A resposta capitalista que estão a preparar para a crise
Sumário
1-
Apontamentos sobre o descrédito da teologia neoliberal
2 - Evoluções e involuções no
capitalismo
3 - Os
reformadores do capitalismo
4 - O que
dizem e fazem alguns reformadores ilustres
a)
Gordon Brown, primeiro-ministro inglês
b) Daniel Held, professor na London School of
Economics
c)
George Soros, especulador financeiro e filantropo
d)
Bill Gates, o “special one” do dinheiro
e)Jeffrey Sachs, professor de Economia na Universidade de
Columbia, onde é director do Earth Institute
f) Stiglitz, prémio Nobel da
Economia, ex-quadro do Banco Mundial é, talvez o mais consistente dos
reformadores
g)
Obama, “powerpoint” promocional do capitalismo
1-
Apontamentos sobre o descrédito da teologia neoliberal
As
instâncias reguladoras do capitalismo global (FMI, OMC), criadas depois da II
Grande Guerra mostram-se ineficazes e inoperantes, na conjuntura actual, revelando
a confusão e o temor que grassa entre homens de negócios, banqueiros e
mandarins.
Os
Estados avançam com medidas desconexas e reveladoras de divergências
insanáveis, procurando, cada um, ajudar os seus próprios banqueiros. No caso
europeu, o BCE espera, para os bancos da zona euro, perdas da ordem dos €
205000 M, até final de 2010; e, se se considerar todo o sector financeira, os
prejuízos podem alcançar os € 470700 M (1). Todavia, apesar destas números
colossais, o BCE acalma o “mercado” e os “investidores” referindo que entre
lucros retidos e provisões o problema fica sanado em… dois anos (apenas). Para
ajudar nessa humanitária tarefa, o BCE comprou € 60000 M de obrigações privadas
(2), na peúgada dos seus confrades – FED e Banco de Inglaterra. Os impactos
sobre a vida da multidão vêm (talvez) depois da cura dos banqueiros.
O
impagável e implacável BCE, num pequeno lapso de tempo, depois da férrea defesa
de elevadas taxas de juro para conter a inflação (que só ele descortinava mas,
que servia lindamente para justificar “contenção salarial”) adopta sucessivas
baixas da taxa de referência, até se fixar em 1%. O desacreditado Sócrates e o
seu imediato T dos Santos, baixam o IVA em 1% (para aumentar a receita das
empresas (3) para, no ano seguinte terem de rectificar o orçamento, a contas
com um deficit record, numa demonstração clara da validade das previsões dos
mandarins.
Os
Estados para acudirem aos bancos e temperarem situações sociais mais gravosas
endividam-se alegremente para tentar conter a crise e, alegremente se endividam
para lançar obras públicas que impulsionem a retoma. O deficit segue dentro de
momentos.
Sucedem-se
as magnas reuniões dos G de várias dimensões (8, 14, 20), os concelhos de
ministros da UE, como se sucedem, os avisos solenes, saídos de bocas
sorridentes, que anunciam a saída breve da crise mas, na realidade,
dificilmente se deverão confundir variações conjunturais com sinais
consistentes de retoma. Na verdade, é natural que haja um nível de recessão
suficientemente baixo que, obrigatoriamente conduza, alguma vez, a uma inversão
da tendência recessiva.
Por outro
lado, as variações ascendentes das cotações nas bolsas não revelam uma
confiança na consistência do surgimento de tendências significativas do aumento
do consumo privado ou do investimento não público. Revelam, sobretudo,
aproveitamentos para a compra barata de activos e de concentração de capitais,
em parte fomentados pelos aumentos de liquidez provenientes de injecções de
dinheiro público no apoio aos bancos; e que estará também a financiar
constituições especulativas de stocks de matérias-primas e de ouro (4) a julgar
pelas altas dos preços.
Recorde-se
que Krugman, em artigo recente, apoiando embora o esforço keynesiano de Obama
com um enorme apoio de fundos públicos, considera o mesmo insuficiente (só para
a GM serão € 21500 M). Diz, que terá sido bom para travar o ritmo da queda mas,
incapaz de promover a retoma. E a verdade é que nos EUA, em princípio de
Novembro, o desemprego ultrapassou a barreira dos 10%, como aliás na área de
actuação do mago Teixeira dos Santos.
Os
discursos de Obama são sempre aguardados como as palavras de um líder; e eles
são muitas vezes ambivalentes, reflectindo o impasse em que se encontram as
respostas à crise, para salvar o capitalismo, para proceder às readaptações
necessárias nesse sentido. É óbvio mas, como?
A
intervenção pública na propriedade de empresas, é transitória, devendo retornar
à gestão privada quando estiverem salvos? Ou constituirão um modo permanente de
o Estado regular o andamento dos negócios, detendo um sector empresarial como
válvula e corrector de tendências indesejáveis, de sacrificado para que os
lucros se concentrem no sector privado, como é regra? Na verdade, em Agosto (4)
o governo avançava com apoios a 9% proprietários em dificuldades; mas, de acordo
com a mesma fonte, 14% dos devedores de créditos hipotecários por compra de
habitações (7.4 M de famílias) tinham prestações em atraso.
Que
fazer, do ponto de vista social se os bancos executarem essas famílias por
incumprimento? E como ficarão os balanços dos bancos, repletos de imobiliário
desvalorizado, sem compradores, a acrescentar aos chamados “tóxicos”(6)? Quem
será capaz de evidenciar as grandes perdas de capital nas instituições
financeiras?
As novas
regulações aprovadas pelo Conselho de Ministros das Finanças da UE - ainda
dependentes de validação no Parlamento Europeu - constituem uma filigrana
burocrática pouco credível mas, vai criar a possibilidade de a UE impor que um
Estado intervenha num banco em dificuldades, para evitar riscos sistémicos. A
facilidade com que se realizam os movimentos transfronteiriços de capitais
entre dependências dos grandes bancos podem causar problemas de liquidez como
aconteceu na Europa de Leste, recentemente, forçando à intervenção do FMI; qual
será a capacidade dos reguladores para o evitar? Os offshores, com todo o seu
potencial de lavagem e dissimulação de balanços vão continuar livres de
qualquer regulação. O sistema financeiro tem dado muitas provas de que é capaz
de criar novos produtos financeiros para driblar os reguladores; serão os
próximos mais lestos, por exemplo, na detecção de contabilidades paralelas?
Ainda recentemente, a UE e a Suíça celebraram acordos para a cobrança de
impostos sobre os depósitos efectuados na Suíça, deixando de fora os produtos
“estruturados” em que rapidamente se transformaram os depósitos. O sigilo
bancário, a alma do negócio dos bancos e condição importante para as vigarices,
vai ser molestado seriamente? Os capitais provenientes de enriquecimentos
ilícitos vão ser expropriados como acontece nos crimes de roubo, tráfego de
droga e outros? Se se comparar as propostas da UE com as decretadas por Obama,
(ver, neste texto, 4. g) Obama, “powerpoint” promocional do capitalismo) pode
observar-se facilmente como são tíbias e pífias.
Neste
momento de fraqueza, de falta de legitimidade na opinião pública, o capitalismo
vai ressuscitar o pacto social-democrata em que o Estado e as grandes empresas
se associam com os sindicatos para estabilizar o sistema?
Do ponto
de vista da teoria económica e apesar do aplauso pelo apoio dos dinheiros
públicos, muitos vêm nisso um parêntesis que deverá ser esquecido rapidamente
e, perante indicações de retoma nos mercados de capitais, os bancos mostram-se
cada vez mais renitentes a regulações mais exigentes. Outros, consideram que o
keynesianismo dos anos 30 a 70 deverá voltar, agora aplicado, de forma
integrada, a nível global. Essa divisão é também patente, no âmbito da UE,
entre os que defendiam um regresso imediato ao PEC e outros que, considerando
os sinais de retoma ainda pouco consistentes, preferem adiar os parâmetros do
PEC por mais um ou dois anos e apostar em mais empenhamento estatal.
Também o
aquecimento global provoca uma divisão clara (por exemplo, nos EUA) entre
aqueles que consideram que o combate ao problema pode ser adiado para mais
tarde, ultrapassada a actual crise e outros, que vêem nas políticas de salvaguarda
do ambiente, uma forma de desenvolver novos negócios e superar a crise.
