sábado, 31 de dezembro de 2011

A resposta capitalista que estão a preparar para a crise


A resposta  capitalista que estão a preparar para a crise

Sumário

1- Apontamentos sobre o descrédito da teologia neoliberal
2 - Evoluções e involuções no capitalismo
3 - Os reformadores do capitalismo
4 - O que dizem e fazem alguns reformadores ilustres
a) Gordon Brown, primeiro-ministro inglês
b) Daniel Held, professor na London School of Economics
c) George Soros, especulador financeiro e filantropo
d) Bill Gates, o “special one” do dinheiro
e)Jeffrey Sachs, professor de Economia na Universidade de Columbia, onde é director do Earth Institute
f)  Stiglitz, prémio Nobel da Economia, ex-quadro do Banco Mundial é, talvez o mais consistente dos reformadores
g) Obama, “powerpoint” promocional do capitalismo


1- Apontamentos sobre o descrédito da teologia neoliberal

As instâncias reguladoras do capitalismo global (FMI, OMC), criadas depois da II Grande Guerra mostram-se ineficazes e inoperantes, na conjuntura actual, revelando a confusão e o temor que grassa entre homens de negócios, banqueiros e mandarins.

Os Estados avançam com medidas desconexas e reveladoras de divergências insanáveis, procurando, cada um, ajudar os seus próprios banqueiros. No caso europeu, o BCE espera, para os bancos da zona euro, perdas da ordem dos € 205000 M, até final de 2010; e, se se considerar todo o sector financeira, os prejuízos podem alcançar os € 470700 M (1). Todavia, apesar destas números colossais, o BCE acalma o “mercado” e os “investidores” referindo que entre lucros retidos e provisões o problema fica sanado em… dois anos (apenas). Para ajudar nessa humanitária tarefa, o BCE comprou € 60000 M de obrigações privadas (2), na peúgada dos seus confrades – FED e Banco de Inglaterra. Os impactos sobre a vida da multidão vêm (talvez) depois da cura dos banqueiros.

O impagável e implacável BCE, num pequeno lapso de tempo, depois da férrea defesa de elevadas taxas de juro para conter a inflação (que só ele descortinava mas, que servia lindamente para justificar “contenção salarial”) adopta sucessivas baixas da taxa de referência, até se fixar em 1%. O desacreditado Sócrates e o seu imediato T dos Santos, baixam o IVA em 1% (para aumentar a receita das empresas (3) para, no ano seguinte terem de rectificar o orçamento, a contas com um deficit record, numa demonstração clara da validade das previsões dos mandarins.

Os Estados para acudirem aos bancos e temperarem situações sociais mais gravosas endividam-se alegremente para tentar conter a crise e, alegremente se endividam para lançar obras públicas que impulsionem a retoma. O deficit segue dentro de momentos.

Sucedem-se as magnas reuniões dos G de várias dimensões (8, 14, 20), os concelhos de ministros da UE, como se sucedem, os avisos solenes, saídos de bocas sorridentes, que anunciam a saída breve da crise mas, na realidade, dificilmente se deverão confundir variações conjunturais com sinais consistentes de retoma. Na verdade, é natural que haja um nível de recessão suficientemente baixo que, obrigatoriamente conduza, alguma vez, a uma inversão da tendência recessiva.

Por outro lado, as variações ascendentes das cotações nas bolsas não revelam uma confiança na consistência do surgimento de tendências significativas do aumento do consumo privado ou do investimento não público. Revelam, sobretudo, aproveitamentos para a compra barata de activos e de concentração de capitais, em parte fomentados pelos aumentos de liquidez provenientes de injecções de dinheiro público no apoio aos bancos; e que estará também a financiar constituições especulativas de stocks de matérias-primas e de ouro (4) a julgar pelas altas dos preços.

Recorde-se que Krugman, em artigo recente, apoiando embora o esforço keynesiano de Obama com um enorme apoio de fundos públicos, considera o mesmo insuficiente (só para a GM serão € 21500 M). Diz, que terá sido bom para travar o ritmo da queda mas, incapaz de promover a retoma. E a verdade é que nos EUA, em princípio de Novembro, o desemprego ultrapassou a barreira dos 10%, como aliás na área de actuação do mago Teixeira dos Santos.

Os discursos de Obama são sempre aguardados como as palavras de um líder; e eles são muitas vezes ambivalentes, reflectindo o impasse em que se encontram as respostas à crise, para salvar o capitalismo, para proceder às readaptações necessárias nesse sentido. É óbvio mas, como?

A intervenção pública na propriedade de empresas, é transitória, devendo retornar à gestão privada quando estiverem salvos? Ou constituirão um modo permanente de o Estado regular o andamento dos negócios, detendo um sector empresarial como válvula e corrector de tendências indesejáveis, de sacrificado para que os lucros se concentrem no sector privado, como é regra? Na verdade, em Agosto (4) o governo avançava com apoios a 9% proprietários em dificuldades; mas, de acordo com a mesma fonte, 14% dos devedores de créditos hipotecários por compra de habitações (7.4 M de famílias) tinham prestações em atraso.

Que fazer, do ponto de vista social se os bancos executarem essas famílias por incumprimento? E como ficarão os balanços dos bancos, repletos de imobiliário desvalorizado, sem compradores, a acrescentar aos chamados “tóxicos”(6)? Quem será capaz de evidenciar as grandes perdas de capital nas instituições financeiras?

As novas regulações aprovadas pelo Conselho de Ministros das Finanças da UE - ainda dependentes de validação no Parlamento Europeu - constituem uma filigrana burocrática pouco credível mas, vai criar a possibilidade de a UE impor que um Estado intervenha num banco em dificuldades, para evitar riscos sistémicos. A facilidade com que se realizam os movimentos transfronteiriços de capitais entre dependências dos grandes bancos podem causar problemas de liquidez como aconteceu na Europa de Leste, recentemente, forçando à intervenção do FMI; qual será a capacidade dos reguladores para o evitar? Os offshores, com todo o seu potencial de lavagem e dissimulação de balanços vão continuar livres de qualquer regulação. O sistema financeiro tem dado muitas provas de que é capaz de criar novos produtos financeiros para driblar os reguladores; serão os próximos mais lestos, por exemplo, na detecção de contabilidades paralelas? Ainda recentemente, a UE e a Suíça celebraram acordos para a cobrança de impostos sobre os depósitos efectuados na Suíça, deixando de fora os produtos “estruturados” em que rapidamente se transformaram os depósitos. O sigilo bancário, a alma do negócio dos bancos e condição importante para as vigarices, vai ser molestado seriamente? Os capitais provenientes de enriquecimentos ilícitos vão ser expropriados como acontece nos crimes de roubo, tráfego de droga e outros? Se se comparar as propostas da UE com as decretadas por Obama, (ver, neste texto, 4. g) Obama, “powerpoint” promocional do capitalismo) pode observar-se facilmente como são tíbias e pífias.

Neste momento de fraqueza, de falta de legitimidade na opinião pública, o capitalismo vai ressuscitar o pacto social-democrata em que o Estado e as grandes empresas se associam com os sindicatos para estabilizar o sistema?

Do ponto de vista da teoria económica e apesar do aplauso pelo apoio dos dinheiros públicos, muitos vêm nisso um parêntesis que deverá ser esquecido rapidamente e, perante indicações de retoma nos mercados de capitais, os bancos mostram-se cada vez mais renitentes a regulações mais exigentes. Outros, consideram que o keynesianismo dos anos 30 a 70 deverá voltar, agora aplicado, de forma integrada, a nível global. Essa divisão é também patente, no âmbito da UE, entre os que defendiam um regresso imediato ao PEC e outros que, considerando os sinais de retoma ainda pouco consistentes, preferem adiar os parâmetros do PEC por mais um ou dois anos e apostar em mais empenhamento estatal.

