aos anseios dos povos
agredidos pela deriva neoliberal do capitalismo, que aliás, desconhecem a sua
existência.
As
maiores probabilidades de sucesso e de transformação social sucederão no âmbito de ação coordenada entre
a multidão dos países da UE em processo de esmagamento pelo compressor
neoliberal, nomeadamente numa articulação entre todos os povos ibéricos.
Acreditamos mesmo que uma continuada articulação entre os povos ibéricos seria
suficiente para fazer desabar a máquina que abastece os banqueiros à custa das
dívidas soberanas.
5 - O nacionalismo é uma invenção interesseira. Notas heréticas
sobre o caso português
Desde
que se inventaram as nações, no século XVIII, foram criados, como produtos
simbióticos, o nacionalismo e o patriotismo. Este último tem servido como um
analgésico que se usa quando se tem dores e que fica no armário quando se está
de saúde; mas, como se sabe, o analgésico visa esquecer os efeitos dos males e
não a superação das suas causas.
Na
escola - e isso não é exclusivo da ocidental praia lusitana - procura-se
remontar o amor à pátria a tempos antigos. Como em todas as nações procura-se,
em Portugal, fundir numa continuidade inelutável a organização social antes e
depois da criação efectiva da nação, quando o país deixou de ser a propriedade
fundiária de uma família. Esse contínuo pretende aplanar as diferenças entre
territórios pertencentes a um dignitário chamado rei, com poderes de os ceder
em alianças matrimoniais, ou mesmo através de venda, por um lado e os
Estados-nação, em que é atribuida uma nacionalidade aos residentes, por outro.
Em
Portugal, o poder inventou um Viriato para demonstrar que já havia um forte
sentido de independência, de identidade nacional, entre os pastores da serra da
Estrela, muitos séculos antes da revolta de um adolescente contra a mãe, em
meados do século XII. Curiosamente, nesse intervalo de um milénio, nada consta
de revoltas emancipalistas contra os romanos, as monarquias sueva ou
visigótica, como se não conhece qualquer defesa encarniçada contra os infiéis
sarracenos. Os manuais escolares mais antigos quase nada referiam dos reinos
visigótico, suevo ou, menos ainda dos muçulmanos; estes só eram sujeitos da
História porque inimigos dos esforçados principes cristãos, no âmbito de uma
tal “reconquista”. Há uma tendência para o estudo histórico das nações e, muito
menos para a dos povos ou dos territórios onde se alojaram as nações.
Em
meados do século XII, os senhores feudais de Entre Douro e Minho não gostavam
da vassalagem a que eram obrigados perante os seus congéneres galegos, por
imposição do rei de Leão, suserano último de ambos os grupos. Depois de muita
luta e do reconhecimento papal contra a entrega de ouro, constituiu-se o reino
de Portugal, cuja diferenciação face à Galiza era nula, exceptuando o conflito
entre os barões de ambos os lados do rio Minho.
A posterior conquista dos territórios a sul e que culminaram com a
anexação do Algarve em meados do século XIII e a integração de Lisboa como
âncora de defesa militar de Portugal, alicerçaram a existência da monarquia
portuguesa, para mais, sem uma nobreza tão poderosa como na Europa
transpirenaica. Como é sabido, a fronteira entre Portugal e o futuro estado
espanhol não separa territórios geográfica, económica, demográfica e
sociologicamente distintos mesmo passados nove séculos; constitui apenas uma
demarcação resultante das lutas entre senhorios da era medieval.
Na
crise dinástica portuguesa de 1383/85, os terratenentes lusos dividiram-se
entre os legitimistas apoiantes da filha do rei Fernando e do seu marido, o rei
de Castela e os outros (a minoria) em aliança com os comerciantes e artesãos de
Lisboa, único local que, de facto contava, em termos estratégicos para o
expansionismo dos lordes de Castela. Lisboa não resistiria ao cerco (1384) não
fora a intervenção do general Peste nas hostes castelhanas que, dizimadas,
voltaram às suas terras. As capacidades militares de Nuno Álvares Pereira em
conquistar os castelos dos aliados de Castela e o contingente de 600 experientes
soldados ingleses resolveram finalmente a questão sem qualquer clamor
patriótico por parte da imensa população que trabalhava nos campos, indiferente
a quem reinava em Lisboa, desde que os não incomodassem com tributos e
destruições guerreiras. É evidente que o povo humilde nada terá beneficiado da
recomposição da nobreza, da redistribuição dos senhorios, da constituição de um
grande potentado – a casa de Bragança – e da tentacular Ordem de Cristo, ligada
à monarquia e que viria a financiar a expansão colonial no século XV. Apenas
haviam mudado as moscas e, temos conhecimento que, na raia norte de
Trás-os-Montes, as pessoas mudavam-se para um, ou outro lado daquilo que para
eles não era fronteira, sempre de acordo com o volume dos tributos a pagar ou,
se preferirem, com o zumbido das moscas.
Em
1580, após uma nova crise dinástica a unificação ibérica aconteceu porque
Portugal foi herdado por Filipe II de Espanha, depois de jugulada a fraca
ameaça de um pretendente como António, o prior do Crato. A sede do poder ser em
Madrid ou Lisboa e a origem territorial do rei
não tirava o sono à maioria dos residentes em Portugal pelo que não se
assistiu a contestação nacionalista durante um periodo de sessenta anos.