2 - Evoluções e involuções no
capitalismo
Após o
ligeiro ponto de situação atrás desenhado
procede-se, de seguida, à apresentação de alguns elementos de carácter
sistémico, que aproximam ou diferenciam o capitalismo, no tempo da Grande
Depressão e actualmente.
A
intervenção estatal após a Grande Recessão dos anos 30 do século passado e
inspirada por Keynes procurava, sem dúvida. salvar o capitalismo, nomeadamente
a alta finança, tal como hoje vamos observando. Até Agosto último, nos EUA já
haviam falido 81 bancos e, no fim de Junho havia 416 em risco; entretanto, em
paralelo, vão-se efectuando fusões com a utilização de dinheiros públicos ajudando
à construção de uma maior concentração bancária que beneficia os maiores bancos
como os J.P. Morgan Chase, Bank of América, Citigroup e Wells Fargo (7)
A recessão
daquela época (anos 30) provocou medidas proteccionistas em cada país, com
ligações evidentes às derivas nacionalistas que em muitos casos conduziram a
regimes fascistas. E, portanto, não é estranho que a contracção do comércio
internacional tenha sido drástica: as exportações mundiais de mercadorias
valiam $19700 M em 1921, $33000 M em 1929 e $ 22700M em 1938 (8).
Então, apesar
de muitas afirmações solenes proferidas de retoma, de animação das bolsas, a
verdade é que foi preciso esperar pela II Guerra Mundial para que nos EUA, a
produção de armamento e a mobilização dos soldados promovessem a saída da
estagnação e a redução do desemprego, Esses resultados foram posteriormente
prolongados com a reconstrução da Europa, arrasada pela guerra, através do financiamento
pelo Plano Marshall, de apoio aos negócios das grandes empresas americanas,
enquanto o dólar engrandecia o seu papel como moeda internacional, naquela
época e até 1971, garantida por ouro. Aliás, antes da guerra, Roosevelt
considerava a morte de uns 30 M de europeus na guerra um elemento excelente
para que a supremacia americana no mundo se acentuasse. Do mesmo modo, terá
batido palmas ao bombardeamento de Pearl Harbour mesmo que, isso viesse a
custar a colocação de 120 mil nipo-americanos em campos de concentração, depois
de despojados dos seus bens, vendidos ao desbarato. Essa evidente atitude
racista foi uma opção do celebrado (com e sem o “b”) Roosevelt.
Como se
sabe, a partir dos anos 50, foram sendo aplicados elementos conducentes à
dinamização do comércio internacional, com o combate declarado ao
proteccionismo, com os desarmamentos aduaneiros, com a criação de uma
instituição mundial vocacionada para a liberalização do comércio, dos serviços
e dos capitais (GATT/OMC) e com as integrações económicas regionais em que a UE
vem sendo pioneira.
As
variações do PIB não reflectem de modo simples o impacto das variações da
exportação de mercadorias uma vez que, para o PIB contribuem outros factores de
grande relevância como as importações de bens, os outras componentes da balança
de transacções correntes, as movimentações de capital, a política orçamental, o
volume do investimento, o consumo privado...
Essa aposta deliberada nos mercados
externos, que se pode medir, não coincide com grandes incrementos do PIB indiciando
que o modelo está esgotado. De facto, em contexto de fraco crescimento da
procura global de bens e serviços, a penetração comercial no exterior só pode
fazer-se por rebaixamento dos preços, ao nível da produção/distribuição e não
devido a acréscimos quantitativos da procura externa. De outro modo, se as
deslocalizações provocam abaixamento de custos e de preços na produção, elas
geram, nos locais anteriores de produção, desemprego e uma pressão para um
abaixamento dos custos salariais e laborais; que, por sua vez vai reduzir a
capacidade desses trabalhadores para adquirir bens e serviços; que por seu
turno…
Evolução
média (%)
|
|||||||||
PIB real *
|
Exportações real **
|
PIB/Exportação (taxas)
|
|||||||
1995/2000
|
2001/2007
|
1995/2000
|
2001/2007
|
1995/2000
|
2001/2007
|
||||
Mundo
|
3,3
|
3,1
|
6,5
|
8,9
|
0,503
|
0,348
|
|||
P desenvolvidos
|
3,0
|
2,1
|
6,1
|
4,7
|
0,492
|
0,447
|
|||
Alemanha ***
|
2,0
|
1,2
|
8,6
|
7,4
|
0,233
|
0,162
|
|||
Espanha ***
|
3,9
|
3,4
|
10,1
|
4,0
|
0,386
|
0,850
|
|||
EUA
|
3,9
|
2,4
|
7,6
|
4,0
|
0,513
|
0,600
|
|||
França ***
|
2,7
|
1,8
|
8,4
|
2,5
|
0,321
|
0,720
|
|||
Itália ***
|
2,1
|
0,9
|
5,5
|
2,0
|
0,382
|
0,450
|
|||
Japão
|
1,1
|
1,6
|
5,5
|
7,0
|
0,200
|
0,229
|
|||
Portugal ***
|
4,1
|
0,9
|
6,8
|
4,2
|
0,603
|
0,214
|
|||
Reino Unido ***
|
3,1
|
2,6
|
7,1
|
3,7
|
0,437
|
0,703
|
|||
Zona euro
|
2,3
|
1,8
|
6,6
|
4,6
|
0,348
|
0,391
|
|||
P em desenvolvimento
|
4,7
|
5,9
|
7,1
|
16,3
|
0,656
|
0,362
|
|||
Recolha de dados primários:
|
|||||||||
* CNUCED,
|
|||||||||
** OCDE excepto Mundo, P. Desenvolvidos, P. em Desenvolvimento.
Zona euro (http://www.cpb.nl/eng/research/sector2/data/trademonitor.html)
|
|||||||||
A análise do quadro acima revela algum
paralelismo entre as variações do PIB e das exportações porém, essa relação
enfraquece quando se passa do final da década de 90 para os primeiros anos do
século XXI, induzindo que a queda generalizada das taxas de crescimento é de
algum modo sustida por factores outros, que não as exportações, como nos casos da
Alemanha e Portugal. Sublinhe-se a relativa
estabilidade da relação variações do PIB/variações da exportação para a zona
euro no seu conjunto; e que o acréscimo da taxa de crescimento económico dos
países em vias de desenvolvimento é concomitante com um enorme crescimento das
exportações.
(1990/2007)
|
|||
Variação PIB (%)
|
Variação Export (%)
|
Variação Import (%)
|
|
Alemanha
|
92,6
|
227,0
|
203,3
|
Espanha
|
174,6
|
357,1
|
346,9
|
EUA
|
138,6
|
210,5
|
290,4
|
França
|
107,1
|
156,6
|
162,0
|
Itália
|
84,6
|
199,6
|
186,7
|
Japão
|
45,6
|
148,9
|
165,0
|
Portugal
|
191,6
|
211,5
|
207,7
|
Reino
Unido
|
176,3
|
139,4
|
179,3
|
Fontes:
PIB - CNUCED, Exp/Imp - OCDE
|
Para o conjunto de países ocidentais acima seleccionados a variação dos fluxos do comércio externo é muito maior que o crescimento observado para o PIB, com a notória excepção da Grã-Bretanha e para o quase paralelismo verificado para Portugal, entre os dois indicadores.