Também o aquecimento global provoca uma divisão clara (por exemplo, nos EUA) entre aqueles que consideram que o combate ao problema pode ser adiado para mais tarde, ultrapassada a actual crise e outros, que vêem nas políticas de salvaguarda do ambiente, uma forma de desenvolver novos negócios e superar a crise.

2 - Evoluções e involuções no capitalismo

Após o ligeiro ponto de situação atrás desenhado  procede-se, de seguida, à apresentação de alguns elementos de carácter sistémico, que aproximam ou diferenciam o capitalismo, no tempo da Grande Depressão e actualmente.

A intervenção estatal após a Grande Recessão dos anos 30 do século passado e inspirada por Keynes procurava, sem dúvida. salvar o capitalismo, nomeadamente a alta finança, tal como hoje vamos observando. Até Agosto último, nos EUA já haviam falido 81 bancos e, no fim de Junho havia 416 em risco; entretanto, em paralelo, vão-se efectuando fusões com a utilização de dinheiros públicos ajudando à construção de uma maior concentração bancária que beneficia os maiores bancos como os J.P. Morgan Chase, Bank of América, Citigroup  e Wells Fargo (7)

A recessão daquela época (anos 30) provocou medidas proteccionistas em cada país, com ligações evidentes às derivas nacionalistas que em muitos casos conduziram a regimes fascistas. E, portanto, não é estranho que a contracção do comércio internacional tenha sido drástica: as exportações mundiais de mercadorias valiam $19700 M em 1921, $33000 M em 1929 e $ 22700M em 1938 (8).

Então, apesar de muitas afirmações solenes proferidas de retoma, de animação das bolsas, a verdade é que foi preciso esperar pela II Guerra Mundial para que nos EUA, a produção de armamento e a mobilização dos soldados promovessem a saída da estagnação e a redução do desemprego, Esses resultados foram posteriormente prolongados com a reconstrução da Europa, arrasada pela guerra, através do financiamento pelo Plano Marshall, de apoio aos negócios das grandes empresas americanas, enquanto o dólar engrandecia o seu papel como moeda internacional, naquela época e até 1971, garantida por ouro. Aliás, antes da guerra, Roosevelt considerava a morte de uns 30 M de europeus na guerra um elemento excelente para que a supremacia americana no mundo se acentuasse. Do mesmo modo, terá batido palmas ao bombardeamento de Pearl Harbour mesmo que, isso viesse a custar a colocação de 120 mil nipo-americanos em campos de concentração, depois de despojados dos seus bens, vendidos ao desbarato. Essa evidente atitude racista foi uma opção do celebrado (com e sem o “b”) Roosevelt.

Como se sabe, a partir dos anos 50, foram sendo aplicados elementos conducentes à dinamização do comércio internacional, com o combate declarado ao proteccionismo, com os desarmamentos aduaneiros, com a criação de uma instituição mundial vocacionada para a liberalização do comércio, dos serviços e dos capitais (GATT/OMC) e com as integrações económicas regionais em que a UE vem sendo pioneira.

As variações do PIB não reflectem de modo simples o impacto das variações da exportação de mercadorias uma vez que, para o PIB contribuem outros factores de grande relevância como as importações de bens, os outras componentes da balança de transacções correntes, as movimentações de capital, a política orçamental, o volume do investimento, o consumo privado...

Essa aposta deliberada nos mercados externos, que se pode medir, não coincide com grandes incrementos do PIB indiciando que o modelo está esgotado. De facto, em contexto de fraco crescimento da procura global de bens e serviços, a penetração comercial no exterior só pode fazer-se por rebaixamento dos preços, ao nível da produção/distribuição e não devido a acréscimos quantitativos da procura externa. De outro modo, se as deslocalizações provocam abaixamento de custos e de preços na produção, elas geram, nos locais anteriores de produção, desemprego e uma pressão para um abaixamento dos custos salariais e laborais; que, por sua vez vai reduzir a capacidade desses trabalhadores para adquirir bens e serviços; que por seu turno…


Evolução média  (%)






PIB real *
Exportações real **
PIB/Exportação (taxas)

1995/2000
2001/2007
1995/2000
2001/2007
1995/2000
2001/2007

Mundo
3,3
3,1
6,5
8,9
0,503
0,348

P desenvolvidos
3,0
2,1
6,1
4,7
0,492
0,447

Alemanha  ***
2,0
1,2
8,6
7,4
0,233
0,162

Espanha  ***
3,9
3,4
10,1
4,0
0,386
0,850

EUA
3,9
2,4
7,6
4,0
0,513
0,600

França ***
2,7
1,8
8,4
2,5
0,321
0,720

Itália  ***
2,1
0,9
5,5
2,0
0,382
0,450

Japão
1,1
1,6
5,5
7,0
0,200
0,229

Portugal  ***
4,1
0,9
6,8
4,2
0,603
0,214

Reino Unido  ***
3,1
2,6
7,1
3,7
0,437
0,703

Zona euro
2,3
1,8
6,6
4,6
0,348
0,391

P em desenvolvimento
4,7
5,9
7,1
16,3
0,656
0,362

Recolha de dados primários:





* CNUCED,







** OCDE excepto Mundo, P. Desenvolvidos, P. em Desenvolvimento. Zona euro (http://www.cpb.nl/eng/research/sector2/data/trademonitor.html)



A análise do quadro acima revela algum paralelismo entre as variações do PIB e das exportações porém, essa relação enfraquece quando se passa do final da década de 90 para os primeiros anos do século XXI, induzindo que a queda generalizada das taxas de crescimento é de algum modo sustida por factores outros, que não as exportações, como nos casos da Alemanha e Portugal.  Sublinhe-se a relativa estabilidade da relação variações do PIB/variações da exportação para a zona euro no seu conjunto; e que o acréscimo da taxa de crescimento económico dos países em vias de desenvolvimento é concomitante com um enorme crescimento das exportações.



 (1990/2007)

Variação PIB (%)
Variação Export (%)
Variação Import (%)
Alemanha
92,6
227,0
203,3
Espanha
174,6
357,1
346,9
EUA
138,6
210,5
290,4
França
107,1
156,6
162,0
Itália
84,6
199,6
186,7
Japão
45,6
148,9
165,0
Portugal
191,6
211,5
207,7
Reino Unido
176,3
139,4
179,3
Fontes: PIB - CNUCED,  Exp/Imp - OCDE


Para o conjunto de países ocidentais acima seleccionados a variação dos fluxos do comércio externo é muito maior que o crescimento observado para o PIB, com a notória excepção da Grã-Bretanha e para o quase paralelismo verificado para Portugal, entre os dois indicadores.

Peso das exportações no PIB (%)







1990
1995
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Alemanha
23,7
20,8
29,0
30,2
30,5
30,7
33,3
35,1
38,7
40,2
Espanha
10,7
15,7
19,5
19,1
18,3
17,7
17,5
17,1
17,5
17,7
EUA
6,5
7,9
7,9
7,2
6,6
6,6
7,0
7,3
7,9
8,4
França
17,0
18,1
22,2
21,6
20,9
19,9
20,0
20,2
21,2
21,0
Itália
14,7
20,5
21,9
21,9
20,9
19,9
20,5
21,2
22,6
23,9
Japão
9,5
8,5
10,3
9,9
10,7
11,2
12,3
13,1
14,7
16,3
Portugal
21,9
20,7
21,6
20,8
20,3
20,5
20,0
20,7
22,6
23,4
Reino Unido
18,5
21,3
19,6
19,0
17,9
17,0
16,2
17,3
18,9
16,1
Fontes - PIB - CNUCED,  Exp/Imp - OCDE

O quadro acima transcreve uma variedade de situações, nenhuma conducente à formação de elevados crescimentos. A Alemanha apresenta um enorme crescimento da exportação no seu PIB e, este não cresce particularmente enquanto no Japão se observa um fenómeno semelhante, embora o peso da exportação seja bastante menor. A Espanha apresenta taxas de crescimento elevadas sem reforço da exportação no PIB e, no caso da Grã-Bretanha a situação é similar mas com queda ligeira do pesos da exportação. O caso português, como a França e a Itália revelam ligeiros acréscimos da procura externa comparativamente ao PIB, que contudo, evolui com taxas baixas neste século.