Em
1640, as dificuldades do império espanhol contra ingleses e holandeses, faziam
parte do seu declínio. Nesse contexto, as outras casas dinásticas europeias
assaltavam o património do rei de Espanha onde se encontravam também as
colónias portuguesas. O rei de Espanha e de Portugal, com recursos insuficientes
para fazer frente a essas dificuldades desagradava particularmente às
periféricas classes possidentes portuguesas que entendiam poder manter as
colónias se estivessem fora da tutela da casa real espanhola. O aumento dos
impostos em Portugal, como produto dos problemas financeiros do Estado (ou da
coroa se se pretender) levantou a população no Porto e em Évora mas, isso
tratou-se de uma luta económica aproveitada pela nobreza e pela burguesia para
obter apoio popular contra Espanha.
Segue-se
um longo periodo baseado num claro protetorado inglês, conveniente para a Inglaterra
que assim mantinha dividida a Ibéria, satisfazendo os seus interesses imperiais
e, portanto sentia como essencial a sobrevivência de uma monarquia subsidiária.
O tratado de Methuen sela essa subalternidade económica enquanto a coroa
desbaratava o ouro e os diamantes do Brasil em obras faustosas – convento de
Mafra e a igreja de S. Roque - contratava Domenico Scarlatti para entreter o
rei, enquanto o povo de Lisboa tinha de se quotizar para a construção do
aqueduto das Águas Livres para ter água em abundância e qualidade.
É
a Inglaterra que arrasta Portugal para as guerras napoleónicas e, é no
seguimento destas que se desenvolvem, na Península, as revoluções burguesas
para a instauração do liberalismo político e que se verificam revoltas
populares contra o roubo e a violência levada a cabo pelos ocupantes franceses.
Essas revoltas terão prolongamento nas décadas seguintes, na primeira metade do
século XIX, com o protagonismo evidente das classes populares, como no caso da
Patuleia, motivando a intervenção militar inglesa para impor a lei e a ordem,
então constitucional.
Ainda
em finais do século XIX, poucas décadas antes do patriotismo exacerbado da I
República vingar em 1910, um Saxe Coburgo e Bragança, rei de Portugal e dos
Algarves… teve a oportunidade de observar, na prática, o patriotismo dos
residentes em Portugal. Um dia quando a real figura navegava, algures ao largo
da costa norte de Portugal, foi perguntado aos tripulantes de uma embarcação de
pesca, se eram portugueses ou espanhóis. Resposta pronta dos pescadores, “nós
somos ali da Póvoa de Varzim”. Para eles o que contaria, naturalmente, seria o
local das suas raízes, das sua famílias, do seu trabalho, tudo o mais sendo abstrações
sem sentido. Mas, como a História que nos é contada é a narrativa dos
governantes e dos poderosos…
Nos
finais do século XIX, as potências europeias, nomeadamente a Inglaterra e a
Alemanha viam no mapa de África vastos territórios controlados ou desejados por
uma burguesia portuguesa que não sabia o que fazer com eles; e impuzeram a sua
vontade, arrebatando as áreas entre Angola e Moçambique, incluidas no célebre
mapa cor de rosa, perante o coro de protestos da burguesia portuguesa,
aproveitado pelos republicanos para incriminar a monarquia, com uma óbvia
incapacidade de se opor aos desejos ingleses. O país profundo, analfabeto e vivendo
pobremente no campo não parece ter acompanhado essa vibração patriótica
relativa a algo que lhes ficava algures, bem longe.
A
I República explorou as ideias nacionalistas e patrioteiras, nomeadamente
quando obrigou à ida para a Flandres – e para defesa dos direitos coloniais –
milhares de jovens mal vestidos, equipados ou armados, saidos das aldeias para
conhecerem as maravilhas da guerra química. Paralelamente e no âmbito da
meritória ação no ensino, o regime incutia, logo na escola, a ideia da pátria, os
feitos dos antepassados, as aljubarrotas mas, menos o relevo da pátria no
ignóbil tráfico negreiro.
Salazar
aproveitou a onda patriótica para encerrar Portugal numa lógica de sacrifício
em que “todos” deveriam participar no engrandecimento da pátria amada; isso
servia também para justificar as mordomias concedidas às forças armadas que o
suportavam no trono. Por um lado, o nacionalismo italiano e alemão estava no
auge e vinha a reboque das simpatias de Salazar pelo fascismo italiano que
apontava como exemplo; por outro, ajudava o povo a suportar os baixos salários
e a falta de condignas condições de vida, para beneficiar os capitalistas
portugueses não só da sobrevivência perante a concorrência mas, também os
enriquecerem; finalmente, a Igreja Católica ajudava a manter a resignação dos
tementes a Deus, amen. A pide e um exército, já então, repleto de generais
sentados, zelavam pela segurança colectiva…
Quando
começaram as guerras coloniais, nova vibração patriótica era vomitada nos
jornais, na rádio e na televisão: “Angola é nossa” cantava o coro da FNAT. Como
é evidente, o patriotismo ficou no galinheiro das centenas de milhar de pessoas
que emigraram para viver melhor ou para fugirem à guerra e, os que ficavam e
rosnavam contra o regime eram qualificados de anti-patriotas, conspiradores a
soldo do comunismo internacional; este, se fosse hoje, seria designado por
Moody’s, o ogre que persegue a benévola actuação do PPC e dos seus amigos
banqueiros.
Não
se pense que, no negrume fascista, só os do regime eram patriotas! Mário
Soares, o conhecido troca-tintas, acatou as ordens de Marcelo Caetano para não
colocar a questão colonial como tema nas “eleições” de 1969. E o PC defendia
uma “revolução democrática nacional” limitando o seu internacionalismo ao
seguidismo servil das posições de uma potência nacionalista e imperial, a URSS.
A pátria não se discute e a pátria estendia-se até ao alto do Ramelau, presente
em três continentes!
20/7/2011
Notas
(1)
http://www.slideshare.net/durgarrai/afinal-qual-a-funo-social-do-capitalista
(2)
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