Peso das exportações no PIB (%)
|
||||||||||||||||
1990
|
1995
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
|||||||
Alemanha
|
23,7
|
20,8
|
29,0
|
30,2
|
30,5
|
30,7
|
33,3
|
35,1
|
38,7
|
40,2
|
||||||
Espanha
|
10,7
|
15,7
|
19,5
|
19,1
|
18,3
|
17,7
|
17,5
|
17,1
|
17,5
|
17,7
|
||||||
EUA
|
6,5
|
7,9
|
7,9
|
7,2
|
6,6
|
6,6
|
7,0
|
7,3
|
7,9
|
8,4
|
||||||
França
|
17,0
|
18,1
|
22,2
|
21,6
|
20,9
|
19,9
|
20,0
|
20,2
|
21,2
|
21,0
|
||||||
Itália
|
14,7
|
20,5
|
21,9
|
21,9
|
20,9
|
19,9
|
20,5
|
21,2
|
22,6
|
23,9
|
||||||
Japão
|
9,5
|
8,5
|
10,3
|
9,9
|
10,7
|
11,2
|
12,3
|
13,1
|
14,7
|
16,3
|
||||||
Portugal
|
21,9
|
20,7
|
21,6
|
20,8
|
20,3
|
20,5
|
20,0
|
20,7
|
22,6
|
23,4
|
||||||
Reino Unido
|
18,5
|
21,3
|
19,6
|
19,0
|
17,9
|
17,0
|
16,2
|
17,3
|
18,9
|
16,1
|
||||||
Fontes - PIB - CNUCED, Exp/Imp - OCDE |
||||||||||||||||
O quadro acima transcreve uma variedade de situações, nenhuma conducente à formação de elevados crescimentos. A Alemanha apresenta um enorme crescimento da exportação no seu PIB e, este não cresce particularmente enquanto no Japão se observa um fenómeno semelhante, embora o peso da exportação seja bastante menor. A Espanha apresenta taxas de crescimento elevadas sem reforço da exportação no PIB e, no caso da Grã-Bretanha a situação é similar mas com queda ligeira do pesos da exportação. O caso português, como a França e a Itália revelam ligeiros acréscimos da procura externa comparativamente ao PIB, que contudo, evolui com taxas baixas neste século.
Se um país aposta deliberadamente na
exportação e os outros não, o primeiro, pode, temporariamente enriquecer; mas,
se todos apostam nessa política, com bens mais ou menos semelhantes, é óbvio
que o enriquecimento a partir da exportação tem de surgir de factores
exteriores – especialização na produção de bens que só alguns são capazes de
produzir (o que é, geralmente, temporário) e, simultaneamente, no esmagamento
dos custos de produção, o qual tende a coincidir com o modelo dos baixos custos
salariais e laborais, aliado ao dumping ambiental. E isso, depende da
hierarquia desse país no contexto global, da habilidade da sua burguesia e da
maior ou menor combatividade dos explorados.
Neste quadro, os salários, estando contidos
estruturalmente, pela deliberada actuação do Estado, não fornecem estímulos à
produção seja de bens e serviços produzidos internamente, quer vindos do
exterior. Mas, se temporariamente podem traduzir-se em vantagens competitivas para
os exportadores, elas vão ser traduzidas em perdas para os sectores produtores
de bens ou serviços não transaccionáveis com o exterior. E, também não vão
ajudar a produção de bens exportáveis dos países vizinhos que, por sua vez… Na actual
economia globalizada, como é se evidencia, hoje, não é difícil imaginar que
existe uma matriz de interacções conducentes à entropia e estagnação
generalizadas.
As capacidades produtivas existem mas, não
há compradores em quantidade suficiente ou poder de compra adequado, pesem
embora campanhas promocionais e outros truques, que todos vão utilizando e, por
isso, não diferenciam os vendedores. Do outro lado da barreira, estão muitos milhões
de trabalhadores com rendimentos refreados pelas necessidades de
competitividade dos seus patrões exportadores, com o apoio dos governos, na
imposição do modelo empobrecedor, baseado em fórmulas de contenção dos gastos
públicos de carácter social mas, muito atentos e disponíveis para ajudarem os
“empresários” em geral, promover as exportadores em particular e manterem
sereno e bem oleado os aparelhos militar e de segurança interna.
Discute-se muito se a retoma vem a caminho,
todos procurando ver na escuridão a tal luz ao fundo do túnel. E, é inevitável
proceder a comparações com a Grande Recessão dos anos 30. O gráfico seguinte
(9) revela que nos primeiros dez meses da actual crise, a queda do comércio
mundial é mais acentuada que a verificada em idêntico período durante a
recessão dos anos 30; o que indicia que, num modelo baseado na criação
redentora de riqueza a partir da exportação, as coisas possam estar
complicadas.
Figure
3. The Volume
of World Trade, Now vs Then (Em abscissas, meses)
A corroborar
esta tendência, sabe-se, por informação do presidente da Comunidade Portuária
de Lisboa, que em Março último, a crise deixava sem carga 11% da frota mundial
de navios porta-contentores e 9% dos graneleiros, para além das repercussões
dos estaleiros, sem encomendas e dos preços baixos que os armadores têm de oferecer
para terem os seus navios com carga.
Dito de
outro modo, se se justificou que o proteccionismo foi um obstáculo à saída da
crise nos anos 30, a globalização excludente actual, sem reduzir as
desigualdades do mundo, sem deixar de utilizar a militarização e a guerra como
instrumentos de domínio e propondo com toda a veemência as virtudes dos
mercados livres, está a conduzir o mundo para uma situação semelhante, se não
pior.
A questão
não está pois, nos instrumentos que se utilizam para gerar crescimento,
emprego, paz e bem-estar. A questão não é se o rícino é servido em prato ou
tigela; é o próprio rícino (sistema capitalista) que é intragável, nocivo,
pestífero e, portanto, de urgente substituição.
A parcela
da população activa com trabalho mostra-se, em regra crescente,
estruturalmente, embora com alguns recuos, em períodos de maior crise, mesmo
nestes tempos de crescimento anémico das economias ocidentais. De acordo com o
quadro seguinte, nos países considerados, a população com emprego cresceu em
2000/2008 perto de 21 M de trabalhadores, apesar da quebra no Japão.
Parcela rendim. trabalho no VAB
|
Emprego total
|
|||||||
1991/1995
|
1996/2000
|
2001/2008
|
1990
|
1995
|
2000
|
2005
|
2008
|
|
Alemanha
|
70,3
|
69,2
|
67,1
|
* 36.871
|
35.780
|
36.236
|
36.185
|
38.480
|
Espanha
|
69,4
|
67,2
|
63,9
|
nd
|
nd
|
15.597
|
18.973
|
20.257
|
EUA
|
68,3
|
67,3
|
66,8
|
118.793
|
124.900
|
136.933
|
141.730
|
145.362
|
França
|
69,7
|
67,9
|
67,1
|
22.075
|
21.956
|
23.689
|
24.497
|
25.474
|
Itália
|
74,4
|
68,6
|
66,7
|
21.080
|
20.034
|
20.973
|
22.290
|
23.137
|
Japão
|
63,4
|
62,5
|
58,8
|
61.710
|
63.900
|
63.790
|
62.910
|
63.250
|
Portugal
|
72,5
|
71,4
|
72,0
|
4.496
|
4.229
|
5.021
|
5.123
|
5.198
|
Reino
Unido
|
70,6
|
68,3
|
69,8
|
26.713
|
25.694
|
27.375
|
28.674
|
29.343
|
*
1991
|
Fonte:
OCDE
|
Seria de
esperar que os rendimentos distribuídos a tantos novos trabalhadores
impulsionassem a economia ou que promovessem um reforço da parcela do trabalho
no rendimento gerado, o que é manifestamente falso.
Esta
situação espelha muitos fenómenos, dos quais se destacam os seguintes:
·
Com
mais gente a trabalhar e reduzindo-se a representatividade dos seus rendimentos
no PIB isso significa que a remuneração média se degrada relativamente ao
aumento da riqueza;
·
Essa
fatia de rendimento perdida por quem tem trabalho, não parece ir encher os
bolsos de reformados e desempregados mas, como se vê todos os dias, pela
dirige-se à engorda de empresas, empresários e seus quadros de topo;
·
Não
se pode dizer que os trabalhadores mais jovens, entretanto entrados no mundo do
trabalho, tenham menores qualificações do que os que vão encontrar e, portanto,
seria admissível que o seu contributo aumentasse a parcela do trabalho no
rendimento global;
·
Nas
estatísticas habituais não se separam, entre os rendimentos do trabalho, as
remunerações médias e baixas da esmagadora maioria dos trabalhadores, daquelas
que auferem empresários, gestores e mandarins. E, como essas evoluem sempre,
com acréscimos que se não cingem a cálculos de reposição do poder de compra, a
perda global dos trabalhadores é, decerto mais acentuada do que o revelado pelo
quadro acima;
·
Uma
vez que o rendimento dos trabalhadores tem um crescimento sistematicamente
refreado, o poder de compra da multidão fica também contido; e, reduzindo-se o
potencial de crescimento do consumo privado – a principal componente da despesa
em todas as sociedades – as taxas reais de crescimento das economias tornam-se
anémicas. E como isso acontece urbi et orbi, não há esforço exportador que
possa impulsionar a economia mundial, refém dos humores macroeconómicos e
financeiros da China;
·
Por
detrás desta situação, como se disse atrás, estão todas as políticas de
contenção salarial, de precarização do trabalho, aumento das jornadas de
trabalho, manutenção de enormes massas de desempregados, políticas que se podem
comparar com a ligação da mangueira dos bombeiros à bomba de gasolina para
apagar o incêndio. Políticas subsequentes da deslocalização de empresas, das
necessidades de ganhar competitividade e que, para o efeito não penalizam os
ricos, em cujas contas bancárias em offshores residirão as poupanças a investir
(mais na especulação do que na criação de empregos);
·
É
um sistema completamente viciado no seu funcionamento e profundamente orientado
no benefício dos capitalistas.