Se um país aposta deliberadamente na exportação e os outros não, o primeiro, pode, temporariamente enriquecer; mas, se todos apostam nessa política, com bens mais ou menos semelhantes, é óbvio que o enriquecimento a partir da exportação tem de surgir de factores exteriores – especialização na produção de bens que só alguns são capazes de produzir (o que é, geralmente, temporário) e, simultaneamente, no esmagamento dos custos de produção, o qual tende a coincidir com o modelo dos baixos custos salariais e laborais, aliado ao dumping ambiental. E isso, depende da hierarquia desse país no contexto global, da habilidade da sua burguesia e da maior ou menor combatividade dos explorados.

Neste quadro, os salários, estando contidos estruturalmente, pela deliberada actuação do Estado, não fornecem estímulos à produção seja de bens e serviços produzidos internamente, quer vindos do exterior. Mas, se temporariamente podem traduzir-se em vantagens competitivas para os exportadores, elas vão ser traduzidas em perdas para os sectores produtores de bens ou serviços não transaccionáveis com o exterior. E, também não vão ajudar a produção de bens exportáveis dos países vizinhos que, por sua vez… Na actual economia globalizada, como é se evidencia, hoje, não é difícil imaginar que existe uma matriz de interacções conducentes à entropia e estagnação generalizadas.

As capacidades produtivas existem mas, não há compradores em quantidade suficiente ou poder de compra adequado, pesem embora campanhas promocionais e outros truques, que todos vão utilizando e, por isso, não diferenciam os vendedores. Do outro lado da barreira, estão muitos milhões de trabalhadores com rendimentos refreados pelas necessidades de competitividade dos seus patrões exportadores, com o apoio dos governos, na imposição do modelo empobrecedor, baseado em fórmulas de contenção dos gastos públicos de carácter social mas, muito atentos e disponíveis para ajudarem os “empresários” em geral, promover as exportadores em particular e manterem sereno e bem oleado os aparelhos militar e de segurança interna.

Discute-se muito se a retoma vem a caminho, todos procurando ver na escuridão a tal luz ao fundo do túnel. E, é inevitável proceder a comparações com a Grande Recessão dos anos 30. O gráfico seguinte (9) revela que nos primeiros dez meses da actual crise, a queda do comércio mundial é mais acentuada que a verificada em idêntico período durante a recessão dos anos 30; o que indicia que, num modelo baseado na criação redentora de riqueza a partir da exportação, as coisas possam estar complicadas.
Figure 3. The Volume of World Trade, Now vs Then (Em abscissas, meses)

A corroborar esta tendência, sabe-se, por informação do presidente da Comunidade Portuária de Lisboa, que em Março último, a crise deixava sem carga 11% da frota mundial de navios porta-contentores e 9% dos graneleiros, para além das repercussões dos estaleiros, sem encomendas e dos preços baixos que os armadores têm de oferecer para terem os seus navios com carga.

Dito de outro modo, se se justificou que o proteccionismo foi um obstáculo à saída da crise nos anos 30, a globalização excludente actual, sem reduzir as desigualdades do mundo, sem deixar de utilizar a militarização e a guerra como instrumentos de domínio e propondo com toda a veemência as virtudes dos mercados livres, está a conduzir o mundo para uma situação semelhante, se não pior.

A questão não está pois, nos instrumentos que se utilizam para gerar crescimento, emprego, paz e bem-estar. A questão não é se o rícino é servido em prato ou tigela; é o próprio rícino (sistema capitalista) que é intragável, nocivo, pestífero e, portanto, de urgente substituição.

A parcela da população activa com trabalho mostra-se, em regra crescente, estruturalmente, embora com alguns recuos, em períodos de maior crise, mesmo nestes tempos de crescimento anémico das economias ocidentais. De acordo com o quadro seguinte, nos países considerados, a população com emprego cresceu em 2000/2008 perto de 21 M de trabalhadores, apesar da quebra no Japão.


Parcela rendim. trabalho no VAB
Emprego total

1991/1995
1996/2000
2001/2008
1990
1995
2000
2005
2008
Alemanha
70,3
69,2
67,1
* 36.871
35.780
36.236
36.185
38.480
Espanha
69,4
67,2
63,9
nd
nd
15.597
18.973
20.257
EUA
68,3
67,3
66,8
118.793
124.900
136.933
141.730
145.362
França
69,7
67,9
67,1
22.075
21.956
23.689
24.497
25.474
Itália
74,4
68,6
66,7
21.080
20.034
20.973
22.290
23.137
Japão
63,4
62,5
58,8
61.710
63.900
63.790
62.910
63.250
Portugal
72,5
71,4
72,0
4.496
4.229
5.021
5.123
5.198
Reino Unido
70,6
68,3
69,8
26.713
25.694
27.375
28.674
29.343
* 1991






Fonte: OCDE

Seria de esperar que os rendimentos distribuídos a tantos novos trabalhadores impulsionassem a economia ou que promovessem um reforço da parcela do trabalho no rendimento gerado, o que é manifestamente falso.

Esta situação espelha muitos fenómenos, dos quais se destacam os seguintes:

·         Com mais gente a trabalhar e reduzindo-se a representatividade dos seus rendimentos no PIB isso significa que a remuneração média se degrada relativamente ao aumento da riqueza;

·         Essa fatia de rendimento perdida por quem tem trabalho, não parece ir encher os bolsos de reformados e desempregados mas, como se vê todos os dias, pela dirige-se à engorda de empresas, empresários e seus quadros de topo;

·         Não se pode dizer que os trabalhadores mais jovens, entretanto entrados no mundo do trabalho, tenham menores qualificações do que os que vão encontrar e, portanto, seria admissível que o seu contributo aumentasse a parcela do trabalho no rendimento global;

·         Nas estatísticas habituais não se separam, entre os rendimentos do trabalho, as remunerações médias e baixas da esmagadora maioria dos trabalhadores, daquelas que auferem empresários, gestores e mandarins. E, como essas evoluem sempre, com acréscimos que se não cingem a cálculos de reposição do poder de compra, a perda global dos trabalhadores é, decerto mais acentuada do que o revelado pelo quadro acima;

·         Uma vez que o rendimento dos trabalhadores tem um crescimento sistematicamente refreado, o poder de compra da multidão fica também contido; e, reduzindo-se o potencial de crescimento do consumo privado – a principal componente da despesa em todas as sociedades – as taxas reais de crescimento das economias tornam-se anémicas. E como isso acontece urbi et orbi, não há esforço exportador que possa impulsionar a economia mundial, refém dos humores macroeconómicos e financeiros da China;

·         Por detrás desta situação, como se disse atrás, estão todas as políticas de contenção salarial, de precarização do trabalho, aumento das jornadas de trabalho, manutenção de enormes massas de desempregados, políticas que se podem comparar com a ligação da mangueira dos bombeiros à bomba de gasolina para apagar o incêndio. Políticas subsequentes da deslocalização de empresas, das necessidades de ganhar competitividade e que, para o efeito não penalizam os ricos, em cujas contas bancárias em offshores residirão as poupanças a investir (mais na especulação do que na criação de empregos);

·         É um sistema completamente viciado no seu funcionamento e profundamente orientado no benefício dos capitalistas.