E,
chegamos assim, 70 anos depois, a uma situação de recessão continuada em que os
tambores da guerra ecoam aqui e ali, sem que se configure para breve uma guerra
generalizada. E nesse contexto, destacam-se três vertentes de actuação do
capitalismo mundial de hoje:
·
Os
EUA e a sua NATO procuram manter a sua grande supremacia militar para irem
controlando os recursos mundiais, as vias de comunicação físicas e de
informação, corrompendo uns regimes políticos, ameaçando outros, guerreando uns
terceiros, actuando em diversas instâncias (10) e, sempre prontos a intervir brutalmente
onde exista perigo de desestabilização ou mudanças na ordem social favorável ao
capitalismo ocidental;
·
Outro
grande vector de actuação é a desmaterialização da formação de rendimentos, de
acumulação de capitais, através da especulação, da circulação acelerada de
títulos de propriedade, que permitem o rentismo mais parasitário.
Esse
mundo é duplamente virtual. Virtual porque movimenta títulos, cascatas e
encadeados de direitos, cuja ligação ao mundo real é ténue; e virtual porque 40%
das transacções nas bolsas europeias e 48 a 50% nos EUA se realizam com base em
decisões tomadas por computador, sem intervenção humana (11). Qualquer ligação
à economia real faz-se com o predomínio absoluto de uma lógica de rendabilidade
a curtíssimo prazo.
E,
nesse contexto - o da financiarização – a produção de bens e serviços, a gestão
de recursos para essa produção, a organização do trabalho, a sociedade, tornam-se
factores distantes da acumulação de capital. Veja-se no actual momento de grave
crise económica e social, a bolha bolsista que se está a formar e os lucros
enormes que o sector financeiro vem apresentando, como se reflectissem uma
realidade de outro planeta. Até a muito oficial CMVM lusitana veio avisar que
os analistas são demasiado optimistas quanto ao desempenho das empresas sobre
as quais emitem opiniões (12).
·
O
terceiro é o genocídio. De facto, se a grande acumulação de capital, a formação
de rendimentos se consegue desligada da realidade económica no terreno; se o
capitalismo não consegue ultrapassar a sua própria essência de gerador de
crises e de bloqueio à satisfação das necessidades da multidão, torna-se
atraente para o grande capital promover a desaparição ou a anulação económica
de milhões de pessoas. É nesse contexto que a OMC ao fomentar a liberalização
das trocas de bens agrícolas, constrói a supremacia de umas poucas
multinacionais do agro-alimentar, criando dificuldades a 2700 M de pessoas que
vivem da agricultura familiar; que os principais governos se desinteressaram do
problema da fome, ausentes numa conferência recente em Roma, agravado pela
actual crise e pela especulação sobre bens agrícolas em 2008; como se desinteressam pelas 25000 mortes diárias
de crianças com menos de cinco anos, com doenças evitáveis, como revelado pela
UNICEF; ou como levianamente causaram mortes no Iraque, em função do bloqueio e
da guerra. Nos países ditos desenvolvidos, os 22 M de desempregados europeus,
os 10% de taxa de desemprego nos EUA constituem uma grande massa excluídos, com
poucas esperanças de melhoria; e os reformados pobres são cidadãos colocados em
guetos sociais que se pretendem aceitem a morte por inanição. Para que tudo
isso funcione sem sobressaltos é preciso que toda a população se imbecilize
através dos media e aceite a sua insegurança, a precariedade das suas vidas, a
escravização perante o trabalho e o pagamento das dívidas, a falta de apoio a
familiares num crónico desemprego ou a ausência de cuidados para os velhos.
3 - Os
reformadores do capitalismo
Não se
vive, hoje, uma situação pré-revolucionária que provoque angústias ao domínio
do capital, garantida que está, há várias décadas, a inércia de centrais
sindicais colonizadas pelo capital e obedientes à sua lógica, assim como se
acha contida a relevância de movimentos de esquerda baseados numa aguerrida
militância de base, depois dos sobressaltos sofridos pelo capital, em Maio/Junho
de 1968 em França ou, na Itália no período subsequente. Vive-se uma relativa
complacência global dos trabalhadores face à crise, aceitação ritual do jogo
político eleitoral como arena de disputa, embalada numa retoma que chegará… um
dia. Essa complacência é o revestimento que cobre milhões de trabalhadores
isolados, deprimidos, angustiados pelo eminente surgimento do despedimento, do
lay-off, dos cortes salariais, da redução de horas de trabalho ou do trabalho
extraordinário não pago, de piores condições no frequente desemprego que se intercala
com tempos de precariedade ou, quando nem esta se acha acessível e se cai na
exclusão. Porém, a revolta está latente.
É a mesma
complacência que deixa os governos, os bancos, o capital em geral e os seus
“think tanks”, com as mãos livres para gerirem a crise da melhor maneira para
si; isto é, concentrados nos problemas inerentes às contradições entre as
multinacionais, entre os abutres da finança ou, entre aqueles e as burguesias
nacionais dos países do Sul, estes, em busca de uma acumulação menos subalterna
e mais acelerada (caso dos BRIC, por exemplo). Até as ameaças ambientais podem
ser encaradas com displicência por muitos governos, embora não haja quem esteja
imune às suas consequências.
As
contradições são colocadas naquele plano interno do capitalismo uma vez que o
objectivo das cabeças pensantes do sistema é salvá-lo, é colocar as “coisas” a
funcionar, com pragmatismo e não construir uma teoria coerente. Se o neoliberalismo
puro e duro, está no cesto dos papéis, tendo em conta os seus resultados
práticos, ninguém terá vergonha de repescar alguns dos seus postulados (13);
por seu turno, o keynesianismo estará naturalmente disponível para oferecer os
seus paradigmas, para a constituição de um corpo de práticas híbridas que
elevem os ritmos de crescimento económico e aplanem as situações sociais mais
susceptíveis de agitação ou contestação. O mandarinato, precisa tanto de
estabilizar a economia como de se legitimar perante a multidão; e, essa
legitimidade, embora temporariamente possa ser conseguida com uma renovação de
gangs no poder, só poderá ser estabilizada em função dos resultados conseguidos
no capítulo da acumulação de capital.
O Estado nunca
deixou, em todo o processo histórico, de ter um papel importante na acumulação
de capital. No âmbito do neoliberalismo, desregulando, promovendo projectos,
subsidiando mas, aceitando ser vilipendiado para justificar privatizações de
bens e da gestão dos serviços públicos. Com a crise em curso, o Estado foi
chamado a proceder à socialização dos custos dos desmandos privados, juntando
àquelas funções, as de financiamento directo, através da canalização de um
fluxo brutal de impostos (presentes ou futuros) para o apoio ao sistema
financeiro fragilizado, assumindo a gestão global da crise.
Porém e
embora se procure que prevaleça uma lógica nacional, a verdade é que há uma
procura de concertação tão alargada quanto possível, nomeadamente na UE, onde a
integração económica das nações tem sido complementada no sentido da
constituição de um Estado supranacional, centralizado e anti-democrático,
acabada de ser coroada com a entrada em vigor do tratado de Lisboa em 1 de
Dezembro. Essa tendência corresponde, de facto, ao carácter global da tríade
(multinacionais, sistema financeiro, economia mafiosa) que há muito deixou de
se restringir a lógicas nacionais. As dificuldades do crescimento económico, da
geração de lucros, da estagnação e do recuo da economia da especulação, lançam
de novo na moda a actualidade do capitalismo monopolista de Estado, definido
por Sweezy.
E é neste
contexto de alguma perplexidade, de dúvida e anseio que vão surgindo ideias
reformadoras para a gestão capitalista. Esse contexto é também o que se
evidencia em meios da esquerda que, por ingenuidade ou premeditação, considera
o capitalismo de Estado como forma libertadora face ao capitalismo ou sonha com
um novo pacto social-democrata, agora à escala global, um capitalismo com
responsabilidades sociais e ambientais, de rosto humano (?) e outros epítetos
branqueadores. Em ambas as situações, estão todos desejosos de se englobarem na
esfera do poder, em compadrio com os partidos que vêm impondo a ementa
neoliberal, que esperam quem lhes escove o fato, para ficarem apresentáveis.
A
existência de gente e partidos de esquerda desejosos de entrar no barco é um
excelente contributo para que a margem de manobra dos reformadores do
capitalismo neoliberal seja grande. E uma forma que deve ser aproveitada para
sanear do âmbito da esquerda toda uma vasta gama de oportunistas e vulgares
aldrabões, em ansiosa espera de atenção e prebendas.
4 - O
que dizem e fazem alguns reformadores ilustres
Explicitam-se
aqui discursos críticos do capitalismo neoliberal, a partir de alguns dos seus
mais elevados expoentes, quer a nível ideológico, quer a nível político.
a) Gordon Brown, primeiro-ministro inglês
O
primeiro mandarim a adoptar medidas heréticas face ao missal dos neoliberais
foi Gordon Brown, com a primeira nacionalização na actual crise.
Sintomaticamente, recorda-se que a introdução do neoliberalismo na Europa
começou com Thatcher, também na Inglaterra. A City sabe muito e está na
primeira linha da inovação.
Brown,
ainda como ministro das finanças de Blair mostrou-se um bom aluno da “terceira
via” e propôs um “capitalismo de aliança” entre o mercado e o Estado. Seria uma
aplicação à escala global da receita de Roosevelt para os EUA – o New Deal -
com o objectivo de “garantir os benefícios do mercado, combatendo os seus
excessos” e “restaurar na economía internacional os fins públicos e os ideais
elevados”. Espera-se que não haja demasiada comoção entre os leitores com tão
sublimes propósitos, recortados dos moralistas escoceses do século XVIII,
quando inventaram a economia política.
De acordo
com Brown é preciso que os benefícios dos mercados globais e da liberalização
dos capitais minimizem os riscos de crise, maximizem as oportunidades para todos
e sustentem os mais vulneráveis (yes, we can!). Pretende-se que o funcionamento
dos mercados, sobretudo de capitais, seja livre, sem regulações ou controlos estatais
e onde cada operador (leia-se grandes instituições financeiras) age consoante
os seus desígnios admitindo-se, axiomaticamente, que daí resultam benefícios
estruturais para todos. Finalmente, a bem-aventurança eterna!
Porém e
contrariamente aos neoliberais, Brown admite imperfeições no mercado, tal como se
compreende que qualquer irrepreensível cidadão possa apanhar uma bebedeira
ocasional e necessitar que o levem a casa. Para o efeito existem poderes
públicos, para apoiar os mais vulneráveis (bancos falidos ou uns milhões de
desempregados) todos observados sob o mesmo diapasão igualitário – os
responsáveis e as vítimas. É um Estado como estabilizador automático que,
democraticamente, tanto pode injectar € 21500 M na General Motors como fez
Obama, € 3500 M (€350 por cada cidadão português) no BPN, como fornecer uns
centos de euros a desempregados, vergados sob o peso de condições ameaçadoras
para terem subsídio.
De
permeio e dado esse assumido maior dever de intervenção do Estado, Brown cria
as bases para um reforço do papel do mandarinato, tomado como um corpo de
funcionários políticos eivados de um elevado espírito de serviço público,
abnegados e dedicados, escuteiros com um forte pendor humanitário. É este
reforço do papel do Estado que tanto atrai gentinha na esquerda de plástico.
Recentemente
(6/11/2009), Brown depois de defender a necessidade de criar «um melhor
contrato social e económico que reflicta a responsabilidade mundial das
instituições financeiras para com a sociedade» propõe uma taxa sobre as
transacções financeiras internacionais. Como sabe que não arrasta todos os
necessários parceiros nesta iniciativa, mormente os EUA e a turma do BCE, faz
um brilharete sem melindrar os especuladores
Menos
ideológico e mais pragmático mas, dentro da mesma linha reformadora incluímos o
governador do Banco de Inglaterra, Mervyn King para o qual as novas regras de regulação
do sistema financeiro não serão suficientes para impedir futuras novas
injecções de dinheiro publico. E, radical na defesa do sistema, afirma que a
manter-se o risco elevado, nada melhor que promover a separação, em
instituições distintas da actividade normal dos bancos (recolha de depósitos e
concessão de crédito) das actividades especulativas e de risco elevado. (Lusa,
21/10/2009). Compare-se o arrojo destas afirmações com o cinzentismo dos
Trichets e dos Constâncios (14)
b) Daniel Held, professor na London School of
Economics
Held
mostra-se ciente que a estrutura do poder mundial após o desenlace em crise do
modelo de gestão global imposto pelos países ricos do Ocidente, não deixa estes
últimos muito bem na fotografia. E que é preciso agir com habilidade para
salvaguardar o essencial da influência euro-americana no panorama do poder
mundial.
Vê com
preocupação as alterações na correlação de forças entre o Ocidente e o resto do
mundo, puxado pelos conhecidos BRIC, com destaque para a China, que vem
mostrando cada vez mais um papel tutelar entre os países chamados emergentes; como
vê que o anémico crescimento dos países ocidentais depende muito do desempenho
dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). A evolução somente confirma as
alterações da estrutura.
Como
eurocentrista sabe que a multipolaridade dos poderes não convém ao Ocidente e
procura reformar as instituições para salvaguardar os interesses do capitalismo
de matriz ocidental, cedendo algumas peças aos outros países, no xadrez
mundial.
Depois de
décadas de actividade maléfica, o binómio FMI/Banco Mundial acha-se
desacreditado, nomeadamente nos países do Sul que, depois de terem sentido na
pele o produto do seu receituário, tomam tão sagradas instituições como peões
dos interesses dos países do Norte, das suas multinacionais e dos seus bancos.
Held defende uma reforma profunda do sistema FMI/Banco Mundial.
Estas
reformas têm uns aspectos fáceis e outros difíceis, acrescente-se. Não foi
difícil de materializar a criação de uma linha de crédito flexível, dirigida a
países “emergentes”, sem condições e, da qual o México foi o primeiro
utilizador, com $ 47000 M de empréstimo. A parte mais dura é a discussão sobre
a transferência de quotas no FMI de 3% (proposta europeia) a 7% (proposta
brasileira) a favor dos países chamados emergentes, uma vez que aí há
alterações no poder dentro das instituições.
Um dos vectores
da actuação ocidental é o fomento de uma segmentação entre os países
emergentes, com a cooptação desses países conhecidos pelo acrónimo de BRIC
(entre outros) para o sistema mundial de poder e de regulação, à semelhança do
ocorrido com o alargamento que conduziu à invenção do G20 e aplicável também às
emissões de carbono e aos mercados cambiais. Independentemente das dificuldades
na selecção dos países e regimes convenientes, importa, para os ocidentais é
integrar uns quantos no núcleo dirigente, tornados neutros ou cúmplices e
isolar os países não eleitos para esse núcleo duro à mercê da política de canhoneira
da NATO e dos EUA.
Sendo
evidente que as instituições mundiais do sistema da ONU não podem continuar a
ser dominadas pelo Ocidente, a aplicação da justiça social e da
sustentabilidade ambiental podem vir a constituir a base para a defesa de novos
vectores de estratificação, hierarquização do poder capitalista; para favorecer
o Ocidente, naturalmente.