E, chegamos assim, 70 anos depois, a uma situação de recessão continuada em que os tambores da guerra ecoam aqui e ali, sem que se configure para breve uma guerra generalizada. E nesse contexto, destacam-se três vertentes de actuação do capitalismo mundial de hoje:

·         Os EUA e a sua NATO procuram manter a sua grande supremacia militar para irem controlando os recursos mundiais, as vias de comunicação físicas e de informação, corrompendo uns regimes políticos, ameaçando outros, guerreando uns terceiros, actuando em diversas instâncias (10) e, sempre prontos a intervir brutalmente onde exista perigo de desestabilização ou mudanças na ordem social favorável ao capitalismo ocidental;

·         Outro grande vector de actuação é a desmaterialização da formação de rendimentos, de acumulação de capitais, através da especulação, da circulação acelerada de títulos de propriedade, que permitem o rentismo mais parasitário.

Esse mundo é duplamente virtual. Virtual porque movimenta títulos, cascatas e encadeados de direitos, cuja ligação ao mundo real é ténue; e virtual porque 40% das transacções nas bolsas europeias e 48 a 50% nos EUA se realizam com base em decisões tomadas por computador, sem intervenção humana (11). Qualquer ligação à economia real faz-se com o predomínio absoluto de uma lógica de rendabilidade a curtíssimo prazo.

E, nesse contexto - o da financiarização – a produção de bens e serviços, a gestão de recursos para essa produção, a organização do trabalho, a sociedade, tornam-se factores distantes da acumulação de capital. Veja-se no actual momento de grave crise económica e social, a bolha bolsista que se está a formar e os lucros enormes que o sector financeiro vem apresentando, como se reflectissem uma realidade de outro planeta. Até a muito oficial CMVM lusitana veio avisar que os analistas são demasiado optimistas quanto ao desempenho das empresas sobre as quais emitem opiniões (12).

·         O terceiro é o genocídio. De facto, se a grande acumulação de capital, a formação de rendimentos se consegue desligada da realidade económica no terreno; se o capitalismo não consegue ultrapassar a sua própria essência de gerador de crises e de bloqueio à satisfação das necessidades da multidão, torna-se atraente para o grande capital promover a desaparição ou a anulação económica de milhões de pessoas. É nesse contexto que a OMC ao fomentar a liberalização das trocas de bens agrícolas, constrói a supremacia de umas poucas multinacionais do agro-alimentar, criando dificuldades a 2700 M de pessoas que vivem da agricultura familiar; que os principais governos se desinteressaram do problema da fome, ausentes numa conferência recente em Roma, agravado pela actual crise e pela especulação sobre bens agrícolas em 2008;  como se desinteressam pelas 25000 mortes diárias de crianças com menos de cinco anos, com doenças evitáveis, como revelado pela UNICEF; ou como levianamente causaram mortes no Iraque, em função do bloqueio e da guerra. Nos países ditos desenvolvidos, os 22 M de desempregados europeus, os 10% de taxa de desemprego nos EUA constituem uma grande massa excluídos, com poucas esperanças de melhoria; e os reformados pobres são cidadãos colocados em guetos sociais que se pretendem aceitem a morte por inanição. Para que tudo isso funcione sem sobressaltos é preciso que toda a população se imbecilize através dos media e aceite a sua insegurança, a precariedade das suas vidas, a escravização perante o trabalho e o pagamento das dívidas, a falta de apoio a familiares num crónico desemprego ou a ausência de cuidados para os velhos.

3 - Os reformadores do capitalismo

Não se vive, hoje, uma situação pré-revolucionária que provoque angústias ao domínio do capital, garantida que está, há várias décadas, a inércia de centrais sindicais colonizadas pelo capital e obedientes à sua lógica, assim como se acha contida a relevância de movimentos de esquerda baseados numa aguerrida militância de base, depois dos sobressaltos sofridos pelo capital, em Maio/Junho de 1968 em França ou, na Itália no período subsequente. Vive-se uma relativa complacência global dos trabalhadores face à crise, aceitação ritual do jogo político eleitoral como arena de disputa, embalada numa retoma que chegará… um dia. Essa complacência é o revestimento que cobre milhões de trabalhadores isolados, deprimidos, angustiados pelo eminente surgimento do despedimento, do lay-off, dos cortes salariais, da redução de horas de trabalho ou do trabalho extraordinário não pago, de piores condições no frequente desemprego que se intercala com tempos de precariedade ou, quando nem esta se acha acessível e se cai na exclusão. Porém, a revolta está latente.

É a mesma complacência que deixa os governos, os bancos, o capital em geral e os seus “think tanks”, com as mãos livres para gerirem a crise da melhor maneira para si; isto é, concentrados nos problemas inerentes às contradições entre as multinacionais, entre os abutres da finança ou, entre aqueles e as burguesias nacionais dos países do Sul, estes, em busca de uma acumulação menos subalterna e mais acelerada (caso dos BRIC, por exemplo). Até as ameaças ambientais podem ser encaradas com displicência por muitos governos, embora não haja quem esteja imune às suas consequências.

As contradições são colocadas naquele plano interno do capitalismo uma vez que o objectivo das cabeças pensantes do sistema é salvá-lo, é colocar as “coisas” a funcionar, com pragmatismo e não construir uma teoria coerente. Se o neoliberalismo puro e duro, está no cesto dos papéis, tendo em conta os seus resultados práticos, ninguém terá vergonha de repescar alguns dos seus postulados (13); por seu turno, o keynesianismo estará naturalmente disponível para oferecer os seus paradigmas, para a constituição de um corpo de práticas híbridas que elevem os ritmos de crescimento económico e aplanem as situações sociais mais susceptíveis de agitação ou contestação. O mandarinato, precisa tanto de estabilizar a economia como de se legitimar perante a multidão; e, essa legitimidade, embora temporariamente possa ser conseguida com uma renovação de gangs no poder, só poderá ser estabilizada em função dos resultados conseguidos no capítulo da acumulação de capital.

O Estado nunca deixou, em todo o processo histórico, de ter um papel importante na acumulação de capital. No âmbito do neoliberalismo,  desregulando, promovendo projectos, subsidiando mas, aceitando ser vilipendiado para justificar privatizações de bens e da gestão dos serviços públicos. Com a crise em curso, o Estado foi chamado a proceder à socialização dos custos dos desmandos privados, juntando àquelas funções, as de financiamento directo, através da canalização de um fluxo brutal de impostos (presentes ou futuros) para o apoio ao sistema financeiro fragilizado, assumindo a gestão global da crise.

Porém e embora se procure que prevaleça uma lógica nacional, a verdade é que há uma procura de concertação tão alargada quanto possível, nomeadamente na UE, onde a integração económica das nações tem sido complementada no sentido da constituição de um Estado supranacional, centralizado e anti-democrático, acabada de ser coroada com a entrada em vigor do tratado de Lisboa em 1 de Dezembro. Essa tendência corresponde, de facto, ao carácter global da tríade (multinacionais, sistema financeiro, economia mafiosa) que há muito deixou de se restringir a lógicas nacionais. As dificuldades do crescimento económico, da geração de lucros, da estagnação e do recuo da economia da especulação, lançam de novo na moda a actualidade do capitalismo monopolista de Estado, definido por Sweezy.

E é neste contexto de alguma perplexidade, de dúvida e anseio que vão surgindo ideias reformadoras para a gestão capitalista. Esse contexto é também o que se evidencia em meios da esquerda que, por ingenuidade ou premeditação, considera o capitalismo de Estado como forma libertadora face ao capitalismo ou sonha com um novo pacto social-democrata, agora à escala global, um capitalismo com responsabilidades sociais e ambientais, de rosto humano (?) e outros epítetos branqueadores. Em ambas as situações, estão todos desejosos de se englobarem na esfera do poder, em compadrio com os partidos que vêm impondo a ementa neoliberal, que esperam quem lhes escove o fato, para ficarem apresentáveis.

A existência de gente e partidos de esquerda desejosos de entrar no barco é um excelente contributo para que a margem de manobra dos reformadores do capitalismo neoliberal seja grande. E uma forma que deve ser aproveitada para sanear do âmbito da esquerda toda uma vasta gama de oportunistas e vulgares aldrabões, em ansiosa espera de atenção e prebendas.

4 - O que dizem e fazem alguns reformadores ilustres

Explicitam-se aqui discursos críticos do capitalismo neoliberal, a partir de alguns dos seus mais elevados expoentes, quer a nível ideológico, quer a nível político.

a) Gordon Brown, primeiro-ministro inglês

O primeiro mandarim a adoptar medidas heréticas face ao missal dos neoliberais foi Gordon Brown, com a primeira nacionalização na actual crise. Sintomaticamente, recorda-se que a introdução do neoliberalismo na Europa começou com Thatcher, também na Inglaterra. A City sabe muito e está na primeira linha da inovação.

Brown, ainda como ministro das finanças de Blair mostrou-se um bom aluno da “terceira via” e propôs um “capitalismo de aliança” entre o mercado e o Estado. Seria uma aplicação à escala global da receita de Roosevelt para os EUA – o New Deal - com o objectivo de “garantir os benefícios do mercado, combatendo os seus excessos” e “restaurar na economía internacional os fins públicos e os ideais elevados”. Espera-se que não haja demasiada comoção entre os leitores com tão sublimes propósitos, recortados dos moralistas escoceses do século XVIII, quando inventaram a economia política.

De acordo com Brown é preciso que os benefícios dos mercados globais e da liberalização dos capitais minimizem os riscos de crise, maximizem as oportunidades para todos e sustentem os mais vulneráveis (yes, we can!). Pretende-se que o funcionamento dos mercados, sobretudo de capitais, seja livre, sem regulações ou controlos estatais e onde cada operador (leia-se grandes instituições financeiras) age consoante os seus desígnios admitindo-se, axiomaticamente, que daí resultam benefícios estruturais para todos. Finalmente, a bem-aventurança eterna!

Porém e contrariamente aos neoliberais, Brown admite imperfeições no mercado, tal como se compreende que qualquer irrepreensível cidadão possa apanhar uma bebedeira ocasional e necessitar que o levem a casa. Para o efeito existem poderes públicos, para apoiar os mais vulneráveis (bancos falidos ou uns milhões de desempregados) todos observados sob o mesmo diapasão igualitário – os responsáveis e as vítimas. É um Estado como estabilizador automático que, democraticamente, tanto pode injectar € 21500 M na General Motors como fez Obama, € 3500 M (€350 por cada cidadão português) no BPN, como fornecer uns centos de euros a desempregados, vergados sob o peso de condições ameaçadoras para terem subsídio.

De permeio e dado esse assumido maior dever de intervenção do Estado, Brown cria as bases para um reforço do papel do mandarinato, tomado como um corpo de funcionários políticos eivados de um elevado espírito de serviço público, abnegados e dedicados, escuteiros com um forte pendor humanitário. É este reforço do papel do Estado que tanto atrai gentinha na esquerda de plástico.

Recentemente (6/11/2009), Brown depois de defender a necessidade de criar «um melhor contrato social e económico que reflicta a responsabilidade mundial das instituições financeiras para com a sociedade» propõe uma taxa sobre as transacções financeiras internacionais. Como sabe que não arrasta todos os necessários parceiros nesta iniciativa, mormente os EUA e a turma do BCE, faz um brilharete sem melindrar os especuladores

Menos ideológico e mais pragmático mas, dentro da mesma linha reformadora incluímos o governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King para o qual as novas regras de regulação do sistema financeiro não serão suficientes para impedir futuras novas injecções de dinheiro publico. E, radical na defesa do sistema, afirma que a manter-se o risco elevado, nada melhor que promover a separação, em instituições distintas da actividade normal dos bancos (recolha de depósitos e concessão de crédito) das actividades especulativas e de risco elevado. (Lusa, 21/10/2009). Compare-se o arrojo destas afirmações com o cinzentismo dos Trichets e dos Constâncios (14)

b) Daniel Held, professor na London School of Economics

Held mostra-se ciente que a estrutura do poder mundial após o desenlace em crise do modelo de gestão global imposto pelos países ricos do Ocidente, não deixa estes últimos muito bem na fotografia. E que é preciso agir com habilidade para salvaguardar o essencial da influência euro-americana no panorama do poder mundial.

Vê com preocupação as alterações na correlação de forças entre o Ocidente e o resto do mundo, puxado pelos conhecidos BRIC, com destaque para a China, que vem mostrando cada vez mais um papel tutelar entre os países chamados emergentes; como vê que o anémico crescimento dos países ocidentais depende muito do desempenho dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A evolução somente confirma as alterações da estrutura.

Como eurocentrista sabe que a multipolaridade dos poderes não convém ao Ocidente e procura reformar as instituições para salvaguardar os interesses do capitalismo de matriz ocidental, cedendo algumas peças aos outros países, no xadrez mundial.

Depois de décadas de actividade maléfica, o binómio FMI/Banco Mundial acha-se desacreditado, nomeadamente nos países do Sul que, depois de terem sentido na pele o produto do seu receituário, tomam tão sagradas instituições como peões dos interesses dos países do Norte, das suas multinacionais e dos seus bancos. Held defende uma reforma profunda do sistema FMI/Banco Mundial.

Estas reformas têm uns aspectos fáceis e outros difíceis, acrescente-se. Não foi difícil de materializar a criação de uma linha de crédito flexível, dirigida a países “emergentes”, sem condições e, da qual o México foi o primeiro utilizador, com $ 47000 M de empréstimo. A parte mais dura é a discussão sobre a transferência de quotas no FMI de 3% (proposta europeia) a 7% (proposta brasileira) a favor dos países chamados emergentes, uma vez que aí há alterações no poder dentro das instituições.

Um dos vectores da actuação ocidental é o fomento de uma segmentação entre os países emergentes, com a cooptação desses países conhecidos pelo acrónimo de BRIC (entre outros) para o sistema mundial de poder e de regulação, à semelhança do ocorrido com o alargamento que conduziu à invenção do G20 e aplicável também às emissões de carbono e aos mercados cambiais. Independentemente das dificuldades na selecção dos países e regimes convenientes, importa, para os ocidentais é integrar uns quantos no núcleo dirigente, tornados neutros ou cúmplices e isolar os países não eleitos para esse núcleo duro à mercê da política de canhoneira da NATO e dos EUA.

Sendo evidente que as instituições mundiais do sistema da ONU não podem continuar a ser dominadas pelo Ocidente, a aplicação da justiça social e da sustentabilidade ambiental podem vir a constituir a base para a defesa de novos vectores de estratificação, hierarquização do poder capitalista; para favorecer o Ocidente, naturalmente.

Feito o enterro do neoliberalismo e a expiação por parte dos seus promotores ocidentais, o capitalismo seguirá à espera de uma nova crise, depois de mais uma adaptação, de concentração de capitais e do estabelecimento de novas regras do “politicamente correcto” para regular a concorrência.

c) George Soros, especulador financeiro e filantropo

Vive bem recostado na sua imensa fortuna, cujos pontos mais mediáticos foram os $ 1100 M ganhos numa operação que prejudicou o Banco de Inglaterra, em 1992 bem como na intervenção na crise asiática de 1997. Dedica-se, através da sua Open Society Institute e de outras instituições, à promoção da democracia de mercado, à luta contra a pobreza em África, a projectos no âmbito da educação na Europa oriental (depois de ter apoiado movimentos de dissidência) e ao apoio ao pouco recomendável Saakaschvili, presidente da Geórgia.