Feito o
enterro do neoliberalismo e a expiação por parte dos seus promotores
ocidentais, o capitalismo seguirá à espera de uma nova crise, depois de mais
uma adaptação, de concentração de capitais e do estabelecimento de novas regras
do “politicamente correcto” para regular a concorrência.
c) George Soros, especulador financeiro e
filantropo
Vive bem
recostado na sua imensa fortuna, cujos pontos mais mediáticos foram os $ 1100 M
ganhos numa operação que prejudicou o Banco de Inglaterra, em 1992 bem como na
intervenção na crise asiática de 1997. Dedica-se, através da sua Open Society
Institute e de outras instituições, à promoção da democracia de mercado, à luta
contra a pobreza em África, a projectos no âmbito da educação na Europa
oriental (depois de ter apoiado movimentos de dissidência) e ao apoio ao pouco
recomendável Saakaschvili, presidente da Geórgia.
Enquanto
admirador de Karl Popper defende o individualismo e a dificuldade de se poderem
analisar os comportamentos das colectividades humanas, uma postura próxima de
Hayek que nega a sociedade como ente susceptível de um pensamento colectivo.
Assim, os factores de mudança partem sempre de refutações lógicas individuais e
de mudanças de paradigma, do quadro em que o indivíduo se insere. E daí o
desdobramento voluntarista de Soros em muitos projectos onde coloca a sua forma
de pensar, em que procura incutir a sua visão do mundo que irá mudando através
da sua actuação, como sujeito da História face a uma realidade que se mantém
como mero reflexo das acções individuais, incapaz de, autonomamente, gerar um
pulsar colectivo. Recorde-se que Popper é muito querido em meios intelectuais
da direita e próximos da “terceira via” inventada por Giddens, aplicada por
Blair e traduzida para aplicação local por parte do gang PS capitaneado por um
sacripanta que dá pelo nome de José Sócrates.
Apesar de
especulador, reconhece que a especulação financeira prejudica os países
subdesenvolvidos, o que dá particular credibilidade à afirmação, vinda de quem
vem. A culpa porém, cabe a um ente chamado fundamentalismo do mercado, pelo que
propõe uma economia mista gerida por um governo internacional, activo na
correcção dos excessos do individualismo que, filosoficamente defende enquanto
admirador de Popper. Nesse contexto, explica que a crise actual se baseia no
“excesso ideológico” de se admitir a auto-regulação dos mercados financeiros,
sem a intervenção estatal, resultando daí a sua aversão a George W Bush e ao
conservadorismo fascizante daquele, bem como o apoio declarado ao Partido
Democrata americano.
Assim,
Soros afirma ser necessário reformar as instituições de regulação e os acordos
multilaterais, para evitar o unilateralismo; no entanto, teme que essa regulação
seja excessiva e mate o mercado ou que falhe na adivinhação dos problemas, como
aliás, já hoje está patente. Postula que é preciso reduzir as desigualdades
entre os países e mesmo dentro de cada um deles, de modo a que a integração
social ocorra em paralelo com a dos mercados, o que revela o seu optimismo
inveterado na bondade humana. Soros sabe bem que é preciso manter o povo sereno
na sua mediocridade para que os (seus) negócios prosperem e o capitalismo
vingue.
Defende
que a dívida dos países em desenvolvimento deve ser extinta ou drasticamente
reduzida para que as poupanças daí resultantes possam ser aplicadas no estímulo
das economias locais, contribuindo estas para o relançamento global. Porém, sucede
que sem democracia nesses países, essa poupança vai direitinha para o luxo e para
paraísos fiscais, canalizada por ditadores e corruptos vulgares.
Como a
pobreza e a ameaça ambiental atingiram um grau de gravidade é preciso instituir
um plano maciço de ajudas do Norte para o Sul, um género de Plano Marshall; sem
dúvida, a dificuldade é convencer os governos dos países ricos a preferirem
isso em prejuízo do financiamento dos seus financeiros e banqueiros, como se tem
visto na preparação da próxima conferência de Copenhaga.
Soros,
descobriu também que é necessária uma segunda revolução verde, particularmente
em África e para tal, nada melhor do que a generalização do uso de sementes
geneticamente modificadas, com a infestação do meio ambiente e impactos
desconhecidos na população… mas que a Monsanto aplaude com as mãos todas que
tem. Acontece também que a primeira revolução verde beneficiou largamente a
concentração da produção agrícola e a comercialização de sementes em prejuízo
dos milhões de camponeses pobres, forçados a largar a terra para engrossar a
pobreza nas cidades.
Finalmente,
Soros considera que a necessidade de sustentabilidade ambiental deve absorver
grandes recursos e enformar a economia global, tendo os Estados um papel
dirigente – é o keynesianismo verde ou o capitalismo verde; como há quem polua,
a despoluição e a reconstituição do ambiente vêm gerando, naturalmente novos
negócios, promovidos por empresas tão ecológicas quanto isso se reflicta nos seus
lucros
d) Bill Gates, o “special one” do dinheiro
Como
reformador, Bill Gates criou em 2006 o seu Global Development Program para
aumentar as oportunidades dos países subdesenvolvidos de sairem das situações
de fome e pobreza. No relatório de 2008 da sua Fundação refere a existência de
1000 M de pessoas com fome crónica e mais de 1000 M em pobreza extrema; e aí
lamenta-se pungentemente que a crise alimentar resultante da especulação e a
crise financeira global não tenham melhorado em nada a situação. Até aí, nada a
objectar.
Quando o
relatório refere “We believe 2008 will be remembered as a turning point in the
world's efforts to address hunger and poverty”, entendemos que está tudo
explicado. Gates acredita - “we believe” -tal como para Obama tudo se resume a
um “yes, we can!”. Ainda há homens de fé!
Menos
piedosa, no caso do Gates, foi a iniciativa de reunir com mais uns quantos
multimilionários (incluindo o acima referido George Soros) (15) para discutir
os problemas do mundo e que concluíram ser o crescimento populacional uma
terrível ameaça ambiental, social e industrial. Meses antes, em Fevereiro,
Gates já havia defendido planos para uma redução da natalidade e da dimensão da
população mundial. Realmente, entre os ricos houve sempre grande tentação para
eliminar a pobreza com os pobres incluídos, como brinde (16).
e) Jeffrey Sachs,
professor de Economia na Universidade de Columbia, onde é director do Earth
Institute
Este
idealista defende a triplicação do montante da ajuda aos países pobres. Ora
qualquer cêntimo, nas actuais circunstâncias. tem elevada probabilidade de
parar no bolso de um mandarim local ou de engordar uma ONG pouco escrupulosa
que, por outro lado, explorará os bons sentimentos de solidariedade de muitos
cooperantes. Acresce ainda que, se a liberalização do comércio decretada pela
OMC mais não faz que reproduzir o modelo da troca desigual e a descapitalização
dos países pobres, as ajudas tendem a eternizar o ciclo roubo-ajuda-roubo.
Diz
também Sachs que a pobreza a responsável pela má governação em África (O Fim da
Pobreza, 2005). De facto, é mais ao contrário, essa má governação é a imposta
pelas multinacionais e pela banca internacional que, para conseguirem a rapina
das riquezas, precisam de impedir qualquer democracia em África, arranjando
ditadores e mandarins corruptos, surgindo a pobreza como consequência e não
como causa da má governação. A má governação de Karzai no Afeganistão não emana
da pobreza do povo mas, do financiamento dos EUA aos senhores da guerra, ao
alcaide de Cabul e amigos.
Contudo
Sachs é um acerbo crítico das guerras americanas no Afeganistão e no Iraque,
dos recursos que são esbanjados no orçamento de defesa de Obama e com a
ausência de apoio ao desenvolvimento das administrações dos EUA que preferem
bombardear primeiro, esperando que depois os povos lhes venham, agradecidos,
comer na mão.
Sachs,
juntamente com a cantora Shakira, terão estado em Portugal durante a recente XIX
Cimeira Ibero-Americana em reuniões com líderes latino-americanos para promover
a urgência de se conseguir uma cobertura universal da educação, saúde e
nutrição das crianças da América Latina entre os 0 e os 6 anos.
f) Stiglitz, prémio Nobel da Economia, ex-quadro do Banco Mundial é,
talvez o mais consistente dos reformadores
Depois de
trabalhar, desde 1993, no Council of Economic Advisers no tempo de Bill Clinton,
tornou-se economista-chefe no Banco Mundial, em 1997, onde se desiludiu com as
falsas teorias em vigor, que encobriam a ausência de transparência e rigor na
gestão pública, visando o consequente favorecimento de interesses privados.