Enquanto admirador de Karl Popper defende o individualismo e a dificuldade de se poderem analisar os comportamentos das colectividades humanas, uma postura próxima de Hayek que nega a sociedade como ente susceptível de um pensamento colectivo. Assim, os factores de mudança partem sempre de refutações lógicas individuais e de mudanças de paradigma, do quadro em que o indivíduo se insere. E daí o desdobramento voluntarista de Soros em muitos projectos onde coloca a sua forma de pensar, em que procura incutir a sua visão do mundo que irá mudando através da sua actuação, como sujeito da História face a uma realidade que se mantém como mero reflexo das acções individuais, incapaz de, autonomamente, gerar um pulsar colectivo. Recorde-se que Popper é muito querido em meios intelectuais da direita e próximos da “terceira via” inventada por Giddens, aplicada por Blair e traduzida para aplicação local por parte do gang PS capitaneado por um sacripanta que dá pelo nome de José Sócrates.

Apesar de especulador, reconhece que a especulação financeira prejudica os países subdesenvolvidos, o que dá particular credibilidade à afirmação, vinda de quem vem. A culpa porém, cabe a um ente chamado fundamentalismo do mercado, pelo que propõe uma economia mista gerida por um governo internacional, activo na correcção dos excessos do individualismo que, filosoficamente defende enquanto admirador de Popper. Nesse contexto, explica que a crise actual se baseia no “excesso ideológico” de se admitir a auto-regulação dos mercados financeiros, sem a intervenção estatal, resultando daí a sua aversão a George W Bush e ao conservadorismo fascizante daquele, bem como o apoio declarado ao Partido Democrata americano.

Assim, Soros afirma ser necessário reformar as instituições de regulação e os acordos multilaterais, para evitar o unilateralismo; no entanto, teme que essa regulação seja excessiva e mate o mercado ou que falhe na adivinhação dos problemas, como aliás, já hoje está patente. Postula que é preciso reduzir as desigualdades entre os países e mesmo dentro de cada um deles, de modo a que a integração social ocorra em paralelo com a dos mercados, o que revela o seu optimismo inveterado na bondade humana. Soros sabe bem que é preciso manter o povo sereno na sua mediocridade para que os (seus) negócios prosperem e o capitalismo vingue.

Defende que a dívida dos países em desenvolvimento deve ser extinta ou drasticamente reduzida para que as poupanças daí resultantes possam ser aplicadas no estímulo das economias locais, contribuindo estas para o relançamento global. Porém, sucede que sem democracia nesses países, essa poupança vai direitinha para o luxo e para paraísos fiscais, canalizada por ditadores e corruptos vulgares.

Como a pobreza e a ameaça ambiental atingiram um grau de gravidade é preciso instituir um plano maciço de ajudas do Norte para o Sul, um género de Plano Marshall; sem dúvida, a dificuldade é convencer os governos dos países ricos a preferirem isso em prejuízo do financiamento dos seus financeiros e banqueiros, como se tem visto na preparação da próxima conferência de Copenhaga.

Soros, descobriu também que é necessária uma segunda revolução verde, particularmente em África e para tal, nada melhor do que a generalização do uso de sementes geneticamente modificadas, com a infestação do meio ambiente e impactos desconhecidos na população… mas que a Monsanto aplaude com as mãos todas que tem. Acontece também que a primeira revolução verde beneficiou largamente a concentração da produção agrícola e a comercialização de sementes em prejuízo dos milhões de camponeses pobres, forçados a largar a terra para engrossar a pobreza nas cidades.

Finalmente, Soros considera que a necessidade de sustentabilidade ambiental deve absorver grandes recursos e enformar a economia global, tendo os Estados um papel dirigente – é o keynesianismo verde ou o capitalismo verde; como há quem polua, a despoluição e a reconstituição do ambiente vêm gerando, naturalmente novos negócios, promovidos por empresas tão ecológicas quanto isso se reflicta nos seus lucros

d) Bill Gates, o “special one” do dinheiro

Como reformador, Bill Gates criou em 2006 o seu Global Development Program para aumentar as oportunidades dos países subdesenvolvidos de sairem das situações de fome e pobreza. No relatório de 2008 da sua Fundação refere a existência de 1000 M de pessoas com fome crónica e mais de 1000 M em pobreza extrema; e aí lamenta-se pungentemente que a crise alimentar resultante da especulação e a crise financeira global não tenham melhorado em nada a situação. Até aí, nada a objectar.

Quando o relatório refere “We believe 2008 will be remembered as a turning point in the world's efforts to address hunger and poverty”, entendemos que está tudo explicado. Gates acredita - “we believe” -tal como para Obama tudo se resume a um “yes, we can!”. Ainda há homens de fé!

Menos piedosa, no caso do Gates, foi a iniciativa de reunir com mais uns quantos multimilionários (incluindo o acima referido George Soros) (15) para discutir os problemas do mundo e que concluíram ser o crescimento populacional uma terrível ameaça ambiental, social e industrial. Meses antes, em Fevereiro, Gates já havia defendido planos para uma redução da natalidade e da dimensão da população mundial. Realmente, entre os ricos houve sempre grande tentação para eliminar a pobreza com os pobres incluídos, como brinde (16).

e) Jeffrey Sachs, professor de Economia na Universidade de Columbia, onde é director do Earth Institute

Este idealista defende a triplicação do montante da ajuda aos países pobres. Ora qualquer cêntimo, nas actuais circunstâncias. tem elevada probabilidade de parar no bolso de um mandarim local ou de engordar uma ONG pouco escrupulosa que, por outro lado, explorará os bons sentimentos de solidariedade de muitos cooperantes. Acresce ainda que, se a liberalização do comércio decretada pela OMC mais não faz que reproduzir o modelo da troca desigual e a descapitalização dos países pobres, as ajudas tendem a eternizar o ciclo roubo-ajuda-roubo.

Diz também Sachs que a pobreza a responsável pela má governação em África (O Fim da Pobreza, 2005). De facto, é mais ao contrário, essa má governação é a imposta pelas multinacionais e pela banca internacional que, para conseguirem a rapina das riquezas, precisam de impedir qualquer democracia em África, arranjando ditadores e mandarins corruptos, surgindo a pobreza como consequência e não como causa da má governação. A má governação de Karzai no Afeganistão não emana da pobreza do povo mas, do financiamento dos EUA aos senhores da guerra, ao alcaide de Cabul e amigos.

Contudo Sachs é um acerbo crítico das guerras americanas no Afeganistão e no Iraque, dos recursos que são esbanjados no orçamento de defesa de Obama e com a ausência de apoio ao desenvolvimento das administrações dos EUA que preferem bombardear primeiro, esperando que depois os povos lhes venham, agradecidos, comer na mão.

Sachs, juntamente com a cantora Shakira, terão estado em Portugal durante a recente XIX Cimeira Ibero-Americana em reuniões com líderes latino-americanos para promover a urgência de se conseguir uma cobertura universal da educação, saúde e nutrição das crianças da América Latina entre os 0 e os 6 anos.

f)  Stiglitz, prémio Nobel da Economia, ex-quadro do Banco Mundial é, talvez o mais consistente dos reformadores

Depois de trabalhar, desde 1993, no Council of Economic Advisers no tempo de Bill Clinton, tornou-se economista-chefe no Banco Mundial, em 1997, onde se desiludiu com as falsas teorias em vigor, que encobriam a ausência de transparência e rigor na gestão pública, visando o consequente favorecimento de interesses privados.

No seu livro “Globalização e os seus Descontentes” (2002) acusa o FMI de contribuir para a crise asiática, para o descalabro argentino, para o falhanço da conversão russa em economia de mercado e pelo baixo nível de desenvolvimento da África Negra. Refere ainda os contributos do FMI, em termos da política fiscal, com as altas taxas de juro, a liberalização do comércio e dos mercados de capitais, bem como a privatização dos bens públicos, para o enriquecimento das multinacionais.

Neste contexto, recorda-se o acordo extra-parlamentar, em 1989  entre Constâncio, como secretário-geral do PS e o primeiro-ministro Cavaco para efectuar as privatizações e reduzir a dívida pública (então de 71.7% do PIB). Entretanto, a dívida estava ao mesmo nível em 2008 (70.7%), recentemente teve um enorme aumento para 85.9% do PIB este ano, o Estado empobreceu mas, o capital engordou. Ah, um pormenor interessante: Constâncio esteve em 1988 a receber instruções na conferência Bilderberg. E os ditos facínoras ainda andam aí.

Recorda Stiglitz, aos fundamentalistas do mercado e aos esquecidos, que para Adam Smith o mercado livre só existe nos casos em que haja concorrência perfeita, onde a informação sobre o mesmo bem fosse idêntica para todos, entre patrão e empregado, entre empresa e consumidor, ou entre credor e devedor; como o que existe, em regra, é a concorrência imperfeita (situações de oligopólio, nomeadamente) existe a tendência para considerar a intervenção do Estado para corrigir essas imperfeições e perseguir a eficiência. Na realidade, essa intervenção, protagonizada por mandarins e agentes das grandes empresas, vem gerando a eficiência necessária mas, para o favorecimento dos oligopólios. Que, estranhamente, são as entidades que mais falam de concorrência, mercado livre, transparência, rigor, regulação…

Considera as políticas do FMI ou do “Consenso de Washington” (17) uma mistura de ideologia e falsa ciência. Quando os neoliberais aplaudem o mercado livre, sem a intervenção do Estado, justificam que são os salários mais baixos que resolvem o problema do desemprego e que o crescimento cria “naturalmente” riqueza para todos. Está bem à vista, na Europa e nos EUA, que a consideração do trabalho como um mercado, jogo de oferta e de procura é um logro criminoso que conduz ao abaixamento dos salários reais, não resolvendo o problema do desemprego e que as desigualdades na distribuição do rendimento aumentaram, como atrás se evidenciou, numericamente.

O FMI/BM, a OMC não são transparentes nem são responsáveis perante ninguém, não têm qualquer supervisão, tomam decisões sem debate público, envolvendo até aspectos ambientais e laborais, sem admissão de recurso. Acrescente-se que os seus dirigentes não passam por qualquer crivo democrático; são mandarins designados por governos, no pressuposto da sua fidelidade às prescrições do missal neoliberal e da total compreensão e deferência para com os interesses dos bancos e das multinacionais, o mesmo sucedendo com as instituições da UE. A democracia de mercado fica nas fronteiras das nações, não contagia as instituições internacionais.

Stiglitz critica a imposição do estabelecimento de economias de mercado, nos países subdesenvolvidos sem uma observação mínima das condições em que funciona a sociedade objecto da “terapia”; liberalização do comércio sem a medida dos impactos nas empresas locais, desmantelamento de instituições regulatórias públicas e objectiva criação de um capitalismo mafioso, incapaz de gerar desenvolvimento e uma classe média. Por outro lado, o FMI ao impor uma prematura liberalização dos movimentos de capitais incentivou a entrada maciça de dinheiro de curto prazo, geradora de inflação perante a qual o FMI apenas se cingia a onerar as condições para os empréstimos, com apertos fiscais e subidas dos juros, dos quais resultaram falências, desemprego - agravado pela insipiência da protecção social - e ausência de oportunidades para o crescimento de qualquer negócio.

Neste contexto de endividamento, diz Stiglitz, o FMI preocupa-se principalmente com os bancos credores, emprestando dinheiro aos países devedores, dinheiro esse que é rapidamente encaminhado para a Suíça e offshores, para as contas dos corruptos mandarins locais. Por outro lado, os bancos que emprestam não se preocupam demasiado com a solvência do país devedor porque sabem que, em última análise o FMI irá emprestar para salvar a situação; e, sabendo disso, carregam nos juros baseado no cotação do país, decretado pelas agências de “rating” que recentemente, bem demonstraram a sua incompetência ou incúria. E para que o sistema macabro fique completo, o FMI exige o cumprimento ao país devedor que, sem dinheiro, se vê obrigado a vender ou privatizar as suas empresas, as quais irão acabar nas mãos de multinacionais ou grupos financeiros, que oferecem um baixo preço, aproveitando a situação de rotura do devedor.

Como o importante é a estabilização, para pagar a dívida e os juros aos bancos, faltam recursos para desenvolver os cuidados de saúde, a educação, a habitação e, como o mercado não gera emprego, os desempregados que se amontoem pelas ruas. No entanto, Keynes ao conceber o FMI atribuiu-lhe as funções de ajuda ao desenvolvimento; porém, a lógica neoliberal, modificou essas funções para nutrir o sistema financeiro internacional e fornecer por bom preço, às multinacionais, as empresas locais, através da privatização.

Na sua análise realista de bom conhecedor do FMI e das suas práticas, Stiglitz propõe uma reforma profunda do FMI/BMundial, vocacionando-se aqueles para o apoio ao desenvolvimento dos países pobres e endividados, com políticas específicas para cada um e, não a conhecida fórmula estandardizada, alicerçada no Consenso de Washington.

Em alternativa, propõe uma actuação a contemplar – ainda que de maneira gradual e cuidadosa para os países subdesenvolvidos – a reforma agrária capitalista, as privatizações, a liberalização do mercado de capitais, políticas de concorrência, de criação de apoios aos trabalhadores, segurança social e infra-estrutura de saúde e educação. Trata-se, pois de aplicação de um utópico modelo de aproximação ao funcionamento das economias de mercado desenvolvidas, considerando a existência de instâncias públicas nacionais e multilaterais com capacidade de imporem normas à tríade do sistema financeiro, das multinacionais e do capital mafioso; e, susceptível de inverter a hierarquia do poder dentro do sistema capitalista, gerador de instantâneo e permanente de desigualdades.

Na realidade, Stiglitz apresenta-se como um técnico a propor soluções, concebendo-as como de aplicação possível dentro do sistema capitalista acreditando que elas não serão liminarmente afastadas por quem detém o poder mundial. Embora do ponto de vista analítico defenda que não há reforma económica a nível local ou global sem o funcionamento da democracia em ambos esses níveis, entendendo nesse âmbito, por exemplo, o aumento do peso das quotas dos países em desenvolvimento no FMI e que ainda não foi conseguido.

É, uma vez mais, uma emanação reformista capaz de agradar a alguma esquerda de papelão, sempre pronta ao aplauso de quem defenda as virtualidades de um Estado, nacional ou  global, como vectores determinantes de um capitalismo inteligente e socialmente responsável.

g) Obama, “powerpoint” promocional do capitalismo

Deixamos para o fim o simpático e bem falante Obama, pela sua relevância simbólica como presidente dos EUA.

Em Junho, Obama apresentou as suas linhas para a “maior reforma financeira que a América conhece desde a Grande Depressão”. Deixando de lado a sobranceira mania de confundir América com EUA, reduzindo a zero centenas de milhões de outros americanos, Obama quer evitar os excessos cometidos no passado e equilibrar a liberdade dos mercados accionistas com a regulação. Como se sabe, qualquer regulação é falível, por diversas razões; os seus membros têm uma lógica de pensamento semelhante aos regulados (de cujo seio emanarão), porque a ânsia na produção de formas fáceis de ganhar dinheiro anda sempre léguas à frente dos olhos dos reguladores, porque existirão sempre barreiras burocráticas a vencer pelos reguladores, que se não colocam aos manipuladores do mercado e ainda, porque a celeridade e volatilidade típicas do chamado mercado de capitais pode gerar, a qualquer momento, colapsos impossíveis de prever. Neste contexto e tendo em conta o apoio dos meios financeiros às medidas de Obama, os interesses da oligarquia estão acautelados, sem que ritualmente, a União dos Bancos dos EUA e a Comunidade Independente dos Banqueiros se manifeste contrária.