No seu
livro “Globalização e os seus Descontentes” (2002) acusa o FMI de contribuir
para a crise asiática, para o descalabro argentino, para o falhanço da
conversão russa em economia de mercado e pelo baixo nível de desenvolvimento da
África Negra. Refere ainda os contributos do FMI, em termos da política fiscal,
com as altas taxas de juro, a liberalização do comércio e dos mercados de
capitais, bem como a privatização dos bens públicos, para o enriquecimento das
multinacionais.
Neste
contexto, recorda-se o acordo extra-parlamentar, em 1989 entre Constâncio, como secretário-geral do PS
e o primeiro-ministro Cavaco para efectuar as privatizações e reduzir a dívida
pública (então de 71.7% do PIB). Entretanto, a dívida estava ao mesmo nível em
2008 (70.7%), recentemente teve um enorme aumento para 85.9% do PIB este ano, o
Estado empobreceu mas, o capital engordou. Ah, um pormenor interessante:
Constâncio esteve em 1988 a receber instruções na conferência Bilderberg. E os
ditos facínoras ainda andam aí.
Recorda
Stiglitz, aos fundamentalistas do mercado e aos esquecidos, que para Adam Smith
o mercado livre só existe nos casos em que haja concorrência perfeita, onde a
informação sobre o mesmo bem fosse idêntica para todos, entre patrão e
empregado, entre empresa e consumidor, ou entre credor e devedor; como o que
existe, em regra, é a concorrência imperfeita (situações de oligopólio,
nomeadamente) existe a tendência para considerar a intervenção do Estado para
corrigir essas imperfeições e perseguir a eficiência. Na realidade, essa
intervenção, protagonizada por mandarins e agentes das grandes empresas, vem
gerando a eficiência necessária mas, para o favorecimento dos oligopólios. Que,
estranhamente, são as entidades que mais falam de concorrência, mercado livre,
transparência, rigor, regulação…
Considera
as políticas do FMI ou do “Consenso de Washington” (17) uma mistura de
ideologia e falsa ciência. Quando os neoliberais aplaudem o mercado livre, sem
a intervenção do Estado, justificam que são os salários mais baixos que
resolvem o problema do desemprego e que o crescimento cria “naturalmente”
riqueza para todos. Está bem à vista, na Europa e nos EUA, que a consideração
do trabalho como um mercado, jogo de oferta e de procura é um logro criminoso
que conduz ao abaixamento dos salários reais, não resolvendo o problema do
desemprego e que as desigualdades na distribuição do rendimento aumentaram,
como atrás se evidenciou, numericamente.
O FMI/BM,
a OMC não são transparentes nem são responsáveis perante ninguém, não têm qualquer
supervisão, tomam decisões sem debate público, envolvendo até aspectos
ambientais e laborais, sem admissão de recurso. Acrescente-se que os seus
dirigentes não passam por qualquer crivo democrático; são mandarins designados
por governos, no pressuposto da sua fidelidade às prescrições do missal
neoliberal e da total compreensão e deferência para com os interesses dos
bancos e das multinacionais, o mesmo sucedendo com as instituições da UE. A
democracia de mercado fica nas fronteiras das nações, não contagia as
instituições internacionais.
Stiglitz critica
a imposição do estabelecimento de economias de mercado, nos países
subdesenvolvidos sem uma observação mínima das condições em que funciona a
sociedade objecto da “terapia”; liberalização do comércio sem a medida dos
impactos nas empresas locais, desmantelamento de instituições regulatórias
públicas e objectiva criação de um capitalismo mafioso, incapaz de gerar
desenvolvimento e uma classe média. Por outro lado, o FMI ao impor uma
prematura liberalização dos movimentos de capitais incentivou a entrada maciça
de dinheiro de curto prazo, geradora de inflação perante a qual o FMI apenas se
cingia a onerar as condições para os empréstimos, com apertos fiscais e subidas
dos juros, dos quais resultaram falências, desemprego - agravado pela insipiência
da protecção social - e ausência de oportunidades para o crescimento de
qualquer negócio.
Neste
contexto de endividamento, diz Stiglitz, o FMI preocupa-se principalmente com
os bancos credores, emprestando dinheiro aos países devedores, dinheiro esse
que é rapidamente encaminhado para a Suíça e offshores, para as contas dos
corruptos mandarins locais. Por outro lado, os bancos que emprestam não se
preocupam demasiado com a solvência do país devedor porque sabem que, em última
análise o FMI irá emprestar para salvar a situação; e, sabendo disso, carregam
nos juros baseado no cotação do país, decretado pelas agências de “rating” que
recentemente, bem demonstraram a sua incompetência ou incúria. E para que o
sistema macabro fique completo, o FMI exige o cumprimento ao país devedor que,
sem dinheiro, se vê obrigado a vender ou privatizar as suas empresas, as quais
irão acabar nas mãos de multinacionais ou grupos financeiros, que oferecem um
baixo preço, aproveitando a situação de rotura do devedor.
Como o
importante é a estabilização, para pagar a dívida e os juros aos bancos, faltam
recursos para desenvolver os cuidados de saúde, a educação, a habitação e, como
o mercado não gera emprego, os desempregados que se amontoem pelas ruas. No
entanto, Keynes ao conceber o FMI atribuiu-lhe as funções de ajuda ao
desenvolvimento; porém, a lógica neoliberal, modificou essas funções para
nutrir o sistema financeiro internacional e fornecer por bom preço, às
multinacionais, as empresas locais, através da privatização.
Na sua
análise realista de bom conhecedor do FMI e das suas práticas, Stiglitz propõe
uma reforma profunda do FMI/BMundial, vocacionando-se aqueles para o apoio ao
desenvolvimento dos países pobres e endividados, com políticas específicas para
cada um e, não a conhecida fórmula estandardizada, alicerçada no Consenso de
Washington.
Em
alternativa, propõe uma actuação a contemplar – ainda que de maneira gradual e
cuidadosa para os países subdesenvolvidos – a reforma agrária capitalista, as
privatizações, a liberalização do mercado de capitais, políticas de
concorrência, de criação de apoios aos trabalhadores, segurança social e
infra-estrutura de saúde e educação. Trata-se, pois de aplicação de um utópico
modelo de aproximação ao funcionamento das economias de mercado desenvolvidas,
considerando a existência de instâncias públicas nacionais e multilaterais com
capacidade de imporem normas à tríade do sistema financeiro, das multinacionais
e do capital mafioso; e, susceptível de inverter a hierarquia do poder dentro
do sistema capitalista, gerador de instantâneo e permanente de desigualdades.
Na
realidade, Stiglitz apresenta-se como um técnico a propor soluções, concebendo-as
como de aplicação possível dentro do sistema capitalista acreditando que elas
não serão liminarmente afastadas por quem detém o poder mundial. Embora do
ponto de vista analítico defenda que não há reforma económica a nível local ou
global sem o funcionamento da democracia em ambos esses níveis, entendendo
nesse âmbito, por exemplo, o aumento do peso das quotas dos países em
desenvolvimento no FMI e que ainda não foi conseguido.
É, uma
vez mais, uma emanação reformista capaz de agradar a alguma esquerda de papelão,
sempre pronta ao aplauso de quem defenda as virtualidades de um Estado,
nacional ou global, como vectores determinantes
de um capitalismo inteligente e socialmente responsável.
g) Obama, “powerpoint” promocional do
capitalismo
Deixamos
para o fim o simpático e bem falante Obama, pela sua relevância simbólica como
presidente dos EUA.
Em Junho,
Obama apresentou as suas linhas para a “maior reforma financeira que a América
conhece desde a Grande Depressão”. Deixando de lado a sobranceira mania de
confundir América com EUA, reduzindo a zero centenas de milhões de outros
americanos, Obama quer evitar os excessos cometidos no passado e equilibrar a
liberdade dos mercados accionistas com a regulação. Como se sabe, qualquer
regulação é falível, por diversas razões; os seus membros têm uma lógica de
pensamento semelhante aos regulados (de cujo seio emanarão), porque a ânsia na
produção de formas fáceis de ganhar dinheiro anda sempre léguas à frente dos
olhos dos reguladores, porque existirão sempre barreiras burocráticas a vencer
pelos reguladores, que se não colocam aos manipuladores do mercado e ainda,
porque a celeridade e volatilidade típicas do chamado mercado de capitais pode
gerar, a qualquer momento, colapsos impossíveis de prever. Neste contexto e
tendo em conta o apoio dos meios financeiros às medidas de Obama, os interesses
da oligarquia estão acautelados, sem que ritualmente, a União dos Bancos dos
EUA e a Comunidade Independente dos Banqueiros se manifeste contrária.