Em concreto, o plano de Obama – depois de acertadas as coisas com os magnatas da Wall Street, de onde vieram muitos dos seus assessores - consiste em:

·         Permitir ao governo e ao FED a possibilidade de assumir o controlo de uma grande empresa financeira cujo colapso possa ter efeitos sistémicos, para evitar a mobilização de dinheiros públicos, como aconteceu em 2008, ainda no consulado de Bush;

·         Um banco que entre em colapso poderá ver os seus bens vendidos e a administração demitida, sendo o seu resgate pago por taxas aplicadas a todos os bancos com mais de $ 10000 M de activos (cerca de 120) e a pagar durante tempo indeterminado;

·         Para evitar instabilidades financeiras, as autoridades podem decretar que o Fundo de Depósito Federal alargue o crédito que concede e garanta os débitos dos bancos com problemas o que, na prática, constitui a segurança total para os “investidores “ da Wall Street – ter a almofadinha fofa do Estado sempre disponível;

·         Uma vez que o Estado não voltará a deixar falir um grande banco como o Lehmans, estes vêem-se reforçados, impunes e sempre prontos a comprar, em saldo, bancos mais pequenos em dificuldades. É todo um incentivo à concentração de capital que fica montada e, perante tantas facilidades nem se percebe porque têm salários pornográficos os altos gestores do sistema bancário;

·         A desejável separação entre bancos comerciais e bancos de investimento proposta pelo governador do Banco de Inglaterra recentemente (ver acima no âmbito da referência a Gordon Brown) é esquecida por Obama, apesar de essa promiscuidade ter altas responsabilidades na crise financeira actual. No entanto, os EUA tinham disponível o precedente de Roosevelt (Glass-Steagall Act, de 1933) que proibiu os bancos comuns de tocar em títulos de risco, política que recentemente foi defendida também por Paul Volcker, antigo presidente do FED. É evidente que Obama nunca seguiria esse caminho pois, obrigaria à partição dos grandes bancos (Citigroup, JPMorgan…), exactamente o oposto à actual política governamental de incrementar a concentração bancária!

·         Quanto aos derivados – colossal e obscuro conjunto de “produtos”, calculado em $ 592*1012 - a grande maioria vai continuar sem supervisão, deixando no ar a pergunta: para quando a próxima crise?

·         A ideia de criar uma Agência de Protecção Financeira do Consumidor irá deixar de fora 98% dos bancos do país (18) e virá a permitir que o governo federal altere leis de defesa do consumidor estaduais, bem mais duras que as federais. Deste tipo de reguladores para defesa do consumidor há muitos em Portugal, qual deles o mais inútil para esse efeito; servem para a colocação lá de mandarins, convencer a plebe de que tem neles uns escudeiros em sua defesa, ocultando que não passam de órgãos corporativos, financiadas por quem “fiscalizam” (ver a obra jurídica de Marcelo Caetano que explica como funciona o Estado Corporativo).

 - - -

Em grande parte, as medidas tomadas têm por objectivo a aplicação num quadro nacional, pese embora a grande interacção existente entre os diversos países. Contrariando as propostas dos reformadores mais lúcidos, que propõem soluções num quadro multilateral, Strauss-Kahn, director-geral do FMI, afirmou em Setembro último que a reforma da regulação internacional ficará adiada .., para não comprometer a retoma, nem aumentar os riscos da desestabilização financeira, dando-se portanto a primazia à superação da crise. Perante tais afirmações proferidas em Setembro, fica explicada a ineficácia da resolução dos ministros da UE do passado dia 3 de Dezembro, mesmo que anunciada com o ar festivo e triunfal costumeiro

E, num quadro de enorme fraqueza do dólar, objecto de discreta substituição por outras moedas, todos os BRIC defendem a adopção de uma nova divisa internacional, gerida eventualmente pelo BIS – Banco de Compensações Internacionais, antes que se esfarele o valor real das suas divisas em dólares que, no caso da China equivalem a $ 2000*109 . Stiglitz é da mesma opinião e aponta que o actual sistema baseado no dólar “é parte do problema”. Quanto a isto, o referido Strauss-Khan, pretendendo tapar o sol com uma peneira, defendeu que o dólar se reforçou durante a crise e que continua a ser um “activo refúgio sem igual”. Deve ter muitos debaixo do colchão…

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(1)  Diário Económico 16/9/2009

(2)  Diário Económico 3/6/2009

(3)  Aumento dos preços dos bens alimentares e redução do IVA para 20% (http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/19137.html)

(4)  Em relação ao ouro refira-se (Expresso, 30/5/2009) que Portugal tinha 606.7 t de reservas em 2001 e tem este ano 382.5 t. Essas vendas, objecto de política comunitária, foram feitas a € 280 a € 600 por onça, no período 1999/2006 e agora o preço é de € 950.

(5)  Democracy Now 5/8/2009 e 20/11/2009

(6)  De acordo com o FMI (Abril/2009), de 2007 a 2010 deverão ser amortizados $ 4 100 000 M dos quais, à data somente um quarto tinha sido efectivado. Para melhorarem os seus indicadores de capitais próprios os bancos terão de aumentar o capital em $ 875 000 M ($375000 M na Europa, $275000 M nos EUA e $100000 M na Inglaterra) (Diário Económico, 22/4/2009)

(7)  Democracy Now 28/8/2009


(9)  Extraido de “A Tale of Two Depressions” de Barry EichengreenKevin H. O’Rourke (set/2009) (www.voxeu.org)

(10)    Ver “Um problema mundial chamado NATO”

(11)    Jornal de Negócios, 8/6/2009

(12)    Jornal de Negócios, 23/11/09

(13)    Quando Strauss-Kahn, do FMI, aponta para Portugal. não abandona o receituário que tornou famoso o FMI nas últimas décadas - redução da massa salarial da função pública, redução da despesa com transferências sociais,  aumento de impostos, em particular do IVA, continuar a apostar na simplificação administrativa, implementar o novo código laboral, reexaminar os benefícios do subsídio de desemprego e reconsiderar os aumentos do salário mínimo planeados. Imaginamos a conhecida Teresa Terminasian a fazer as malas para voltar a Portugal e ditar de novo os decretos ao ministro das Finanças.

(14)    Como vão ser criados três reguladores na UE para o sector financeiro, não seria estranho que Constâncio fosse para um deles ou para o BCE, como foi aventado recentemente. Ficaria lá bem pois a cor predominante nesses cenários é o cinzento – com Barroso, Trichet, o von–qualquer-coisa, presidente da UE, todos bons falantes de várias línguas. Para quem não saiba, poliglota é alguém que sabe dizer o mesmo disparate de muitas formas.

(15)    The Sunday Times 24/5/2009

(16)    Ainda dentro da mesma linha de elevada preocupação com o fim da pobreza estiveram os distintos deputados portugueses que aprovaram um projecto de resolução de que mais ninguém se lembrou. A pobreza tem tanto de assunto sério como de hilariante foi ver aqueles gordos e luzidios representantes da nação votar o projecto Pela mesma época o brincalhão Cavaco decidiu utilizar a pobreza como um instrumento fraudulento na sua cruzada contra o divórcio. (Erradicação da pobreza por lei ? - Julho/2008, neste blog)
           
(17)    “Consenso de Washington” é um missal criado pelos sector financeiro em 1990 para aplicação à América Latina. Apresenta os seguintes salmos: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, liberalização do comércio externo, investimento estrangeiro directo, sem restrições, privatização das empresas públicas, desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e laborais) e direito à propriedade intelectual.


 Dezembro 2009 

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