Em
concreto, o plano de Obama – depois de acertadas as coisas com os magnatas da
Wall Street, de onde vieram muitos dos seus assessores - consiste em:
·
Permitir
ao governo e ao FED a possibilidade de assumir o controlo de uma grande empresa
financeira cujo colapso possa ter efeitos sistémicos, para evitar a mobilização
de dinheiros públicos, como aconteceu em 2008, ainda no consulado de Bush;
·
Um
banco que entre em colapso poderá ver os seus bens vendidos e a administração
demitida, sendo o seu resgate pago por taxas aplicadas a todos os bancos com
mais de $ 10000 M de activos (cerca de 120) e a pagar durante tempo
indeterminado;
·
Para
evitar instabilidades financeiras, as autoridades podem decretar que o Fundo de
Depósito Federal alargue o crédito que concede e garanta os débitos dos bancos
com problemas o que, na prática, constitui a segurança total para os
“investidores “ da Wall Street – ter a almofadinha fofa do Estado sempre
disponível;
·
Uma
vez que o Estado não voltará a deixar falir um grande banco como o Lehmans,
estes vêem-se reforçados, impunes e sempre prontos a comprar, em saldo, bancos
mais pequenos em dificuldades. É todo um incentivo à concentração de capital
que fica montada e, perante tantas facilidades nem se percebe porque têm
salários pornográficos os altos gestores do sistema bancário;
·
A
desejável separação entre bancos comerciais e bancos de investimento proposta
pelo governador do Banco de Inglaterra recentemente (ver acima no âmbito da
referência a Gordon Brown) é esquecida por Obama, apesar de essa promiscuidade
ter altas responsabilidades na crise financeira actual. No entanto, os EUA
tinham disponível o precedente de Roosevelt (Glass-Steagall Act, de 1933) que proibiu
os bancos comuns de tocar em títulos de risco, política que recentemente foi
defendida também por Paul Volcker, antigo presidente do FED. É evidente que
Obama nunca seguiria esse caminho pois, obrigaria à partição dos grandes bancos
(Citigroup, JPMorgan…), exactamente o oposto à actual política governamental de
incrementar a concentração bancária!
·
Quanto
aos derivados – colossal e obscuro conjunto de “produtos”, calculado em $ 592*1012
- a grande maioria vai continuar sem supervisão, deixando no ar a pergunta:
para quando a próxima crise?
·
A
ideia de criar uma Agência de Protecção Financeira do Consumidor irá deixar de
fora 98% dos bancos do país (18) e virá a permitir que o governo federal altere
leis de defesa do consumidor estaduais, bem mais duras que as federais. Deste
tipo de reguladores para defesa do consumidor há muitos em Portugal, qual deles
o mais inútil para esse efeito; servem para a colocação lá de mandarins,
convencer a plebe de que tem neles uns escudeiros em sua defesa, ocultando que
não passam de órgãos corporativos, financiadas por quem “fiscalizam” (ver a
obra jurídica de Marcelo Caetano que explica como funciona o Estado
Corporativo).
- - -
Em grande
parte, as medidas tomadas têm por objectivo a aplicação num quadro nacional,
pese embora a grande interacção existente entre os diversos países.
Contrariando as propostas dos reformadores mais lúcidos, que propõem soluções
num quadro multilateral, Strauss-Kahn, director-geral do FMI, afirmou em
Setembro último que a reforma da regulação internacional ficará adiada .., para
não comprometer a retoma, nem aumentar os riscos da desestabilização
financeira, dando-se portanto a primazia à superação da crise. Perante tais
afirmações proferidas em Setembro, fica explicada a ineficácia da resolução dos
ministros da UE do passado dia 3 de Dezembro, mesmo que anunciada com o ar
festivo e triunfal costumeiro
E, num
quadro de enorme fraqueza do dólar, objecto de discreta substituição por outras
moedas, todos os BRIC defendem a adopção de uma nova divisa internacional,
gerida eventualmente pelo BIS – Banco de Compensações Internacionais, antes que
se esfarele o valor real das suas divisas em dólares que, no caso da China
equivalem a $ 2000*109 . Stiglitz é da mesma opinião e aponta que o
actual sistema baseado no dólar “é parte do problema”. Quanto a isto, o
referido Strauss-Khan, pretendendo tapar o sol com uma peneira, defendeu que o
dólar se reforçou durante a crise e que continua a ser um “activo refúgio sem
igual”. Deve ter muitos debaixo do colchão…
_____________________________________________
(1) Diário Económico 16/9/2009
(2) Diário Económico 3/6/2009
(3) Aumento
dos preços dos bens alimentares e redução do IVA para 20% (http://esquerda_desalinhada.blogs.sapo.pt/19137.html)
(4) Em relação ao ouro refira-se
(Expresso, 30/5/2009) que Portugal tinha 606.7 t de reservas em 2001 e tem este
ano 382.5 t. Essas vendas, objecto de política comunitária, foram feitas a €
280 a € 600 por onça, no período 1999/2006 e agora o preço é de € 950.
(5) Democracy Now 5/8/2009 e 20/11/2009
(6) De acordo com o FMI (Abril/2009), de
2007 a 2010 deverão ser amortizados $ 4 100 000 M dos quais, à data somente um
quarto tinha sido efectivado. Para melhorarem os seus indicadores de capitais
próprios os bancos terão de aumentar o capital em $ 875 000 M ($375000 M na
Europa, $275000 M nos EUA e $100000 M na Inglaterra) (Diário Económico, 22/4/2009)
(7) Democracy Now 28/8/2009
(9) Extraido
de “A Tale of Two Depressions” de Barry Eichengreen e Kevin H. O’Rourke (set/2009)
(www.voxeu.org)
(10) Ver “Um problema mundial chamado
NATO”
http://www.scribd.com/doc/20691174/Nato e neste blog
(11) Jornal de Negócios, 8/6/2009
(12) Jornal de Negócios, 23/11/09
(13) Quando Strauss-Kahn, do FMI, aponta
para Portugal. não abandona o receituário que tornou famoso o FMI nas últimas
décadas - redução da massa salarial da função pública, redução da despesa com
transferências sociais, aumento de
impostos, em particular do IVA, continuar a apostar na simplificação
administrativa, implementar o novo código laboral, reexaminar os benefícios do
subsídio de desemprego e reconsiderar os aumentos do salário mínimo planeados.
Imaginamos a conhecida Teresa Terminasian a fazer as malas para voltar a
Portugal e ditar de novo os decretos ao ministro das Finanças.
(14) Como vão ser criados três
reguladores na UE para o sector financeiro, não seria estranho que Constâncio
fosse para um deles ou para o BCE, como foi aventado recentemente. Ficaria lá
bem pois a cor predominante nesses cenários é o cinzento – com Barroso,
Trichet, o von–qualquer-coisa, presidente da UE, todos bons falantes de várias
línguas. Para quem não saiba, poliglota é alguém que sabe dizer o mesmo
disparate de muitas formas.
(15) The Sunday Times 24/5/2009
(16) Ainda dentro da mesma linha de
elevada preocupação com o fim da pobreza estiveram os distintos deputados portugueses
que aprovaram um projecto de resolução de que mais ninguém se lembrou. A
pobreza tem tanto de assunto sério como de hilariante foi ver aqueles gordos e
luzidios representantes da nação votar o projecto Pela mesma época o brincalhão
Cavaco decidiu utilizar a pobreza como um instrumento fraudulento na sua
cruzada contra o divórcio. (Erradicação da pobreza por lei ? - Julho/2008, neste blog)
(17) “Consenso de Washington” é um missal
criado pelos sector financeiro em 1990 para aplicação à América Latina.
Apresenta os seguintes salmos: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos,
reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, liberalização do
comércio externo, investimento estrangeiro directo, sem restrições, privatização
das empresas públicas, desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e
laborais) e direito à propriedade intelectual.
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